O conhecimento sobre o trabalho pedagógico desenvolvido com bebês em creches ainda carece de diálogo com a produção acadêmica para que possa promover uma profícua discussão sobre as práticas pedagógicas, sobre as formas de avaliação, do currículo da educação infantil e, assim, contribuir para a qualidade desse atendimento em creches junto aos profissionais, aos gestores e aos formuladores de políticas públicas.
A dificuldade em estabelecer o diálogo, em parte, é consequência da fragmentação dos estudos sobre bebês nas diferentes áreas de pesquisa, como a psicologia, os campos da saúde e a educação, o que torna difícil a troca de conhecimentos na construção de saberes interdisciplinares sobre fenômenos complexos que envolvem também uma multiplicidade de perspectivas, mas que têm um mesmo objeto de estudo.
Para se compreender e mapear esses estudos, a referência aos bebês como indivíduos recém-nascidos ou com pouco tempo de vida, usando a delimitação cronológica para a definição do campo semântico, não é suficiente. Outras concepções são chamadas a explicar os sentidos e significados que os bebês assumem na produção científica, bem como a apresentar e fundamentar formas de intervenção e de práticas pedagógicas dirigidas aos bebês.
Para a presente análise, parte-se da ideia de que a história das creches ocorreu de forma quase paralela e independente em relação à história da educação básica e da pré-escola no Brasil e é marcada pela desigualdade, pela exclusão, pelo assistencialismo, mas também pela capacidade de organização das comunidades mais pobres e pela luta das mulheres trabalhadoras. Sendo assim, a trajetória de consolidação de uma identidade para a educação infantil enquanto etapa da educação básica não é uma só, não é a mesma para a creche e para a pré-escola, não são os mesmos desafios, nem os mesmos dilemas que envolvem essas subetapas e que constituem o debate na área até hoje.
Em 1984, Rosemberg já assinalava que “a história recente da creche como instituição tem se dado por ciclos sucessivos de expansão e retraimento divergindo, assim, da trajetória da escola que, pelo menos numa perspectiva quantitativa, tem apresentado uma evolução constante” (Rosemberg, 1984, p. 73). Compreender, pois, a produção bibliográfica sobre bebês em creches requer um olhar sobre essa trajetória e suas especificidades no contexto maior das pesquisas sobre bebês.
A análise da produção acadêmica sobre bebês em creches, entendendo os campos semânticos que constituem esses estudos, pode revelar as carências e lacunas no atendimento educacional a essa faixa etária e explicar as dificuldades que a literatura das diferentes áreas tem para dialogar com as e os profissionais da área.
O presente estudo parte de uma perspectiva pós-estruturalista para analisar sentidos presentes na produção acadêmica sobre bebês em creches na última década. Essa abordagem de análise vem mobilizando a produção de estudos nas diferentes áreas do conhecimento, de maneira a ressignificar conceitos e formas metodológicas nos processos investigativos.
Como em Foucault (2000), a perspectiva pós-estruturalista assinala a produção do conhecimento como uma forma de luta contra um discurso que se denomina unitário, verdadeiro, científico, afastando-se de pressupostos da modernidade e desconstruindo metanarrativas que marcam a produção do conhecimento. Dessa forma, entende-se que a verdade é fabricada institucionalmente, cada sociedade produz seus discursos considerados verdadeiros e constrói mecanismos para qualificar e desqualificar os saberes.
Segundo Peters (2000), a influência do pós-estruturalismo tem sido muito significativa em muitas áreas das ciências sociais e humanas, como nos estudos feministas, na psicanálise, entre outros. Acredita-se que também para os estudos das infâncias, e nas pesquisas sobre os bebês, essa perspectiva inspire análises que ajudam a cumprir sua “dupla tarefa: criar um espaço para a infância no discurso sociológico e encarar a complexidade e ambiguidade da infância como um fenômeno contemporâneo e instável” (Prout, 2000, p. 733).
