Introdução
Em uma revisão dos estudos que abordam o processo educacional de pessoas com deficiência visual, Uliana e Mól (2017) observaram uma carência de livros didáticos em braille e a escassez de materiais didáticos adaptados que se referem às diferentes disciplinas. Assim, é notória a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas no ensino com recursos e técnicas adequadas que assegurem a permanência desse aluno nas instituições de ensino para dar continuidade a sua formação tanto quanto os alunos videntes (CUNHA; SOUZA, 2013).
Nesse contexto, Cerqueira e Ferreira (2000) destacam a importância da utilização de recursos didáticos na educação especial de pessoas com deficiência visual devido, entre outros, à insuficiência de material adequado que possibilite o aprendizado e uma melhoria na percepção tátil através do manuseio de diferentes materiais. Para auxiliar nesse processo, a inclusão educacional visa a participação dos alunos com deficiência por intermédio de modificações na educação comum, de forma a proporcionar a igualdade de oportunidades para que estes tenham os seus diretos garantidos (GUIJARRO, 2005), e compreende a presença, a participação e a aquisição de conhecimentos pelo educando (AINSCOW, 2004; BOOTH, 1988).
O ensino inclusivo proporciona o aumento da participação dos alunos no currículo escolar e a diminuição da exclusão escolar e social (BOOTH, 1988). Para Sánchez (2005), a educação inclusiva é uma atitude de aceitação das diferenças e não meramente uma alocação do aluno em sala de aula. Desse modo, é necessário que as instituições de ensino estejam capacitadas para receber e educar todos os estudantes (SÁNCHEZ, 2005) e é importante que seja dada uma maior atenção à qualidade de ensino visando buscar a articulação entre teoria e prática para superar as dificuldades na educação especial (ALVES, 2003).
A inclusão educacional demanda que as instituições e os educadores se disponham a adaptar o currículo e o ambiente físico às necessidades de todos os alunos, de forma a promover um ambiente de ensino que valorize e respeite as diversidades das pessoas (PRIETO, 2006; SANTOS; BARBOSA; SOUZA, 2013). Nesse aspecto, garantir a aprendizagem dos alunos implica na utilização de instrumentos que facilitem esse processo (SOUZA, 2013).
A adaptação curricular é uma alternativa que viabiliza a inclusão por proporcionar o desenvolvimento e as potencialidades do aluno com deficiência, por meio da flexibilização da práxis pedagógica, como uma alternativa para abranger e diversificar o processo de ensino aprendizagem (MAGALHÃES, 2013). A capacidade cognitiva de alunos com cegueira e baixa visão não está ligada à deficiência em si e sim às oportunidades de ensino (SILVA, 2013). Para isso, se faz necessário que os professores obtenham informações das dificuldades das pessoas com deficiência, dos processos educacionais e das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) para alcançar e aumentar a efetividade dos processos de aprendizagem dos alunos (ROCHA; MIRANDA, 2009).
As Tecnologias Assistivas correspondem a recursos que auxiliam de maneira funcional na realização de determinada atividade (MANZINI, 2005). A criação e aprimoramento dessas tecnologias promovem ao indivíduo com deficiência mais autonomia, melhor qualidade de vida e inclusão social ao possibilitarem o aumento das habilidades funcionais, comunicabilidade, locomobilidade e controle de seu ambiente (ROCHA; MIRANDA, 2009).
Vaz et al. (2012, p. 89) explicam que:
O uso de recursos didáticos é fundamental na apropriação de conceitos, sendo que, ao se tratar de alunos com deficiência visual, estes recursos precisam estar adaptados às suas necessidades perceptuais. Desta forma, o professor, com o uso de recursos específicos, precisa elaborar estratégias pedagógicas para favorecer o desenvolvimento da criança com deficiência visual e que, assim como crianças de visão normal, ela possa obter sucesso escolar, sendo este um dos desafios da inclusão.
Desse modo, é pertinente que os recursos didáticos contenham estímulos visuais e táteis que atendam às diferentes condições visuais desses alunos (SÁ; CAMPOS; SILVA, 2007). O material pedagógico deve apresentar texturas diferentes e tamanho adequado para que sua utilização seja eficaz e facilite a aquisição, compreensão e assimilação do conhecimento pelo educando (SÁ; CAMPOS; SILVA, 2007). No que se refere ao aproveitamento dos recursos didáticos, a elaboração e adaptação dos mesmos estão condicionadas aos critérios que visam alcançar eficiência em sua utilização, tanto para cegueira total, quanto para visão subnormal, conforme Cerqueira e Ferreira (2000, p. 3), relacionados ao tamanho, aceitação, estimulação visual, fidelidade e segurança, entre outros.
