Introdução
O primeiro ano em uma Instituição de Ensino Superior - IES é um momento particular na vida dos estudantes, representando uma transição que demanda uma adaptação complexa e multifatorial ( et al., ARAÚJO 2016; GUERREIRO-CASANOVA; POLYDORO, 2011; YAZEDJIAN; TOEWS; NAVARRO, 2009). Além disso, o ensino remoto emergencial representou uma mudança abrupta para professores e estudantes ( MAIA; DIAS, 2020; SILVA et al., 2020 ; VALENTE et al., 2020 ). No estudo de Rosa (2020) sobre expectativas de estudantes do primeiro ano, durante o período de confinamento, foi identificado que, mesmo em tempos de pandemia, não houve perda de interesse nos estudos ou diminuição da importância atribuída ao curso; ao passo que a interação social foi uma dimensão comprometida durante o período de isolamento. Na revisão de Neves, Assis e Sabino (2021), sobre o primeiro ano do ensino remoto no Brasil, os autores identificaram uma piora na interação entre docentes e discentes. Osti, Pontes e Almeida (2021) identificaram que os estudantes foram impactados pela pandemia, tendo suas capacidades de engajamento para os estudos reduzidas, comprometimento da saúde mental e física, elevado grau de estresse cotidiano e sentimentos negativos frequentes.
Nesse contexto de mudanças, este artigo apresenta uma pesquisa que teve por objetivo investigar como estudantes do primeiro ano se adaptaram ao ensino superior durante o ensino remoto emergencial. Para responder à questão da pesquisa, solicitamos aos coordenadores de curso de uma universidade pública e de uma IES privada de um município do interior de Minas Gerais 4 que enviassem o convite, por e-mail, aos estudantes que haviam ingressado entre 2020 e 2021 5 . Anexo ao convite estava o formulário da pesquisa, que os estudantes deveriam enviar até abril de 2022, pouco antes das aulas retornarem presencialmente na universidade pública e pouco depois do retorno de aulas presenciais na IES privada. No formulário, além do termo de consentimento para participação na pesquisa, havia questões sobre o perfil dos estudantes e o ensino remoto; o Questionário de Vivências Acadêmicas, na sua versão reduzida - QVA-r, desenvolvido por Almeida, Soares e Ferreira (2002); e um convite para participarem de uma roda de conversa 6 .
Participaram da pesquisa 186 estudantes, dos quais 155 (83,3%) eram da universidade pública federal, de seus três campi em distintas cidades e 31 (16,7%) da IES privada. Embora no formulário 71 universitários se dispusessem a participar da roda de conversa, nenhum estudante confirmou sua participação nos horários da manhã e da tarde e apenas duas participantes compareceram à roda de conversa à noite. A pesquisa foi toda realizada em formato remoto, com aplicação do questionário online e realização da roda de conversa através de vídeo chamada com duas estudantes da universidade federal 7 .
Após uma breve apresentação do perfil dos participantes na pesquisa, apresentamos os resultados do estudo, com base nas cinco dimensões abordadas pelo QVA-r, compreendidas à luz de uma análise estatística descritiva das perguntas complementares e do conteúdo expresso na roda de conversa, assim como discutimos os dados a partir da literatura sobre vivências acadêmicas.
Perfil dos estudantes participantes no estudo
A maior parte dos participantes da pesquisa é bem jovem pois 75 estudantes, (42,3%) têm entre 19 e 20 anos. 112 participantes (60,2%) declararam que se identificam com o gênero feminino, 71 (39,01%) com o masculino e 1 pessoa (0,53%) respondeu nenhum gênero. Em relação à cor/raça, obteve-se as autodeclarações de que 102 pessoas (54,8%) se consideram brancas, 23 (12,4%) pretas, 58 (31,2%) pardas e 3 pessoas (1,6%) responderam outra cor/raça, sendo que as opções amarela (de origem asiática) e indígena não foram marcadas.
Quanto à entrada no ensino superior, 162 (87,1%) estudantes estavam pela primeira vez no ensino superior e 24 (12,9%) já tinham uma experiência universitária prévia. Os cursos predominantes dos participantes da pesquisa matriculados na universidade pública foram: 21 estudantes de ciências biológicas, 14 de arquitetura e urbanismo e 11 de agronomia. Outros cursos que tiveram participação, mas em menor número, foram: ciência da computação, ciências contábeis, ciências sociais, dança, direito, educação do campo, educação física, enfermagem, engenharia agrícola e ambiental, engenharia ambiental, engenharia elétrica, história, letras, química, matemática, medicina, medicina veterinária, pedagogia, secretariado executivo trilíngue, administração, agronegócio e gestão ambiental. Na IES privada, a participação contou com estudantes dos seguintes cursos: 10 estudantes de nutrição, 8 de psicologia e 6 de fisioterapia, além de odontologia, ciências contábeis, direito, farmácia e medicina veterinária. Em relação ao turno da matrícula, 146 pessoas (78,5% dos participantes) fazem os respectivos cursos no período diurno - manhã e/ou tarde e 40 pessoas (21,5%) no período noturno. Estes dados mostram a diversidade de estudantes participantes da pesquisa. Acreditamos que no primeiro ano do ensino superior as disciplinas, em sua grande maioria, são básicas e teóricas e os calouros passam por enfrentamentos semelhantes na adaptação à universidade. Por outro lado, sabemos das particularidades de cada curso e é possível que alguns deles tivessem maior fragilidade na adaptação dos estudantes, levando, por exemplo, a uma maior evasão. No entanto, as diferenças significativas no número de participantes em cada curso dificultaram realizar uma análise sobre a adaptação de estudantes em cursos diferentes e, por este motivo, realizamos uma análise generalista, não de situações particulares (tais como: número de estudantes negros, trabalhadores, de cursos noturnos ou de áreas específicas), mas uma adaptação geral de um conjunto de estudantes que ingressou no ensino superior no período do ensino remoto.
