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1 INTRODUÇÃO
Os GIFs estão presentes na maioria das mídias e redes sociais digitais. São, geralmente, conteúdos derivados da cultura pop, breves trechos de filmes, expressões caricatas de personagens, de pessoas famosas, cenas impactantes recontextualizadas, de acordo às intenções dos criadores e de quem os compartilha, e reproduzidos em loop contínuo. Uma expressão facial que exprime desprezo e desdém, somada à frase “That´s all”, “Isso é tudo” em português, de uma personagem icônica interpretada pela atriz norte-americana Meryl Streep, a Miranda Priestly, do filme O Diabo Veste Prada, por exemplo, tornou-se um famoso GIF animado que serve como resposta divertida em comentários de publicações de redes sociais, como reação irônica e jocosa à mensagens privadas de bate-papos online, dentre outras inúmeras possibilidades. Por meio desta dinâmica simples, este formato de conteúdo, expressivamente popularizado, não só ilustra interações anedóticas como também já foi tema de concurso promovido pelo Google3 e de cursos4 para produção desses minivídeos.
No Instagram Stories, o GIF animado é um dos tipos de publicações disponibilizados nesta funcionalidade. Os usuários produzem os seus próprios GIFs a partir de cenas, de situações de suas vidas registradas para esse fim. Os minivídeos em loop criados são exibidos no prazo máximo de 24 horas e são apagados após esse período, seguindo o fluxo que caracteriza as Stories. Um recurso, desta forma, para produção de micronarrativas efêmeras que, por usufruírem do caráter divertido do GIF, geralmente, expõem momentos de prazer e entretenimento. Por isso, o GIF animado no Instagram Stories constitui-se como um recurso que favorece a exposição da felicidade.
A felicidade, ou a aparência deste estado subjetivo, é exaltada nos tempos atuais. Estar feliz não corresponde, apenas, a uma satisfação, a um gozo individual e privado, é um sentimento para ser vivido e exibido em âmbito público, obrigatoriamente. As redes sociais digitais, em especial o Instagram Stories, são espaços que fomentam essa exposição, apresentam diversos recursos, filtros e adereços para a customização dos registros felizes da vida dos usuários em imagens e textos. Neste contexto, o GIF animado das Stories, geralmente, exerce essa função: incrementar as experiências e performances felizes. E os jovens, supostamente mais hábeis no manuseio dos artefatos tecnológicos contemporâneos, usufruem de maneira significativa desta funcionalidade para narrar seus prazeres, realizações e alegrias, reais e/ou inventados.
Esta lógica de construir e promover a felicidade em público produz pedagogias que circulam nos ambientes digitais e orientam modos de ser nas redes sociais. Neste contexto, este artigo discute performances de felicidade apresentadas nas publicações de GIFs animados no Instagram Stories por um grupo de 8 jovens, entre 20 e 23 anos. É por meio destas ações que essas pessoas expõem e ressaltam pedagogias que estruturam e pautam as suas vidas conectadas.
2 METODOLOGIA
O método utilizado na pesquisa foi o qualitativo, de caráter descritivo e analítico e de cunho netnográfico. Esta abordagem, como afirma Minayo e Gomes (2009, p. 21) “trabalha com o universo de significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”. Para este estudo, que teve o objetivo de discutir publicações de GIFs animados no Instagram Stories e, consequentemente pedagogias e modos de ser presentes nesta conjuntura, tal método constitui-se como uma abordagem apropriada.
No que se refere ao caráter descritivo e analítico a descrição detalhada dos dados é um dos pilares desta abordagem associada a uma análise pormenorizada decorrente do que foi levantado em campo empírico sobre as particularidades dos sujeitos em âmbito social e cultural. Segundo Cervo e Bervian (1983), esta abordagem metodológica busca descobrir, com a maior precisão possível, a frequência com a qual um fenômeno ocorre, suas conexões com outros, sua essência e suas características, confrontando fatos ou fenômenos sem provocar manipulações.