Cerqueira e Ferreira (2000) ressaltam a importância da fidelidade na reprodução do material em relação ao modelo original, evitando-se de materiais reduzidos ou muito grandes que podem descaracterizar os detalhes ou seu contexto. Os mesmos autores destacam também que a visão funcional dos alunos deve ser estimulada com cores fortes e contrastantes e o material deve ser resistente e proporcionar segurança durante seu manuseio, conferindo uma boa aceitação pelo educando.
Segundo Cardinali e Ferreira (2010), a percepção tátil de materiais que proporcionem aos alunos com deficiência visual a percepção e compreensão de elementos reais é importante para a representação mental destes por esses alunos. Entretanto, a escassez de modelos biológicos especializados limita ainda mais o aprendizado dos alunos com deficiência visual, principalmente na área morfológica, a qual abrange conteúdos como a anatomia, cujo estudo prático exige recursos como peças anatômicas para uma visão macroscópica dos órgãos e estruturas corporais (RIBEIRO, 2004).
Orlanda e Santos (2013, p. 8) consideram importante que os professores tenham um conhecimento básico das necessidades do estudante com deficiência "[...] como um sujeito de direitos, um cidadão que ocupa um lugar na sociedade e que possui capacidades como todos os demais alunos". Para tal, salientam os autores, é importante que o professor busque alternativas para desenvolver práticas de ensino inclusivas adaptando suas metodologias para melhor atender as necessidades educacionais dos discentes com deficiência visual.
No que se refere aos recursos didáticos adaptados para os educandos com deficiência visual, Santos e Manga (2009, p. 17) afirmam que é necessária a existência de uma "implantação normatizada de recursos táteis", por meio de maquetes, modelos tridimensionais, alto relevo e coloridos para facilitar a compreensão do conhecimento, inclusive conteúdos de Biologia, de forma a minimizar a subjetividade dos assuntos abordados, possibilitando assim a aproximação entre a teoria e a assimilação do conhecimento. Logo, materiais biológicos podem ser utilizados como facilitadores no processo de ensino e aprendizagem uma vez que:
[...] a diferença de textura e tamanho dos materiais utilizados na construção do modelo, além da particularidade da legenda em Braille, são quesitos primordiais auxiliares no sentido do tato, bastante explorado por esses alunos. (SANTOS; MANGA, 2009, p. 18).
A ausência de uma comunicação por imagem na forma tátil induz a desmotivação na aprendizagem, sendo necessário preencher lacunas no ensino de Biologia por meio do uso de recursos concretos que viabilizem ao aluno a formação da representação mental do que lhe é oferecido para tatear (CARDINALI; FERREIRA, 2010). Assim, entende-se que a utilização de modelos didáticos construídos contribui na formação de imagens mentais próximas das estruturas reais, o que possibilita o acesso ao aprendizado dos estudantes com deficiência visual tornando-os inclusos no processo de aprendizado dinâmico (FREITAS et al., 2008).
Nesse contexto, percebe-se a necessidade de desenvolver estratégias de acessibilidade pedagógica, no que se refere aos materiais didáticos, que atendam às necessidades dos estudantes com deficiência visual através do uso do Sistema Braille e das novas tecnologias de maneira a promover uma Educação Inclusiva. Desse modo, esse estudo corresponde a uma proposta de adequação de alguns materiais didáticos voltados ao ensino de zoologia dos vertebrados para o atendimento dos alunos que apresentam deficiência visual. Após uma análise prévia do material utilizado nas aulas de vertebrados e relatos dos docentes sobre as dificuldades em abordar alguns temas com alunos com essa deficiência, iniciou-se a preparação de modelos didáticos com o intuito de incentivar e aprimorar o aprendizado por esses alunos e facilitar o processo de ensino pelos docentes.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa segue uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório, com base em um levantamento bibliográfico a partir de livros, artigos científicos e outros documentos que apontam questões referentes à inclusão educacional, assim como elementos necessários para a elaboração dos recursos didáticos. Segundo Neves (1996), a pesquisa qualitativa não tem como objetivo enumerar ou quantificar os dados e sim buscar uma perspectiva diferente do estudo com métodos quantitativos. O estudo qualitativo compõe-se de elementos descritivos que ressaltam a realidade de forma contextualizada por intermédio do contato direto e interativo do pesquisador com o objeto de estudo (NEVES, 1996). O caráter exploratório da pesquisa está relacionado ao objetivo de "proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses" (GIL, 2002, p. 41).
