1 INTRODUÇÃO
A pessoa que apresenta altas habilidades/superdotação (AH/SD) tem desempenho superior, em comparação aos seus pares, em uma ou mais áreas do conhecimento (Cupertino, 2008). As habilidades podem ser expressas na capacidade intelectual geral, em aptidão acadêmica, na criatividade, em capacidade de liderança, talento para as artes e na capacidade psicomotora (Virgolim, 2007). Identificar sujeitos com AH/SD tem sua devida importância a partir do momento em que se compreende que essas pessoas são diferentes em diversos aspectos e têm necessidades educacionais diferentes, que exigem estratégias de ensino diferenciadas (Cupertino, 2008; Virgolim, 2007). Nas crianças com AH/SD, o desenvolvimento é atípico, elas apresentam domínios cognitivos em idade anterior à média e progridem rapidamente na aprendizagem (Winner, 1998). No entanto, a maturidade emocional pode não acompanhar o rápido progresso cognitivo, causando uma dessincronia no desenvolvimento (Terrassier, 2009).
No ano de 2020, na Educação Básica brasileira, havia 24.132 estudantes com altas habilidades/superdotação, de acordo com o Censo Escolar (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2020), o que representa apenas 0,05% do total de alunos matriculados. Nos Estados Unidos da América, no ano de 2016, a incidência de alunos com AH/SD era de 6,45% do total de alunos matriculados nas escolas públicas (Civil rights data collection, 2016). As taxas brasileiras sugerem que, no país, há dificuldades na identificação das crianças e adolescentes com AH/SD. Para Barreto e Mettrau (2011), é fundamental a difusão do conhecimento acerca das AH/SD no campo educacional, abordando não somente características desses alunos ou conceitos sobre o tema, mas também os professores devem ter acesso a informações sobre os alunos, direcionadas ao processo de ensino-aprendizagem que promovam práticas educacionais que contribuam para o crescimento acadêmico, motivacional e criativo.
Diversos autores (por exemplo, Cupertino, 2008; Renzulli, 2005; Winner, 1998) destacam a importância do ambiente educativo diferenciado para os alunos com AH/SD. A identificação das crianças com AH/SD possibilita que tenham a oportunidade de receber o atendimento especializado de que precisam, que impulsiona o desenvolvimento da criatividade e do interesse em aprender (Piske et al., 2016). O conhecimento das características dessas crianças contribui para a compreensão do fenômeno da superdotação e para a implementação de ações voltadas às necessidades específicas delas. De acordo com Cupertino (2008), o conhecimento das características da superdotação contribui para a identificação, a avaliação diagnostica e para a prática educativa. Evidencia-se, ainda, uma lacuna na formação dos professores para o trabalho com esses alunos (Barreto & Mettrau, 2011), conforme discutido por Bahiense e Rossetti (2014), além da formação deficitária, professores também apresentam representações das AH/SD que dizem respeito aos mitos da superdotação. E essencial, portanto, a difusão do conhecimento sobre aspectos reais desses sujeitos, para que os professores possam planejar a prática pedagógica em consonância com as verdadeiras necessidades dos alunos. Assim, este estudo teve o objetivo geral de identificar as características de crianças com altas habilidades/superdotaçáo no intuito de responder à pergunta: Quais são as características de crianças com altas habilidades/superdotaçáo conforme as pesquisas empíricas publicadas no período de 2010 a 2019?
2 MÉTODO
Esta revisão sistemática é relatada conforme a recomendação PRISMA (Page et al., 2021). Foi delineada seguindo as etapas de delimitação da questão pesquisada, escolha das fontes de dados, definição das palavras-chave para a busca, busca e armazenamento dos resultados, seleção dos artigos conforme os critérios de elegibilidade, extração dos dados dos artigos selecionados e síntese e interpretação dos dados (Costa & Zoltowski, 2014).