O método utilizado é de cunho netnográfico porque a netnografia transpõe para o contexto da cibercultura as premissas da etnografia, um “método de investigação oriundo da antropologia que reúne técnicas que munem o pesquisador para o trabalho de observação, a partir da inserção em comunidades para pesquisa, onde o pesquisador entra em contato intra-subjetivo com o objeto de estudo” (AMARAL; NATAL; VIANA, 2008, p. 35). A netnografia é adequada para uma investigação que tem o Instagram, rede social que compõe a cibercultura, como campo empírico.
Os sujeitos da pesquisa são 8 jovens, entre 20 e 23 anos, usuários do Instagram, que publicam, frequentemente, na função Stories. No quadro a seguir tem-se os dados de cada um, idade e sexo, no entanto os nomes dos perfis, na rede social, foram substituídos pelo código “@perfil + “número de identificação” para, assim, preservar as respectivas identidades, embora as páginas de todos sejam públicas.
Código do perfil | Idade | Sexo |
---|---|---|
@perfil01 | 20 anos | Feminino |
@perfil02 | 21 anos | Feminino |
@perfil03 | 22 anos | Feminino |
@perfil04 | 23 anos | Feminino |
@perfil05 | 21 anos | Masculino |
@perfil06 | 22 anos | Masculino |
@perfil07 | 22 anos | Masculino |
@perfil08 | 23 anos | Masculino |
Fonte os autores
No que se refere ao processo de escolha, foram, inicialmente, selecionados mais de 50 perfis públicos a partir do mecanismo de busca via geolocalização de Stories, recurso que apresenta as publicações mais recentes e feitas nos locais mais próximos ao do usuário, no caso, o bairro da Barra, na cidade de Salvador-Bahia. Em seguida, após uma análise prévia dos perfis e uma breve conversa via troca de mensagens privadas no Instagram, com a finalidade de saber a idade e a frequência de publicações, foram excluídos aqueles que não estão na faixa etária estipulada e não publicam Stories diariamente. A partir desses critérios, então, foi alcançado o número de 8 sujeitos para este estudo. Os perfis desses sujeitos foram acompanhados durante o período de 10 de dezembro de 2017 a 10 de janeiro de 2018. Esse mês da pesquisa coincidiu com recesso de final de ano e férias de verão. É uma época propícia para mais aventuras que intensificam as alegrias e as narrativas de felicidade nas redes sociais digitais.
3 INSTAGRAM STORIES: GIF ANIMADO
Criado em outubro de 2010 pelos engenheiros de programação Kevin Systrom e Mike Krieger, o aplicativo Instagram tinha como objetivo primeiro “resgatar a nostalgia do instantâneo cunhada ao longo de vários anos pelas clássicas Polaroids, câmeras fotográficas de filme, cujas fotos revelavam-se no ato do disparo” (PIZA, 2012, p. 7). Por isso, as fotos eram registradas, com as câmeras frontal e traseira dos dispositivos móveis, e editadas, no programa, somente em formato quadrado e os filtros disponíveis nele, para edição da imagem, remetiam à estética das fotografias das polaroids. A ideia, então, era registrar, em tempo real e em qualquer lugar, os instantes vividos em retratos com estilo retrô5. As interações, a partir destas publicações, ocorriam por meio das curtidas e comentários nas imagens pelos contatos/seguidores e por mensagens privadas.
Em 2012, o dono da rede social Facebook, Mark Zuckerberg, comprou o aplicativo Instagram quando ele ainda possuía 30 milhões de usuários e, após a aquisição, iniciou mudanças no funcionamento do programa6. Uma dessas mudanças foi a opção de postagem de vídeos de até 15 segundos (atualmente podem ter até 1 minuto). Outra mudança foi a inclusão de diversos recursos e filtros para edição das imagens, para além do estilo retrô, o que possibilitou a pulverização imediata das publicações para outras redes sociais como Facebook, Tumblr, Flickr e Twitter e acrescentou a possibilidade de acesso ao programa por meio de computadores, além dos dispositivos móveis. A categorização das postagens por meio de hashtags7 nas legendas e pela localização de onde os registros foram feitos também foram aperfeiçoados, facilitando, cada vez mais, as possíveis buscas por perfis e publicações por meio de palavras-chave e de nomes de locais pelo mundo.