Os temas relacionados ao assunto (vertebrados) foram avaliados quanto à viabilidade de adaptação por meio da construção de modelos didáticos voltados aos deficientes visuais. Foram selecionados quatro conteúdos que resultaram na elaboração de quatro modelos biológicos tridimensionais com o uso de diferentes materiais didáticos para representar aspectos da anatomia e morfologia de representantes das Classes Reptilia e Aves. As estruturas apresentadas nos modelos elaborados são de difícil visualização nas peças biológicas frescas e/ou fixadas, até mesmo para os alunos videntes, em decorrência de seu tamanho reduzido ou alteração na forma após a morte do exemplar. Além disso, legendas em braille (Figura 1) para a identificação das peças anatômicas táteis foram produzidas por meio do Espaço Acessibilidade na Biblioteca Central (BICEN) da Universidade Federal de Sergipe (UFS) para complementar a interpretação dos recursos didáticos pelos estudantes com deficiência visual. A literatura de referência disponível para zoologia dos vertebrados (HICKMAN JUNIOR; ROBERTS; LARSON, 2004; KARDONG, 2010; POUGH; JANIS; HEISER, 2008) foi consultada para auxiliar na construção dos modelos. Todos os recursos didáticos foram confeccionados com materiais de fácil acesso e manuseio, de modo que atendam aos critérios propostos por Cerqueira e Ferreira (2000), e foram posteriormente destinados à coleção didática de Vertebrados do Departamento de Biologia na Universidade Federal de Sergipe, com disponibilidade para utilização em eventos externos, aulas da graduação e visitas monitoradas de alunos do ensino médio.
Para o conteúdo relacionado à Classe Reptilia foram construídos dois modelos didáticos para representar os tipos de dentições das serpentes, bem como a glândula de peçonha e os órgãos sensoriais. Para confecção dos modelos dessas cabeças foram utilizados os seguintes itens: isopor, massa para biscuit, garrafa pet, tesoura, estilete, bolas de gude, olhos de plástico, tinta de tecido, tinta guache, tecido feltro, fio de nylon transparente e cola de silicone líquido.
As serpentes podem ser reconhecidas a partir de algumas características específicas, como a dentição, que podem classificá-las na categoria de serpentes peçonhentas e não-peçonhentas. Os dentes podem se apresentar em quatro formas diferentes: áglifos, opistóglifos, proteróglifos e solenóglifos. As serpentes áglifas possuem dentes maciços, sem canal inoculador de peçonha; serpentes opistóglifas apresentam um ou mais dentes aumentados inoculadores de peçonha, localizados na região posterior do maxilar superior com dentes menores na frente, e as proteróglifas possuem dois dentes inoculadores de peçonha não retráteis e sulcados na região anterior do maxilar superior. Nas serpentes solenóglifas estão presentes dois dentes longos, canaliculados e retráteis inoculadores de peçonha, dispostos na região anterior do maxilar superior. Essas serpentes injetam o veneno através uma estrutura salivar modificada que se conecta a dentição por meio de um ducto, a glândula de peçonha, que faz parte do aparato peçonhento das serpentes venenosas (POUGH; JANIS; HEISER, 2008).
As fossetas loreais, localizadas entre as narinas e os olhos, e o órgão de Jacobson, par de reentrâncias localizado no teto da boca, constituem os órgãos dos sentidos das serpentes. As fossetas loreais são revestidas por terminações nervosas responsáveis pela termorrecepção e o órgão de Jacobson é revestido por um epitélio olfativo, responsável pela orientação por meio de quimiorrecepção (HICKMAN JUNIOR; ROBERTS; LARSON, 2004). As cobras estendem a língua a partir da boca para capturar partículas no ar coletando substâncias químicas e transportando-as para o órgão de Jacobson (KARDONG, 2010).
Para o conteúdo relacionado à Classe Aves foram confeccionados dois modelos didáticos para representar os ossos pneumáticos e o sistema respiratório, incluindo a traqueia e a siringe. Para a representação do osso pneumático das aves utilizou-se os seguintes itens: cano PVC, massa para biscuit, tesoura, tinta guache e cola de silicone líquido.
