1 INTRODUÇÃO
A expansão do conhecimento científico gerou para a disciplina de Biologia, principalmente na área de Genética, um constante desafio e uma grande responsabilidade, pois o domínio desses conhecimentos são necessários para a compreensão do mundo, dos limites e possibilidades da Ciência e do papel do homem na sociedade na qual está inserido. Segundo Valle (2009) a ciência e a tecnologia mudaram “a cara do mundo” alterando o espaço, o contexto, a paisagem e as relações humanas. É possível afirmar que tais mudanças transferem para a escola (e para o professor) uma responsabilidade gigantesca que é formar cidadãos conscientes e atuantes na sociedade. Na esteira desse conhecimento concordamos com Krasilchik (2004), quando afirma que:
o tratamento de novos temas biológicos exigirá do professor uma relação estreita com a comunidade, de forma que possam ser considerados assuntos relevantes que não alienem alunos, mas que, ao contrário, contribuam para a melhoria da qualidade de vida da sua comunidade. (Krasilchik, 2004, p. 53)
O que se observa hoje nas escolas de Ensino Médio, é que os conteúdos relacionados à Genética, apesar de sua relevância, têm sido abordados superficialmente. Isso ocorre tanto pela dificuldade encontrada pelos professores, pois se tratam de assuntos relativamente novos, os quais na maioria das vezes não foram abordados durante o seu período de formação acadêmica, quanto pelos alunos, por serem conteúdos abstratos, difíceis de serem compreendidos.
Vários estudos mostram que os conceitos de Genética são difíceis de serem trabalhados, sendo apresentados de formas distorcidas para estudantes em diferentes níveis de ensino, incluindo o ensino universitário (PAIVA e MARTINS, 2005).
Autores como Longden (1982) e Thomas (2000) concordam que muitos problemas de aprendizagem de Genética são oriundos de uma compreensão inadequada da terminologia. Estas dificuldades, segundo esses autores, poderiam ser decorrentes de um ensino descontextualizado e baseado apenas na memorização.
No entanto, o que se percebe é que a imagem da ciência - e dentro dela, a Genética - veiculada nas escolas, na maioria das vezes, é abordada como um produto acabado e inquestionável, isto é, sustentada apenas na transmissão de informações, na apresentação de conceitos, fenômenos, na descrição de espécimes e objetos. Essa ciência, apresentada de maneira estática e sem contradições, não tem nada a ver com aquilo que está sendo apresentado pela mídia frequentemente (CASAGRANDE, 2006). Assim, o que se percebe é a existência de alunos incapazes de relacionar estes assuntos (veiculados na mídia) ao conhecimento sistematizado obtido na escola, o que dificulta o processo de aprendizagem.
Essa afirmação acima é perceptível na argumentação de Nascimento (2003) quando afirma que os conteúdos de Genética, apesar de atrair a atenção dos alunos, não são compreendidos por diferentes motivos: vocabulário muito específico, excesso de termos técnicos, apresentação apenas cognitiva e criação de barreiras para o aprendizado pela falta de interação entre professores e estudantes. Além disso, segundo Silveira (2008), o ensino de Genética envolve o contato dos alunos com inúmeros conceitos que, muitas vezes, são bastante conflitantes com as explicações construídas pelo senso comum sobre os fenômenos genéticos.
Por outro lado, o ensino de Genética necessita que o aluno tenha condições de formar uma rede de conceitos que envolvam a Biologia Molecular, a Bioquímica, cálculos elementares de probabilidade e uma série de exceções relacionadas à produção e aplicabilidade do conhecimento biológico. Assim, percebe-se que para resolver exercícios que envolvem resolução de problemas de Genética, falta ao aluno alguns desses conceitos citados acima, tornando insolúvel determinado problema ou levando a uma resolução mecânica por aproximação, criando com isto obstáculo a uma aprendizagem significativa para ele (SILVEIRA, 2008).
