Introdução
A idéia moderna da racionalidade global da vida social e pessoal acabou por se desintegrar numa miríade de mini-racionalidades ao serviço de uma irracionalidade global, inabarcável e incontrolável. É possível reinventar as mini-racionalidades da vida de modo a que elas deixem de ser partes de um todo e passem a ser totalidades presentes em múltiplas partes. É esta a lógica de uma possível pós-modernidade de resistência. (SANTOS, 1999, p. 102)
As grandes questões com as quais a humanidade precisa lidar no mundo contemporâneo passam, de alguma forma, pela ideia explicitada por Santos (1999) sobre essa miríade de minirracionalidades a serviço de uma irracionalidade global. O individualismo; o consumismo; a sensação de falta de tempo; o sentimento de não-identidade e não-pertencimento a um grupo, comunidade ou lugar; a impotência frente às dimensões dos problemas em um mundo globalizado; são questões que se inter-relacionam como decorrência das transformações socioculturais ocorridas nos séculos XX e XXI. Essas, por sua vez, impactam e são impactadas pela economia, o meio ambiente, a política e a ética. As transformações de modos de vida e de valores em velocidade e escalas sem precedentes causam crises que vão dos níveis mais pessoais ao planetário.
Se nossas sociedades estão em crise; e se - mesmo estando cientes de que estamos imersos em modos de vida que, em escala global, se configuram como um todo irracional - não conseguimos mudar os rumos de nossas vidas de modo a fazê-las convergir para uma racionalidade global; o que deve ser revisto? Como poderíamos nos reestruturar para viver, como indivíduos e como sociedade, de modo diferente?
Certamente, existem respostas individuais ou pontuais para as perguntas acima. Entretanto, elas, provavelmente, se encontram no plano de minirracionalidades que, isoladamente, têm pouco poder de promover a transição para uma "pós-modernidade de resistência" - que resista a essa irracionalidade global, que a enfrente e conduza as sociedades para uma racionalidade global. E, nesse sentido, muitas outras minirracionalidades, provavelmente, precisam, de fato, ser reinventadas. Considerando ambas as possibilidades, tomamos aqui, como hipótese, que parte das respostas às questões colocadas acima passa pelo processo de se buscar o redescobrimento e a reinvenção de minirracionalidades locais orientadas para sociedades que sejam sustentáveis nas diversas dimensões da vida; e de potencializar sua convergência para uma racionalidade global.
Esse redescobrimento e reinvenção de minirracionalidades podem emergir pela reflexão crítica das transformações sociais, culturais e ambientais, por meio de processos educadores que instiguem os movimentos de resistência a se articular e a construir políticas públicas (PP) que sinalizem respostas às inquietações sociais decorrentes dessas transformações abruptas de nossas sociedades. A construção de políticas públicas pode, portanto, ser uma forma de ampliar a escala de esforços e respostas individuais ou pontuais, fazendo convergir novas ideias, culturas e modos de vida para racionalidades (e não para irracionalidades) em escalas maiores que as de seu local de origem.
Para o universo da Educação Ambiental (EA), que é o foco do presente trabalho, a aproximação com processos de políticas públicas se justifica pela constatação de que uma somatória de iniciativas educativas, predominantemente desenvolvidas no âmbito privado, não será capaz de reverter o quadro grave de insustentabilidade existente atualmente (ANDRADE; SORRENTINO, 2013). Faz-se necessária, portanto, a "incorporação da ação política para a formação de responsabilidade pelo planeta" (ANDRADE; SORRENTINO, 2013, p. 215).
No entanto, o envolvimento de educadores e educadoras ambientais com políticas públicas descortina uma série de novos desafios, uma vez que, em geral, esse tema não está incorporado em seus processos de formação (SORRENTINO; NASCIMENTO, 2009-2010).
Dentro desse contexto, os objetivos do presente artigo são: (a) propor que os processos de construção de PP de EA tenham um caráter cíclico e incorporem práticas pedagógicas pautadas na participação e no diálogo; e (b) sugerir um modelo que facilite a visualização das possíveis formas de apropriação teórica e prática dessa proposta.
Texto na íntegra em PDF