2.1 CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE
São critérios de inclusão: os participantes serem crianças com AH/SD; os participantes devem ser menores de 12 anos; os artigos devem ter sido publicados no período de 2010 a 2019; serem artigos científicos relatando pesquisas empíricas; a avaliação de AH/SD das crianças que compõem a amostra deve ter incluído pelo menos um teste de inteligência associado a outros instrumentos de investigação utilizados na avaliação de AH/SD, tais como testes de criatividade, escalas de comportamento de superdotação, de habilidades, talentos e alto desempenho, de desempenho escolar, nomeação por pais, professores e alunos, inventários, escalas e/ou entrevistas respondidas por pais, professores e/ou a própria criança que investigam indicadores de AH/SD. Ressalta-se que esse outro instrumento de investigação não pode ser, também, um teste de inteligência. O critério de idade foi definido considerando o limite de idade entre infância e adolescência definido no Brasil pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990). Foram incluídos apenas os artigos que apresentavam a idade dos participantes. O critério adotado sobre a avaliação de AH/SD requer que as crianças tenham sido identificadas em um processo de avaliação que não se limita ao resultado do teste de inteligência. São critérios de exclusão: nenhum grupo da amostra ser composto apenas por crianças com AH/SD; não apresentar resultados que sejam exclusivos ao grupo de crianças com AH/SD; o grupo de crianças com AH/SD ser composto por crianças com dupla excepcionalidade (dificuldade de aprendizagem, atraso global do desenvolvimento, deficiência intelectual, transtorno do espectro autista, transtornos motores, transtornos da comunicação, transtornos da aprendizagem, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, transtornos psiquiátricos); o grupo de crianças com AH/SD ser constituído por crianças com deficiência física ou sensorial. Os artigos que não apresentaram resultados exclusivos ao grupo de crianças com AH/SD, ou nos quais não havia pelo menos um grupo de amostra formado por crianças com AH/SD, foram excluídos, assim como os artigos nos quais as amostras eram compostas por crianças com dupla excepcionalidade, considerando que há especificidades que não devem ser estendidas às crianças com AH/SD sem dupla excepcionalidade. Esse critério contribui para garantir a seleção de pesquisas com amostras mais parecidas. Conforme definição de Pfeiffer (2015), pessoas com dupla excepcionalidade são aquelas que apresentam AH/SD juntamente a algum distúrbio psiquiátrico, deficiências ou dificuldades de aprendizagem.
2.2 ESTRATÉGIA DE BUSCA E SELEÇÃO DOS ESTUDOS
As palavras-chave utilizadas na busca foram “gifted” e “child”. A pesquisa nas bases de dados foi feita utilizando as palavras-chave e o operador booleano “AND”, a string de pesquisa utilizada foi gifted* AND child*. Foi aplicada delimitação temporal, restringindo as publicações do período entre 2010 e 2019 e não foi utilizado critério de delimitação do idioma. A busca foi realizada nas bases de dados eletrônicas Scopus e Web of Science, em 13 de janeiro de 2020 e SciELO.org em 29 de abril de 2020. Todo o processo de busca das publicações foi realizado por dois juízes, de forma independente, obtendo-se os mesmos resultados.
Na etapa de seleção, todos os títulos, resumos, palavras-chave, autores e periódicos das referências encontradas foram salvos, totalizando 2.211 referências potencialmente relevantes. A seguir foi realizada a exclusão das referências duplicadas. A seleção inicial, feita com base na leitura dos resumos, de acordo com os critérios de elegibilidade, foi realizada por dois juízes, de forma independente. A concordância entre os juízes foi superior a 90%, nos casos em que houve divergência, os artigos foram incluídos na etapa seguinte, para leitura na íntegra. Ao final dessa etapa inicial, foram selecionados 303 artigos. Dentre os artigos selecionados, a oito deles não foi possível o acesso, pois, mesmo presentes nas bases de dados, não estavam disponíveis no portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Devido à pandemia de Covid-19, o serviço de comutação bibliográfica estava indisponível. Foi, portanto, enviado e-mail aos autores, mas não se obteve retorno. Considerando que não se obteve acesso ao texto integral dos artigos, eles foram eliminados nessa etapa, restando 295 artigos para leitura na íntegra. Feita a nova verificação da elegibilidade, a partir da leitura do artigo completo, restaram 29 artigos elegíveis. Esse processo de seleção foi realizado, de forma independente, por dois juízes. Nos casos em que houve divergência, foi realizada reunião de consenso, para discussão e verificação dos critérios de elegibilidade, se eram atendidos ou não. A Figura 1 apresenta o fluxo de seleção dos artigos.