Diante de tais fatos, esse artigo carrega como principal objetivo elaborar uma teoria explicativa (teoria substantiva) para os obstáculos que interferem no processo de aprendizagem de genética por alunos do Ensino Médio, tendo como pressuposto epistemológico a Teoria Fundamentada dos Dados (TFD).
2 A TEORIA FUNDAMENTADA DOS DADOS: ORIGEM E CARACTERÍSTICAS GERAIS
A Teoria Fundamentada (Grounded Theory) é uma metodologia onde os dados são sistematicamente coletados e analisados (GOULDING, 2001). A definição concisa de teoria, talvez não deixe clara a riqueza de detalhes do procedimento de trabalho e resultado obtido com este tipo de pesquisa. É necessário esclarecer o que Glaser e Strauss (1967), os idealizadores dessa metodologia, entendiam por teorias. Em seus entendimentos, eles afirmam existirem dois tipos básicos de teorias: as formais e as substantivas. O primeiro tipo é composto do que os autores chamam as “grandes” teorias, conceituais e abrangentes, enquanto que o segundo tipo se refere a explicações para situações cotidianas sendo, portanto, mais simples e acessíveis. Para Strauss e Corbin (1990), o tipo de teoria a ser desenvolvida pela Grounded Theory se enquadra no segundo tipo, das teorias substantivas, ou a que foi desenvolvida por uma área de investigação empírica.
No entender de Strauss e Corbin (1990) eles acreditavam que a Teoria Fundamentada poderia ser usada para gerar teorias substantivas que, ao contrário das grandes teorias formais, explicariam melhor as áreas específicas da pesquisa empírica já que essas teorias nasceriam diretamente de dados do mundo real. Embora sua finalidade seja a construção de teorias, sua utilização não necessariamente precisa ficar restrita aos pesquisadores que têm esse objetivo de pesquisa. Para Strauss e Corbin (2008), o pesquisador pode usar alguns, mas não todos os procedimentos para satisfazer seu objeto de investigação.
Segundo Araújo (2011) as trajetórias de Glaser e Strauss são distintas em termos filosóficos e de pesquisa e colaboraram para o desenvolvimento da metodologia (teoria fundamentada). Strauss formou-se na University of Chicago, que possui forte tradição em pesquisas qualitativas e foi influenciado por textos interacionistas e pragmatistas. Glaser se formou na Columbia University, onde foi influenciado por Paul Lazarsfeld, conhecido por seu estilo inovador em metodologia qualitativa de pesquisa. Glaser identificou a necessidade de fazer comparações entre dados com o intuito de identificar, desenvolver e relacionar conceitos (Strauss e Corbin, 2008). As experiências de ambos serviram como base preparatória para a formulação da metodologia que proporiam anos mais tarde. Glaser e Strauss trabalhavam na Universidade da Califórnia em 1967 quando escreveram o livro The Discovery of Grounded Theory: strategies for qualitative research, que viria a se tornar a referência inicial na evolução da técnica.
Após o trabalho inicial, os autores continuaram a estudar o método - inclusive com outros parceiros - ao longo de aproximadamente 30 anos. Eles evoluíram a teoria com visões bem distintas. Hoje, pode-se utilizar qualquer das vertentes, ou mesmo uma junção destas. Mas para isso é necessário um certo grau de maturidade do pesquisador.
Em 1990, Strauss, junto com Juliet Corbin, escreveram o livro “Basics of Qualitative Research: grounded theory procedures and techniques”. Pelo título já se pode entender a intenção desses autores. O objetivo foi sistematizar o método de campo e análise dos dados. Nesse livro, além de voltar às origens de Strauss, isto é, reforçar que o conhecimento prévio aplicado ou uma base de literatura pode ser utilizado e é recomendável ao método, a nova dupla elaborou um processo sistemático de codificação que guiaria o desenvolvimento da pesquisa realizada sob o método da Teoria Fundamentada (ARAÚJO, 2011).
