1 Introdução
Existem dois modelos teóricos principais para a interpretação da deficiência: o modelo individual e o modelo social. O primeiro deles vê a deficiência como uma limitação corporal e dá ênfase ao desvio de padrão do funcionamento biológico, que depende de avanços da medicina para o tratamento adequado e o bem-estar das pessoas com deficiência. Em contrapartida, o segundo modelo compreende a deficiência como uma expressão da diversidade que requer adequação da sociedade para ampliar as diferentes formas de manifestação dos indivíduos no mundo. Assim, implica a sociedade como um todo na responsabilidade de lidar com a deficiência como uma questão social (Oliver, 1990; Santos, 2008).
A deficiência intelectual (DI) é um tipo de variação de deficiência e é definida como limitações no funcionamento intelectual, originada antes dos 22 anos de idade, que diz respeito à capacidade mental geral, como a aprendizagem, o raciocínio ou a resolução de problemas; e como limitações no comportamento adaptativo, que compreende habilidades conceituais, sociais e práticas, que são aquelas habilidades adaptativas presentes em atividades da vida diária estabelecidas pela sociedade que exigem o aprendizado para que cada um realize atividades com autonomia. Para o seu diagnóstico, consideram-se as limitações do funcionamento do indivíduo dentro de contextos de ambientes típicos de indivíduos da mesma faixa etária e, principalmente, da mesma cultura. Fatores adicionais, como a diversidade linguística do contexto da pessoa e a consideração dos pontos fortes em que o nível de funcionamento de vida poderá melhorar com suportes personalizados, deverão ser considerados, conforme a American Association on Intellectual and Developmental Disabilities ([AAIDD], 2021).
Mais especificamente, a AAIDD (2021) define comportamento adaptativo como um conjunto de habilidades conceituais, sociais e práticas, as quais as pessoas aprendem e desempenham em suas vidas diárias. Além disso, estabelece as habilidades conceituais relacionadas à linguagem e à alfabetização, como de dinheiro, de tempo e número, e de autodireção; as habilidades sociais, como as interpessoais, a responsabilidade social, a autoestima, a credulidade, a ingenuidade, a resolução de problemas sociais e a capacidade de seguir regras; as habilidades práticas, como cuidados pessoais (alimentação, mobilidade, vestimenta, uso do banheiro); e as habilidades ocupacionais, cuidados com a saúde, transporte, horários, rotina, segurança, uso do dinheiro e uso do telefone. Salienta-se que a abordagem atual de interpretar a DI traz como premissa avaliar as pessoas a partir de suas necessidades de apoio e não pelos seus déficits, o que traz implicações significativas tanto no planejamento de estratégias quanto na melhora do desempenho em atividades da vida diária.
A avaliação do comportamento adaptativo mostra-se imprescindível para determinar o perfil e as necessidades de apoio que a pessoa com DI precisa, mas pesquisas indicam que tal quesito não tem sido bem avaliado no Brasil (Ferreira & Munster, 2015; Gusmão, 2019), o que dificulta o desenvolvimento de propostas no trabalho atuante com a pessoa com DI (Pletsch & Glat, 2012). O objetivo de obter esse tipo de instrumento é poder demonstrar, de maneira objetiva, quais são as áreas que necessitam de menor ou de maior suporte, proporcionando ao profissional a possibilidade de desenvolver um plano individual de apoio para a pessoa com DI (Alles et al., 2015), investindo na melhoria da qualidade de vida e auxiliando na inclusão social dessas pessoas ao possibilitar o desenvolvimento de competências e o favorecimento da autonomia.
Comparada a outros tipos de deficiência, a DI encontra-se em uma situação peculiar, principalmente pelas crenças e pelas ideias dominantes na sociedade que lhe confere a condição de eterna infantilização, dependência e incapacidade de responsabilizar-se pelos próprios atos, excluindo-a do direito de exercer a cidadania respaldada em uma vida autônoma (Dias & Oliveira, 2013), o que representa uma violação aos seus direitos como pessoa, segundo a Declaração de Montreal sobre deficiência intelectual (2004).
Sobre conceito de autonomia, também é importante considerar que o ser humano, por sua necessidade natural de socialização, é, em parte, dependente de suas relações com familiares, amigos, contexto e cultura, o que faz com que a possibilidade da autonomia ocorra sempre em relação aos demais, sendo relativa e sujeita a um conjunto de regras (Campos & Campos, 2006). Davy (2015) assenta que relacionamentos de apoio são especialmente importantes para pessoas com DI e afirma que tais relacionamentos são necessários para possibilitar que qualquer sujeito seja autônomo. Para a autora, sem as diferentes formas de apoio emocional, financeiro, prático e experiencial, oferecidos por familiares, amigos, sociedade e governo, ninguém é capaz de operar autonomamente. Assim, princípios da autonomia devem abranger a experiência de pessoas com DI e cuidadores e considerar facilitadores e barreiras ao seu exercício, de modo a captar adequadamente as noções de interdependência e de apoio, cruciais para o desenvolvimento dessas pessoas.
Ademais, utilizado por diversas áreas do conhecimento, o conceito de competência é alvo de inúmeras definições e interpretações que se modificam de acordo com o domínio e o contexto em que é utilizado (Sá & Paixão, 2013). Para efeitos da presente investigação, o conceito de competência é compreendido como a possibilidade de mobilização dos conhecimentos, das habilidades e das atitudes em ações da vida diária, de forma o mais autônoma possível, em busca da construção de uma interdependência com a família, com o cuidador e com a escola, que garanta melhor qualidade de vida a todos.