Assim, pretende-se investigar processos de visibilização e invisibilização, enunciação e silenciamento na produção de conhecimentos sobre bebês em creches. Em síntese, foi procurado compreender os discursos acadêmicos que deram suportes à formulação de políticas e ao desenvolvimento de práticas nas creches no Brasil.
Processos metodológicos
A pesquisa teve como objetivo discutir a produção bibliográfica em artigos de periódicos sobre bebês nas creches a partir de 2007, ano em que houve a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), portanto, quando pela primeira vez no Brasil fica regulamentada a destinação de um considerável aporte de recursos para a educação infantil, possibilitando o aumento do atendimento, a diminuição de desigualdades regionais e a busca de padrões mínimos de qualidade (Bassi, 2013; Gaspar, 2010; Rosemberg, 2010), até o ano de 2018.
Foram realizadas seis buscas combinando os descritores bebê ou bebês e creche, berçário ou educação infantil para todos os indexadores, em duas bases de dados: SCIELO e PePSIC. Os artigos foram categorizados quanto ao ano de publicação, área do periódico, temática do artigo e tipo de texto.
Foram consideradas as publicações entre os anos de 2007 – um dos marcos legais importantes para a educação infantil, quando essa etapa do ensino entra no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) –, e 2018.
Apesar de não garantir o acesso, a entrada da educação infantil no Fundeb, especialmente para as creches, foi um marco de valorização e garantia de direito das crianças pequenas à educação, pois, pela primeira vez na história do país, recursos públicos são destinados a essa subetapa da educação básica, depois de muitas lutas e pressões de diferentes setores da sociedade.
Para a análise das temáticas dos artigos, foi feita uma leitura minuciosa dos resumos e, quando necessário, do texto completo dos artigos. Foi utilizada a técnica de Bardin de análise de conteúdo que se configura como uma análise dos significados e de significantes. A análise de conteúdo constitui-se como um conjunto de técnicas de análise de textos com procedimentos sistemáticos e objetivos para a compreensão dos seus conteúdos.
O procedimento de análise constituiu-se de uma exploração do material oriundo dos artigos, em seguida, foram observados o ano de publicação, as áreas dos periódicos onde os artigos tinham sido publicados, as temáticas e abordagens metodológicas adotadas nos estudos, aliada a isso, foi construída uma análise dos temas que emergiram dessas publicações por área dos periódicos. A partir de então, foram construídas as categorias que serviram de base para a interpretação e construção das inferências.
Análise da produção acadêmica
Foram identificados 51 artigos entre 2007 e 2018. A produção se concentrou nos últimos seis anos desse período, em especial no ano de 2018, o que já revela o crescimento do interesse pela temática (Tabela 1).
2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | TOTAL |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
3 | 1 | 3 | 2 | 3 | 4 | 7 | 4 | 4 | 5 | 5 | 10 | 51 |
Fonte: Elaboração própria.
Os artigos foram publicados em 27 periódicos diferentes, a maioria desses tinha como área principal a psicologia e um número significativo de periódicos se localiza nas áreas multi, trans ou interdisciplinares o que parece apontar a complexidade dos temas relacionados aos bebês na creche e a necessidade de uma visão não disciplinar (Tabela 2).
Quando é feito o cruzamento das informações sobre ano de publicação e área do periódico, destaca-se o crescimento dos estudos na área de Educação no último ano do período (Tabela 3). A análise revela que o aumento de artigos nos últimos anos se deu pelo crescimento desse número em periódicos de psicologia e, em especial, no ano de 2018, na área da educação.
ÁREA ANO | SAÚDE | PSICANÁLISE | PSICOLOGIA | EDUCAÇÃO | INTERDISCIPLINAR |
---|---|---|---|---|---|
2007 | 1 | 1 | 1 | ||
2008 | 1 | ||||
2009 | 1 | 2 | |||
2010 | 1 | 1 | |||
2011 | 1 | 1 | 1 | ||
2012 | 3 | 1 | 1 | ||
2013 | 1 | 1 | 2 | 3 | |
2014 | 3 | 1 | |||
2015 | 1 | 3 | |||
2016 | 1 | 1 | 3 | ||
2017 | 3 | 1 | 1 | ||
2018 | 4 | 5 | 1 | ||
total | 4 | 3 | 24 | 11 | 10 |
Fonte: Elaboração própria.