Podemos perceber, portanto, que houve uma participação bem diversificada e que, para a maioria dos participantes, aquela era a primeira experiência no ensino superior. São também bastante jovens, com maioria feminina e branca, estudando em cursos durante o dia, sendo, provavelmente, a principal atividade realizada por estes jovens que deixaram o ensino médio e ingressaram no ensino superior.
Como foi a experiência de mudar de instituição de ensino e se adaptar a este novo contexto? Eles conheciam a IES em que estudavam? Conheciam a cidade onde estava situada a IES? O que pensavam do ensino remoto? Explorando um pouco essa realidade dos estudantes, passamos agora à discussão sobre o conhecimento a respeito das IES em que estudavam, e também sobre como percebiam o ensino remoto e as expectativas para as aulas presenciais.
Percepções dos estudantes remoto sobre as IES, o ensino remoto e o retorno às aulas presenciais
No nosso levantamento encontramos que, além de cidades vizinhas às IES, alguns estudantes residiam em outros estados como São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso, Bahia, Rio de Janeiro, Goiás, Ceará e Distrito Federal. Esses estudantes ingressaram no ensino superior mantendo-se, frequentemente, em sua cidade e morando com os seus familiares. Era possível, portanto, que eles sequer conhecessem a cidade e a instituição onde estavam matriculados.
No entanto, os dados mostraram que a maior parte dos estudantes (78%) conhecia a cidade de sua instituição de ensino e o campus onde estudavam, enquanto 22 (11,8%) não conheciam sequer a cidade onde fica a instituição em que estudavam e 19 (10,2%) disseram que conheciam a cidade, mas não o campus. Embora seja um grupo pequeno, havia, de fato, estudantes que não tinham saído da casa dos familiares, nem sequer conheciam a cidade ou as instalações físicas da IES em que estudavam, experiências que compõem o repertório de todos os calouros que, mesmo que não mudem de cidade ou da casa dos pais, precisam se integrar a uma nova instituição de ensino, com suas especificidades. Isso não significa que os calouros não tivessem que se adaptar, o fato é que muitas vivências como morar com outras pessoas, alimentar-se com os colegas nos restaurantes e lanchonetes da instituição, frequentar a biblioteca e outros espaços de interação não foram vivenciados por estes universitários.
Por outro lado, embora, a princípio, a maior parte dos participantes dissesse ter conhecido a cidade e a IES, percebemos, na roda de conversa, que este conhecimento poderia ser muito superficial, pois, as duas participantes da roda conheciam a cidade o campus da universidade, mas uma delas tinha dado uma volta rápida de carro pelo campus e a outra tinha feito alguns passeios há anos atrás e não sabia, por exemplo, onde ficava o departamento do seu curso. Podemos afirmar que, com o retorno das aulas presenciais, estes estudantes passariam por um segundo momento de adaptação, de convivência presencial com os colegas e professores que conheciam remotamente, de orientarem-se nas instalações físicas da IES e conhecerem seus recursos, e alguns tendo que mudar de suas cidades, morar com outras pessoas, o que lhes exigiria uma capacidade de autonomia maior do que estudar morando com os familiares.
Além disso, não basta conhecer a instituição de ensino para se familiarizar com os serviços oferecidos pelas instituições e uma das participantes chegou a dizer: “Eu acho que a sensação de pertencer mesmo à faculdade, né, de fazer parte dela, existe quando eu estou lá fisicamente, quando há a troca entre, sei lá, a estrutura física e entre as pessoas que estão lá dentro” (Estudante de letras 8 ).
Como a pesquisa foi realizada no início de 2022 e uma das instituições havia retornado às aulas presenciais, perguntamos se alguns haviam retornado ao ensino presencial e 136 (73,1%) universitários responderam que não, 34 (18,3%) estavam com algumas aulas presenciais e 16 (8,6%) haviam retornado aos estudos presencialmente. Na universidade pública algumas poucas aulas de laboratório estavam acontecendo presencialmente e todas as demais estavam sendo remotas. Por isso, a maioria dos participantes ainda não havia iniciado o ensino presencial na instituição de ensino superior em que estudava. Sobre como foi esse retorno, 68% dos que já tinham tido aula presencial, alegaram que foi muito melhor do que o ensino remoto, 16% disseram ter sido pouco melhor do que o ensino remoto; 10% não perceberam diferença entre o ensino remoto e o presencial, 8% assinalaram ter sido pior do que o ensino remoto e ninguém alegou ter sido muito pior do que o ensino remoto. Ou seja, se somarmos as duas primeiras respostas, temos que, para 84% dos participantes, o ensino presencial era melhor.
