Introdução
Ao fazerem "um breve histórico do movimento dos educadores-pesquisadores", Diniz-Pereira e Zeichner (2011, p. 13) afirmam que esse movimento já tem algum tempo, uma vez que "foi iniciado no final do século XIX e início do século XX". No entanto, no Brasil, apesar de Freire ter criado um modelo de pesquisa-ação, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 (DINIZ-PEREIRA; ZEICHNER, 2011, p. 15), é a partir dos anos 1990 que se percebem certas intenções, manifestas em algumas políticas públicas, no sentido de se valorizarem as reflexões, o fazer e o sentir dos professores da Educação Básica, enquanto se desenvolvem profissionalmente.
Apesar disso, ao analisarmos as políticas de formação de professores, poderemos inferir que, a maioria delas ainda está centrada na ideia de que tanto os professores da Educação Básica quanto os licenciandos são incapazes de pensar e, consequentemente, produzir conhecimentos sobre os processos de ensino e de aprendizagem que ocorrem nas salas de aulas, especialmente aqueles relacionados à matemática.
Constantemente, professores da Educação Básica que já lecionam são surpreendidos com ações, muitas vezes, impositivas, que ignoram seus conhecimentos, no que diz respeito: a como crianças e jovens aprendem matemática; ao currículo; aos materiais didáticos que podem auxiliar no ensino de matemática; à elaboração de produtos educacionais feitos por eles etc. Há grandes preocupações, tanto das universidades quanto dos órgãos públicos, única e exclusivamente, com o conteúdo matemático a ser ensinado. Logo, os professores são incentivados a conhecer, cada vez mais, os conteúdos matemáticos para que possam ensinar mais e melhor. Prioriza-se, aqui, o conhecimento para o ensino de matemática que é pensado por especialistas que, muitas vezes, não conhecem a realidade da Educação Básica. Aqui, tem-se como pressuposto que, quanto mais conteúdo matemático o professor souber, melhor será o ensino de matemática.
Em muitos casos, como, por exemplo, nas escolas particulares e, atualmente, nas escolas estaduais do estado de São Paulo, as aulas de matemática são entregues, aos professores, praticamente prontas, e são disponibilizadas tanto em apostilas quanto nos cadernos de professores e de estudantes. Cabe aos profissionais do ensino apenas utilizar os materiais que recebem, embora os elaboradores destes materiais afirmem, veementemente, que os professores são autônomos para utilizá-los, porque cabe a eles fazer bom uso dos materiais disponibilizados. Aqui, os professores da Educação Básica - a exemplo do que vem ocorrendo há décadas, durante as reformas educacionais, dentre elas, o Movimento da Matemática Moderna - continuam a exercer o papel de executores de currículos pensados e produzidos por especialistas (SOUSA, 1999). No caso específico do estado de São Paulo, desde 2008, as escolas recebem da Secretaria da Educação, bimestralmente, cadernos que são compostos por quatro situações de aprendizagem, ao mesmo tempo, recebem livros didáticos do governo federal que fazem parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
A partir desta perspectiva de professores como executores, para que possam se inteirar das propostas apresentadas nos documentos oficiais e, consequentemente, nos livros didáticos, praticamente em todo o Brasil, vez ou outra, as Secretarias da Educação, oferecem cursos de curta duração, com, no mínimo, trinta horas, coordenados por especialistas da universidade. É muito raro ocorrer o contrário, ou seja, o professor ministrar cursos de curta duração para os especialistas das universidades e elaboradores de livros e materiais didáticos para que eles possam conhecer a realidade das escolas brasileiras. É como se os professores da Educação Básica não produzissem conhecimentos sobre o ensino de matemática que ministram.
Entretanto, apesar das Secretarias de Educação investirem grandes cifras neste tipo de formação continuada, no documento "Estatísticas dos Professores do Brasil", elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2003, p. 39-40), encontra-se a seguinte afirmação: "os cursos de formação continuada, aparentemente apresentam pouco impacto no desempenho dos alunos, e isto significa que mudanças sensíveis devem ser feitas nesta área, pois; boa parte dos professores participa desses cursos".
Entendemos que, para haver mudanças sensíveis na formação continuada de professores e, consequentemente, no ensino de matemática, mais do que investir em cursos de curta duração, é importante a criação de políticas públicas que invistam na pessoa do professor, de forma que ele possa desenvolver atividades de pesquisa, que possibilitem com que suas preocupações se configurem em perguntas de pesquisa, de forma que possam conduzir suas práticas de sala de aula e auxiliá-lo a planejar suas ações, bem como a selecionar os materiais didáticos e as metodologias de ensino mais apropriadas para as suas salas de aula.
Assim, concordamos com Cochran-Smith e Lytle (2002, p. 79), ao considerarem que as pesquisas de professores podem nos auxiliar a construir "uma teoria diferente do conhecimento para o ensino", uma vez que as pesquisas dos professores podem ser entendidas "como uma forma diferencial e importante de conhecimento sobre o ensino". As autoras afirmam ainda que:
a investigação feita pelos professores é uma forma de construir conhecimento tanto local quanto público; para os professores individuais; para as comunidades de professores; para os pesquisadores universitários; os formadores de professores; os políticos e os administradores da Educação. (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002, p. 102)
É com este objetivo - o de apresentar alguns conhecimentos sobre o ensino de matemática, produzidos por professores da Educação Básica que ensinam matemática, enquanto estiveram envolvidos em atividades de pesquisa, no período de 2009 a 2012, no âmbito do Programa Observatório da Educação (OBEDUC), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - que escrevemos este artigo. Tais atividades estão sintetizadas em dissertações de mestrado, e, ao analisá-las a partir de categorias analíticodescritivas, fundamentadas nos estudos de Cochran-Smith e Lytle (2002), pudemos compreender melhor as preocupações destes professores, bem como suas escolhas teóricas e metodológicas que conduziram suas práticas naquele período.
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