2.3 COLETA E ANÁLISE DE DADOS
Feita a seleção dos artigos relevantes, foi então realizada a extração dos dados relativos à referência do artigo, país da coleta de dados e da universidade onde foi desenvolvido, objetivo, participantes, idade dos participantes, se recebiam atendimento especializado, teste de inteligência utilizado na avaliação, outros instrumentos utilizados na avaliação, QI dos participantes, área de habilidade/talento e principais achados. Em seguida, os artigos foram agrupados em categorias de acordo com o objetivo de cada um.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A síntese dos resultados é a narrativa. Os dados relacionados à referência dos artigos selecionados e ao país de realização da pesquisa são apresentados na Tabela 1. Vale destacar que cinco artigos não expuseram onde aconteceu a coleta dos dados, apenas há a informação referente à universidade que realizou a pesquisa. Assim, cinco pesquisas foram realizadas em instituições da Holanda, cinco da China, quatro da Austrália, três da Espanha, três da Turquia, três dos Estados Unidos da América, duas do Canadá, duas da Alemanha, uma do México e uma de Singapura. Considerando os critérios de elegibilidade definidos, nenhum artigo brasileiro foi incluído.
Nota. - = não indicado no artigo; EUA = Estados Unidos da América.
Informações referentes aos grupos de participantes (com AH/SD, sem AH/SD, pais e professores), idade das crianças e se recebiam atendimento especializado são apresentadas na Tabela 2. Dentre os artigos, 48,2% têm grupos de participantes com e sem AH/SD.
Artigo | Grupos de participantes | Idade | Atendimento Especializado* | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Com AH/SD | Sem AH/SD | Pais | Prof. | |||
1 | 23 | 28 | - | - | 5 a 8 | Não indica |
2 | 64 | 63 | - | - | 7 a 11 | Aceleração escolar; educação complementar na sala de aula regular |
3 | 50 | - | ND | ND | 5 a 6 | Não indica |
4 | 10 | - | 10 | - | 11 | Science and Art Center |
5 | 22 | - | - | - | 4 a 9 | Escolas para alunos superdotados |
6 | 7 | - | ND | ND | 4 a 5 | Não indica |
7 | 36 | - | - | - | 8 a 11 | Educação Especial para superdotação intelectual |
8 | 35 | 34 | - | - | 6 a 8 | Não indica |
9 | 80 | 104 | - | - | 8 a 11 | Gifted Experiment Class: enriquecimento curricular |
10 | 15 | 13 | - | - | 8 a 10 | Sala de aula para superdotados: Gifted Youth Class |
11 | 43 | - | - | - | 7 a 11 | Sala de aula de educação para alunos com AH/SD |
12 | 25 | 25 | - | - | 6 a 10 | Não indica |
13 | 48 | - | 81 | 36 | 7 a 11 | Não indica |
14 | 48 | - | - | - | 10 | Grupo de enriquecimento curricular |
15 | 50 | 98 | - | - | 9 a 10 | Programas educacionais para AH/SD |
16 | 40 | 95 | - | - | 9 a 10 | Educação especial para AH/SD |
17 | 45 | 68 | - | - | 7 a 8 | Educação especial para AH/SD |
18 | 45 | 68 | - | - | 7 a 8 | Educação especial para AH/SD |
19 | 198 | - | - | - | 8 a 11 | Grupos por habilidade; aceleração e enriquecimento curricular |
20 | 8 | - | - | - | 3 a 4 | Não indica |
21 | 5 | - | - | - | 3 a 4 | Não indica |
22 | 1 | - | - | - | 4 | Não indica |
23 | 453 | - | - | - | 4 a 9 | Programas educacionais para alunos com AH/SD |
24 | 43 | 43 | - | - | 9 a 10 | Turmas para superdotados |
25 | 57 | 30 | - | - | 9 a 10 | Turmas para superdotados |
26 | 52 | 104 | - | - | 5 a 8 | Não indica |
27 | 28 | - | - | - | 8 a 11 | Não indica |
28 | 129 | - | - | - | 6 a 8 | Programa de enriquecimento curricular |
29 | 1 | 1 | 1 | 1 | 5 | Não indica |
Nota. ND = número de participantes não disponível no artigo; - = não contempla; Prof. = Professores; * = atendimentos que os participantes frequentam, mas não necessariamente todos os participantes.
Na Tabela 3, são apresentados dados relativos aos testes utilizados na avaliação da inteligência. Sobre os resultados do quociente de inteligência dos participantes, os valores variaram de 82 a 160.