Nesse sentido, e em relação ao público de pessoas com DI, Gunzburg (1957) considerou necessário o desenvolvimento e a avaliação de competências sociais que abrangem quatro áreas do desenvolvimento: comunicação (linguagem, escrita e leitura, atividades numéricas, autodireção); cuidados pessoais (hábitos à mesa, hábitos higiênicos, cuidados com o vestuário, locomoção e saúde); socialização (atividades de lazer e iniciativa social); e ocupação (habilidades manuais). Para tal avaliação, o autor desenvolveu um instrumento denominado Progress Assesment Chart (PAC), traduzido no Brasil como Perfil de Avaliação de Competência Social (Pereira, 1973), com o objetivo de avaliar o nível de independência nas respectivas áreas do desenvolvimento. É possível observar que basicamente as áreas do desenvolvimento elencadas pelo autor vão ao encontro ao que é definido hoje como comportamento adaptativo. Uma avaliação pessoal também é proposta no PAC, no qual são elencadas algumas características pessoais com o objetivo de avaliar comportamentos da pessoa com DI.
O instrumento conta com um diagrama em formato de círculo, que funciona como um mapa, ou um relatório visual, que torna possível identificar visualmente as áreas que têm habilidades mais avançadas e aquelas que precisam ser desenvolvidas. O diagrama é dividido em quadrados que correspondem a cada um dos itens do questionário, a serem sombreados com força os itens que apresentam habilidades desenvolvidas e sombreados levemente os itens que apresentam habilidades ainda não desenvolvidas.
A pesquisa mais recente, tanto em nível nacional quanto internacional, que utiliza o PAC, ocorreu no Brasil (Pérez-Ramos et al., 2004). Com o objetivo de investigar a importância da avaliação da competência social como estratégia no processo avaliativo de pessoas com DI, o estudo evidenciou que essa tática abre caminhos promissores à valorização pessoal da pessoa com DI e à diminuição da discriminação, podendo promover a inclusão no âmbito educacional e profissional.
As dificuldades atreladas ao desenvolvimento de competências e ao favorecimento da autonomia da pessoa com DI estão relacionadas às circunstâncias do contexto familiar, escolar e social (Arantes & Namo, 2012). É bastante comum encontrar pessoas com DI na idade adulta que não aprenderam a desenvolver tarefas cotidianas ao longo da vida em relação a aspectos básicos como autocuidado, autoproteção, entre outros. De acordo com Glat (1992), preocupações e dificuldades cotidianas associadas à incerteza que os pais têm sobre o nível de autonomia do filho com DI resultam em uma postura de superproteção. Quanto mais prolongada a predominância dessa postura, maior a falsa sensação de imaturidade em relação à pessoa com DI (Fonseca et al., 2020).
Nessa perspectiva, a escola apresenta-se como possibilidade de as pessoas com DI expandirem suas habilidades, incluindo habilidades de vida prática e interpessoais e explorarem oportunidades de fazer suas próprias escolhas (Lindstrom et al., 2008). Contudo, ela enfrenta impasses no sentido de propor e de desenvolver tarefas que não são adequadas aos alunos com DI, pois se mostram distantes da realidade desses alunos (Suplino, 2005). A recente prática de inclusão de alunos público do Atendimento Educacional Especializado (AEE) no ensino regular tem mostrado que atendê-los tem sido um desafo para os professores que, na maioria das vezes, dispõem de uma formação precária no que diz respeito à Educação Especial. Por esse motivo, os professores tornam-se incumbidos de uma educação que se torna confituosa e insegura, a qual se mostra insuficiente para construir práticas que promovam a autonomia, a criatividade e o desenvolvimento de competências (Silveira & Neves, 2006; Sousa, 2013).
Esses problemas relacionados ao espaço escolar, somados às dificuldades da família em contribuir para uma maior independência e autonomia dos filhos, contribuem para que as experiências de inclusão sejam pouco efetivas (Glat & Pletsch, 2011; Silveira & Neves, 2006; Sousa, 2013; Tavares et al., 2016). Para fazer frente a esse cenário, considerando as definições e as formas mais recentes de abordar essa dimensão da deficiência, o objetivo desta pesquisa foi investigar quais as estratégias de intervenção estão sendo utilizadas nas escolas de Minas Gerais para favorecer o desenvolvimento de competências e de autonomia da pessoa com DI, levando em consideração a avaliação do comportamento adaptativo e a participação da família nesse processo, conforme sinalizado pela literatura.
2 Método
Foi realizada pesquisa exploratória, de abordagem quantitativa e qualitativa, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) envolvendo seres humanos da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), conforme o Parecer número 2.940.638.
Para a coleta de dados, foi desenvolvido questionário online respondido pelos participantes. Os requisitos éticos e o caráter voluntário foram garantidos mediante consentimento livre e esclarecido. O universo da pesquisa foi constituído por professoras do ensino público e privado, incluindo as escolas comuns e as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs) do Estado de Minas Gerais. O questionário foi composto inicialmente por dados sociodemográficos, de modo a caracterizar o perfil das professoras respondentes, contendo sexo, idade, cidade, formação, ocupação (professora de APAE, apoio ou regente), o tipo de escola (pública ou privada) e os tipos de deficiência que possuem os alunos nas turmas que lecionam.