Atualmente, com mais de 800 milhões de usuários8, as atualizações continuam acontecendo para manutenção e atração de participantes. A novidade mais significativa dos últimos tempos do Instagram é o Instagram Stories. Em agosto de 2016, devido a vertiginosa ascensão do aplicativo de rede social Snapchat, Zuckerberg acrescentou ao Instagram uma funcionalidade com características iguais às desta rede, o Instagram Stories9. Assim como no Snapchat, este recurso permite o compartilhamento de publicações autodestrutivas, isto é, postagens que são descartadas da memória do programa no prazo máximo de 24 horas, as Stories (SOUZA; COUTO, 2016). Atualmente, nem todas as Stories são autodestrutivas. O usuário pode selecionar algumas delas e deixá-las em destaque no seu perfil, além de poder tê-las arquivadas no próprio programa apenas para si.
Ao acessar o Instagram, na parte superior do layout em disposição horizontal, independente das demais funcionalidades, tem-se as fotos dos perfis em formato de círculo dos contatos/seguidores com suas respectivas Stories. Ao deslizar o dedo na tela touch screen do dispositivo móvel da direita para a esquerda e clicar em cada perfil, visualiza-se, automaticamente, as publicações autodestrutivas de cada um. As postagens, fotos, GIFs ou vídeos, podem ser registradas pelo próprio recurso, por meio das câmeras frontal, para Selfie, e traseira, ou selecionadas nos arquivos dos dispositivos, nas galerias de imagens. Após registro ou seleção as imagens podem ser customizadas com filtros, emojis divertidos e textos. O tempo de visualização de cada Story é de até 10 segundos e pode ser vista inúmeras vezes durante 24 horas, o tempo de permanência dela no aplicativo.
A sequência crescente das publicações no Instagram Stories, da mais antiga para a mais recente, têm a finalidade de contar uma história sobre o eu, sobre os momentos vividos e registrados pelo usuário durante as últimas 24 horas. Uma história contada em alta velocidade, num encadeamento frenético de imagens, textos e sons. Por isso, é necessário apresentar de maneira breve e marcante cada acontecimento. Essa efemeridade que pauta a dinâmica das Stories se assemelha à dos GIFs animados atuais. A reinvenção, na contemporaneidade, desse formato de arquivo da década de 1980, deu-se, sobretudo, porque trata-se de um conteúdo que rapidamente e de forma eficaz apresenta a sua mensagem.
O GIF, Graphics Interchange Format, é um protocolo de imagens digitais criado em 1987 pela empresa de internet CompuServe “e, desde então, teve sua utilização na web generalizada, devido a seus requisitos computacionais mínimos e grande portabilidade”. (MIGLIONI; BARROS, 2013, p. 71). Inicialmente, o GIF era um protocolo só para imagens estáticas, depois, a partir de 1989, passou a suportar também animações, sem áudio e em loop infinito, os chamados GIFs animados.
O GIF animado, na década de 1990 (AMARAL, 2017) era amplamente utilizado para dar movimento a sites estáticos, compostos basicamente por textos, nos primórdios da internet. No final da década de 1990 e início dos anos 2000, o GIF foi abandonado e substituído por conteúdos mais atualizados que surgiram naquele momento. Entretanto, alguns anos depois, com a popularização de programas para bate-papo, a exemplo do ICQ e MSN mensseger, programas de comunicação instantânea pioneiros na Internet, o GIF voltou para ilustrar conversas ou corresponder a reações dos usuários, em formato de emoticons, ícones, dentre outros. Em seguida, durante o auge da rede social Orkut e surgimento de outras redes como o Facebook e o Twitter, por exemplo, o GIF foi depreciado e estigmatizado. Os conteúdos desse tipo que circulavam constantemente no Orkut abusavam de brilhos e desenhos com estética amadora e infantilizada, por isso, quem utilizava algo semelhante em outras redes consideradas mais elitizadas era discriminado e tal fato foi rotulado como orkutização.