Artigos | Testes de inteligência |
---|---|
1, 2, 6, 8, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 27 | Raven |
2 | Brief Intelligence Test |
3 | Primary Mental Abilities Test 5-7, Goodenough-Harris Draw-a-Person Test |
4, 7, 9, 10, 19, 25 | Teste não foi nomeado |
2, 5, 12, 13, 23, 26 | WISC-IV ou WISC-R |
6, 9, 10, 23, 24, 29 | Stanford Binet |
7 | Reynolds Intellectual Assessment Scales |
9, 24, 26 | WPPSI ou WPPSI-R |
11 | Cognitive Abilities Test |
23 | Differential ability scales—II; Kaufman assessment battery for children; Metropolitan achievement tests, reading diagnostic tests; APRENDA II |
11, 23 | Naglieri Nonverbal Ability Test |
28 | Subescalas CFT1 (adaptação parcial - Culture Fair Intelligence Tests-Scale 1) |
Visto a diversidade de instrumentos que não são testes de inteligência que foram utilizados, eles foram agrupados em categorias que são apresentadas na Tabela 4. Apenas nove artigos mencionaram a área de habilidade dos participantes. Em oito deles as habilidades eram intelectuais, e em um eram matemáticas.
Categoria | Artigos |
---|---|
Nomeação por professores | 1, 3, 4, 5, 8, 15, 16, 17, 18, 23, 27, 28, 29 |
Nomeação por outros profissionais escolares | 12, 20, 21, 22 |
Nomeação por pediatra | 5 |
Nomeação por pais | 2, 3, 13, 15, 16, 17, 18, 23 |
Pais: entrevistas, escalas | 2, 19, 22, 23, 29 |
Equipe escolar: avaliações dos profissionais, escalas, entrevistas | 2, 7, 23, 29 |
Testes de raciocínio e/ou de habilidades cognitivas | 1, 6, 9, 10, 14, 20, 21, 22, 24, 25, 29 |
Testes de desempenho e de aptidão escolar | 2, 7, 11, 14, 23 |
Rendimento escolar | 7, 12, 14, 19, |
Criatividade | 8, 9, 10, 14, 23, 24, 26, 27 |
Talentos e características pessoais | 9, 10, 14, 24, 25, 27, 29 |
Condições físicas | 9, 10, 14, 24, 25 |
Observação de características comportamentais | 9, 10, 14, 19, 24, 25 |
Em relação aos principais achados, inicialmente os artigos foram agrupados em categorias, definidas a partir das similaridades entre os objetivos: relações de aprendizagem e funções
cognitivas; funções executivas; instrumentos de avaliação e processos de identificação; interações sociais e desenvolvimento psicológico; aspectos escolares e educativos. As Tabelas 5, 6, 7, 8 e 9 apresentam os principais achados de cada categoria. Salienta-se o risco de viés entre os dados coletados, já que há artigos que foram publicados por autores que se repetem ou que são originários do mesmo grupo de pesquisadores, havendo o risco de os participantes das pesquisas serem os mesmos, trazendo duplicidade de informações. Não foi possível descartar esse risco, mesmo após a leitura integral dos artigos. O risco de viés é suscitado nos artigos de: Vogelaar et al. (2019) e Vogelaar e Resing (2017); Vogelaar et al. (2017) e Vogelaar et al. (2016); Walsh et al. (2017) e Walsh e Kemp (2019); Zhang, Zhang et al. (2016) e Zhan, He et al. (2016).