Glaser reagiu ao livro, escrevendo em 1992 “Basics of grounded theory analisys” que completava seu exemplar anterior de 1978 “Theoretical Sensitivity”. No primeiro livro ele escreve sobre a evolução da elaboração do problema de pesquisa, que pode acontecer ao longo da pesquisa e se posiciona com relação à Teoria Fundamentada como um método bastante livre, baseado em experiências anteriores, habilidade de campo e analítica do pesquisador e na busca da descoberta da teoria. Glaser questiona o processo de codificação proposto por Strauss e Corbin argumentando que o método qualitativo proposto tinha por objetivo quantificar descobertas (TAROZZI, 2011).
O debate entre eles continuou até a morte de Strauss, em 1996. Porém, muitos autores como Charmaz (2006) e Goulding (2001) discutem esse debate em vários artigos e livros sobre a Teoria Fundamentada, sobretudo sobre o perfil de cada autor, as controvérsias, as diferenças de postura e evolução do método.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS, COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
Quem trabalha com pesquisa qualitativa sabe que há necessidade de profundas descrições e interpretações. Os discursos precisam ser decodificados, as falas, organizadas em unidades de significados; pesquisador e pesquisado se fundem e criam proximidade que pode promover a reciprocidade. Os papéis se alternam, os personagens dialogam, novas percepções agregam-se a sentidos antigos. Cada fato novo precisa de muitos olhares. O que sempre foi já não é sentido como tal; as certezas já não são tão certas; os dados precisam de novas formas de coleta e organização.
Assim, essa pesquisa utiliza a abordagem qualitativa, pois buscou os significados atribuídos às experiências e práticas cotidianas do entrevistado à medida em que procurou descrever, caracterizar e relacionar aspectos das situações vividas por ele (Flick, 2009).
Nessa perspectiva, utilizamos nesse trabalho a entrevista semi-estruturada para dar início à análise, já que, segundo Bauer e Gaskell (2002), esta é “essencialmente uma técnica, ou método, para estabelecer ou descobrir que existem perspectivas, ou pontos de vista sobre os fatos, além daqueles da pessoa que inicia a entrevista”, como preza a Teoria Fundamentada, que é o desprendimento de quaisquer conclusões prévias pelo pesquisador.
A entrevista foi feita a um professor de Biologia e esta foi gravada e transcrita para que pudesse ser analisada. A pergunta feita ao entrevistado foi: “Quais as dificuldades enfrentadas pelos alunos do Ensino Médio ao estudar a disciplina genética”? Ao fazer esse tipo de pergunta, partimos do pressuposto recomendado por Glaser (1978) quando recomenda que ao se debruçar sobre o objeto investigado devemos lançar a seguinte indagação: “O que realmente está acontecendo aqui”?
Após a pergunta feita ao professor, utilizamos o primeiro passo da Teoria Fundamentada que foi o processo de Codificação do tipo Aberta. Codificar significa associar marcadores e segmentos de dados que representam aquilo de que se trata cada um dos segmentos (CHARMAZ, 2009). A codificação refina os dados, classifica-os e nos fornece um instrumento para que assim possamos estabelecer comparações com outros segmentos de dados.
Das técnicas sugeridas por Strauss e Corbin (1990), como primeiro passo nesse estudo, utilizamos a codificação aberta do tipo linha por linha que consistiu em repassar o texto e nomear ou codificar cada linha do texto, mesmo que as linhas não fossem sentenças completas. A ideia aqui foi forçar a desenvolver o nosso pensamento analítico e aproximarmo-nos mais aos dados. Um dos riscos do processo de codificação e de qualquer outro tipo de análise qualitativa é transmitir nossos próprios motivos, valores e preocupações para os códigos e esquemas analíticos produzidos. Se não tomarmos o devido cuidado nossa análise poderá refletir mais nosso próprio preconceito e concepções anteriores do que as visões de nossos entrevistados (TAROZZI, 2011).