Foram propostas perguntas abertas que investigaram o tipo de avaliação que é feita na escola aos alunos com DI – se fosse feita –, na qual foi solicitado o nome do instrumento ou da descrição do método; e como é realizada a intervenção para o desenvolvimento de competências e/ou de autonomia dos alunos com DI – caso fosse feito algo nesse sentido. O questionário abordou ainda se há o envolvimento da família nesse processo de intervenção e, se sim, como se dá o envolvimento.
Além disso, fundamentado no PAC, foram listadas habilidades relacionadas a competências sociais abordando áreas do desenvolvimento, divididas por subfatores e itens detalhados, de modo a investigar se, na escola em que o professor atua, os estudantes com DI são avaliados segundo tais itens (Quadro 1). Foi disposta uma escala de respostas, adotada no questionário, que variou entre os valores 1 a 5, sendo: 1- Nunca; 2- Algumas vezes; 3- Com frequência; 4- Na maioria das vezes; 5- Sempre, das quais o professor ou a professora respondeu sobre a frequência em que a escola avalia aquela habilidade. É importante ressaltar que foi feita uma adaptação do instrumento para o contexto atual, considerando que sua tradução e adaptação para o contexto brasileiro ocorreu na década de 1970.
Área do desenvolvimento | Subfator | Itens |
---|---|---|
Comunicação | A) Linguagem |
1. Relatar acontecimentos simples, de modo compreensível. 2. Compreender perguntas simples e dar respostas adequadas. 3. Lembrar de dar recados. 4. Obedecer a ordens simples. 5. Definir palavras simples. 6. Repetir uma história, sem muita dificuldade. |
B) Escrita e leitura |
7. Ler e interpretar informações simples (por exemplo, cartazes informativos, cardápio etc.). 8. Ler livros simples. 9. Segurar um lápis e imitar traços. 10. Desenhar pessoas (apresentando cabeças, braços e pernas) e casas reconhecíveis. 11. Assinar o nome. |
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C) Atividades numéricas |
12. Discriminar “um” e “muitos”. 13. Arrumar objetos por ordem de tamanho. 14. Reconhecer o dinheiro. 15. Manejar situações simples que envolvem dinheiro (pagar a passagem do ônibus, comprar um lanche ou objeto pessoal, dar o troco etc.). |
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D) Autodireção |
16. Diferenciar e nomear cores. 17. Diferenciar curto x longo, grande x pequeno, pesado x leve. 18. Referir-se corretamente à manhã e à tarde. 19. Diferenciar esquerda e direita. 20. Nomear dias da semana. 21. Reconhecer dias da semana. 22. Associar as horas do relógio com ações e acontecimentos. |
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Cuidados pessoais | E) Hábitos à mesa |
23. Usar o talher adequadamente enquanto se alimenta. 24. Tomar um líquido sem derramar. 25. Servir um líquido sem derramar. 26. Possuir boas maneiras à mesa (mastigar de boca fechada, usar o guardanapo etc.). |
F) Hábitos higiênicos |
27. Lavar as mãos com sabão. 28. Conservar-se limpo ao longo do dia. 29. Cuidar de si no banheiro. |
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G) Cuidados com o vestuário |
30. Tirar e por peças simples do vestuário. 31. Desabotoar botões. 32. Amarrar o sapato. 33. Conservar-se arrumado ao longo do dia. |
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H) Locomoção |
34. Subir escadas, um pé em cada degrau. 35. Andar com os outros sem precisar de muita supervisão. 36. Reconhecer o trajeto das salas e dos espaços dentro da escola. |
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I) Saúde |
37. Relatar apropriadamente problemas físicos. 38. Cuidar de seus problemas físicos mais leves, apropriadamente. 39. Ser cuidadoso com objetos que podem causar ferimentos. 40. Aceitar tomar medicação. 41. Tomar medicação sem supervisão. 42. Saber como obter assistência em caso de emergência. |
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Socialização | J) Atividades de lazer |
44. Participar de jogos de equipes e obedecer às regras. 45. Participar de jogos simples de bola. 46. Participar de jogos simples de mesa. 47. Ouvir música. 48. Reconhecer o estilo musical que gosta. |
K) Iniciativa social |
49. Ter boas maneiras na escola. 50. Ser cortês (dizer bom dia, bater à porta, desculpar-se). 51. Cooperar de modo geral com os outros. |
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Ocupação | L) Habilidades manuais |
52. Virar a maçaneta da porta. 53. Abrir a torneira. 54. Cortar com tesoura. 55. Empilhar papéis de modo arrumado. |
Por último, foi proposto no questionário que as professoras marcassem o grau de infuência que características pessoais têm no desenvolvimento de competências dos alunos com DI. As características pessoais elencadas foram: Temperamento (estável ou irritável); Afabilidade (cooperar com frequência ou ser agressivo na maior parte do tempo); Reação à correção (reagir razoavelmente ou tornar-se ansioso ou agressivo); Socialização (sentir-se à vontade com as pessoas ou fechar-se em si mesmo); Atitudes em relação a adultos que não os pais (satisfatórias ou imprevisíveis e desafadoras); Maturidade emocional (relacionar-se facilmente ou ser exigente, amuado ou ciumento); Veracidade (poder acreditar no que fala ou fantasiar ou mentir); Honestidade (ser honesto em relação a objetos alheios ou esquece de devolver). As respondentes tinham a possibilidade de responder tal grau de infuência dentro de uma escala de 1 a 5, sendo: 1- Não tem infuência; 2- Infuencia pouco; 3- Infuencia mais ou menos; 4-Infuencia muito; 5- Infuencia totalmente.