Visando aprofundar essa percepção que os estudantes tinham a respeito do ensino remoto e presencial, perguntamos se eles gostariam de continuar com aulas remotas, mesmo com condições seguras para o retorno presencial, e 161 (86,6%) estudantes responderam que não, enquanto 25 (13,4%) disseram que sim. Nesse caso, solicitamos que eles justificassem porque gostariam de estudar de maneira remota e apareceram seis respostas de estudantes que afirmaram trabalhar e, por isso, o ensino remoto facilitava os estudos, entre outras respostas como flexibilidade de horário, economia de tempo e dinheiro, receio pela pandemia, a praticidade e a comodidade, além de questões pessoais e de saúde.
Em relação aos aspectos relacionados à aprendizagem, apareceram respostas que afirmavam que as aulas remotas tornam possível a revisão dos conteúdos com mais calma e que algumas disciplinas, especialmente teóricas, não perdem qualidade quando ministradas remotamente. Na roda de conversa, as participantes apresentaram alguns pontos positivos do ensino remoto, como não precisar se deslocar, mudar de cidade e a possibilidade de estar próximo à família, além da praticidade do ensino online:
[...] a vantagem mesmo, foi só nessa praticidade de um clique você já tá na aula e uma mensagem você já resolveu o problema que tinha que resolver com alguma pessoa do grupo, um clique e você já cria um grupo da tarefa, tem essa questão da praticidade e flexibilidade, mas fora isso, presencial dá de 10 a 0. (Estudante de letras).
Especificamente, essa estudante morava numa cidade vizinha à IES, trabalhava durante o dia e demonstrou preocupação com o cansaço e os perigos da viagem todas as noites no retorno ao ensino presencial, dizendo que o ensino remoto era muito mais cômodo. No entanto, afirmou também que, se residisse na cidade da IES onde estuda, iria preferir fazer aulas presenciais.
Uma das perguntas era se os estudantes acreditavam que o ensino remoto trouxe prejuízos para a aprendizagem e 163 (87,6%) alegaram que sim e 23 (12,4%) que não. Na roda de conversa, as duas participantes foram unânimes sobre os prejuízos na aprendizagem durante o ensino remoto. Apesar das vantagens, praticidades e de boas práticas docentes citadas na roda de conversa, elas acreditavam que o ensino presencial seria melhor. Uma delas comentou que o ensino remoto havia sido uma situação não planejada e emergencial para lidar com o contexto de pandemia, que afetou tanto os estudantes quanto os professores, mas que não era a situação ideal para o processo de ensino-aprendizagem.
Uma participante da roda de conversa citou ter transtorno de hiperatividade e déficit de atenção e explicou que tal condição dificultava sobremaneira se concentrar nas aulas remotas, e ambas afirmaram que, apesar das distrações, se engajaram mais nas aulas síncronas e evitavam perdê-las para não precisar assistir as gravações posteriormente. As estudantes falaram da diferença entre estar em aulas síncronas, com envolvimento dos colegas e professores, e de assistir às aulas assíncronas, que ficavam gravadas, e embora pudessem voltar a gravação para ouvir novamente o que havia sido dito, às vezes se esqueciam de assistir à gravação. Ambas disseram ter mais engajamento nas aulas síncronas. Uma participante comentou estar fazendo um curso noutra instituição, em que todas as aulas eram gravadas e ela não conhecia nenhum colega e também não tinha nenhum contato com os docentes, a não ser por gravação das aulas, dizendo que tinha tido muito mais dificuldade de se vincular ao processo de aprendizagem.
Finalizando a discussão específica sobre o ensino presencial, buscamos saber se os estudantes tinham a intenção de mudar de curso e de IES na volta ao ensino presencial. Nossa hipótese era de que, para alguns alunos, o ensino remoto teria sido uma espécie de teste e eles não planejavam mudar de cidade ou Estado para ingressar na IES matriculada, esperando uma oportunidade de mudarem de curso e instituição. Nossos resultados, no entanto, não confirmaram tais previsões. Em relação às pretensões futuras dos participantes, após o retorno das aulas presenciais, 180 (96,8%) responderam que pretendem continuar no mesmo curso e na mesma instituição de ensino, 2 (1,1%) pretendem mudar de curso, mas continuar na mesma instituição de ensino e 3 participantes (1,6%) pretendem continuar no mesmo curso, mas em outra instituição de ensino. Ninguém declarou querer mudar de curso e de instituição de ensino e 1 pessoa (0,5%) declarou que pretende deixar de estudar.
Ou seja, para estes participantes, o ensino remoto não havia sido um período de experimentação visando novas escolhas. De fato, a maioria dos estudantes pretendia permanecer no curso e na IES, mudando de cidade ou tendo que se deslocar de uma cidade para outra, para aqueles que residiam fora do município onde se situa a IES em que estudavam. Na roda de conversa, uma das estudantes estava bem ansiosa para mudar de cidade e vivenciar a vida universitária, embora dissesse que nunca tinha ficado longe da família e que só mudaria se levasse alguns de seus gatos para a nova cidade, enquanto a outra temia o deslocamento que teria que fazer todos os dias para a IES.