Artigo | Resultados |
---|---|
1 | A memória de trabalho visuoespacial e a memória de curto prazo verbal como fatores preditores da superdotação na matemática. Entre crianças superdotadas e típicas não houve diferenças em relação ao controle inibitório. |
2 | Aprendem mais e melhor nas distintas tarefas, tendo desempenho superior em memória visual, raciocínio verbal e construção perceptual. |
9 | Diferença significativa nos índices de inteligência fluída, maior autoestima em crianças com AH/SD. |
11 | Alunos que estudavam em salas de aula para superdotados tiveram desempenho acima da média em testes de vocabulário, comparados com alunos com AH/SD de salas de aula comuns. |
12 | Diferença significativa no desempenho em tarefa verbal de atenção sustentada, memória de trabalho e no potencial de automatização de tarefas. |
15 | Ser superdotado e receber treinamento está positivamente associado ao desempenho na tarefa final. |
20 | Pensamento de nível superior e extenso conhecimento sobre as coisas. |
26 | Diferenças no funcionamento neuropsicológico de alunos com AH/SD nas habilidades visuais, auditivas, motoras, nos níveis de integração sensorial e tátil, na memória de curto e longo prazo. |
Artigo | Resultados |
---|---|
4 | Na tomada de decisão consideram o assunto em questão, os aspectos positivos e negativos e com apoio nas experiências anteriores, assumindo a responsabilidade para as consequências da decisão. |
10 | Supressão das informações irrelevantes ou repetitivas de forma mais eficaz e uma função neural mais madura para a entrada sensorial. |
14 | Crianças que recebem educação de enriquecimento curricular concentraram melhor a atenção, distinguiram estímulos-alvo de distratores e também controlaram impulsos melhor em comparação às que recebem somente educação regular. |
16 | As crianças superdotadas não superaram seus pares sem superdotação na resolução de analogias. |
17 | As crianças superdotadas não mostraram mais progressão do que as crianças típicas em tarefa de raciocínio analógico, após receber treinamento. |
24 | Ao enfrentar uma tarefa atencional e um estímulo visual inesperado simultaneamente, tiveram melhor desempenho na tarefa atencional e foram mais suscetíveis a detectar o estímulo inesperado, em comparação às crianças sem superdotação. |
25 | Melhor desempenho em tempo de reação e em tarefas de atenção em comparação às crianças típicas. |
Artigo | Resultados |
---|---|
3 | Das crianças nomeadas por professores e/ou pais, 44,3% foram identificadas como superdotadas. Elas tiveram desempenho superior ao esperado por seus pais e professores nas áreas de liderança e performance geral. Os pais foram mais propensos, em relação aos professores, a subestimar o desempenho da criança. |
7 | Variações nas características das respostas e no desempenho das crianças nos testes de QI. |
18 | Na resolução das analogias não mostraram mais progressão na precisão do que seus pares típicos. |
23 | Meninos negros que entraram no programa de superdotados tinham habilidades cognitivas altas aos quatro anos e eram aqueles que receberam as notas mais altas de seus professores no ano do Pré II. |
27 | O tempo gasto pelas mães para realizar tarefas com os filhos e atividades extracurriculares estão negativamente associadas ao autoconceito acadêmico das crianças. |
29 | Desenvolvimento superior à idade nos testes de linguagem, desenvolvimento e inteligência; no entanto, apresenta problemas sociais e emocionais com os pares. |
Nota. QI = Quociente de Inteligência.
Artigo | Resultados |
---|---|
5 | As preocupações que emergiram nos relatos das crianças, ao responderem um teste projetivo, envolvem temas sobre as relações familiares, percepções sobre a escola e inteligência, caracterização de heróis, relações entre pares e preocupações relacionadas a Deus e à espiritualidade. Crianças de escolas públicas referem mais aspectos de resiliência, enquanto as de escolas privadas expressam aspectos relacionados à criatividade e à imaginação. |
8 | Não diferem de crianças típicas nos sentimentos sobre competência escolar, comportamento, prazer escolar e nos problemas externalizantes e habilidades pró-sociais. Demonstram baixa autoestima e baixa aceitação social, mas menos problemas internalizantes. Crianças com alta expressão de criatividade tiveram escores baixos em autoestima, competência escolar, aceitação social, conduta, habilidades pró-sociais e prazer escolar e escores altos em problemas internalizantes e externalizantes, comparadas às crianças superdotadas com menor expressão de criatividade. |
13 | Correlação positiva entre o estilo parental autoritário das mães e pontuações das crianças na escala de status intelectual e escolar. Correlação negativa entre o estilo parental permissivo das mães e os escores das crianças na escala de status intelectual e escolar, de felicidade e satisfação e escore total de autoconceito. Com os pais, há correlação negativa entre o estilo parental permissivo e as pontuações totais do autoconceito. |
19 | Alunos de classes de superdotados mostraram interesse estável pela escola e nas classes regulares o interesse diminuiu. A relação aluno-professor deteriorou nas classes regulares e permaneceu constante nas classes para superdotados. |
28 | As competências de inteligência não puderam explicar as diferenças no desenvolvimento moral. |
Artigo | Resultados |
---|---|
6 | A continuidade no processo de transição estava presente quando o novo ambiente escolar continha elementos familiares ao modo de aprendizagem na família. As relações com o educador dão maior suporte ao aluno quando combinam segurança emocional e altos níveis de estimulação intelectual. |
21 | Perguntas de ordem superior resultaram na produção de linguagem mais sintaticamente sofisticada. |
22 | As respostas às perguntas de nível inferior eram simples e diretas, somente nas perguntas mais complexas a criança foi capaz de demonstrar plenamente suas habilidades verbais e cognitivas. |
Dentre os artigos, 17 indicaram que os participantes recebem algum tipo de atendimento especializado na educação por terem AH/SD. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – dá a garantia de currículos, métodos, técnicas e recursos educativos adequados às necessidades dos alunos com AH/SD e, também, garante o acesso desses alunos ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) no contraturno escolar. Essas garantias são reforçadas na Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI, 2008), que reafirma os alunos com AH/SD dentro da demanda da educação especial.