O sistema respiratório das aves consiste em um par de pulmões localizados na parede dorsal da cavidade torácica, conectados a uma traqueia e ventilados por nove sacos aéreos, os quais estão localizados aos pares no tórax e no abdômen. São eles os sacos aéreos cervicais, o saco aéreo interclavicular, os torácicos anterior e posterior, e os abdominais. O processo de respiração ocorre a partir de dois ciclos respiratórios completos para mover o ar através do sistema extensível de nove sacos aéreos interconectados. A siringe, caixa vocal, está localizada próxima à junção da traqueia com os brônquios, sendo responsável pela produção e emissão de sons (HICKMAN JUNIOR; ROBERTS; LARSON, 2004). Para confecção desse modelo foram utilizados os seguintes itens: massa para biscuit, embalagem para ovo páscoa (tamanho G34), amido de milho, corantes alimentícios, tesoura, esponja, preservativos masculinos, tinta spray e cola de silicone líquido.
Avaliação dos modelos didáticos
Após a construção dos modelos didáticos foi realizada uma entrevista semiestruturada com dois estudantes com deficiência visual (cegueira - aluno A e visão subnormal - aluno B) do curso de Ciências Biológicas de uma universidade pública de Sergipe com o intuito de avaliar os modelos elaborados.
As entrevistas foram realizadas no período de 5 a 11 de setembro de 2017 e foi esclarecido para os entrevistados sobre o que tratava a pesquisa, o objetivo e a importância da participação dos mesmos e sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de acordo com a resolução nº 466/2012/Ministério da Saúde, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012), que foi assinado e cuja cópia foi entregue a cada entrevistado. As respostas foram gravadas e, posteriormente, transcritas literalmente, da maneira que foram descritas nesse trabalho.
Os dados foram interpretados de acordo com a análise de conteúdo proposta por Bardin (2009), a qual separa por categorias as informações coletadas através da entrevista. Esta análise tem como objetivo interpretar as comunicações por meio de procedimentos sistemáticos de descrição das mensagens. Assim, as categorias foram divididas em três, as quais contiveram perguntas relacionadas ao percurso do estudante no ensino superior, a análise da utilização de materiais didáticos e a validação dos materiais didáticos produzidos.
Resultados e discussão
Modelos didáticos produzidos
Durante a construção dos modelos relacionados aos representantes da Classe Reptilia foi observado, em um primeiro momento, que as escamas que deveriam recobrir por completo as cabeças das serpentes não aderiram ao biscuit em decorrência da superfície lisa que foi formada. As escamas recortadas em garrafa pet faziam pressão em determinados locais da cabeça e descolavam. Para solucionar tal problema, foi feita a colagem das escamas somente na parte superior da cabeça para transmitir a ideia de como seria o revestimento corporal desses animais.
As cabeças de uma serpente peçonhenta e de uma não-peçonhenta foram representadas tridimensionalmente e em alto relevo conforme as Figuras 2, 3 e 4, respectivamente. Os modelos produzidos permitem ao estudante com deficiência visual diferenciar a dentição das serpentes por meio de características como estrutura dos dentes, seu posicionamento, a capacidade de inocular veneno, além de demonstrar as fossetas loreais, órgãos especiais sensíveis ao calor, e a glândula de peçonha na qual é produzido o veneno e injetado através de um canal que caracteriza os dentes opistóglifo, proteróglifo e solenóglifo (Figuras 2 e 3). O modelo que representa os órgãos dos sentidos possibilita ao estudante conhecer e entender as estruturas responsáveis pelo olfato dos répteis, por meio do órgão de Jacobson, sistema característico não só da Ordem Squamata, mas de todos representantes da classe Reptilia (Figura 3).
O modelo que caracteriza a serpente peçonhenta (Figura 2) é composto por duas partes que se soltam no meio, possibilitando a visualização interna da glândula de veneno no lado esquerdo, no qual foi montada uma engrenagem que permite a movimentação do dente solenóglifo com a abertura da boca, projetando-o para frente. Nesse lado destaca-se também a presença da fosseta loreal e de escamas quilhadas que são características das serpentes da família Viperidae (cascavel e jararaca). No lado direito do modelo as escamas são lisas, não há fosseta loreal e a dentição é proteróglifa, características de serpentes da família Elapidae (coral verdadeira).