A análise das temáticas por área de periódico apresentada a seguir auxiliará na compreensão da produção do conhecimento sobre bebês em creche.
Em apenas um dos estudos da área de saúde foi focalizada uma dimensão do trabalho docente – a alimentação dos bebês – identificando erros alimentares e alertando para a necessidade da capacitação das profissionais nesse sentido (Golin, Toloni, Longo-Silva, & Taddei, 2011). Os outros estudos nessa área utilizaram a creche apenas como locus para o encontro dos participantes da pesquisa, os bebês. Dessa forma, não tinham como objeto de estudo as práticas educativas ou as rotinas das creches onde as investigações foram realizadas, nem consideraram possibilidades do conhecimento na área puder auxiliar as práticas pedagógicas, apesar de dois estudos apresentarem propostas de intervenção para favorecer o desenvolvimento motor dos bebês (Almeida & Valentini, 2010; Gerzon, 2016) e um outro ter analisado fatores relacionados às alterações do desenvolvimento neuropsicomotor (Silva, Engstron, & Miranda, 2015), no entanto, sem vincular essas temáticas ao trabalho das educadoras na creche.
Nos três textos encontrados em revistas da psicanálise, foi tratada a dimensão do cuidado na educação infantil, sendo que dois deles relatam pesquisas de campo: em um dos estudos é apresentada uma reflexão sobre as possibilidades constitutivas das crianças nos espaços da creche, a partir das relações estabelecidas entre os profissionais da educação infantil e os bebês (Flach & Sordi, 2007) e, no outro, foi feita uma pesquisa qualitativa que constava de uma técnica de intervenção junto às educadoras (Gabeira & Zornig, 2013). Esses dois estudos consideraram as competências do bebê e suas características de ser ativo nas relações que estabelece com o mundo ao seu redor. O foco dos estudos foram os processos de subjetivação, ao tratarem o espaço da educação infantil como espaço de construção de subjetividades e a importância da dimensão do cuidado no desenvolvimento desses processos nos bebês. De forma um pouco diferente, no terceiro artigo, em forma de ensaio, os autores apresentam os Indicadores Clínicos de Riscos para o Desenvolvimento Infantil (ICRDI) como um instrumento interdisciplinar para a avaliação do bebê (Pesaro & Kupfer, 2016). Neste artigo, apesar de propor um diálogo entre a medicina, a psicanálise e a educação, não são mencionados os estudos anteriores das outras áreas além da psicanálise, e apresenta uma forma de linguagem prescritiva, a partir da normatividade do instrumento construído com base nas teorias psicanalíticas, dirigida aos profissionais de creches.
Os artigos publicados em periódicos que tinham como área principal a psicologia ainda apresentam pouco diálogo com a educação, no sentido de discutir contribuições da área para a formação docente e o desenvolvimento das práticas educativas na creche, relações entre desenvolvimento infantil, aprendizagem e currículo, capacidades perceptuais e motivacionais do bebê e organização de espaços educativos, adequação das formas de avaliação dos bebês para o trabalho em creches, entre outros temas, apesar de metade dos estudos mencionarem a importância da área para as práticas pedagógicas na creche.
A docência nessa etapa do ensino parece ser entendida, quase de forma restrita, ao cuidado. São estudadas as crenças sobre o desenvolvimento infantil e sobre o próprio bebê e comparados comportamentos e estilos de cuidado com os comportamentos de mães e outros familiares (Becker, Bernardi, & Martins, 2013; Klein & Martins, 2017; Melchiori, Alves, Souza, & Bugliani, 2007; Piccinini, Polli, Bortolini, Martins, & Lopes, 2016; Seidl-de-Moura, Pessôa, Ramos, Mendes, Fioravanti-Bastos, & Dias, 2014). A tônica dos estudos está na influência que essas crenças e concepções das profissionais da creche sobre o bebê e o seu desenvolvimento podem ter na sua atuação profissional e no desenvolvimento do bebê.