Aqui, é importante ressaltar que a categoria Socialização aparece tanto como área do desenvolvimento como característica pessoal, com suas devidas diferenciações. Considera-se que a socialização como área do desenvolvimento se relaciona com o processo de interiorização da cultura em que se vive, isto é, viver e compartilhar da realidade com outros sujeitos (iniciativa social e atividades de lazer); por sua vez, a socialização como uma característica pessoal se vincula às habilidades sociais (sentir-se à vontade com pessoas ou fechar-se em si mesmo).
Para análise dos dados quantitativos, foram utilizadas estatísticas descritivas. Para análise dos dados qualitativos, foram realizadas análises de conteúdo (Bardin, 2009).
3 Resultados e discussão
A amostra foi constituída por 106 professoras de 20 municípios mineiros, sendo essencialmente femininas – 97 professoras (91,5%) e 9 professores (8,5%). A idade das participantes variou entre 26 e 65 anos, com média de 45,3 anos, moda de 46 anos e desvio padrão de 9,4. Das respondentes dessa investigação, 0,9% possuem Ensino Médio, 72,6% possuem Curso Superior e 26,4% possuem Especialização em Educação Especial (Pós-Graduação latu sensu). Com relação à ocupação, 67% são professoras regentes de escola comum; 8,5% são professoras apoio de escola comum; e 24,5% são professoras de APAEs. Dessa amostra, 88,7% lecionam em escola pública (comuns e APAEs) e 11,3% lecionam em escolas privadas. Das professoras respondentes, 73,6% possuem alunos de inclusão nas turmas em que lecionam e 26,4% não possuem.
3.1 Apresentação e análise dos dados quantitativos
A seguir, apresentamos a análise realizada dos dados quantitativos, no que diz respeito às áreas do desenvolvimento e às características pessoais.
3.1.1 Áreas do desenvolvimento
Em relação à frequência dos subfatores analisados nas respostas (linguagem, leitura e escrita; atividades numéricas; autodireção; hábitos à mesa; hábitos higiênicos; cuidados com o vestuário; locomoção; saúde; atividades de lazer; iniciativa social; e habilidades manuais), foi considerado que: quando a soma das respostas “com frequência”, “na maioria das vezes” e “sempre” forem maiores ou iguais a 75%, o subfator é avaliado sistematicamente nas escolas. Do contrário, se a soma for menor do que 75%, considerou-se que o subfator não é avaliado de forma sistemática nas escolas. A partir do critério estipulado, foi possível observar que a soma dos subfatores Escrita e leitura, Atividades numéricas (comunicação) e Saúde (cuidados pessoais) foram menores que 75%. Dessa forma, considerou-se que são subfatores que, de uma forma geral, não são avaliados nos alunos com DI pelas escolas.
De uma forma mais detalhada, quando analisada a frequência de respostas de cada item, utilizando os mesmos critérios citados anteriormente, é possível observar que 29,6% das atividades elencadas ainda não são avaliadas nas escolas. São elas: Repetir uma história, sem muita dificuldade (linguagem); Ler e interpretar informações simples, Ler livros simples (escrita e leitura); Discriminar “um” e “muitos”, Reconhecer o dinheiro, Manejar situações simples que envolvem dinheiro (atividades numéricas); Diferenciar esquerda e direita, Associar as horas do relógio com ações e acontecimentos (autodireção); Servir um líquido sem derramar (hábitos à mesa); Desabotoar botões (cuidados com o vestuário); Reconhecer o trajeto das salas e dos espaços dentro da escola (locomoção); Relatar apropriadamente problemas físicos, Tomar medicação sem supervisão, Saber como obter assistência em caso de emergência (saúde); Cortar com tesoura, Empilhar papéis de modo arrumado (ocupação).
A análise de cada item possibilitou a construção de um Mapa de Avaliação das Áreas do Desenvolvimento, relatório visual que torna possível a identificação de quais áreas estão sendo avaliadas e quais não estão (Figura 1) – conforme a proposta do PAC, no qual foi baseado o questionário desta pesquisa. É importante evidenciar que os quadrados correspondem aos itens do questionário. Por conseguinte, os quadrados sombreados com mais força representam as habilidades avaliadas pelas escolas. Já os sombreados levemente correspondem às habilidades ainda não avaliadas de forma sistemática pelas escolas, conforme consta na Figura 1. Os resultados apresentados vão ao encontro dos dados coletados no Censo Escolar de 2020, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ([INEP], 2021), o qual apresenta que as atividades que estão sendo desenvolvidas no AEE, dentre outras, são o desenvolvimento de funções cognitivas, o enriquecimento curricular e o desenvolvimento de vida autônoma. Segundo o Censo Escolar (INEP, 2021), o desenvolvimento de funções cognitivas apoia-se na organização de estratégias que buscam desenvolver a autonomia e a independência do aluno com deficiência nas diferentes situações do contexto escolar. A área do desenvolvimento que corrobora esse tipo de atividade coletada pelo Censo Escolar é a Comunicação, quando professoras afirmam que avaliam situações ligadas à linguagem, à escrita, à leitura e às atividades numéricas.