Porém, por volta de 2011, o GIF animado tornou a ser valorizado de maneira significativa no Tumblr. Para Consoante Amaral (2017, p. 55) “o Tumblr funciona como uma grande incubadora digital, que serve como vitrine para a exposição de muitos conteúdos, especialmente aqueles visualmente impactantes”. Com tais características e com perfil de blog e de rede social, este site e seus respectivos usuários impulsionaram a produção de GIFs criativos, com estética mais arrojada e conectados com a indústria do entretenimento e cultura pop. Nesse contexto, proliferaram as mininarrativas em loop infinito produzidas a partir de trechos de filmes, de conteúdos televisivos, de séries e de assuntos que transitam cotidianamente na internet.
A nova e atual ascensão do GIF animado, alcançou diferentes segmentos da comunicação e da sociedade. Além dos usuários assíduos da internet, que os criam e os compartilham constantemente, sobretudo, os jovens, a publicidade, o jornalismo, as propagandas políticas, dentre outros, também usufruem deste formato de conteúdo para comunicar de maneira concisa e bem-humorada. Esse sucesso tem sido tão significativo nos últimos tempos, que em 2012 “GIF” foi eleita a palavra do ano pelo Oxford American Dictionary e, em 2016 o site GIPHY, que é uma espécie de repositório de GIFs, alcançou os números de 100 milhões de acessos diários e 1 bilhão de GIFs produzidos por dia10.
No Instagram a relação com os GIFs foi iniciada no final de 2015, por meio da criação do aplicativo independente Boomerang11. Este aplicativo tem como função a captura de imagens, por meio da câmera de smartphone ou tablet, para posterior criação e publicação de GIFs entre as postagens da linha do tempo do Instagram e/ou do Facebook. Em novembro de 2016, o Boomerang tornou-se também uma das funcionalidades do Instagram Stories12, permitindo, desta forma, a produção de Stories em formato de GIF. O viés cômico deste tipo de conteúdo, que se vale da repetição contínua para entreter e divertir, favorece as micronarrativas felizes dos usuários deste recurso, as que expõem a felicidade, sentimento enaltecido e exigido na contemporaneidade.
4 FELICIDADES, PERFORMANCES E PEDAGOGIAS EM GIFS NAS STORIES
A felicidade, antes do advento da modernidade, costumava ser vislumbrada após as agruras da vida terrena, após a morte, em uma outra vida no reino dos céus. A vida, na terra, era constituída, assim, por uma espera somada à luta contínua contra os pecados do mundo e contra as intempéries do cotidiano. De acordo com Brucker (2002, p. 22).
Este é então o raciocínio cristão: opor ao medo bem natural do sofrimento e da morte o medo ainda maior da perdição. E promete uma recompensa para as misérias deste mundo vil através de uma retribuição na outra vida, única forma de pôr fim ao escândalo da prosperidade do iníquo e do infortúnio do justo.
A infelicidade e o sofrimento não eram sinônimos de fracasso ou de aflição, pois poderiam ser promessas de uma vida plena após a morte.
A partir da modernidade esse pensamento é transformado, porque os princípios filosóficos iluministas se sobrepõem aos preceitos cristãos sobre a felicidade, e este sentimento torna-se aspiração primordial, destino e direito do homem. Como afirma Lipovetsky (2007, p. 207)
Os homens das Luzes elevaram a felicidade terrestre à condição de ideal supremo. De livro em livro, o mesmo postulado é enunciado: o homem nasceu para ser livre e feliz. Primeira das leis naturais, a busca da felicidade aparece como a atividade mais crucial, a mais urgente que existe, ao mesmo tempo que se torna objeto de debates apaixonados, um problema incansavelmente analisado: “A grande ocupação e a única que se deve ter, é viver feliz”, escreve Voltaire.
A Revolução Francesa e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, por exemplo, assinalaram o direito do indivíduo à igualdade, à liberdade e à busca pela felicidade, em seus discursos. O progresso, a ciência, a democracia, a justiça, todas as instâncias da sociedade passaram a estar a serviço da produção do bem-estar e da felicidade do homem. A felicidade é uma utopia que deixa de pertencer ao reino dos céus para habitar os sonhos terrenos.