As vivências acadêmicas dos participantes analisadas através do QVA-r
Além das perguntas sobre o perfil dos estudantes e o ensino remoto, utilizamos o Questionário de Vivências Acadêmicas reduzido 9 - QVA-r, que foi criado por pesquisadores portugueses ( ALMEIDA; SOARES; FERREIRA, 2002), com o objetivo de investigar o quanto os estudantes estão se adaptando ao ensino superior 10 . As questões estão organizadas em escala Likert, com as seguintes opções: 1 - Nada a ver comigo, totalmente em desacordo, nunca acontece; 2 - Pouco a ver comigo, muito em desacordo, poucas vezes acontece; 3 - Algumas vezes de acordo comigo e outras não, algumas vezes acontece, outras não; 4 - Bastante a ver comigo, muito de acordo, acontece muitas vezes e 5 - Tudo a ver comigo, totalmente de acordo, acontece. O QVA-r organiza a adaptação dos estudantes ao ensino superior em 5 dimensões: estudo, carreira, pessoal, interpessoal e institucional.
A dimensão estudo envolve hábitos de estudo, administração do tempo, uso de recursos de aprendizagem e preparo para avaliações; em carreira, encontram-se questões relacionadas a sentimentos quanto ao curso e perspectivas após a formatura. A dimensão pessoal envolve a percepção sobre o bem-estar físico, emocional, otimismo e autoconfiança e consideramos, para este estudo, estar diretamente associada à saúde mental dos estudantes. Na dimensão interpessoal, são analisadas se há interações com colegas e a qualidade delas, bem como a formação de amizades. Por fim, no aspecto institucional, as questões envolvem o que os estudantes conhecem da instituição, o que pensam desta e como a avaliam.
Os dados gerais do QVA-r apontam para uma melhor percepção das vivências acadêmicas em estudantes que iniciaram sua graduação durante a pandemia de Covid 19, nas dimensões carreira (média 4,01); institucional (média 3,76) e estudo (média 3,49). A avaliação dos estudantes cai precisamente nas dimensões interpessoal (média 3,46) e pessoal (média 2,21), indicando que, de fato, a dimensão interpessoal, que trata das relações sociais entre os acadêmicos, se mostrou prejudicada no regime de ensino remoto ( Tabela 1). Além das aulas online prejudicarem o contato dos estudantes com colegas e professores, esse foi um momento de incentivo ao isolamento social, o que pode ter intensificado ainda mais esse dado. Destaca-se que a dimensão pessoal se mostrou mais comprometida, indicando que a saúde mental dos estudantes foi um dos elementos mais afetados dentre os participantes da pesquisa, como se pode ver na tabela a seguir.
Dimensões | N | Média | Desvio Padrão |
Pessoal | 14 | 2,21889 | ,250505 |
Interpessoal | 12 | 3,22625 | ,656280 |
Carreira | 12 | 4,01344 | ,551133 |
Estudo | 9 | 3,46953 | ,492618 |
Institucional | 8 | 3,76075 | 1,064536 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
Para maior detalhamento dos dados, apresentaremos cada dimensão separadamente, em quadros onde estão representadas as respostas “bastante a ver comigo” (4) e “tudo a ver comigo” (5). Em razão do grande volume de dados obtidos na pesquisa, foi necessário priorizar a análise dos dados que se mostraram mais em destaque de acordo com os objetivos e hipótese da pesquisa, em consonância com a revisão de literatura.
A média na dimensão carreira obteve a avaliação mais alta, 4,01344 e chama a atenção que essa dimensão foi avaliada de modo ainda mais positivo entre os estudantes da IES privada que fez parte da pesquisa, com média 4,239247. Nessa dimensão destacamos os itens 2: “Acredito que posso concretizar meus valores na profissão que escolhi” com 88,7%; e 5: “Olhando para trás, consigo identificar as razões que me levaram a escolher este curso” com 88,1% de respostas 4 e 5, indicando que são dois dos elementos em que os estudantes apresentam escores mais altos ao falar da dimensão carreira em suas vivências acadêmicas.
Questões | F | % |
2. Acredito que posso concretizar meus valores na profissão que escolhi. | 165 | 88,7 |
5. Olhando para trás, consigo identificar as razões que me levaram a escolher este curso. | 164 | 88,1 |
7. Escolhi bem o curso que frequento. | 159 | 85,5 |
21. Acredito que o meu curso me possibilitará a realização profissional. | 156 | 83,9 |
8. Tenho boas qualidades para a área profissional que escolhi. | 153 | 82,2 |
49. Meus gostos pessoais foram decisivos na escolha do meu curso. | 150 | 80,6 |
32. Escolhi o curso que me parece mais de acordo com as minhas aptidões e capacidades. | 140 | 75,3 |
14. Sinto-me envolvido(a) com o meu curso. | 129 | 69,3 |
55. Mesmo que pudesse não mudaria de curso. | 126 | 67,7 |
19. Minha trajetória universitária corresponde às minhas expectativas vocacionais. | 110 | 59,1 |
51. Estou no curso que sempre sonhei. | 108 | 58,1 |
46. Tenho dificuldades para tomar decisões. | 86 | 46,3 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
Ainda com relação à carreira, pode-se observar no Quadro 1 que 59,1% consideram que sua trajetória universitária corresponde às expectativas vocacionais (Item 19) e 58,1% afirmaram estar no curso que sempre sonharam (Item 51). Esses itens evocam o processo de escolha do curso, sugerindo que 60% dos participantes no estudo compreendem que a sua trajetória universitária corresponde às suas expectativas vocacionais e que estão no curso sonhado. Soma-se a isso o fato de que os gostos pessoais de 80,6% dos participantes na pesquisa foram decisivos na escolha do curso (Item 49).