A preocupação mais frequente, entre os estudos analisados, que se aproximava das práticas na creche, relacionava-se à questão da adaptação de bebês a esse espaço fora da vida familiar do bebê, tratada em seis dos estudos da área (Bossi, Brites, & Piccinini, 2017; Bossi & Piccinini, 2018; Gabriel & Lopes, 2016; Martins, Becker, Leão, Lopes, & Piccinini, 2014; Pasinato & Mosmann, 2015; Peixoto, Barros, Coelho, Cadima, Pinto, & Pessanha, 2017). Essa temática é tratada do ponto de vista das famílias ou das características do próprio bebê, o foco não é a articulação da reflexão sobre o processo de separação-individuação com as práticas pedagógicas nas creches.
A temática mais debatida entre as publicações em periódicos da área da psicologia foi o desenvolvimento infantil. Nos estudos, o desenvolvimento infantil foi tratado de forma geral. Foi identificado também um estudo que focalizou o desenvolvimento de uma habilidade específica do bebê, a capacidade de discriminação, avaliada a partir de um planejamento experimental (Oliveira & Gil, 2008) e, no estudo de Barbosa e de Lima (2018), discute-se a função que os educadores de creche podem exercer na estruturação psíquica dos bebês e das crianças pequenas, mencionando, especialmente, o desenvolvimento da linguagem, utilizando a teoria psicanalítica.
Em dois dos estudos em periódicos da área da psicologia, havia também a preocupação com a avaliação do desenvolvimento infantil, sinais de atraso no desenvolvimento, com a proposição e comparação de instrumentos de avaliação (Brandão & Kupfer, 2014; Sigolo & Aiello, 2011).
O desenvolvimento infantil também é citado como o objetivo do trabalho pedagógico na creche e, muitas vezes, relacionado à temática da interação, como em Rossetti-Ferreira, Anjos e Oliveira (2009). No entanto, poucos estudos investigaram as interações entre bebês como tema importante da discussão sobre bebês em creches. A maioria desses estudos tiveram como foco os processos de subjetivação e a construção de significados pelos bebês em suas interações e foram desenvolvidos por um mesmo grupo de pesquisa (Amorim, 2012; Amorim, Costa, Rodrigues, Moura, & Ferreira, 2012; Amorim, Anjos, & Rossetti-Ferreira, 2012; Costa & Amorim, 2015, 2018).
Alguns estudos analisaram discursos sobre creches na literatura acadêmica ou entre profissionais. Urra (2016) analisou duas revistas brasileiras de pediatria, articulando aspectos da teoria de ideologia, teoria de gênero e dos estudos sociais sobre infância, apontando percepções negativas em relação à creche que não é referida como espaço de desenvolvimento do bebê, mas como local de guarda pela ausência da mãe, e Andrade (2015) utilizou a Teoria Histórico Cultural e a Teoria das Representações Sociais para discutir o berçário como artefato cultural e como as suas significações orientam profissionalidades de educadoras e regulam as oportunidades para o desenvolvimento de bebês.
Apenas um estudo, entre todos os analisados, tratou da educação especial em creches: Bossi, Junges e Piccinini (2018) investigaram a perspectiva das educadoras quanto à inclusão de bebês com deficiência física no berçário. Entre os diversos fatores que interferem na inclusão, as educadoras não ressaltaram nenhum aspecto com relação à família dos bebês com deficiência, o que revela a dificuldade das educadoras em perceber as famílias como agentes da inclusão educacional, como se a família não tivesse também um papel na educação institucionalizada desses bebês.
