Introdução
A escola, por ser um lugar em que muitas pessoas passam boa parte do seu tempo, representa um local e um tempo especial para promover a saúde. Ao integrar alunos, familiares, professores, funcionários e profissionais da saúde, a escola se torna um ambiente ideal para realizar atividades educativas, reforçando seu papel de transformar-se em um meio favorável à convivência saudável, ao desenvolvimento psicoafetivo, ao aprendizado e ao trabalho de todos que ali se relacionam, proporcionando um núcleo de promoção de saúde local (COSTA; RIBEIRO; RIBEIRO, 2001).
Considerando a escola um ambiente propício para o processo educativo, o professor é o membro central da equipe de saúde escolar, pois, além de ter maior contato com os alunos, está envolvido na realidade social e cultural de cada discente e possui uma similaridade comunicativa (DAVANÇO; TADDEI; GAGLIANONE, 2004).
Diante do aumento da prevalência de obesidade, torna-se urgente estudar estratégias de intervenção que permitam o seu controle. As práticas alimentares são destacadas como determinantes diretos dessa doença e a educação nutricional tem sido abordada como tática a ser seguida para que a população tenha uma alimentação mais saudável e, dessa forma, um peso adequado (TRICHES; GIUGLIANI, 2005).
A educação do professor é o primeiro passo para estimular a formação de hábitos alimentares saudáveis no ambiente escolar. Com a formação do professor nessa área se terá um bom desempenho para a promoção da saúde e da nutrição escolar (DAVANÇO; TADDEI; GAGLIANONE, 2004).
Segundo Davanço, Taddei e Gaglianone (2004), nota-se que muitos professores apresentam um comportamento alimentar de risco, sendo estes responsáveis na escola, pelo modelo de comportamento alimentar para os alunos. Para que o professor se transforme em agente promotor de hábitos alimentares saudáveis é importante que possua, além dos conhecimentos teóricos de dieta equilibrada, uma postura consciente de sua atuação na formação dos hábitos alimentares do aluno.
Desta forma, diferentes experiências brasileiras no âmbito da escola são reconhecidas pelo desenvolvimento de uma série de ações que possibilitam ampliar, de forma significativa, o papel da alimentação escolar para a promoção da educação em saúde e nutrição.
As crianças são inseridas no mundo dos direitos humanos e é definido não apenas o direito fundamental da criança à provisão (saúde, alimentação, lazer, educação) e à proteção (contra a violência, discriminação, negligência e outros), como também seus direitos fundamentais de participação na vida social e cultural, de ser respeitada e de ter liberdade para expressar-se individualmente. Esses pontos trouxeram perspectivas orientadoras para o trabalho na Educação Infantil e inspiraram, inclusive, a finalidade dada no artigo 29 da Lei nº 9394/96 às creches e pré-escolas (BRASIL, 1996), que é o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social.
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 2013 (BRASIL, 2013), a educação alimentar e nutricional deve ser tratada universal e integradamente, permeando todo o currículo, no âmbito dos demais componentes curriculares, sendo obrigatória em decorrência da Legislação específica, a Lei nº 11.947 (BRASIL, 2009), que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola, aos alunos da Educação Básica.
Diante destas considerações, o presente trabalho teve como objetivo analisar o conhecimento sobre alimentação e nutrição dos educadores da educação infantil da rede municipal de Água Boa, estado de Minas Gerais.
Metodologia
Os sujeitos da pesquisa foram todos os professores de educação infantil do município de Água Boa, universo este que compreende um total de 15 professores da rede municipal.
Água Boa é um município brasileiro do estado de Minas Gerais que possui uma área de 1.317,748 km² e um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,576, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010). O município possui 80 educadores, sendo 15 professores da educação infantil e 42 professores da educação fundamental, 8 professores da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e 15 da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A política de alimentação existente é o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAE).
Foi realizada uma pesquisa com abordagem qualitativa, embasada na Teoria das representações sociais de Moscovici (1978), que trata da produção de saberes sociais partilhados pelas pessoas.
Para Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa qualitativa caracteriza-se, basicamente, pelos dados colhidos diretamente no ambiente natural, ou seja, no local onde ocorre o fenômeno, estando eles em forma de palavras ou imagens, de maneira que possam ser descritos, tendo como principal instrumento o investigador. O enfoque substancial ocorre no processo e não apenas nos resultados ou produtos da investigação.