Essas respostas são bem surpreendentes, pois, desde janeiro de 2010, com a implantação do Sistema de Seleção Unificada - SISU, os estudantes podem escolher mais de uma opção de curso, e nem sempre eles são selecionados para o curso mais desejado. Ainda assim, os dados mostram que a maioria dos participantes conseguiu realizar o curso de seu interesse, ao entrar no ensino superior. Talvez por isso não estejam cogitando mudar de curso nem de IES, como visto anteriormente.
Os dados obtidos na pesquisa são compatíveis aos apresentados por Rodrigues et al. (2019), onde apresentam que, em “relação à carreira: 61% afirmam ter escolhido o seu curso com base em suas aptidões e capacidades; e para 66% os gostos pessoais foram decisivos nesta escolha” ( RODRIGUES et al. 2019 , p. 6). Estes resultados sinalizam que “a maior parte dos discentes fez uma escolha profissional criteriosa, baseada em seus interesses, valores e nas competências que acredita ter e/ou que consiga desenvolver” ( RODRIGUES et al. 2019 , p. 6). Dados que corroboram que o processo de escolha, anterior a pandemia, não sofreu influências da mesma.
Observa-se que parte significativa dos participantes da pesquisa tem dificuldade em tomar decisões bem como de administrar seu tempo, o que pode estar relacionado ao uso frequente de tecnologias que disputam a atenção dos estudantes, como redes sociais, e/ou a competição por outros estímulos dentro da própria casa, como relatam as estudantes:
Quando a gente tá em casa, por exemplo, já teve um momento que eu tava assistindo a aula e o vizinho chama para alguma coisa, às vezes o som está tocando na vizinhança também, ou eu precisei pedir um lanche em casa, ou estava assistindo aula enquanto estava comendo alguma coisa. Eu acho que a gente acaba encontrando mais distrações quando a gente não tá lá no ensino presencial. (Estudante de letras).
Às vezes eu olho para o celular aí eu fico rolando o Twitter, o Instagram. Eu faço o dever de uma outra matéria e isso também é muito explícito que eu não consigo prestar atenção quando eu tenho distrações do meu lado e isso foi um grande problema que enfrentei no ensino remoto. (Estudante de arquitetura).
Na dimensão estudo ( Quadro 2), apenas 26,9% dos estudantes consideram que administram bem seu tempo (Item 10), contudo 81,8% assinalaram que têm capacidade de estudar (Item 48), destacando um bom conceito de autoeficácia ( MARTINS; SANTOS, 2019). Guerreiro-Casanova e Polydoro (2011) afirmam que: “Autoeficácia na formação superior é entendida como a crença de um estudante em sua capacidade de organizar e executar cursos de ações requeridas para produzir certas realizações referentes aos aspectos compreendidos pelas tarefas acadêmicas pertinentes ao ensino superior” e as autoras ressaltam que a entrada no ensino superior pode aumentar a sua autoeficácia, pois o estudante
[...] pode ter aproveitado o sucesso proporcionado pelo ingresso ao ensino superior e, assim, ter apresentado um julgamento superestimado da crença de eficácia na formação superior, criado com base em uma ideia construída por meio da expectativa, e não por meio de experiência vivenciada. ( GUERREIRO-CASANOVA; POLYDORO, 2011, p. 51).
Por outro lado, os participantes desta pesquisa já tinham concluído pelo menos um ano no ensino superior e, portanto, permaneciam com uma autoeficácia elevada.
Na pesquisa de Guerreiro-Casanova e Polydoro (2011) os participantes percebem-se menos capazes de planejar, organizar e executar ações após vivenciar as tarefas acadêmicas. No caso desta pesquisa aqui apresentada, é possível observar que os números na dimensão estudo são bem menores que na dimensão carreira, especialmente quanto à dificuldade dos estudantes em administrar seu tempo, o que faz com que as atividades escolares não fiquem em dia.
Questões | F | % |
48. Tenho capacidade para estudar. | 152 | 81,8 |
52. Sou pontual na chegada às aulas. | 145 | 78 |
44. Procuro sistematizar/organizar a informação dada nas aulas. | 112 | 60,2 |
36. Sei estabelecer prioridades no que diz respeito à organização do meu tempo. | 87 | 46,8 |
39. Faço boas anotações das aulas. | 86 | 46,2 |
28. Faço um planejamento diário das coisas que tenho para fazer. | 74 | 39,8 |
42. Consigo ser eficaz na minha preparação para as provas. | 72 | 38,7 |
30. Consigo ter o trabalho escolar sempre em dia. | 70 | 37,6 |
10. Administro bem meu tempo. | 50 | 26,9 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
De modo geral, a dimensão estudo apresenta uma avaliação média de 3,46953 entre os estudantes ( Quadro 2), o que corrobora os dados apresentados por Joicilaine Souza e Sérgio Domingues (2019) que encontraram uma média de 3,58 na dimensão estudo em pesquisa envolvendo 225 estudantes de graduação de segundo ano de curso, no ano de 2018, período anterior à pandemia e de ensino presencial. Desse modo, pode-se considerar que, provavelmente, o ensino remoto emergencial não afetou tanto os hábitos de estudo dos universitários.