Diferentes significados são atribuídos à felicidade, diversas interpretações subjetivas e historicamente situadas. Satisfação, prazer, salvação da alma, realizações, alegrias, dentre outros sentimentos e sensações que envolveram e envolvem a definição de estar feliz, em âmbitos individual, coletivo, espiritual e/ou material. Entretanto, hoje, a felicidade desejada corresponde, notadamente, a uma construção individual, um empreendimento pessoal que envolve diferentes imposições para ser alcançada. Aparência bela e jovem, saúde plena, sucesso profissional e financeiro, consumo, conquistas, prazeres e um status de vencedor que deve ser, continuamente, mantido e ostentado constroem o mercado da felicidade. Por meio dessas prescrições, “passamos da felicidade como direito à felicidade como imperativo.” (BRUCKNER, 2002, p. 43).
Não ser feliz diariamente ou não saber manter a aparência desse estado, nos tempos atuais, são sinônimos de fracasso e aflição. “A busca e a administração da felicidade se transformaram em tarefas cotidianas e angustiantes, resolvidas, em alguns momentos, por meio de objetos e mercadorias ou através da aquisição das tecnologias do conforto” (FERRER, 2010, p. 3149). É preciso consumir, assim, sempre algum signo de felicidade, um consumo efêmero e frívolo incessantemente repetido para manutenção do status. E, seguindo essa lógica, “é em nome da felicidade que se desenvolve a sociedade de hiperconsumo. A produção dos bens, os serviços, as mídias, os lazeres, a educação, a ordenação urbana, tudo é pensado, tudo é organizado, em princípio, com vista à nossa maior felicidade” (LIPOVETSKY, 2007, p. 209). O homo felix vive, com isso, em um cenário de tirania da felicidade e o que, porventura, se opõe a esta conjuntura provoca tristeza e frustração.
Nesse contexto, o ato de performar ultrapassou as fronteiras das artes e do entretenimento e alcançou a vida ordinária. Performances de si para apreciação do outro, acontecimentos cotidianos espetacularizados para os olhares alheios, sobretudo, no espaço privilegiado para este fim, atualmente, a internet. Consoante Sibilia (2015, p. 354), são,
[…] forças socioculturais, políticas e econômicas que se descarregam cotidianamente sobre os sujeitos contemporâneos e os treinam no “culto da performance”, como o denominara o sociólogo francês Ehrenberg (1991), apontam a consumar neles uma exigência primordial naquilo que atualmente se considera uma boa performance existencial: ser feliz.
Dessa forma, o sentimento genuíno de felicidade não é mais importante do que a sua performance.
A valorização da performance se dá, notadamente, porque tudo que é privado, hoje, é produzido, potencialmente, para o âmbito público (COUTO, 2015). Os dispositivos tecnológicos digitais conectados, fundamentalmente, favorecem e incitam, por meio de mídias, aplicativos e afins, a exposição da vida privada de seus usuários. Constantes publicações de fotos, vídeos e textos sobre si, sobre as experiências vividas nesses ambientes virtuais demonstram que “o medo da exposição foi abafado pela alegria de ser notado” (BAUMAN, 2013, p. 30) como um produto midiático. A exibição de si para uma audiência em mídias sociais é celebrada e, por isso, performada para atrair, cada vez mais, a atenção alheia.
O GIF animado do Instagram Stories constitui-se, nessa conjuntura, como um formato de publicação que estimula performances de si e, principalmente, performances felizes de si. De acordo com Freire Filho (2010, p. 17), “na era da felicidade compulsória, convém aparentar-se bem adaptado ao ambiente, irradiando confiança e entusiasmo, alardeando uma personalidade desembaraçada, extrovertida e dinâmica”. O GIF, por ter como característica imprescindível a diversão, está em consonância com os atributos requeridos pela era da felicidade obrigatória. Os movimentos vertiginosos dos minivídeos em loop exibidos em poucos segundos nas Stories tornam as micronarrativas bem-humoradas ao animar as experiências, os acontecimentos vividos e registrados. Com isso, expõem de maneira eficaz os momentos de prazer, de alegrias que compõem o status de felicidade atual.