Os professores foram convidados a participar da pesquisa e receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme as normas da Resolução 466/2012 (BRASIL, 2012a). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido preconiza a participação em caráter voluntário e assegura o sigilo da participação do educador. O TCLE deixa claro que a qualquer momento este poderá desistir e retirar o seu consentimento e que sua recusa não lhe trará prejuízo algum em sua relação com o pesquisador ou qualquer setor desta Instituição.
Para se compreender como estão construídos os saberes destes professores acerca da temática alimentação e nutrição foram realizadas entrevistas individuais, utilizando roteiro estruturado contendo questões fechadas e abertas.
A entrevista foi realizada em um dia de evento (reunião pedagógica), o que propiciou entrevistar individualmente cada participante em uma sala à parte da reunião. A proposta inicial da pesquisa era que as entrevistas fossem gravadas e posteriormente transcritas para maior riqueza da análise, entretanto, os professores ficaram inibidos com a gravação. Desta forma, suspendeu-se a gravação e registrou-se por escrito as respostas emitidas durante a entrevista.
A análise dos dados das questões que não geraram discurso foi realizada através da análise de conteúdo. O processo de análise de dados foi dividido em três fases: (1) Pré-análise; (2) Exploração do material; e, (3) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação dos dados, conforme Mozzato e Grzybovski (2011). Na fase de exploração do material foram realizadas a categorização e a contagem frequencial destas categorias identificadas.
Na questão aberta O que você entende como educação alimentar e nutricional? do roteiro de entrevista, foi aplicada a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), pois esta questão gerou discurso. Os discursos foram analisados utilizando três figuras metodológicas: as expressões-chave (ECH), a ideia central (IC) e o Discurso do sujeito coletivo (DSC), conforme metodologia proposta por Lefèvre e Lefèvre (2005).
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro sob o número 598/2015, atendendo às Normas da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa.
Resultados e discussão
No município de Água Boa, 100% dos educadores do ensino infantil são do sexo feminino, com idade predominante na faixa de 34-49 anos. Estes resultados estão em concordância com os resultados expostos por Venturini e Thomasi (2013), que trata da predominância de educadoras do sexo feminino na Educação infantil brasileira, embora as autoras apontem mudanças suaves neste cenário nos últimos anos.
Com relação à renda mensal, verificou-se que 80% dos educadores do município possuem renda entre R$725,00 e R$1.448,00.
Verificou-se que, quanto à formação profissional, 86% dos professores possuem ensino superior completo, com formações em: normal superior (46%), pedagogia (33%) e em letras (7%).
Em relação ao tempo de experiência predominante dos professores, 27% apresentam de um mês até 17 anos de experiência como educador, 6% apresentam de 18 a 23 anos e 13%, de 24 a 30 anos. Esse tempo de experiência influencia no conhecimento e na maturidade com que os educadores passam a informação para os alunos sobre alimentação e nutrição, mediante um conhecimento existente ou adquirido ao longo desses 17 anos, que são a maioria.
Nos anos de atuação dos educadores na educação infantil, 42% apresentaram atuação no 2º período, 37% no 1º período, 16% no maternal e 5% na creche.
Ao se pesquisar sobre a existência de algum tipo de abordagem relacionada à temática de EAN durante a formação profissional dos professores, constatou-se que 86% dos professores relataram participação em atividades pedagógicas sobre a temática. As principais atividades pedagógicas mencionadas foram: palestras com nutricionista (n=7), reuniões/ encontros pedagógicos (n=7) e projetos de EAN (n=6). Adicionalmente, 93% destes professores afirmaram existir projeto sobre esta temática na escola em que lecionam, sendo mencionados dois projetos: Saúde, sabor e saber e Dia mundial da alimentação.
A existência de projetos que trabalhem a temática da Educação alimentar e nutricional com crianças é de grande relevância para a promoção da saúde. Para Ramos, Santos e Reis (2013), a educação alimentar e nutricional é vista como uma estratégia para promoção de hábitos alimentares saudáveis e acredita-se que a escola seja um espaço apropriado para desenvolver essas ações.
A maioria dos professores (80%) da educação infantil da rede municipal afirma conhecer o Projeto Político Pedagógico (PPP) da sua escola, embora nenhum desses professores entrevistados integre o colegiado escolar.