A dimensão institucional obteve avaliação média 3,76075, com desvio padrão de 1,064536, muito acima do desvio padrão dos demais itens, o que aponta uma divergência maior entre as avaliações dos estudantes ( Quadro 3, a seguir). Destaca-se que 92% dos estudantes gostam da instituição onde estudam (Item 12) e apenas 7% apontam que a instituição de ensino que frequentam não lhes desperta interesse (Item 41).
Questões | F | % |
12. Gosto da Universidade/Faculdade em que estudo. | 171 | 92 |
53. A minha Universidade/Faculdade tem boa infraestrutura. | 166 | 89,3 |
16. Gostaria de concluir o meu curso na instituição que agora frequento. | 163 | 87,7 |
45. Simpatizo com a cidade onde se situa a minha Universidade/Faculdade. | 141 | 75,8 |
43. A biblioteca da minha Universidade é completa. | 131 | 70,5 |
3. Mesmo que pudesse não mudaria de Universidade/Faculdade. | 117 | 62,9 |
15. Conheço bem os serviços oferecidos pela minha Universidade/Faculdade | 61 | 32,8 |
41. A instituição de ensino que frequento não me desperta interesse. | 13 | 7 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
De modo geral, há um desconhecimento dos serviços oferecidos pelas instituições, com 32,8% dos estudantes que relatam bom conhecimento dos serviços (Item 15), como se pode ver no Quadro 3. Esse número é mais baixo do que o encontrado por Milagres (2022), que em sua pesquisa com o QVA-r verificou, no mesmo item, um percentual de 46,2% dos estudantes que conheciam adequadamente os serviços oferecidos pelas instituições de ensino. Essa diferença pode sinalizar um efeito do ensino remoto emergencial e o não acesso ao campus durante a pandemia de Covid 19. Apesar disso, é surpreendente que, mesmo distante das suas IES, tantos universitários considerem conhecer os serviços prestados por suas instituições de ensino, o que pode demonstrar um esforço também por parte das IES para apresentarem os seus serviços e os disponibilizarem aos estudantes, de forma online. Na roda de conversa, as participantes comentaram sobre grupos de whatsapp com os colegas, em que os veteranos faziam encontros de acolhida aos novos membros do curso e, inclusive, uma estudante participou de um campeonato de jogos online das Atléticas da Universidade:
[...] fizeram uma seletiva lá, consegui entrar e a gente jogou. Teve até transmissão para o pessoal que não assistia e aí foi muito bacana e foi entre todas as atléticas. [...] foi uma experiência muito legal e mal posso esperar para ter essas experiências também no presidencial. [...]. Mas o contato com os campeonatos foi só no online mesmo e nada no físico. (Estudante de arquitetura).
A dimensão interpessoal foi a que apresentou a segunda média mais baixa, 3,22625 ( Quadro 4, a seguir), diferente do encontrado por Joicilaine Souza e Sérgio Domingues (2019) em que a média identificada foi de 3,82. Esse dado indica os efeitos do isolamento social decorrente da pandemia de COVID 19 nas interações entre os estudantes.
Questões | F | % |
29. Tenho boas relações de amizade com colegas de ambos os sexos. | 132 | 71 |
33. Sou visto (a) como uma pessoa amigável e simpática. | 130 | 69,9 |
22. Acredito possuir bons amigos na universidade. | 112 | 60,3 |
24. Tenho desenvolvido amizades satisfatórias com os meus colegas de curso. | 103 | 55,4 |
18. Meus colegas têm sido importantes para meu crescimento pessoal. | 102 | 54,8 |
35. Procuro conviver com os meus colegas fora dos horários das aulas. | 100 | 53,7 |
38. Minhas relações de amizade são cada vez mais estáveis, duradouras e independentes. | 87 | 46,8 |
31. Quando conheço novos colegas não sinto dificuldades em iniciar uma conversa. | 78 | 42 |
37. Tomo a iniciativa de convidar os meus amigos para sair. | 78 | 41,9 |
26. Tenho dificuldades em achar um(a) colega que me ajude num problema pessoal. | 65 | 35 |
54. Não consigo fazer amizade com meus colegas. | 21 | 11,3 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
Dentre os estudantes que participaram da pesquisa, 35% consideram que têm dificuldades em achar um(a) colega que os ajude num problema pessoal (Item 26). Essa particularidade foi citada na roda de conversa por uma participante ao comentar que é mais difícil confiar nas pessoas no contexto ensino remoto emergencial: “Mas essa questão de você conhecer a personalidade e o caráter da pessoa é só realmente pessoalmente, porque é muito difícil você conseguir deduzir tudo que a pessoa tem que oferecer apenas pela tela do celular e do computador, né?” (Estudante de arquitetura).
Se, para mais de um terço dos estudantes que participaram da pesquisa, é difícil achar um(a) colega que os ajude num problema pessoal, apenas 11,3% deles assinalaram que não conseguem fazer amizade com os colegas (item 54). Ademais, 69,9% dos estudantes consideram que são vistos pelas pessoas como sendo amigáveis e simpáticos (Item 33) e 71% afirmaram ter boas relações de amizade com colegas de ambos os sexos (item 29). Não ficou muito claro, no entanto, que os estudantes tivessem respondido considerando apenas suas relações no ensino superior. É possível que levassem em consideração amizades de fora da IES e também de antes do ensino remoto. Apesar disso, é muito provável que a dimensão interpessoal tenha sido afetada diretamente pelo ensino remoto. Tal diferença pode ser ilustrada pela fala de uma estudante, na roda de conversa:
Eu não me sinto próxima dos professores. [...] A gente acabou nem conhecendo o rosto de todo mundo [...] a gente não sabe quem é quem direito. Eu estou no terceiro período, percebo que eu não sou próxima dos meus colegas de turma como eu era a próxima, por exemplo, no primeiro período de psicologia que eu sabia quem era todo mundo, sabia minimamente onde morava, essas outras questões. Sem dúvida isso é um ponto extremamente negativo do remoto, essa falta de contato com as pessoas. E até para a gente pensar em networking mesmo, no longo e médio prazo, eu acredito que é um super prejuízo né, que a gente não conhece de verdade as pessoas. (Estudante de letras).