A maioria das publicações em periódicos da área de educação abordaram temáticas em torno da discussão das práticas pedagógicas na creche e as suas especificidades na atuação com bebês: a articulação do educar com o cuidar e o brincar e os seus possíveis efeitos no laço com o bebê (Fonseca, 2018); a rotina das crianças na creche, especialmente os momentos de descanso e a alimentação (Monção, 2017), as possibilidades dialógicas na relação professor-bebê na creche (Guimarães & Arenari, 2018), a mediação, em uma abordagem psicanalítica, junto às educadoras de uma creche, em um estudo de caso de um bebê mordedor (Saullo, Rossetti-Ferreira, & Amorim, 2013); a avaliação de um programa de intervenção precoce (Soejima & Bolsanelo, 2012) e um ensaio sobre a prática pedagógica em uma perspectiva filosófica (Nörnberg, 2013).
A formação de profissionais para atuarem em creches com bebês são objeto da discussão de três estudos. Micarelli e Baptista (2018) investigaram a repercussão do processo formativo de mediação de leitura literária para professoras da educação infantil nas práticas docentes, o estudo de Arenhart e Guimarães (2018), partindo da perspectiva da pesquisa-formação, analisou os sentidos da docência na educação das crianças de 0 a 3 anos e o trabalho de Frabetti (2011) aborda a formação teatral de docentes da educação infantil.
Nessa área, ainda, registramos uma pesquisa de intervenção psicanalítica com um grupo interativo pais-bebês que pretendeu articular educação e psicanálise no campo da discussão sobre saúde mental (Pesaro, Merletti, Pellicciari, Moratti, Pimentel, & Barreto, 2018) e um estudo sobre a confiança das mães na instituição de educação infantil (Silva, 2014).
Uma característica comum desses estudos é o foco nos adultos, educadoras ou mães, mesmo quando se trata do estudo sobre o desenvolvimento do bebê, pois o que se discute são práticas que poderiam prevenir e evitar “defasagens” ou “transtornos” no desenvolvimento.
Uma temática se sobressaiu entre os artigos publicados em periódicos que privilegiam estudos multi, trans e/ou interdisciplinares: a análise de instrumentos normatizados de avaliação do desenvolvimento: a Alberta Infant Motor Scale avalia o desenvolvimento motor foi utilizada em um estudo transversal com 561 crianças em instituições de educação infantil no Rio Grande do Sul (Sacani & Valentini, 2010; Carneiro, Dias, Magalhães, Soares, Rangel-Henriques, Silva, Marques, & Baptista, 2013) e o Infant Characteristics Questionnaire tem como objetivo a análise do temperamento dos bebês e a Metodologia IRDI que é um instrumento de avaliação e acompanhamento da constituição psíquica do bebê e é utilizada como fundamento para a intervenção psicanalítica no desenvolvimento de bebês avaliados como tendo dificuldades no desenvolvimento (Cavaggioni, Oliveira, & Benicasa, 2018; Ferrari, Fernandes, Silva, & Scapinello, 2017). Assinala-se que a Metodologia IRDI também foi temática em um artigo publicado em periódico da área da psicologia (Brandão & Kupfer, 2014) e um outro na área da psicanálise (Pesaro & Kupfer, 2016),
Nesse campo interdisciplinar, dois artigos relataram pesquisas sobre a relação educadora/bebê: um estudo com base no conceito de responsividade materna da teoria do apego, analisou a relação educadora/bebê na creche (Bressani & Bosa; Lopes, 2007) e, outro investigou as mediações da cuidadora e o desenvolvimento da linguagem nos bebês (Teixeira & Dickel, 2013). Outros três estudos trouxeram outras temáticas diferentes: a produção bibliográfica sobre amamentação em creches (Braga, Rezende, & Fujimori, 2009), a formação continuada das profissionais de creche no que se refere ao toque e afetividade com relação ao bebê (Oliveira, 2009) e as possibilidades de atuação do psicólogo escolar no auxílio ao desenvolvimento psicossocial das crianças (Zendron, Kravchychyn, Fortkamp, & Vieira, 2013).
A análise também focalizou a caracterização dos tipos de relatos que os artigos encontrados apresentaram (Tabela 4).