Na esteira desse pensamento Gibbs (2009) afirma que a codificação linha por linha não quer dizer que se deve simplesmente aceitar as visões que os entrevistados têm do mundo. O autor argumenta que devemos ser mais analítico e teórico possível na codificação, mesmo que isso signifique, às vezes, que nossas interpretações sejam diferentes daquela dos participantes.
Acreditamos que é por meio do exame minucioso dos dados, linha por linha, que os pesquisadores conseguem descobrir novos conceitos e novas relações e desenvolver categorias sistematicamente em termos de propriedades e dimensões, o que foi feito nas etapas posteriores.
Por outro lado, Tarozzi (2011) diz que a codificação linha por linha é uma fase que pode parecer a um neófito muito dispersiva, e, por vezes, pode gerar ânsia. O autor fala, ainda, que na Teoria Fundamentada, o imperativo é de aprender a conviver com o caos externo e as próprias angústias internas. Ainda, a única chama que ilumina o caminho da codificação inicial são os objetivos dessa fase: extrair alguns conceitos expressos por categorias ainda não saturadas (evidentes) ou não ainda completamente desenvolvidas. Assim, começamos a extrair (do texto) uma quantidade considerável de códigos, ainda que meramente de significados interpretativos.
Coerente com as diretrizes de Glaser (1978), decidimos codificar nossa transcrição utilizando o máximo possível de gerúndios, auxiliando-nos a detectar processos e fixar-nos aos dados (Quadro 01). A adoção de gerúndios nos promoveu a sensibilidade teórica4 porque essas palavras nos impeliram a sair de tópicos estáticos e entrar em processos mais ordenados. Os gerúndios ajudaram-nos a refletir sobre as ações, sejam elas grandes ou pequenas. Dessa forma, tentamos nos concentrar nas codificações voltadas para as ações e processos que pudesse nos fornecer matérias-primas para fazer futuras conexões e descobrirmos, posteriormente, as categorias ali presentes. Charmaz (2009) sugere a ênfase renovada nas ações e nos processos e não nos indivíduos, como uma estratégia da construção de Teoria e para ir além da categorização dos tipos de indivíduos. Assim, codificar os temas e não as ações, contribui significativamente para a permanência apenas no nível descritivo, o que para nós, não é interessante.
Obtidos todos os códigos (n=22) a partir da transcrição da entrevista, o passo seguinte foi organizá-los segundo alguns critérios estabelecidos pela Teoria Fundamentada. Assim, fomos em busca das subcategorias e categorias analíticas.
4 REUNINDO SUBCATEGORIAS E CATEGORIAS ANALÍTICAS: A CODIFICAÇÃO AXIAL
Após a realização da Codificação Aberta, os códigos originados, na sua grande maioria, foram simplesmente descritivos. Assim, necessitamos nos afastar das descrições, principalmente com os termos das próprias transcrições e avançarmos para um nível mais categórico, analítico e teórico de codificação. É nessa fase que os códigos foram reagrupados de novas maneiras, levando em consideração aqueles que apresentaram semelhanças entre si e que tiveram o mesmo significado. Dessa forma, cada vez mais, é recomendado nos afastar dos códigos meramente interpretativos, em busca de códigos mais analíticos e teóricos possíveis. Isto possibilitou a revelação dos primeiros códigos conceituais (analíticos), que foram os códigos de nosso interesse.
Pensando dessa forma, começamos, então, a refinar ainda mais os códigos, pois refiná-los consiste em rever o esquema em busca de consistência interna e de falhas na codificação, completando as categorias mal desenvolvidas, podando, assim, todos os excessos e os códigos que não tinham um significado importante.
Um dos maiores desafios dessa pesquisa foi identificar partes do texto e estabelecer quais códigos eles representavam de forma teórica e analítica, e não apenas descri tiva. Para isso, foi necessário um “olhar intenso” e cuidadoso no texto produzido pelo entrevistado, como também uma “leitura intensa” ao codificar. Assim, reagrupamos ainda mais os códigos descritivos em busca de subcategorias emergentes (Quadro 2).