Sobre a avaliação das AH/SD, em relação à inteligência, foram elencados 14 diferentes testes utilizados. Dentre os testes mais mencionados estão os testes das matrizes progressivas de Raven, citado em 16 artigos, os testes das escalas Wechsler foram utilizados na avaliação dos participantes de oito dos artigos, e o teste Stanford-Binet foi utilizado em seis dos artigos selecionados. Kaufman e Sternberg (2008) discorrem que a inteligência não é um fator único que determina a existência de altas habilidades/superdotação. Nesse sentido, diversos instrumentos de avaliação, além dos testes de inteligência, foram encontrados nos artigos. Verificou-se que os instrumentos mais utilizados foram os de nomeação por professores (n=13), testes de raciocínio e/ou habilidades cognitivas (n=11), de nomeação por pais (n=8) e de investigação da criatividade (n=8).
Na categoria “Relações de aprendizagem e funções cognitivas”, os principais resultados indicam diferenças no funcionamento neuropsicológico de crianças com AH/SD. Elas apresentaram melhor desempenho, em comparação às crianças típicas, nas habilidades visuais, auditivas e motoras, nos níveis de integração sensorial e tátil e na memória de curto e longo prazo (Martin-Lobo et al., 2018). O artigo de Montero-Linares et al. (2013) traz dados que demonstram diferença estatisticamente significativa entre crianças com AH/SD e típicas no desempenho em tarefa verbal de atenção sustentada e memória de trabalho, bem como no potencial de automatização de tarefas. Verificou-se, também, em comparação às crianças sem AH/SD, desempenho superior nos domínios de memória visual, raciocínio verbal, construção perceptual (Calero et a1., 2011) e nos índices de inteligência fluída (Li & Shi, 2019), que vai ao encontro do achado de Berg e McDonald (2018). Na pesquisa de Li e Shi (2019), as crianças com superdotação tiveram maior autoestima e as crianças típicas tiveram melhor desempenho em tarefa de baixa impulsividade. O autocontrole da ação impulsiva é um dos aspectos que envolvem a função de controle inibitório (Diamond, 2013) e no artigo de Berg e McDonald (2018) não foram encontradas diferenças para controle inibitório entre as crianças com e sem AH/SD. A respeito do desempenho acadêmico, o artigo de Vogelaar et al. (2019) apresenta que o estímulo e a instrução dada às crianças são importantes para o desempenho nas tarefas e ser superdotado e ter sido treinado está positivamente associado ao desempenho na tarefa final. As pesquisas de Mills (2015) e Walsh et al. (2017) exploraram aspectos de linguagem e obtiveram resultados com desempenho elevado das crianças com superdotação. Esse achado é corroborado pelo estudo de revisão da literatura feito por Attoni et al. (2020), que analisou características da linguagem de crianças com AH/SD e verificou elevada habilidade de compreensão oral e escrita, rico vocabulário e interesse precoce pela leitura.
Ampliando os aspectos relativos às funções cognitivas, destacam-se também as funções executivas. Dos achados dessa categoria, Vogelaar e Resing (2017) e Vogelaar et al. (2017) evidenciam que as crianças superdotadas não superaram seus pares sem superdotação na resolução das analogias. Ersoy et al. (2019) verificaram que elas apresentam habilidade para tomar decisões. Segundo afirmado por Diamond (2013), a memória operacional tem importante papel no processo de tomada de decisão, em consonância, portanto, com os resultados obtidos por Berg e McDonald (2018), Martín-Lobo et al. (2018) e Montero-Linares et al. (2013), os quais demonstraram elevado desempenho dos participantes em tarefas de memória operacional. Esse desempenho também foi investigado por Aubry et al. (2021), que identificaram nas crianças superdotadas maior capacidade de memória operacional e que elas conseguem resolver problemas rapidamente, em comparação às crianças típicas. Liu et al. (2011) relatam que as crianças superdotadas suprimiram informações irrelevantes ou repetitivas de forma mais eficaz e, também, apresentaram ter uma função neural mais madura para a entrada sensorial. Zhang, Zhang et al. (2016) e Zhang, He et al. (2016) constataram maior sensibilidade para perceber estímulos inesperados e melhor desempenho em tarefa atencional. O ambiente educacional pode ser um fator interveniente no desempenho das crianças, visto que Shi et al. (2013) identificaram que a as crianças que recebiam enriquecimento curricular tiveram melhor desempenho na ação, inibição e sensibilidade perceptual, conseguiram concentrar melhor a atenção e, por mais tempo, distinguir estímulos-alvo de distrato res e, também, controlar melhor seus impulsos. Destacam-se os benefícios da oferta de educação diferenciada para as AH/SD.