O enriquecimento curricular consiste na organização de atividades suplementares ao currículo que buscam expandir áreas do conhecimento com temáticas diversas, como artes, esportes, ciências, dentre outras. A área do desenvolvimento apreciada na pesquisa que vai ao encontro desse tipo de atividade é a Socialização, quando inclui a avaliação do aluno articulada com o processo de interiorização da cultura e o compartilhamento da realidade com outros sujeitos ao avaliar, por exemplo, a participação em jogos de equipe, o reconhecimento do estilo musical que gosta ou a cooperação com os colegas.
De modo geral, o desenvolvimento de vida autônoma, outra atividade coletada pelo Censo Escolar (INEP, 2021), aplica-se a todas as áreas do desenvolvimento analisadas nesta pesquisa. Essa atividade, por definição, consiste no desenvolvimento de atividades que visam à fruição, por parte do aluno, de todos os bens sociais, culturais, recreativos, esportivos, dentre outros, além de todos os serviços e os espaços da escola, com autonomia, independência e segurança. Quando a pesquisa questiona professoras sobre a avaliação de cuidados pessoais que envolve hábitos à mesa, hábitos higiênicos, cuidados com o vestuário, locomoção e cuidados com a saúde; sobre a avaliação da comunicação, principalmente no subfator autodireção; e sobre a avaliação da ocupação, que envolve habilidades manuais, além das citadas anteriormente, direta ou indiretamente avaliam o desenvolvimento da vida autônoma dos alunos com deficiência.
Com base nesses dados, é possível observar que uma parte significativa dos itens elencados no questionário tem sido avaliada pelas escolas e é inquestionável a importância desse processo. Apesar disso, observa-se que ainda há algo a se fazer, principalmente quando esses dados são relacionados aos dados coletados qualitativamente, que serão expostos na próxima seção, e indicam que as formas de avaliação e de intervenção têm acontecido, muitas vezes, de maneira imprecisa e genérica.
3.1.2 Características pessoais
Em relação às características pessoais relacionadas à personalidade, mais de 50% das professoras consideram que todas as características elencadas, com exceção de afabilidade, in-fuenciam muito ou infuenciam totalmente o desenvolvimento de competências dos alunos com DI. As características pessoais de maior destaque são reação à correção e socialização.
A partir disso, foi realizada uma avaliação de possível correlação entre a frequência de avaliação das áreas de desenvolvimento (comunicação, cuidados pessoais, socialização e ocupação) com o grau de infuência que as professoras atribuíram às características pessoais dos alunos com DI no desenvolvimento de competências. Verificou-se que, quanto mais as professoras consideram que as características pessoais de seus alunos interferem no desenvolvimento de competências, mais frequentemente elas avaliam as áreas de desenvolvimento e vice-versa. Apenas a afabilidade não está correlacionada com a frequência de avaliação (Tabela 1).
Área do desenvolvimento | |||||
---|---|---|---|---|---|
Comunicação | Cuidados pessoais | Socialização | Ocupação | ||
Características pessoais | Temperamento | 0,227* | 0,273** | 0,254** | 0,203* |
Afabilidade | |||||
Reação à correção | 0,213* | ||||
Socialização | 0,369** | 0,412** | 0,425** | 0,380** | |
Atitude com adultos que não os pais | 0,360** | 0,401** | 0,394** | 0,345** | |
Maturidade emocional | 0,482** | 0,483** | 0,456** | 0,390** | |
Veracidade | 0,426** | 0,434** | 0,432** | 0,368** | |
Honestidade | 0,459** | 0,438** | 0,481** | 0,388** |
Nota. *Correlação significante ao nível 0,05; **Correlação significante ao nível 0,01.
Essas constatações indicam que, embora o modelo social seja o predominante nas discussões sobre a deficiência na atualidade, ainda o modelo individual infuencia a avaliação das professoras, pois as características pessoais infuenciam na frequência de avaliação dos alunos. Em estudo de Silva (2021), foi identificado que a concepção de deficiência infuencia o modo de organizar as práticas pedagógicas, podendo favorecer ou não o processo de inclusão de alunos com deficiência. As concepções de deficiência podem estar relacionadas ao modelo individual ou ao modelo social. Mafezoni e Simon (2020) observaram em estudo feito com professores de pessoas com DI que, por um lado, ainda prevalece a concepção pautada no modelo individual da deficiência, o que contribui para uma postura pedagógica marcada pela compreensão de limitação pela não aprendizagem e alimenta pouca ou nenhuma expectativa sobre o aluno. Entretanto, por outro lado, observaram o surgimento da compreensão da pessoa com DI como sujeito de direitos e de possibilidades com tendência crescente entre todos os sujeitos escolares. Esse dado corrobora os resultados desta pesquisa, considerando que, a partir da análise do Mapa de Avaliação das Áreas do Desenvolvimento, a maioria dos itens elencados no questionário tem sido avaliada pelas escolas, apesar de uma possível predominância da compreensão da deficiência vinculada ao modelo individual.
3.2 Apresentação e análise dos dados qualitativos
A seguir, apresentamos a análise feita dos dados qualitativos, no que se refere à avaliação dos alunos com DI nas escolas, à intervenção dos alunos com DI nas escolas e ao envolvimento da família.