Códigos repetidos ou que apresentavam significados iguais foram omitidos e excluídos (em especial os que se mostraram bem pouco representativos, que possivelmente foram renomeados ou aglutinados), aproximando-nos, assim, ainda mais de uma visão mais analítica do que a descrição contida no início da obtenção dos códigos. Algumas vezes o problema não é a falta de dados, mas, sim, o excesso deles, ou seja, algumas ideias parecem não se ajustar à Teoria. Elas geralmente são conceitos estranhos, com boas ideias, mas que nunca foram desenvolvidas, provavelmente porque não aparecem muito nos dados ou porque parecem não levar a lugar nenhum.
É importante destacar que seguimos as recomendações de Gibbs (2009) que afirma que devido à grande quantidade de códigos gerados na primeira fase de análise, é interessante organizá-los hierarquicamente para melhor visualização.
Dessa forma, partimos para a hierarquização dos códigos obtidos. Os códigos que apresentaram semelhanças ou que se referiam ao mesmo assunto foram reunidos sob o mesmo ramo da hierarquia. A organização dos códigos em uma hierarquia envolve pensar sobre que tipos de coisas estão sendo codificadas e quais perguntas estão sendo respondidas. Na Figura (1) abaixo, os códigos foram agrupados em 5 subcategorias, a saber: Facilitando a compreensão dos conceitos genéticos; Estratégias diversificadas de ensino; Superando os obstáculos para o ensino de genética; Buscando versatilidade para o ensino de genética e Meios e recursos alternativos de ensino.
Depois que as subcategorias foram identificadas e agrupadas, começamos a desenvolvê-las em termos de suas propriedades e dimensões específicas (em busca de categorias analíticas), conforme determina o método em questão. Ao estabelecer as propriedades e dimensões de uma categoria e de outra é quando lhe damos precisão. Enquanto propriedades são características ou atributos, gerais ou específicos de uma categoria, as dimensões representam a localização de uma propriedade ao longo de uma linha ou de uma faixa (Strauss e Corbin, 2008). Ou seja, quando é comparado incidente por incidente, sempre é feito segundo as propriedades e dimensões inerentes ao incidente ou evento, agrupando coisas parecidas com coisas parecidas. Strauss e Corbin (1990) afirmam que os pesquisadores devem questionar para se afastarem facilmente daquilo que veem e ouvem e elevar isso ao nível mais abstrato e depois retornar, voltando ao nível dos dados. Eles afirmam que os pesquisadores aprendam a pensar comparativamente e em termos de propriedades e dimensões, de forma que possam facilmente ver o que é igual e o que é diferente. Dessa forma, ao caracterizar as propriedades de uma categoria, desejamos definir suas características particulares (STRAUSS e CORBIN, 1990).
A teoria fundamentada recomenda que, qualquer que seja o conjunto de dados, estes devem ser utilizados de modo comparativo (Glaser e Strauss, 1967). Assim, compreendendo a importância do método comparativo, utilizamos nessa análise a técnica comparativa chamada flip flop que, segundo Strauss e Corbin (2008) significa virar um conceito ao “avesso” ou a partir do oposto (ou negativo) de uma ideia. Ou então virar de “cabeça para baixo” para obter uma perspectiva diferente sobre o fato, objeto, ação/interação. Em outras palavras, olhamos para opostos ou extremos para descobrir ali propriedades importantes. Dessa forma, utilizamos de perguntas sucessivas e sistemáticas sobre o fenômeno investigado.
Para isso, observemos a primeira subcategoria “Facilitando a compreensão dos conceitos genéticos”. Para entender o que realmente esta categoria quer dizer indagamos o oposto: O que aconteceria se os conceitos genéticos apresentassem um alto grau de complexidade? Ou, então, se a grande maioria dos alunos não conseguissem entender esses conceitos? Ou, ainda, se houvesse um grande nível de reprovação por falta de entendimento desses conceitos? Quando se pensou em que a subcategoria “Facilitando a compreensão dos conceitos genéticos” pode significar, retornamos às transcrições iniciais com mais perguntas e comparações sucessivas sobre o que esta subcategoria realmente queria dizer. Diante disso, destacamos as seguintes propriedades e suas respectivas dimensões possíveis (Quadro 3).