Veiga (1996) afirma que o projeto político pedagógico define uma direção a ser seguida, a contínua expressão da ideia sobre a educação e sua função social exigindo uma reflexão da concepção e finalidade da educação com a sociedade. Isto traz a construção da identidade da escola. Desta forma, Vasconcellos (2002) afirmou que o planejamento docente terá muito mais consistência e organicidade se estiver articulado ao Projeto Político-Pedagógico.
Segundo Azevedo e Andrade (2012), a construção do PPP não deve ocorrer apenas pelas mãos da equipe gestora, mas sim, essa equipe tem o desafio de promover a construção, implementação e avaliação deste projeto junto à comunidade de forma permanente e democrática.
Na sequência, abordaremos o entendimento dos professores sobre EAN e para isso retomamos o seu conceito. Segundo o Marco Referencial de EAN (BRASIL, 2012b): Educação alimentar e nutricional é um campo de conhecimento e de prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional que visa promover a prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis.
A prática da EAN deve fazer uso de abordagens e recursos educacionais problematizadores e ativos que favoreçam o diálogo junto a indivíduos e grupos populacionais, considerando todas as fases do curso da vida, etapas do sistema alimentar e as interações e significados que integram o comportamento alimentar (BRASIL, 2012b).
No questionamento sobre o que entendem por Educação alimentar e nutricional, verificou-se nas respostas emitidas pelos professores a presença de quatro ideias centrais: I. Promoção de hábitos alimentares saudáveis (n=6); II. Conhecimento das características sensoriais dos alimentos (n=4); III. Quantidade de alimentos consumidos (n=2) e IV. Alimentação balanceada/ nutritiva/ sadia (n=2).
Os agrupamentos dos discursos emitidos com as mesmas ideias centrais deram origem aos seguintes Discursos dos Sujeitos Coletivos (DSCs I ao IV):
DSC I. Promoção de hábitos alimentares saudáveis (n=6) |
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Levar a criança a ter/ desenvolver hábitos alimentares, com conscientização para criança se alimentar corretamente. Trabalhar com os alunos sobre alimentos nutritivos, que são importantes para a nossa saúde. |
DSC II. Conhecimento das características sensoriais dos alimentos (n=4) |
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Éum ensinamento sobre cor, sabor, aroma. Sabor, saber e saúde. |
DSC III. Quantidade de alimentos consumidos (n=2) |
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Comer bem não é comer muito. É a maneira como se alimentar, não comer muito, mas comer o que seja necessário para ficar nutrido. |
DSC IV. Alimentação balanceada/ nutritiva/ sadia (n=2) |
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Educação alimentar é um meio de nos ensinar a ter uma alimentação mais balanceada e sadia, o que é melhor para ficar nutrido. Saber quais são os alimentos que nos trarão mais saúde. Aquela alimentação que reúne nutrientes para a alimentação saudável. É alimentar-se bem, com alimentos corretos. |
Analisando-se a concepção dos professores sobre a temática, percebeu-se pelos seus discursos, que eles reconhecem a importância da temática para a promoção da saúde das crianças por meio do desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis. Contudo, as respostas obtidas são generalistas, superficiais, e demonstraram falta de conhecimento das características multidimensionais que envolvem a EAN. Observou-se que para esses professores, a EAN está relacionada a uma dimensão biológica, ou seja, relacionada à importância dos alimentos e nutrientes para o funcionamento fisiológico do corpo e para a saúde. As dimensões culturais, sociais, psicológicas da EAN não aparecem nos discursos, sugerindo um desconhecimento ou não valorização da sua importância para a promoção de hábitos alimentares saudáveis. Desta forma, salienta-se a necessidade da realização de atividades de sensibilização, orientação e capacitação destes professores sobre as dimensões multifacetadas que envolvem a EAN, bem como da identificação dessas dimensões no cotidiano das crianças e da comunidade escolar.
Fernandez e Silva (2008) apontam que há um padrão vigente que enfatiza os componentes biológicos dos alimentos na dieta, em função de orientações governamentais promovidas no passado (por meio de cartilhas)3, que destacam noções inadequadas do que seja uma prática alimentar saudável.