Nesse sentido, modos de ser, saberes, pedagogias fazem parte das performances de felicidade em GIFs nas Stories. O GIF animado, com o tempo, especialmente nos últimos anos de ascensão, passou a representar, junto aos memes13, o regozijo, a comicidade na internet. No Instagram, com a inserção deste formato, naturalmente, este perfil divertido tornou-se referência para as performances pessoais dos usuários. Isto é, artefatos culturais que são, potencialmente, pedagógicos, pois moldam hábitos, valores, visões de mundo, apresentam modos de ser para os sujeitos. No que concerne os GIFs, o potencial pedagógico se apresenta no modo de narrar os momentos vividos, fundamentalmente, os momentos felizes. Esses momentos felizes são imagens, significações, saberes que de alguma forma se dirigem à educação das pessoas, ensinando-lhes modos de ser e estar na cultura em que vivem.
Portanto, o imperativo de felicidade contemporâneo incita o uso de diferentes tipos de conteúdos midiáticos para publicizar esse sentimento em redes sociais digitais e afins. O GIF do Instagram Stories apresenta-se como formato privilegiado para esta finalidade devido ao seu viés recreativo. Por isso, pedagogias são praticadas para fazer circular incessantemente este gênero de performances condizentes com a perspectiva, a dinâmica, o fluxo que constituem os tempos atuais.
5 ANÁLISES E RESULTADOS
O grupo de jovens que compõe este estudo compartilha regularmente GIFs, no Instagram Stories. As performances que expressam felicidade corresponderam à maioria das postagens com este formato de conteúdo, durante o período de observação. Festas, shows, férias, viagens, dias de sol, encontros entre amigos, são alguns exemplos das experiências vividas e narradas nos minivídeos em loop das Stories. Muitas vezes, apenas as imagens em movimento, animadas, são suficientes para exibir os momentos de prazer e alegria. Contudo, quando necessário, eles também utilizam os diversos elementos que incrementam as publicações, especialmente, as legendas. Para expor, assim, de maneira clara, suas performances felizes.
As imagens acima correspondem a screenshots14 de GIFs publicados pelos jovens. Na primeira imagem da Figura 1, de @perfil01, tem-se o movimento de um brinde de duas canecas de cerveja. A segunda diz respeito a um grupo de amigos de @perfil06 bebendo, ao mesmo tempo, seus respectivos copos de cerveja. E a última da figura expõe o movimento, pelo @perfil03, de uma taça de vinho junto à legenda “Sexta”, dia que inicia o final de semana.
Na Figura 2, na noite de ano novo, @perfil05 e seus amigos dançam, com taças de espumante, para celebrar o início do ano. E na imagem seguinte, @perfil08 também dança durante um show no primeiro dia de 2018.
Todos esses GIFs foram feitos em momentos festivos de encontros e diversão. Nos segundos captados para os minivídeos, as micronarrativas apresentaram performances de prazer e de alegria, desde o brinde, ato que simboliza comemorações, até as danças. Como afirma Sibília (2015, p. 357), trata-se de “um universo onde só é o que se vê e como se deixa ver”. De um lado, os encontros podem ter perdido a graça após os primeiros brindes, copos e taças, assim como, as animadas danças podem ter sido interrompidas logo após a produção dos GIFs. De outro lado, tais momentos podem ter sido ainda melhores do que foram exibidos nos registros. Independente do que ocorreu antes ou depois das postagens apenas as performances de felicidade realmente importam.
Na Figura 3, a primeira imagem é um screenshot de um GIF postado pelo @perfil01, nela a jovem, expõe um copo de cerveja e junto a uma amiga sacode os pés numa piscina em um dia de sol. No segundo screenshot, @perfil04 e amigos pulam, ao mesmo tempo, em uma piscina.Na terceira imagem da referida Figura, @perfil05 registra um jogo de bola em uma praia e incrementa a micronarrativa com desenhos de sol e de bola colorida.