Para a segunda subcategoria “Estratégias diversificadas de ensino” indagamos o oposto, recomendado pela técnica Flip flop. Portanto, perguntamos: ocorreria aprendizagem, por parte dos alunos, se os conteúdos de genética fossem ministrados sempre de maneira padronizada, onde os professores não acrescentassem nenhuma estratégia metodológica diferenciada? Ou, então, se o professor utilizasse sempre o livro didático, como meio e recurso alternativo, haveria aprendizagem? Dessa forma, analisando o “oposto” e os extremos através de perguntas sucessivas, evidenciamos as seguintes propriedades e dimensões para essa categoria (Quadro 4):
Para a terceira categoria “Superando os obstáculos para o ensino de genética” foi feito as seguintes perguntas: O que aconteceria com os alunos caso o professor não consiga fazê-los superar os obstáculos para a compreensão dos conceitos de genética? Ou, então, os alunos serão reprovados caso não consigam entender esses conceitos? Partindo desse princípio, em busca das dissimilaridades e “opostos”, através de perguntas sucessivas, destacamos as seguintes propriedades e possíveis dimensões para a categoria “Superando os obstáculos para o ensino de genética” (Quadro 5).
Para a quarta categoria “Buscando versatilidade para o ensino de genética” lançamos os seguintes questionamentos: Será que ocorreria aprendizagem dos conceitos genéticos caso o professor trabalhe esses conteúdos de forma enrijecida, desprovidos de alternativas didáticas diferenciadas? Ou, então, repetisse suas aulas de maneira mecânica, sem reflexões e questionamentos? Ao pensar em perguntas opostas à subcategoria proposta, destacamos algumas propriedades e dimensões possíveis (Quadro 6).
Para a quinta categoria “Meios e recursos alternativos de ensino” fizemos os seguintes questionamentos: Se as aulas dos professores de genética forem ministradas sempre da mesma forma, haverá aprendizagem por parte dos alunos? A aprendizagem dos conteúdos genéticos será mais significativa através de uma aula tradicional ou utilizando meios diferenciados? Ao pensar sobre perguntas opostas à subcategoria proposta, percebemos o surgimento das seguintes propriedades e dimensões possíveis (Quadro 7).
Portanto, dessa maneira, todo o processo analítico foi conduzido por questionamentos e comparações, mas não de maneira exaustiva, nem tampouco limitada. Assim, procuramos valer, principalmente, de indagações que fizessem-nos encontrar as propriedades e dimensões das subcategorias estudadas. Das cinco subcategorias obtidas, ao evidenciar suas propriedades e dimensões verificamos que estas apresentam o potencial necessário para serem trabalhadas como possíveis categorias analíticas. Assim, após a obtenção das cinco categorias analíticas, o passo seguinte foi refiná-las e interconectá-las, de tal forma que pudesse extrair desse conjunto, uma categoria central. É o que comentaremos na terceira etapa do processo analítico.
5 CODIFICAÇÃO SELETIVA: QUANDO A TEORIA EMERGE DOS DADOS
Essa fase é o nível de análise em que se delineiam e se qualificam as relações que subsistem entre as categorias. É um nível em que a Teoria começa a ganhar forma, as categorias se integram e a neblina analítica que acompanhava as primeiras fases da codificação, começa a deixar espaço a uma coerente teoria interpretativa. Dessa forma, nos distanciamos claramente do plano descritivo caminhando em direção a abstrações conceituais crescentes. Portanto, essa fase é mais caracterizada pelo processo indutivo. É uma fase não linear, feita de intuições (estas baseadas nos dados), de fugas para a frente e de retorno aos dados (TAROZZI, 2011).