Segundo Magalhães, Martins e Castro (2012), se a perspectiva é educar, não se pode ter uma abordagem que apenas instrui sobre como proceder, reduzindo o fenômeno da alimentação quanto ao que comer, ao que comprar e como preparar, pois esta pode tornar-se ineficaz, uma vez que leva o educando a proceder mecanicamente segundo o pensar do educador, destituindo o seu comer dos significados a ele inerentes.
Oliveira e Oliveira (2008) destacam a importância de que as ações educativas sejam desenvolvidas no sentido de promover a autonomia dos indivíduos, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, respeitando as culturas alimentares e valorizando a história alimentar e a diversidade regional, ao mesmo tempo em que reconheçam os saberes populares e fomentem a biodiversidade local.
Embora educar para a saúde seja responsabilidade de diferentes segmentos, a escola é instituição privilegiada, que pode se transformar em um espaço genuíno de promoção da saúde. Um indivíduo que tem conhecimento do que consome na sua alimentação e pode fazer escolhas que sejam mais conscientes, certamente será alguém mais saudável (BRASIL, 2008).
Segundo Razuck, Fontes e Razuck (2011), é necessário que o profissional da educação possua conhecimentos e habilidades sobre promoção da alimentação saudável, procurando incorporá-los ao seu fazer pedagógico. Esses conhecimentos devem ser construídos de forma transversal no ambiente escolar, garantindo a sustentabilidade das ações dentro e fora de sala de aula. É dessa forma que entendemos que o professor é um estimulador de hábitos alimentares saudáveis e pode influenciar tanto positivamente quanto negativamente. Sendo assim, acreditamos que docentes que assumem como atribuição estimular hábitos saudáveis entre os alunos estejam mais aptos a realizar ações de promoção de saúde. Evidencia-se a importância da capacitação de professores, em nutrição, para o seu bom desempenho na saúde e na nutrição escolar.
Portanto, promover a adoção de hábitos alimentares saudáveis representa um grande desafio para qualquer indivíduo, pois a alimentação compõe a história individual, do grupo e da família. O professor como influenciador deve ser orientado, capacitado e adepto, para que aquilo que é falado tenha relação com o comportamento (RAZUCK; FONTES; RAZUCK, 2011).
Dos professores entrevistados, 80% consideraram importante trabalhar a EAN com as crianças, pois acreditam que através desta, é possível desenvolver hábitos saudáveis, disseminar conhecimentos sobre a higiene dos alimentos, estimular o consumo de alimentos saudáveis (verduras e frutas) e conscientizar as crianças sobre a importância da alimentação para a saúde.
Na concepção dos professores, o consumo de alimentos saudáveis está associado ao consumo de frutas e verduras, embora não apareça nos discursos a relação dos nutrientes fornecidos por estes alimentos para o organismo. Estudo realizado por Garcia (1997) sobre representação social aponta que comer mais vegetais e frutas aparecem como uma prática alimentar saudável.
Para Fernandez e Silva (2008) há uma disseminação pela mídia das recomendações oficiais que destacam o discurso de profissionais de saúde com base na ênfase das orientações de redução do consumo de gordura e aumento do consumo de vegetais, frutas e fibras.
Relato 1 com representação sobre o consumo de verduras e frutas: "Inicialmente com uma conversa informal com as crianças, pesquiso sobre alimentos preferidos, que na maioria das vezes se resume em: salgadinhos, salgadão, sanduíches, balas, bombons, sorvetes. Neste momento, é hora de falar de frutas, verduras, alimentos mais saudáveis, que fazem bem à saúde" [Relato 1].
O relato 1 apresentado pelo professor evidencia que na sua concepção os alimentos preferidos pelas crianças, são os alimentos industrializados (salgadinhos, salgadão, sanduíches, balas, bombons, sorvetes).
Esta representação do mais saudável e menos saudável pode ser explicada pela tendência atual de se responsabilizar a alimentação por todos os males e doenças do mundo moderno. Segundo Garcia (1997), mais que qualquer outra prática, a alimentação tem sido apontada como responsável pelas principais doenças crônico-degenerativas típicas do mundo ocidental. Enquanto indubitavelmente, inúmeros outros componentes da vida moderna estão interferindo no estado de saúde.
Neste sentido, nas representações sobre alimentação saudável dos professores aparecem os princípios básicos da alimentação saudável como: o balanceamento de nutrientes, a combinação de alimentos e variedade de alimentos, conforme exemplificado nos relatos de 2 a 6:
É uma alimentação balanceada e sadia. [Relato 2].