Ensaio | Relato de pesquisa de campo | Relato de pesquisa bibliográfica ou pesquisa documental | Relato de pesquisa de intervenção |
---|---|---|---|
6 | 33 | 2 | 10 |
Fonte: Elaboração própria.
A maioria dos artigos relatam pesquisa de campo ou apresentam resultados de pesquisas de intervenção. As pesquisas de campo utilizam entrevistas e questionários dirigidos às profissionais de educação infantil e aos familiares, observação de situações da rotina da creche e das práticas pedagógicas e aplicação de testes de avaliação do desenvolvimento. Ressalta-se que poucos estudos são dirigidos à observação dos bebês e das suas interações com adultos e com seus pares, apesar de serem apontadas como constitutivas do desenvolvimento dos bebês.
Considerações finais
Como conclusão deste estudo, primeiramente, destaca-se a necessidade de partir do bebê e da creche enquanto categorias próprias de análise para a discussão da produção acadêmica, não sendo suficiente tratarmos os bebês como crianças bem pequenas, nem a creche apenas como subetapa da educação infantil.
Os estudos revelam que há especificidades que necessitam de maior compreensão das diferenças que estão invisibilizadas nos estudos sobre políticas, práticas, formação docente, currículo e avaliação na educação infantil, sem focalizar a creche. Essas especificidades foram tratadas nos artigos analisados de forma a contribuir para o desenvolvimento de um campo de estudos dos bebês em creches, distinto do campo de estudos da educação infantil como um todo, apontando para trajetórias próprias e diversas da pré-escola.
Assinalamos o crescimento no número de estudos e, particularmente, daqueles que focalizaram suas investigações em temáticas que diretamente estão relacionadas às práticas docentes na creche.
A multiplicidade de temas e os diferentes campos semânticos que estão presentes nos estudos analisados refletem a complexidade das questões tratadas. O estudo dos bebês em creches, enquanto fenômeno complexo, parece requerer abordagens trans, inter, pluri e multidisciplinares que, muito além da transposição de conhecimentos, contribuam na produção de novos conhecimentos que emerjam dessa complexidade e que são chamados a compor esse novo campo de estudo.
Apesar da diversidade dos temas, a análise mostrou também que parece haver temas ainda pouco estudados – como, por exemplo, a inclusão de bebês com dificuldades especiais, lacunas – como a investigação de formas de avaliação contextual para as creches, além dos instrumentos normatizados de avaliação do bebê – e a necessidade de diálogo entre as áreas para que a produção possa romper com a abordagem disciplinar e alcance uma perspectiva mais ampla de estudo.
Esse registro é importante, uma vez que na formulação de políticas ou na atuação como profissionais nas creches, o saber requerido é transdisciplinar, sem a fragmentação resultante da ausência de articulação entre as áreas do conhecimento.
Quando consideramos os aspectos metodológicos das pesquisas, a diversidade nos estudos fica mais evidente e a necessidade de um olhar para as especificidades ainda maior. A construção de metodologias próprias abre a possibilidade de formulações teóricas que impliquem em contribuições para os estudos acadêmicos e para o avanço de políticas e práticas na creche que permitam considerar o fenômeno na sua totalidade e, ao mesmo tempo, as realidades locais.
Ressaltamos que foram identificados poucos estudos que têm o bebê como sujeito da pesquisa, a maior parte dos registros são de adultos, mães ou educadoras, ou resultados de testes de avaliação do desenvolvimento dos bebês que partem de critérios e indicadores externos.
Por fim, o estudo procurou indicar lacunas e vieses das pesquisas nas áreas, identificar trajetórias de formação do campo de estudos, entender as preocupações que as pesquisas elegeram como prioritárias, admitindo a complexidade das temáticas tratadas e os cenários históricos e políticos nos quais as pesquisas se inserem. A pretensão foi contribuir para a construção de novos caminhos da pesquisa e a consolidação de um campo interdisciplinar de estudos que deem conta do lugar dos bebês nas instituições de educação infantil e das funções que as creches e os profissionais podem (e devem) assumir.