Assim, nessa etapa da Codificação Seletiva todas as categorias foram analisadas, refletidas, sistematizadas, interconectadas, onde buscamos o fenômeno central, que foi a categoria central. A categoria central, segundo Strauss e Corbin (2009), é aquela capaz de reunir outras categorias para formar um todo explanatório; em outras palavras, é um fio condutor da Teoria Substantiva. Ela deve ser capaz de responder por variação considerável dentro das demais categorias e ela pode surgir a partir da lista de categorias (ou códigos) preexistentes. Porém, o importante é que ela traduza uma ideia, ainda que abstratamente, de relação abrangente com as demais categorias. A categoria central deve aparecer frequentemente nos dados, isto é, em todos os casos, ou quase todos, há indicadores apontando para aquele conceito nos dados. À medida que o conceito é refinado analiticamente, por meio de integração com outros conceitos, a teoria ganha mais profundidade e mais poder explanatório e analítico possível.
Portanto, o primeiro passo dessa etapa foi destacar a categoria central e estabelecer a integração (inter-relação) desta com as demais categorias analíticas obtidas. Embora a categoria central surja da pesquisa, ela também é uma abstração. Em um sentido exagerado, consiste de todos os produtos de análise, condensado em poucas palavras, que parecem explicar “sobre o que é a pesquisa” (STRAUSS e CORBIN, 2008).
Sabendo que essa é uma fase de mais deduções e abstrações decidimos retornar aos dados brutos e reler várias vezes a entrevista, com alguns retornos rápidos, mais para encontrar confirmação do que para buscar inspiração, analisando as subcategorias e verificando se estas realmente estavam em sintonia com as demais, ou se algum código surgisse com potencial analítico. Essa atitude foi muito proveitosa, ajudando-nos a estimular o pensamento analítico e surtindo efeito positivo, pois ao ler a transcrição, não em busca de detalhes, mas, sim, de um sentido geral, lançamos a seguinte pergunta: Qual é a principal questão ou obstáculos de aprendizagem que esses alunos parecem estar enfrentando? Então, a partir de nossa indagação, fomos em busca de estabelecer as interconexões entre as cinco categorias e verificar aquela, dentre todas, tem maior poder analítico e seja conceitualmente mais densa. As cinco categorias são as seguintes: Facilitando a compreensão dos conceitos genéticos; Estratégias diversificadas de ensino; Superando os obstáculos para o ensino de genética; Buscando versatilidade para o ensino de genética; Meios e recursos alternativos de ensino.
Os questionamentos feitos nortearam todo o processo de verificação a fim de saber qual é a categoria central. Portanto, acreditamos que para ser a categoria central, esta deve sincronizar todas as outras categorias analíticas em torno de si. Para tal, deve ser uma categoria-chave, isto é, aparecer com bastante frequência nos dados, repetindo-se mais intensamente que todas as outras (com um maior número de ocorrências) reunindo ao redor de si um maior número possível de códigos, ainda que em estado bruto (TAROZZI, 2011).
Após a construção dos códigos, subcategorias e categorias, foi realizada a organização deles em conformidade com o modelo proposto por Strauss e Corbin (1990), ou seja, o paradigma de análise que se resume da seguinte forma: (A) condições levam ao (B) fenômeno, que surge num (C) contexto que leva à (D) ações e depois a (E) consequências. O objetivo da aplicação deste modelo foi evidenciar a categoria central que é permeada pelas demais categorias a qual fará surgir a teoria substantiva mediante interconexão das diversas categorias encontradas.
Neste paradigma as condições causais são definidas como o conjunto de eventos, incidentes e acontecimentos que levam à ocorrência ou desenvolvimento do fenômeno. O fenômeno, por sua vez, é a ideia central, o evento, acontecimento e incidente sobre o qual um grupo de ações ou interações são dirigidas ou estão relacionadas. O contexto é tratado como um grupo específico de propriedades que pertencem ao fenômeno, representando um grupo particular de condições dentro do qual as estratégias de ação/interação são tomadas. As condições intervenientes são aquelas condições estruturais que se apoiam nas estratégias de ação/interação e que pertencem ao fenômeno. Elas facilitam ou bloqueiam as estratégias tomadas dentro de um contexto específico. As estratégias para lidar, para serem tomadas ou responder ao fenômeno são denominadas de estratégias de ação/interação. E finalmente as consequências são identificadas como o resultado/resposta, positiva ou negativa.