É a alimentação com combinação de alimentos. [Relato 3].
É a alimentação feita nas horas certas, com alimentos saudáveis e variados. [Relato 4].
É comer de tudo, mas que seja alimentos saudáveis. [Relato 5].
É uma alimentação que contém substâncias nutritivas para o nosso organismo, sendo o prato quanto mais colorido, melhor e mais nutritivo. [Relato 6].
Estes professores relataram participar de reuniões com a nutricionista da Secretaria Municipal de Educação e do projeto Saúde, sabor e saber nos quais são abordados os princípios da alimentação saudável, indicando o conhecimento sobre o assunto pelos mesmos.
A abordagem de temas relacionados à alimentação e nutrição em reuniões e encontros pedagógicos tem um caráter esporádico e superficial, no município. A reunião ou encontro pedagógico promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Água Boa acontece uma vez a cada semestre ou ano letivo e dura, em média, 3 horas. Nesse tempo de reunião, além da palavra do secretário de educação e representantes políticos, há palestras variadas sobre diversos temas de interesse dos servidores da educação, professores, alunos e familiares. Esse pode ser o padrão dessas reuniões em inúmeros municípios brasileiros do mesmo porte espalhados por todas as regiões do país. Quando algum tema relacionado à alimentação e nutrição é abordado, disputa espaço na agenda com outros assuntos, e pode ser considerada uma longa palestra se for realizada entre 30 e 60 minutos. Uma palestra sobre alimentos e nutrição com tal duração, a cada semestre ou ano letivo, pode ser considerada uma boa oportunidade dos profissionais da educação, pais e estudantes, de entrarem em contato ou se atualizarem em temas de relevância para as suas vidas. Contudo, é pouco. É possível e é desejável que seja trabalhado de maneira mais frequente e permanente.
No projeto Saúde, sabor e saber, em uma etapa preparatória, a nutricionista da Secretaria Municipal de Educação ministra cursos sobre alimentação e nutrição para os professores e demais profissionais da educação, como as cantineiras. Os professores, por sua vez, são capacitados para lecionar temas de alimentação e nutrição, tais como grupo de nutrientes e suas fontes alimentares, comida saborosa e nutritiva, alimentação como fator de promoção de saúde, entre outros.
A alimentação saudável aparece como um somatório de nutrientes e/ou substâncias nutritivas nos relatos dos professores. Esta é uma concepção que retrata o organismo e não o conteúdo humano. Acredita-se que esta noção está relacionada a um senso comum de valorização da ingestão de nutrientes devido ao seu efeito salvador da saúde. Segundo Fernandez e Silva (2008), há um discurso racional de valorização dos aspectos biológicos da alimentação, iniciado no mundo pelas food reformers4, que visou incluir, no repertório de classificação da alimentação humana, os componentes químicos e nutricionais (FERNANDEZ; SILVA, 2008).
De acordo com Boog (2004), a visão de que o corpo se alimenta de nutrientes e não de alimentos, isto é, que o ser humano é uma máquina e o alimento é combustível, pela super valorização da dimensão fisiológica em detrimento da função cultural e simbólica da alimentação humana, foi o objeto principal da ciência da nutrição e da educação alimentar, incrementada a partir da Segunda Guerra Mundial.
Silva, Recine e Queiroz (2002), encontraram concepções sobre alimentação saudável similares às da presente pesquisa em seu estudo realizado com nutricionistas, médicos, enfermeiras e odontólogos.
Com o objetivo de desconstruir esta visão de supervalorização dos nutrientes, o Guia alimentar para a população brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2014), aborda como seu primeiro princípio: "alimentação é mais que ingestão de nutrientes", e destaca:
A ingestão de nutrientes, propiciada pela alimentação, é essencial para a boa saúde. Igualmente importantes para a saúde são os alimentos específicos que fornecem os nutrientes, as inúmeras possíveis combinações entre eles e suas formas de preparo, as características do modo de comer e as dimensões sociais e culturais das práticas alimentares. (BRASIL, 2014, p. 15).
Percebe-se, então, uma mudança na abordagem da alimentação, enfatizando-se também a importância das dimensões sociais e culturais que envolvem as práticas alimentares. Este é um passo importante para se trabalhar a EAN. Desta forma, mediante a avaliação realizada, sugere-se que a Secretaria de Educação e de Saúde de Água Boa reformule a abordagem de EAN com os professores do município, de maneira a destacar as demais dimensões da alimentação, como as sociais, culturais, psicológicas, ambientais e políticas, visto que a dimensão biológica está bem consolidada na representação dos professores.