As dificuldades na dimensão interpessoal no início do ciclo universitário podem interferir negativamente na continuidade futura dos estudos, uma vez que, como apontam Araújo et al. (2016), o sucesso e envolvimento acadêmico estão aliados à construção de redes positivas de relações com pares e com professores no contexto universitário.
A proximidade com colegas e professores parece ser uma exceção no ensino remoto, mas ela existe, como observado na roda de conversa em geral. É possível que, em turmas com menor número de estudantes, seja mais fácil essa proximidade, como observado na seguinte fala: “Minha turma era pequena, tinha 10 pessoas e a gente criou um vínculo muito forte, a gente com a professora, não a gente entre si, mas nós todos com a professora, porque ela realmente apoiou muita gente, ela é muito compreensiva.” (Estudante de arquitetura). Aliás, nos surpreendeu como os jovens, apesar de estudarem em um contexto de distanciamento social, conseguiram estabelecer relações com os seus colegas, pois 60,3% dos participantes afirmaram que possuíam bons amigos na universidade, que conviviam com os colegas fora da sala de aula (53,7%) e que os colegas os auxiliavam em seu crescimento pessoal (54,8%). Considerando que estes estudantes tiveram, se não toda, a maior parte do ensino superior de maneira remota, é bem surpreendente que eles tenham criado alguns e bons vínculos com os seus companheiros de jornada nas IES que estudavam.
Fior e Martins (2020) estudaram fatores da docência que favoreceram a transição dos estudantes ao ensino superior durante a pandemia de Covid-19. Algumas estratégias podem fazer diferença, tais como o contato estabelecido pelos docentes com os alunos, tanto nos contextos síncronos como assíncronos, e a atenção disponibilizada pelos professores no esclarecimento de dúvidas. Para as autoras, essas atitudes são fundamentais para a permanência dos estudantes, pois os auxiliam na superação dos desafios acadêmicos. Algumas iniciativas institucionais também foram citadas na roda de conversa como recurso para minimizar esse afastamento, como eventos esportivos e acolhida aos calouros, além do papel de destaque para as redes sociais, que têm permitido uma aproximação entre os alunos nos momentos extraclasse.
A dimensão pessoal, representada no Quadro 5, é a que apresentou a menor média: 2,21889, indicando ser a dimensão das vivências acadêmicas em que os estudantes respondentes na pesquisa apresentam maior vulnerabilidade. A média na dimensão pessoal em pesquisa de Joicilaine Souza e Sérgio Domingues (2019) foi de 3,83, ao passo que os resultados de Anjos e Aguilar-da-Silva (2017) avaliando estudantes de um curso de medicina obtiveram os escores 3,3 para estudantes de primeira séria e 3,7 para estudantes de terceira série. Em nossa pesquisa, a média foi ainda menor, o que pode indicar que houve uma piora dessa dimensão no período da pandemia.
Quase 70% dos universitários relataram sentir-se ansiosos (Item 50), sendo que destes, 51,6% se queixam de oscilação de humor (Item 4) e 35,5% sentem-se abatidos ou tristes (Item 9).
Questões | F | % |
50. Tenho me sentido ansioso(a). | 129 | 69,3 |
20. Sinto cansaço e sonolência durante o dia. | 111 | 59,7 |
25. Tenho momentos de angústia. | 110 | 59,2 |
4. Costumo ter variações de humor. | 96 | 51,6 |
13. Há situações em que sinto que estou perdendo o controle. | 88 | 47,4 |
27. Não consigo concentrar-me numa tarefa durante muito tempo. | 87 | 46,8 |
34. Penso em muitas coisas que me deixam triste. | 82 | 44,1 |
11. Ultimamente me sinto desorientado(a) e confuso(a). | 78 | 41,9 |
17. Nos últimos tempos me tornei mais pessimista. | 73 | 39,2 |
9. Sinto-me triste ou abatido(a). | 66 | 35,5 |
6. Nos estudos não estou conseguindo acompanhar o ritmo dos meus colegas de turma. | 60 | 32,3 |
23. Sinto-me em forma e com um bom ritmo de trabalho. | 51 | 27,4 |
40. Sinto-me fisicamente debilitado(a). | 45 | 24,2 |
47. Sinto-me desiludido(a) com meu curso. | 25 | 13,5 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
Além de ansiedade, tristeza e oscilação do humor, destaca-se que 39,9% dos estudantes que responderam ao questionário têm se sentido mais pessimistas nos últimos tempos (Item 17) e 59,2% relatam ter momentos de angústia (Item 25), o que pode ter correlação com a pandemia de Covid 19. Apenas 27,4% do total de participantes sentem-se em forma e com bom ritmo de trabalho (Item 23).