O modelo que caracteriza a serpente não-peçonhenta é composto por uma cabeça com mandíbula articulada possibilitando a visualização dos dentes áglifo, opistóglifo e uma língua móvel, a qual foi projetada para permitir o contato com o órgão de Jacobson (Figuras 3A, B e C respectivamente). Além disso, o órgão vomeronasal foi apresentado na região dorsal do modelo com uma textura que permite a identificação de suas estruturas através do tato (Figura 4A). Foi elaborada também uma prancha explicativa que acompanha o modelo durante a aula para consulta por todos os alunos (Figura 4B). As escamas lisas revestem parte da cabeça da serpente e são frequentemente encontradas em serpentes não peçonhentas.
Para o conteúdo relacionado à Classe Aves, o modelo do osso pneumático (Figura 05) visa proporcionar a compreensão da estrutura interna dos ossos das aves, evidenciando as cavidades aéreas entremeadas por finos suportes que conferem leveza e resistência ao esqueleto das aves.
O modelo que representa o sistema respiratório (Figura 6A) permite ao estudante conhecer a morfologia por meio dos órgãos constituintes desse sistema. Foi elaborada também uma prancha explicativa que acompanha o modelo durante a aula, para consulta por todos os alunos (Figura 6B).
Avaliação dos modelos produzidos
No que tange à utilização dos recursos didáticos propostos nesse estudo, ambos os entrevistados consideraram a importância das adaptações destes na facilitação da aprendizagem, por possibilitar o contato com materiais especializados, de modo a representar as peças biológicas que não podem ser manipuladas em condições naturais. Nesse contexto, Cardinali e Ferreira (2010) explicaram que essa carência de recursos adaptados ocasiona a falta de interesse, principalmente por parte dos alunos com cegueira, uma vez que o ensino de biologia busca proporcionar o entendimento de conceitos básicos para o aluno sem uma memorização descontextualizada.
Frente a essa narrativa, nota-se a importância de aulas dinâmicas usufruindo de recursos didáticos que visem fixar o entendimento dos conteúdos propostos de maneira mais fácil, colaborando no processo da aprendizagem. Logo, os educadores devem promover estratégias pedagógicas e fazer uso de recursos didáticos no intuito de estimular e motivar a vontade de aprender do estudante (OLIVEIRA, 2003).
Foi relatado pelos entrevistados que a forma como os exemplares biológicos são dispostos e/ou organizados em sala de aula, e a quantidade de alunos na turma normalmente influencia no seu acesso à informação. Para tanto, Freitas (2007) apontou que o estudante com deficiência visual deve estar em uma posição dentro da sala de aula que o favoreça a ouvir o professor, possibilite o acesso aos materiais e na obtenção das informações. Para Sá (2003), esta autonomia do aprendizado é facilitada através das Tecnologias Assistivas e a autora ainda evidencia que, para o acontecimento desse aprendizado, é preciso acesso fácil aos meios de aprendizagem e que essa independência seja reconhecida socialmente.
Os entrevistados indicaram que os modelos didáticos ajudaram na compreensão das estruturas anatômicas dos vertebrados de forma a incentivar e efetivar a aprendizagem. Conforme o aluno B, os materiais ajudam muito, minimizando o esforço para o entendimento do conteúdo:
[...] desde que seja bem elaborado, atinja bem o objetivo. Você diferenciou bem essa questão da escama, só tocando ou visualizando eu já consegui perceber rápido a diferença. Foi muito fácil, e isso contribui bastante. Se eu tivesse estudado com esse aqui teria sido maravilhoso, eu não teria reprovado porque eu não estava acompanhando, embora que a gente precisa se esforçar.
Por meio dessa narrativa, observa-se que o material confeccionado atingiu o objetivo proposto conforme o critério da significação tátil estabelecido por Cerqueira e Ferreira (2000), os quais dizem que o material deve apresentar diferentes texturas que proporcionem uma diferenciação dos elementos que compõem o recurso didático.
Durante a avaliação do material confeccionado os entrevistados relataram algumas características positivas:
Vai ser muito acessível pra qualquer pessoa que não enxergue. [Aluno A].
[...] você trabalhou bem as cores, [...] pra quem tem baixa visão é perfeito, vai diferenciar bem por trabalhar com esses tipos de materiais ajuda de forma muito eficiente. [Aluno B].