Outro aspecto que merece consideração é a necessidade de uma abordagem junto aos professores que destaque que uma alimentação saudável deve estar atrelada a uma valorização do seu sistema de produção. Valorizando-se sempre a produção local, a agricultura familiar. O ambiente escolar ainda pode promover esta ideia a partir da aquisição da produção local para a merenda escolar. Segundo Brasil (2014), uma alimentação adequada e saudável deriva de sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável. Recomendações sobre alimentação devem levar em conta o impacto das formas de produção e distribuição dos alimentos sobre a justiça social e a integridade do ambiente.
Os nutrientes citados pelos professores como necessário para uma alimentação saudável incluem carboidratos, proteínas, vitaminas e minerais. Os lipídeos ou gorduras não aparecem em nenhum dos relatos. O que pode representar que este macronutriente não faz parte da representação de alimentação saudável para os professores.
Segundo Laplantine (1991 apud GARCIA, 1997, p. 59-60), no pensamento contemporâneo mais difundido somos tentados a classificar os alimentos, como bons e maus, podendo ser designados inimigos principalmente a gordura, o açúcar e o sal, além da bebida alcoólica, colesterol e condimentos.
Existe também a representação de que o "gostoso não é saudável" e do pensamento dicotômico da existência de alimentos certos e errados para o alcance de uma alimentação saudável, como demonstra os relatos 7 e 8:
Uma alimentação onde você irá aprender a comer o que é saudável e não somente o que é gostoso. [Relato 7].
É comer na hora certa e alimentos certos: legumes, frutas, carnes, ovo, leite, dentre outros. [Relato 8].
Segundo Rodrigues e Boog (2006), essas representações culturais de comer certo versus comer errado são reforçadas por profissionais de saúde que, desconhecendo outras formas de abordar o problema, repetem o que tradicionalmente lhes foi transmitido, que é a noção de um comer certo e um comer errado. Desta forma, o comer certo torna-se um ideal inatingível porque é percebido como restrição e anulação do prazer, implicando portanto, a exclusão sumária de um grande número de alimentos que fazem parte da cultura alimentar e da vida social.
Dos professores de educação infantil pesquisados, 73% (n=11) afirmaram trabalhar com a temática de Educação Alimentar e Nutricional em sala de aula, 20% disseram que às vezes trabalham sobre o tema, e, 7% responderam que não trabalham a temática. Embora a maioria dos professores da educação infantil afirme trabalhar a temática de alimentação e nutrição em suas aulas, o ideal é que todos os professores do município trabalhassem periodicamente com o tema. E que o tema fosse trabalhado transversalmente e não como prática isolada. Para Zancul (2008), o fenômeno educativo é fruto de uma construção contínua e, desse modo, acredita-se que a prática constante de hábitos alimentares saudáveis pode ser estabelecida a partir de um processo de educação alimentar e nutricional permanente dentro da escola.
Observou-se que a temática é abordada de diferentes formas pelos professores de educação infantil, através de elaboração de hortas, preparo de pratos, recortes/colagens e outros. Contudo, 20% dos professores trabalham a EAN somente falando em aula sobre o assunto. Como o público destes professores são crianças em idade pré-escolar e escolar, salienta-se que seria interessante desenvolver a temática de EAN através da utilização de atividades lúdicas adequadas à faixa etária. Para Kishimoto (2008), o processo de aprendizado da criança é favorecido pelas atividades lúdicas. A ludicidade potencializa a exploração e a construção do conhecimento, pois permite às crianças identificar, classificar, agrupar, ordenar, simbolizar e combinar informações, ao mesmo tempo em que desenvolve a atenção e a concentração.
A prática da EAN deve fazer uso de abordagens e recursos educacionais problematizadores e ativos que favoreçam o diálogo junto a indivíduos e grupos populacionais, considerando todas as fases do curso da vida, etapas do sistema alimentar e as interações e significados que compõem o comportamento alimentar. (BRASIL, 2012b, p. 23).