3.2.1 Avaliação dos alunos com deficiência intelectual nas escolas
No que diz respeito à avaliação realizada com os estudantes com DI, 77,4% das professoras responderam que a escola realiza alguma avaliação, e 22,6% responderam que essa avaliação não é feita pela escola. Das respondentes que afirmaram que as escolas “não realizam nenhum tipo de avaliação”, 50% afirmaram que a escola desenvolve alguma intervenção com esses alunos, e 50% afirmaram que nenhuma intervenção é desenvolvida pela escola. Das respondentes que afirmaram que as escolas “realizam avaliação”, 98,8% afirmaram que a escola desenvolve alguma intervenção com os alunos com DI a partir da avaliação prévia, e 1,2% afirmaram que a escola não desenvolve intervenção alguma. De todas as respostas sobre escolas que desenvolvem alguma intervenção (87,7%), 94,6% das respondentes afirmaram que a família é envolvida nesse processo, e 5,4% afirmaram o não envolvimento da família.
As categorias de respostas que surgiram por meio da pergunta “Como é feita esta avaliação?”, a partir da análise de conteúdo, foram: laudo médico; equipe do AEE; avaliação contínua; Plano de Desenvolvimento Individualizado (PDI); outros profissionais; respostas generalizadas; e avaliação de aprendizagem/conteúdo.
Observou-se que, das 77,4% (82) professoras que afirmaram ser realizada avaliação na escola que lecionavam, 6,1% (cinco) informaram que tal avaliação é feita pela “equipe do AEE” da escola. O objetivo do atendimento complementar é oferecer suporte à educação para o aluno que apresenta necessidades educacionais especiais, de modo a proporcioná-lo um trabalho complementar específico com o propósito de compensar a diversidade sensorial, física, intelectual e/ou comportamental e desenvolver suas competências e habilidades (Poker et al., 2013).
Além disso, 8,5% (sete) das professoras descreveram que tal avaliação ocorre por meio do PDI. Poker et al. (2013) explicam que a escola inclusiva oferece, por meio do AEE, o suporte do professor apoio na Sala de Recurso Multifuncional (SRM). A ação do professor apoio é traçada por meio do PDI, documento que registra os dados da avaliação do aluno e o plano de intervenção que será realizado, sendo constituído por duas partes (I – informes e avaliação; II – plano pedagógico especializado).
Poker et al. (2013) apresentam que a parte I do PDI apresenta cinco tópicos, são eles: 1 – identificação do aluno; 2 – dados familiares (contextualização da situação do aluno na família, além de sua situação social e econômica); 3 – informações escolares (trajetória escolar, oportunidades, forma como a escola responde às suas necessidades); 4 – avaliação geral (inclui-se duas instâncias fundamentais para o desenvolvimento: a família e a escola, com o objetivo de compreender como é a participação do aluno na família e a da família em relação às condições fornecidas para a aprendizagem; e como a escola está organizada no sentido de contemplar a diversidade, oferecer acessibilidade física e atitudinal, e como é conduzida a aula na classe regular); 5 – avaliação das condições do aluno (condições de saúde em geral, limitações, competências, dificuldades e habilidades).
Em outra direção, 3,7% (três) das professoras disseram que a avaliação é feita segundo “laudo médico”. Importante observar que professoras apoio não fazem menção a esse tipo de avaliação. Em 2014, foi publicada a Nota Técnica nº 04, a qual desobriga a apresentação de laudo médico como condição ao acesso do AEE, uma vez que esse atendimento se caracteriza por ser pedagógico e não clínico. A Nota Técnica nº 04 segue a direção da perspectiva da educação inclusiva, corroborando discussões sobre a real necessidade do laudo médico nas práticas de avaliação educacional. Pletsch e Paiva (2018) observam que esse documento inaugura a ideia do modelo biopsicossocial presente na Lei Brasileira de Inclusão (LBI) – Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Para as autoras, quando a escola restringe a avaliação do aluno ao laudo médico, para obter respaldo sobre a situação da aprendizagem dos alunos com DI, revela a marcante presença do modelo individual da deficiência em detrimento do modelo social.
Ademais, 17,1% (14) das professoras relataram que a avaliação é feita por “outros profissionais”, como psicólogo, pedagogo, neurologista, fisioterapeuta e/ou terapeuta ocupacional, entre outros. As professoras da APAE deram mais respostas que atribuíram à avaliação a profissionais da saúde enquanto as professoras regentes atribuíram-na a outros profissionais da educação – apesar de ambas as respostas aparecerem para os dois grupos. Professoras apoio não deram respostas nesse sentido. Esses dados corroboram a pesquisa de Veltrone e Mendes (2011), que buscou caracterizar o perfil de profissionais que fazem a avaliação dos alunos com DI nas escolas. Também participaram da pesquisa professores de escolas especializadas e regulares. As autoras concluíram que não existe uma padronização para a formação das equipes que vão avaliar os alunos com DI, o que varia com cada instituição e até mesmo com a filosofia da escola em relação à inclusão.
Verificou-se, também, que 36,6% (30) das professoras deram respostas relacionadas à “avaliação de aprendizagem/conteúdo”, que é dada aos alunos ao final do bimestre para avaliar o conteúdo trabalhado ao longo do tempo – ainda que a pergunta tenha direcionado uma resposta para o nome do instrumento ou do método utilizado. Considera-se que a abordagem de uma avaliação isolada no fim de um período não implica a concepção de fazer parte do “processo”, uma vez que não traz a oportunidade de conhecer o aluno, como também não abre a possibilidade de o docente observar como o estudante se envolve nesse processo, quer dizer, como ele vai aprender e como vai construir e elaborar seus pensamentos (Marin & Braun, 2018). Por essa perspectiva, o olhar sobre o “processo” fica frágil, sem contar que não avança nas finalidades primordiais da escola, de aprendizagem efetiva e de desenvolvimento humano pleno, visto que preveem a homogeneidade, denotando os equívocos sobre o fazer pedagógico (Marin & Braun, 2018). Contudo, não se exclui a possibilidade de práticas avaliativas que examinem a aprendizagem de estudantes em processos de inclusão e que estejam de acordo com as especificidades do aluno. Entretanto, como uma prática isolada, esse tipo avaliação não se confgura como um modelo apropriado para representar a aprendizagem real do aluno, por diversos fatores que não são considerados em relação às condições do aluno e do ambiente escolar (Silva & Maletti, 2012).