Conhecer aspectos da cognição é importante, pois eles contribuem, junto a outros aspectos, no processo de identificação das crianças com altas habilidades/superdotação (Piske et al., 2017). Na categoria “Instrumentos de avaliação e processos de identificação”, os achados de Winsler et al. (2013) indicam singularidades na identificação da superdotação em meninos negros, ressaltando fatores culturais e ambientais. Sobre características dos testes e o desempenho das crianças, Vogelaar et al. (2016) utilizaram testagem dinâmica e verificaram que as crianças superdotadas não mostraram mais progressão que seus pares típicos. Irby e Floyd (2017) constataram variações no desempenho das crianças, que obtiveram diferentes resultados em diferentes testes de inteligência. Na identificação de AH/SD, a nomeação por pais e professores é bastante utilizada (Virgolim, 2007); nesse sentido, os artigos de Daglioglu e Suveren (2013) e Soto e Tomasini (2018) refletem perspectivas familiares na expressão da superdotação. Também abordando aspectos familiares nas AH/SD, o estudo de Piske et al. (2015) demonstrou preocupação dos pais em relação ao processo de ensino-aprendizagem dos filhos, principalmente devido às dificuldades emocionais, sociais e cognitivas, bem como dificuldade na compreensão das características das altas habilidades que seus filhos apresentam.
O desenvolvimento assíncrono de uma criança de cinco anos e três meses com superdotação foi investigado por Saranli (2017). Nesse sujeito, as etapas de desenvolvimento relacionadas à linguagem e ao desenvolvimento motor ocorreram precocemente e ele obteve desenvolvimento superior à idade nos testes de cognição, mas apresentou dificuldades nas interações sociais. Esses achados estão em conformidade com Terrassier (2009), que discorre sobre uma dissincronia no desenvolvimento global dessas crianças.
Na categoria “Interações sociais e desenvolvimento psicológico”, o artigo de Beißert e Hasselhorn (2016) elucida que as competências de inteligência não puderam explicar as diferenças no desenvolvimento moral. Garces-Bacsal (2010) apresenta que os relatos e as preocupações de crianças da escola pública trazem à tona aspectos de resiliência, enquanto as crianças da escola privada expressam relatos que envolvem criação e imaginação. Nesse sentido, Stoltz et al. (2015) referem que o ambiente é fundamental para o desenvolvimento do processo criativo, pois é nele que a criança vive experiências que estimulam a curiosidade, o desejo de aprender, a fantasia e a imaginação. Os achados de Vogl e Preckel (2014) expressam que alunos de classes de superdotados mostraram interesse estável pela escola, enquanto nas classes regulares o interesse pela escola diminuiu. De acordo com Kroesbergen et al. (2016), crianças com AH/SD demonstraram baixa autoestima e baixa aceitação social em relação às crianças típicas. Esse achado é contrário ao de Li e Shi (2019), que verificaram maior autoestima nas crianças com AH/SD. Os achados de Pilarinos e Solomon (2017) apresentam uma correlação positiva estatisticamente significativa entre o estilo parental autoritário das mães e pontuações mais altas das crianças na escala de status intelectual e escolar. Destacam-se aqui indagações para outros estudos na área, visto que adotar um estilo parental autoritativo é o recomendado para a educação saudável das crianças (Weber et al., 2004).