Para Silva et al. (2013), a abordagem diferenciada sobre alimentação saudável de uma forma que desperta o interesse dos alunos pode favorecer a promoção de hábitos saudáveis e a melhoria da qualidade de vida.
De acordo com as Diretrizes curriculares nacionais para a educação básica (BRASIL, 2013), as práticas pedagógicas devem ocorrer de modo a não fragmentar a criança nas suas possibilidades de viver experiências, na sua compreensão do mundo feita pela totalidade de seus sentidos, no conhecimento que constrói na relação intrínseca entre razão e emoção, expressão corporal e verbal, experimentação prática e elaboração conceitual. As práticas envolvidas no ato de alimentar-se, dentre outras, são práticas que deveriam respeitar e atender ao direito da criança de apropriar-se, por meio de experiências corporais, dos modos estabelecidos culturalmente de alimentação e promoção de saúde, de relação com o próprio corpo e consigo mesma, mediada pelas professoras e professores, que intencionalmente planejam e cuidam da organização dessas práticas.
Os temas de maior interesse apontados pelos professores da educação infantil para obtenção de conhecimento foram: alimentação boa/correta (n=7), combinação de alimentos saudáveis (n=6) e função e importância dos alimentos (n=2). Verifica-se que, embora os professores já possuam conhecimentos sobre a alimentação, no seu aspecto biológico/ fisiológico, este caráter técnico continua sendo o foco de interesse sobre alimentação e nutrição. Novamente, as representações sociais da "boa", "correta" e "adequada" aparecem nos discursos dos professores. Não foi verificado nos discursos, representações de alimentação de caráter emocional, social ou cultural. Segundo Garcia (1997), o uso de termos alimentação e nutrição condizem, principalmente este último, com o enfoque da norma, da dieta regulada. Por ser um termo de caráter técnico, embute-se na palavra uma matriz que resgata representações com conteúdo envernizado tecnicamente. Já o termo comida, retém a ideia de uma forma isenta de valores nutricionais. Tal afirmativa é condizente com o verificado no presente estudo.
Considerações finais
A escola é um local estratégico para trabalhar a educação alimentar e nutricional, como ferramenta para a promoção de hábitos alimentares saudáveis em crianças. E o professor é o principal interlocutor para esta ação, dada a sua vivência diária com as crianças, seus responsáveis e com a coordenação pedagógica escolar. Contudo, esta interlocução mediada pelo professor se dará a partir da sua construção pessoal e social sobre o tema. Desta forma, conhecer estas construções é primordial para um planejamento educacional.
O presente estudo propiciou caracterizar as representações sociais sobre alimentação e nutrição dos professores de educação infantil do município de Água Boa, MG, indicando os alicerces que estão bem consolidados e os que precisam ser edificados para a realização de uma proposta pedagógica em educação alimentar e nutricional mais completa e abrangente.
Verificou-se que os conhecimentos dos professores estão embasados na dimensão biológica da alimentação, deixando clara, a reprodução de um discurso preocupado com o corpo, o físico, o orgânico. Estando bem consolidada esta dimensão, se faz necessário um trabalho que valorize o humano junto a estes educadores, ou seja, a valorização não só do corpo físico das crianças, mas de todas as outras dimensões intrínsecas à alimentação, como as dimensões sociais, culturais, ambientais e psicológicas.
Salienta-se também a necessidade da realização de um trabalho para a valorização do sistema de produção alimentar local, valorizando-se não somente os alimentos produzidos, mas os saberes locais envolvidos nestas práticas de produção.
Ressalta-se que é preciso haver um trabalho de conscientização destes educadores para atuarem de forma ativa e participativa nos colegiados escolares, bem como na construção dos projetos políticos pedagógicos das escolas, para que a Educação alimentar e nutricional não seja tratada como um ponto/ assunto abordado uma vez ao ano no calendário escolar, mas que esta possa ser trabalhada de maneira interdisciplinar no conteúdo escolar.
Por estarmos tratando de um processo de ensino-aprendizagem no âmbito da educação infantil, é imprescindível que a abordagem sobre a temática aconteça de maneira lúdica facilitando a construção do conhecimento pelas crianças.
Assim sendo, considera-se que os resultados encontrados nesta pesquisa, compreendem um passo inicial e primordial para subsidiar caminhos para a construção de um projeto de educação alimentar e nutricional abrangente e participativo junto aos educadores, pela Secretaria municipal de educação de Água Boa.