Destacamos ainda, que diversos questionamentos foram necessários com vistas à descoberta do fenômeno central (categoria central). Quando se agregou esses códigos em subcategorias emergentes e, em seguida, nas primeiras categorias analíticas, uma categoria se evidenciou com mais potência, sobressaindo entre as demais de modo repetitivo e constante. Além dessa capacidade de repetição constante, essa categoria revelou ainda a capacidade de interconectar e englobar (hierarquicamente) um maior número possível de conceitos ao redor de si. Assim, a partir da integração de todas categorias, a categoria central que se destacou foi “Entendendo os conceitos de genética através das múltiplas abordagens teórico-metodológicas”. Esta apresentou uma categoria como condição causal, assim definida: “Meios e recursos alternativos de ensino”. Possui como contexto, a categoria “Buscando versatilidade para o ensino de genética”. As condições intervenientes referem-se à categoria “Estratégias diversificadas de ensino”. Por sua vez, “Facilitando a compreensão dos conceitos genéticos” é a categoria que foi definida como estratégia e, as consequências dizem respeito à categoria “Superando os obstáculos para o ensino de genética”. Para se chegar a essa confirmação (da categoria central) e às suas categorias analíticas foram necessárias diversas reflexões, indutivas e dedutivas como prevê o método em questão acerca dos dados coletados e codificados (Figura 2).
Portanto, a partir da interconexão entre a categoria central e suas demais categorias analíticas foi elaborada a seguinte teoria explicativa para o determinado problema investigado: “Quais são os principais obstáculos que interferem no processo de aprendizagem de genética por alunos do Ensino Médio”? Eis a teoria substantiva: “Para que as dificuldades de aprendizagem dos conceitos genéticos possam ser compreendidas e superadas com maior facilidade pelos alunos do Ensino Médio, é necessário a elaboração, pelo professor, de estratégias diversificadas de ensino, através de múltiplas abordagens teórico-metodológicas. Portanto, é imprescindível que o professor de genética reoriente sua prática pedagógica, modificando sua maneira de ensinar, diversificando sua aula, procurando entender a complexidade dos assuntos e refletindo sobre qual maneira mais apropriada esse conhecimento pode ser transmitido a fim de que possa realmente ocorrer uma aprendizagem efetiva por parte dos alunos”.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou compreender os obstáculos que interferem no processo de aprendizagem de conteúdos de genética pelos alunos do Ensino Médio, a partir da intensas reflexões, análise e comparações realizadas como preconiza o método da Teoria Fundamentada.
Esse estudo possibilitou a construção de uma teoria explicativa, que evidencia a necessidade dos professores de genética em refletir sobre a dinâmica e a complexidade da sala de aula, sugerindo a necessidade de uma mudança teórico-metodológica. Portanto, a teoria explicativa construída nesse estudo traz à tona contribuições importantes no sentido de ajudar na compreensão da dificuldade que os alunos apresentam ao estudar a disciplina em questão.
Acreditamos que o método da Teoria Fundamentada utilizado é extremamente importante, pois apesar de sua complexidade, ele nos fornece rigor metodológico e analítico, características importantes em qualquer pesquisa científica. Em função de ser muito pouco utilizado em trabalhos que envolvem a educação/ensino (uma vez que as áreas que mais utilizam esse método são a enfermagem, psicologia e administração) sugerimos uma maior difusão do mesmo para que novas teorias explicativas possam ser geradas, contribuindo assim para a melhoria do processo ensino aprendizagem não somente na área de ensino de genética, mas, também em outras áreas do conhecimento.