No quadro abaixo são comparados os dados obtidos na pesquisa com os dados de outras três pesquisas sobre vivências acadêmicas.
Dimensões |
Média Pesquisa |
Média Milagres ( 2022) |
Média Souza, J e Domingues ( 2019) | Média *Igue, Bariani e Milanesi ( 2008) |
---|---|---|---|---|
Pessoal | 2,21889 | 2,23 | 3,83 | 3,26/3,33 |
Interpessoal | 3,22625 | 3,24 | 3,82 | 3,98/3,94 |
Carreira | 4,01344 | 3,66 | 3,58 | 4,25/4,18 |
Estudo | 3,46953 | 3,44 | 4,11 | 3,47/3,65 |
Institucional | 3,76075 | 3,90 | 3,93 | 3,64/3,39 |
Fonte: Elaboração nossa.
*Os dados se referem a alunos ingressantes em comparação com alunos concluintes.
Pode-se perceber que há semelhança nos resultados da pesquisa com os obtidos por Milagres (2022) em pesquisa também realizada no regime remoto de ensino. Por outro lado, os dados obtidos por Joicilaine Souza e Sérgio Domingues ( (2019) e Igue, Bariani e Milanesi (2008) apontam escores médios mais altos nas dimensões pessoal e interpessoal em pesquisas realizadas com estudantes antes da pandemia, com ensino presencial.
As dimensões melhor avaliadas pelos estudantes que iniciaram sua graduação durante a pandemia de Covid 19 foram: carreira (média 4,01); institucional (média 3,76), indicando que apresentam para os participantes da pesquisa boa percepção das vivências acadêmicas. Por outro lado, a avaliação dos participantes caiu nas dimensões interpessoal (média 3,46) e, especialmente na pessoal (média 2,21), o que sugere que as relações sociais entre os acadêmicos esteve prejudicada durante o ensino remoto, assim como a saúde mental dos alunos, em geral. Já as vivências acadêmicas referentes à dimensão estudo (média 3,49) não demonstraram alterações significativas em razão da pandemia e do ensino remoto emergencial.
Além dos dados do QVA-r, outras informações coletadas confirmam esses achados: 80,6% dos participantes na pesquisa estão no curso que escolheram como primeira opção e 96,8% pretendem continuar no mesmo curso e na mesma instituição de ensino, provavelmente o que fez com que os estudantes afirmassem que, com o retorno das aulas presenciais, que estava próximo para a maioria deles, eles não pretendiam mudar de curso e nem de IES e, pelo contrário, estavam ansiosos para este momento que consideravam que seria de melhor aprendizagem que o anterior.
Considerações finais
A adaptação no primeiro ano do ensino superior pode ser decisiva na vida acadêmica dos estudantes, e vivenciar este processo durante um período de pandemia exigiu a criação de um vínculo com a IES, com os colegas e professores, sem uma relação de proximidade física. Os estudantes evidenciaram que percebiam um prejuízo não apenas nas vivências interpessoais comuns ao iniciar um curso superior, mas também consideravam que o aprendizado estava comprometido e, apesar da comodidade de assistir às aulas remotas em casa, ansiavam o retorno das aulas presenciais.
Embora o ensino remoto não pareça ter afetado drasticamente o vínculo dos estudantes com as IES, já que a ampla maioria desejava permanecer na instituição de ensino, os vínculos dos estudantes entre si, e entre esses e os professores, podem ter sido muito importantes para que o pertencimento à IES se estabelecesse, mesmo com a distância física. Apesar dos estudantes não terem conhecido pessoalmente os colegas e professores durante o ensino remoto, sentindo que tiveram prejuízos nas relações estabelecidas nesse período, foi surpreendente perceber as formas criadas para realizar este contato, através de grupos de whatsapp, promovendo contatos com alguns colegas com os quais tinham mais afinidade fora do horário de aulas para o preparo de trabalhos acadêmicos ou para interação social. Também, por meio do envolvimento em atividades extraclasse, como um campeonato de jogos online, o que pode ter minimizado os efeitos do distanciamento social e colaborado para conhecer e se aproximar mais dos colegas e da instituição como um todo. Ainda assim, vimos que todos estes esforços parecem não ter sido suficientes para que ficassem bem, pois a dimensão pessoal foi a que os estudantes apresentaram maior vulnerabilidade, podendo estar comprometida pela qualidade das relações estabelecidas.
Por fim, alguns aspectos que aparecem na pesquisa merecem mais estudos. Problemas específicos de aprendizagem, como casos de hiperatividade e déficit de atenção, por exemplo, podem ter prejudicado ainda mais os estudantes no ensino remoto. Outro dado que apareceu nas rodas de conversa sem a possibilidade de um aprofundamento e que merece mais pesquisa é sobre a diferença entre aula síncrona, aula assíncrona e ainda aula assíncrona, ministradas pelo próprio professor da disciplina ou uma aula avulsa, ministrada por um desconhecido. Algumas experiências docentes ou iniciativas institucionais podem favorecer o aprendizado e as vivências acadêmicas dos estudantes, como alterar o número de alunos nas salas, estimular a qualidade das relações estabelecidas e outras práticas que favoreçam o vínculo dos alunos de primeiro ano com seu curso, seus colegas e a instituição na qual estão inseridos.