Além disso, 7,3% (seis) das professoras afirmaram ser uma “avaliação contínua”, sem descrever o método ou identificar quem a realiza. Compuseram essa categoria apenas professoras da APAE. O estudo de Nunes e Manzini (2020), sobre a concepção de professores do ensino regular em relação à aprendizagem de alunos com DI também, encontrou respostas nesse sentido, quando participantes da pesquisa ressaltaram a necessidade da avaliação contínua. É importante que a avaliação seja um processo permanente, de modo a identificar pontos positivos e negativos de uma possível intervenção. Entretanto, as respostas da presente pesquisa não trouxeram clareza sobre como esse processo ocorre, pois foram breves e diretas. E ainda, 20,7% (17) das professoras deram “respostas generalizadas”, não sendo possível identificar o método de avaliação realizado com os alunos com DI.
3.2.2 Intervenção dos alunos com deficiência intelectual nas escolas
Em relação à segunda pergunta aberta: “Como é realizada esta intervenção?”, as categorias que surgiram na análise foram: após avaliação de aprendizagem/conteúdo; envolvendo a família; individualizada; envolvendo outros profissionais; respostas generalizadas; atividades adaptavas; e atividades adaptadas: professor apoio, SRM ou AEE.
As categorias que surgiram nesta análise são parecidas com as que surgiram na análise anterior sobre avaliação – o que já era esperado, já que avaliação e intervenção são duas partes de um mesmo processo. O motivo desse comentário é chamar atenção para o fato de que as professoras que citaram o PDI na avaliação (sete professoras) apareceram na intervenção dentro das categorias “individualizada”, “atividades adaptadas: professor apoio, SRM ou AEE” e “atividades adaptadas”. As professoras foram breves na explicação quando discorreram que esse processo ocorre de forma individual ou por meio da sala do AEE, ou mediante atividades adaptadas e de apoio – de modo que não foi possível identificar maiores detalhes desse percurso. Embora não tenha havido maiores explicações, considera-se que as professoras tenham conhecimento da função dessas estratégias, pois a citam em contexto pertinente. Ademais, 5,4% (cinco) das professoras afirmaram que a intervenção acontece de forma “individualizada”.
Assim sendo, é importante ressaltar que a construção de um plano de intervenção constitui a segunda parte do PDI, teoricamente realizado pelo professor do AEE, sendo sua elaboração baseada nos dados coletados na avaliação feita anteriormente. O objetivo é elaborar uma intervenção adequada para promover o aprendizado do aluno com deficiência (Poker et al., 2013). Para Pletsch e Glat (2012), o PDI é uma estratégia importante no sentido de favorecer a inclusão educacional de alunos com DI, e as autoras afirmam que instrumentos dessa natureza podem subsidiar o planejamento de práticas pedagógicas que promovam o desenvolvimento desses alunos.
Falando propriamente das categorias que surgiram nesta análise, observa-se que 30,1% (28) das professoras afirmaram que a intervenção acontece por meio de “atividades adaptadas” para cada aluno, a partir de necessidades específicas e de adaptação da metodologia. E 20,4% (19) das professoras citaram que a intervenção acontece com base nas “atividades adaptadas”, citando o “professor apoio, SRM ou AEE”. Veltrone e Mendes (2011) consideram importante a composição de uma equipe definida para esse fazer bem como a definição de critérios mínimos nos procedimentos utilizados, de modo a não transformar o processo em algo subjetivo e aleatório – o que vai ao encontro do que Pletsch e Paiva (2018) identificaram, ainda que as discussões sobre o assunto estejam alcançando caminhos mais coerentes, muitas vezes esse processo ainda pode acontecer de forma subjetiva.
Com as respostas que surgiram no questionário, não foi possível identificar se há parceria e diálogo entre o AEE e o ensino regular. É fundamental que haja parceria entre professores apoio e professores regentes, não sendo as atuações segmentadas, mas articuladas, de modo que respeitem os direitos do aluno com DI (Felippe & Capellini, 2004; Haas & Baptista, 2016). O objetivo da colaboração é em benefício de um ensino inclusivo, considerando o aproveitamento escolar e o desempenho da aprendizagem (Capellini, 2004).
Verificou-se que 5,4% (cinco) das professoras basearam suas respostas no que é feito “após a avaliação de aprendizagem/conteúdo”, prática comentada anteriormente. Como já dito, não se exclui a possibilidade de práticas de avaliação de aprendizagem, contando que estejam em comunhão com o processo de inclusão e de acordo com as especificidades do aluno. Do contrário, Cardoso e Magalhães (2012) consideram que esse sistema denuncia os processos excludentes presentes no contexto escolar ao evidenciar o pretexto que cria as “crianças da margem”.