Segundo Cerqueira e Ferreira (2000), para alunos com visão subnormal é importante o uso de recursos didáticos com impressões ampliadas bem como materiais com cores fortes e contrastantes, como relatou o Aluno B. Batista e Mantoan (2006), e Sá, Campos e Silva (2007) relatam que, além de apresentar cores contrastantes, o modelo inclusivo deve conter texturas e tamanhos adequados, de modo que seja válido para atender as necessidades dos discentes com deficiência visual.
Entretanto, o aluno B sugeriu a possibilidade de uma futura modificação na articulação da cabeça da cobra não-peçonhenta, no sentido de modificar o material utilizado (palito de madeira) por um mais resistente. No entanto, em relação à confecção, Cerqueira e Ferreira (2000, p. 2) ressaltam a importância do uso de "materiais de baixo custo ou de fácil obtenção [...] como: palitos de fósforos, contas, chapinhas, barbantes, cartolinas, botões e outros". Com a sugestão do aluno, o modelo em questão se adequaria melhor aos critérios de facilidade de manuseio e resistência estabelecidos por Cerqueira e Ferreira (2000), proporcionando uma utilização mais prática e segura do recurso elaborado. Observações como esta são relevantes no sentido de aprimorar futuros trabalhos nessa área.
Em relação à qualidade do material, os entrevistados consideraram que é de fácil manuseio e que está em um tamanho adequado para sua compreensão. Os alunos A e B ressaltam:
Não está nem muito pequeno nem muito grande, está num tamanho ótimo. [Aluno A].
Está ótimo. É só explicar ao nível de perda da visão, [...] é só explicar o tamanho, se fizer uma descrição correta o aluno vai entender. [Aluno B].
Uma maneira adequada de conferir a dimensão dos modelos didáticos para o aluno deficiente visual é explicá-los durante a apresentação dos mesmos de forma verbal e objetiva, segundo Cerqueira e Ferreira (2000). Nesse aspecto, os modelos utilizados apresentavam um tamanho coerente que proporcionou uma boa percepção das estruturas anatômicas pelos alunos.
Ambos os alunos sentiram resistência e segurança ao tatear os modelos didáticos, além de identificar as diferentes estruturas do material apresentado. Para o aluno com cegueira, o modelo possibilitou uma representação mental do objeto de estudo enquanto para o aluno com visão subnormal o recurso estimulou sua visão conforme a resposta:
Esse material ajudou muito, eu até estou sem palavras porque me surpreendi muito com o material, bem didático, bem direto, não foi difícil para entender. [Aluno B].
O aluno A destaca a importância da construção de mais materiais didáticos adaptados às suas condições. O aluno B relata ainda que:
O principal é a questão de incluir o aluno. Quando ele não tem esse acesso ele se sente frustrado [...] é primordial porque [...] vai incentivar o aluno a continuar, [...] ele se sente muito satisfeito, por mais simples que seja o material desde que atinja o objetivo, desde que ajude a entender.
Em linhas gerais, os alunos participantes da pesquisa avaliaram os modelos produzidos e conseguiram identificar e diferenciar todas as estruturas propostas, de modo a promover a compreensão das respectivas funções dos modelos apresentados. Em vista disto, a produção e utilização de recursos pedagógicos especializados deve ser incentivada no ensino inclusivo no âmbito escolar, uma vez que possibilitam uma interação mais efetiva dos estudantes no ensino aprendizagem, através da associação de aulas teórico-práticas (MATOS et al., 2009).
Considerações finais
Diante dos resultados obtidos por meio das percepções dos estudantes com deficiência visual percebe-se a relevância da utilização dos materiais especializados confeccionados voltados ao ensino de Biologia como instrumentos facilitadores no processo da aprendizagem. Ambos destacaram que os modelos favoreceram a assimilação dos conceitos de zoologia seja mediante ao uso de cores, diferentes texturas e relevo, as legendas em braille, bem como a diferenciação de detalhes anatômicos através da percepção tátil.
Entende-se que, apesar das diversas barreiras que o estudante com deficiência visual pode se deparar durante a sua formação acadêmica, os modelos didáticos tridimensionalmente adaptados ao ensino de Vertebrados revelam-se como importantes estratégias pedagógicas que podem ser utilizadas pelos educadores por proporcionarem uma compreensão efetiva de conceitos abstratos e complexos, motivando os estudantes a vontade de querer aprender, viabilizando assim um aprendizado efetivo como visa a inclusão no contexto educacional.