Sobre os “Aspectos escolares e educativos”, Grant (2013) verificou que, no processo de transição escolar, a influência positiva foi encontrada na semelhança dos ambientes de aprendizagem em casa e na escola e que as relações com o educador devem combinar segurança emocional e altos níveis de estimulação intelectual. Evidenciam-se nos artigos de Grant (2013), Walsh e Kemp (2012, 2019) aspectos da interação do aluno com a escola, que podem contribuir ou não para a aprendizagem e desempenho. A interação entre professor e aluno é presente nos artigos de Walsh e Kemp (2012, 2019) e os resultados demonstraram que diante de perguntas complexas do professor as crianças responderam com uma linguagem mais sofisticada. Nesse sentido, é fundamental destacar a importância do ambiente educativo diferenciado para os alunos com AH/SD, de modo que atenda às demandas específicas deles no contexto escolar (Cupertino, 2008; Renzulli, 2005; Winner, 1998). Ao abordar os principais achados, é necessário destacar que esta pesquisa apresenta limitações. No que se refere aos artigos e aos desfechos podem ser elencados aspectos como artigos de autores que se repetem ou que são originários dos mesmos grupos de pesquisa e instituições de realização, que podem trazer duplicidade de resultados, uma vez que não há a certeza se os participantes são de amostras diferentes ou não. Outra limitação é que os resultados, mesmo que agrupados em categorias por semelhança, não podem ser generalizados, pois são advindos de pesquisas que utilizaram métodos diferentes. As limitações, no nível da revisão, são principalmente a obtenção incompleta dos artigos existentes, visto que não foi possível acessar oito dos artigos potencialmente relevantes, e, também, é preciso considerar que o uso de outras bases de dados e outras palavras-chave poderiam, talvez, indicar outros artigos. Sendo os principais achados relatados a partir de uma síntese narrativa, há também de se considerar a possibilidade de produzir outras sínteses para os resultados.
4 CONCLUSÕES
Os resultados apresentam uma variedade de características sobre as crianças superdotadas, confirmando o caráter heterogêneo das AH/SD. No entanto, a maioria das pesquisas refere-se a aspectos da cognição e da identificação e avaliação, deixando aparente uma lacuna nos estudos sobre o desenvolvimento psicológico, autonomia, relações interpessoais e familiares, dentre outros. Evidenciam-se as diferenças, em comparação às crianças típicas, no funcionamento neuropsicológico de crianças com AH/SD, nas áreas de integração sensorial, habilidades visuais, auditivas, memória de trabalho, de curto e longo prazo, raciocínio matemático, verbal e em leitura, inteligência fluida, atenção, aprendizagem e organização perceptual (Berg & McDonald, 2018; Calero et al., 2011; Li & Shi, 2019; Liu et al., 2011; Martin-Lobo et al., 2018; Montero-Linares et al., 2013; Zhang, He et al., 2016; Zhang, Zhang et al., 2016). Sobre aspectos da relação familiar, de um modo geral, nas suas áreas de habilidade, as crianças superdotadas apresentam desempenho mais elevado que as expectativas de seus pais (Daglioglu & Suveren, 2013), bem como demonstram estratégias adequadas de tomada de decisão e recebem suporte de seus pais para isso (Ersoy et al., 2019). As interações na família nuclear têm relações com o comportamento adaptativo, com o rendimento escolar e autoconceito das crianças (Pilarinos & Solomon, 2017).
Receber educação diferenciada é um fator que reflete benefícios sociais e acadêmicos (Grant, 2013; Vogl & Preckel, 2014; Walsh & Kemp, 2019). E essencial que os professores reconheçam as habilidades de seus alunos e ofereçam atividades estimulantes ao nível cognitivo de cada um, assim como é fundamental a garantia do acesso à educação inclusiva. Dessa forma, conhecer as características de crianças com AH/SD contribui, no âmbito escolar, para a identificação desses alunos e a oferta da educação preconizada na PNEEPEI (2008). Visto que o conhecimento que os professores têm acerca dos alunos com superdotação ainda é insuficiente para a promoção de práticas educativas adequadas (Bahiense & Rossetti, 2014; Barreto & Mettrau, 2011), este estudo apresenta um importante conhecimento para a área da Educação Especial. Esta pesquisa contribui para a visibilidade sobre as características de crianças com AH/SD, com um enfoque geral e amplo. Sugere-se que futuras pesquisas busquem explorar as características das crianças nas diferentes áreas de habilidades. Também se ressalta a importância de estudos que abarquem outras faixas etárias, já que cada etapa de desenvolvimento tem suas próprias peculiaridades. Considerando a variedade de resultados e os métodos de pesquisa nessa área, a realização de mais pesquisas promovendo a replicação dos resultados, com o mesmo objetivo e método, fortalecerá os resultados de pesquisas que visam caracterizar pessoas com superdotação.