Na Figura 4, @perfil02 dá saltos com uma amiga em um espaço ornamentado de um festival na Chapada Diamantina. No screenshot seguinte, @perfil03 e amiga dançam, com chapéus mexicanos, em um restaurante.
O fluxo de publicações das Stories é acelerado e fugaz, já que tal funcionalidade é composta por imagens “estridentes, agudas, porque estão expostas; falta-lhes, inclusive, a amplidão temporal. Elas não admitem qualquer recordação, servindo apenas para excitação e satisfação imediata” (HAN, 2017, p. 574). Dessa forma, as narrativas de felicidade são movediças e, além da necessidade de serem continuamente contadas, precisam também ser atraentes para atender o olhar consumista da audiência. Por isso, as publicações dos jovens, destacadas e as demais que circulam em seus perfis, capturam os ápices de prazer e entretenimento experimentados e/ou inventados continuamente, usufruem do acelerado movimento em loop do GIF para divertir o público que consome tais conteúdos. São produzidas microficções de gênero comédia sobre a própria vida, desse modo, em um contexto de efemeridades perenes (SOUZA; COUTO, 2016) e o status de felicidade é o argumento dos enredos.
Nesse cenário, modos de ser e estar na contemporaneidade são construídos e praticados. Consoante Bruno (2013, p. 68) “o decisivo aqui é compreender essa subjetividade que se modula como exterioridade no movimento mesmo de se fazer visível ao outro”. Nas performances exibidas nos GIFs pelo grupo de jovens, além dessa modulação evidenciada, se expressa também o como exibir, entreter e atender ao imperativo de felicidade por meio delas. Somos educados permanentemente pelas culturas que nos circundam. Para Andrade, (2016, p. 54) “a conveniência da cultura como recurso pedagógico, como recurso que amplia os lugares de aprendizagem e permite que, para além dos muros escolares, os sujeitos sejam educados, formados, governados por diferentes agentes”. A produção e circulação de GIFs no Instagram Stories, desse modo, possibilitam o desenvolvimento de pedagogias que promovem aspectos formativos. Eles nos educam pois promovem saberes e oportunizam modos de felicidade nas celebrações dos minivídeos em loop.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diferente de outros momentos da história, hoje, a felicidade se apresenta como obrigação, como sentimento categórico para se ter uma vida plena e satisfatória. O que antes era prometido após a morte ou entendido como direito baseado no ideário iluminista, atualmente, se impõe como dever do indivíduo. Por isso, não alcançar, minimamente, a aparência de que se é feliz provoca nos sujeitos angústias e frustrações. Os ambientes virtuais, nessa conjuntura, sobretudo, as redes sociais digitais, se apresentam como espaços favoráveis para a exposição de performances de felicidade e, por conseguinte, contribuem para atenuar, mesmo que de forma efêmera, as aflições provocadas por esse imperativo.
As imagens dos GIFs produzidos pelo grupo de jovens e destacadas neste estudo, somadas à análise desses conteúdos, permitem diversas conclusões das quais destacamos duas. A primeira é de que estes jovens apresentam continuamente performances felizes no Instagram Stories por meio de GIFs animados para divertir e entreter suas respectivas audiências e, assim, manter os seus volúveis status de felicidade. São muitos os registros que exibem as performances de encontros, festas, férias, prazeres e alegrias expostos em micronarrativas bem-humoradas para atender ao imperativo de ser feliz contemporâneo.
A segunda conclusão é que a produção e circulação frequentes de GIFs animados nas Stories geram processos de ensino-aprendizagem, notadamente, no grupo de jovens que constitui este estudo. Os conteúdos, os cenários, as intencionalidades das performances, que ressaltam a comicidade e a exposição da felicidade, trazem à tona processos formativos, pedagogias que compõem as publicações e interações deste formato de conteúdo do Instagram Stories. Desse modo, o script, o roteiro que orienta os microvídeos em loop, imprime um conjunto de atitudes, de práticas, de saberes nos usuários.