Ademais, 13,9% (13) das professoras relataram que a intervenção ocorre com o “envolvimento de outros profissionais”. Os profissionais citados foram outros professores ou pedagogos, mas também surgiram respostas como fisioterapeuta, psicólogo e principalmente médico. Aqui, é possível observar, novamente, o quanto o laudo médico ou o envolvimento de profissionais da saúde ainda tem um peso significativo na tratativa do aluno com deficiência como diretriz para práticas pedagógicas, o que corrobora o estudo de Pletsch e Paiva (2018).
E ainda, 18,3% (17) das professoras apresentaram “respostas generalizadas”, não deixando claro como ocorre a intervenção. Observa-se que professoras apoio não entraram nessa categoria. Assim sendo, esses resultados, somados à categoria de “respostas generalizadas” também no tópico de avaliação – a qual não foi possível identificar como ocorre o processo de avaliação nem de intervenção dos alunos nas escolas –, evidenciam contradições e dificuldades vivenciadas no contexto escolar apesar dos avanços científicos e da consolidação da política pública, por meio da LBI (Lei nº 13.146/2015).
3.2.3 Envolvimento da família
Em relação à pergunta sobre como ocorre o envolvimento da família no processo de intervenção, as categorias que surgiram nesta análise foram: resultado do envolvimento; dificuldades; respostas generalizadas; orientações; e há alguma participação.
De 83% (88) das professoras respondentes, 21,6% (19) responderam que a participação dos pais se dá por meio de “orientações” que lhes são repassadas, que comumente acontecem mediante reuniões, palestras, troca de informações a respeito do desenvolvimento do aluno. No geral, estudos que analisaram a relação entre professores e pais de alunos com deficiência verificaram que essa relação é constituída basicamente por trocar algumas informações a respeito do aluno, por meio de reuniões, de bilhetes e de contatos informais, sendo muitas vezes limitada à alguma troca de informação específica (Borges et al., 2015; Souza, 2009).
Além disso, 8% (sete) das respondentes indicaram “dificuldades” em envolver a família no processo, pois nem sempre ela se envolve no trabalho proposto pela escola. Observou-se, também, que 5,7% (cinco) das professoras focaram suas respostas no “resultado do envolvimento” com a família. Sobre esse ponto, Souza (2009), que pesquisou a relação entre professores e pais de crianças alunas do AEE, revela que as famílias investigadas pouco procuravam pela escola, apenas indo levar e buscar os filhos, e as trocas verbais apenas ocorriam quando o aluno apresentava algum problema em sala de aula. Szymanski (2009) sugere que haja uma reformulação das pautas das reuniões para atrair a presença dos pais, visto que o padrão tradicional do espaço de reuniões é utilizado para queixas e reclamações. A autora também argumenta que os encontros entre pais e professores devem ser bilaterais, de modo que ambos possam falar e ser ouvidos.
Um número expressivo de respondentes, totalizando 47,7% (42), indicou que “há algum envolvimento da família”, sem entrar em detalhes sobre como de fato se dá esse processo. E ainda, 17% (15) das professoras indicaram que há alguma participação, porém apresentaram “respostas generalizadas”, de modo a não deixar claro como esse processo ocorre.
Observa-se, com esses resultados, algum distanciamento na relação entre as famílias e as escolas. É importante destacar que o fato de os pais irem à escola ou professores e pais manterem algum contato eventual não significa que essa relação seja profunda e vise a uma inclusão mais efetiva. Esses dados corroboram a pesquisa de Souza (2009). Reitera-se que os pais são os principais parceiros dos professores, considerando que a família pode transmitir as particularidades dos filhos. Assim sendo, o fortalecimento dessa relação possibilita que todos os envolvidos no desenvolvimento do aluno possam colaborar de forma mais significativa no seu processo de inclusão.
4 Conclusões
A presente pesquisa permitiu verificar que as políticas públicas têm contribuído para o avanço das práticas pedagógicas mais inclusivas, ainda que se tenha um caminho a percorrer. Foi possível identificar que a avaliação do comportamento adaptativo tem ocorrido nas escolas de Minas Gerais, embora nem sempre de forma sistemática. Esses resultados indicam a importância dessas políticas no processo educativo, uma vez que ações de avaliação e de intervenção de alunos com DI passam a fazer parte do cotidiano de trabalho nas escolas, embora as características individuais dos alunos ainda apareçam associadas à frequência em que as avaliações são feitas.
É fundamental lembrar que o professor é absolutamente um dos pontos mais valiosos no movimento a favor da inclusão escolar, sendo peça-chave para pôr em prática o que está em pauta nas políticas de inclusão. Por isso, não há inclusão sem a devida orientação do professor e os suportes pedagógicos adequados. Desse modo, a falta de conhecimento pode ser um obstáculo na garantia de direitos, conforme previsto na LBI (Teixeira et al., 2021). Ainda que seja peça-chave, a proposta vai muito além de envolver um professor, isoladamente. O processo para implementar-se uma educação inclusiva abrange mais do que isso, pois abarca a escola em sua totalidade, a sua reconceituação e reorganização sob os parâmetros da inclusão (Poker et al., 2013).
Assinala-se a necessidade de novos estudos com outros instrumentos de coleta de dados para avaliar como esse processo de avaliação e de intervenção dos alunos nas escolas está acontecendo de maneira mais concreta e como se relaciona com o conceito de comportamento adaptativo. Ressalta-se, ainda, como também apontam Santos e Morato, (2016), a escassez de pesquisas que investiguem sobre a avaliação do comportamento adaptativo no contexto escolar.