Introdução
Em 2019, na cidade de Wuhan, no sul da China, surgiu o primeiro caso do novo coronavírus (COVID-19). Segundo Zhou et al. (2020), pesquisadores chineses detectaram uma doença semelhante a um tipo de pneumonia em um grupo de trabalhadores em um mercado que comercializava frutos do mar. Os pesquisadores observaram que os trabalhadores apresentavam dor de cabeça, tosse e febre.
A crise de saúde mundial relacionada à COVID-19 afetou e continua afetando as diferentes formas da vida no planeta, suscitando, de forma recorrente, a proposição de ações e de novos estudos e pesquisas nas diversas áreas do conhecimento nas dimensões humanas, sociais, ambientais, políticas e econômicas. Entre as preocupações mais evidentes está o conhecimento sobre os impactos familiares e emocionais durante o período da pandemia. Assim, a proposição de atividades relacionais, no contexto familiar de maneira conjunta com as crianças, pode ser uma estratégia promissora para a redução desses impactos na sociedade.
Durante a pandemia, observou-se, em escala mundial, um aumento significativo relacionado ao uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) que certamente, independentemente da extinção da crise, é algo que se perpetuará tanto em empresas como no contexto familiar. A educação digital é algo premente, principalmente quando se leva em consideração o uso das tecnologias na infância. É papel dos professores, assim como da família, orientar e acompanhar o uso dos dispositivos eletrônicos pelas crianças, devendo ser conciliado às práticas pedagógicas e ao cotidiano da família (Patzlaff, 2015).
O acompanhamento familiar durante o uso das TICs é de extrema importância, pois a rede e os sistemas permitem a circulação de informações e de dados que necessitam ser selecionados, antes de serem utilizados e apropriados pelas crianças. O processo de desenvolvimento infantil é baseado, entre outros aspectos, nas referências cotidianas escolares e familiares. A dinâmica de desenvolvimento é dotada de inúmeros processos de mudanças que precisam ser orientados e acompanhados pela família, já que as transformações significativas, durante a infância, ocorrem a partir das experiências e dos modelos de comportamentos disseminados no contexto familiar (Rinaldini, Ruiz & Dias, 2012).
O estudo utilizou um recurso extremamente importante, quando se trata do contexto infantil, o desenho, que expressa e representa os pensamentos, os sentimentos e a visão de mundo da criança e é essencial para o entendimento e a comunicação para com ela (Meredieu, 1999). O desenho é exercício da inteligência humana. Com isso, além da forma visual em que a criança concretiza seu imaginário, é também uma importante ferramenta de expressão e representação da realidade, através da integração da percepção, investigação e reflexão. Essas afirmações podem ser notadas na leitura de desenhos infantis, quando avaliados por profissionais que permitem compreender as relações existentes nas situações infantis, pois seu trabalho abrange dados reais e específicos. O mundo real é construído e apropriado por elas observando, imitando pessoas ao seu redor, imaginando, representando e desenhando, crescendo, assim, a sua assimilação da realidade.
Analisando os processos de produção dos desenhos como representação infantil em relação às faixas etárias, o filósofo Luquet (1969) baseou seus estudos nos desenhos de sua filha, publicados em seu livro O Desenho Infantil. No livro, o autor evidencia quatro estágios do desenho infantil: o realismo fortuito (2 anos), o realismo fracassado (3 a 4 anos), os sucessos parciais (4 anos) e o realismo intelectual (4 aos 10 – 12 anos). O estágio do realismo fortuito é o estágio que dá fim à era do rabisco. Linhas e objetos surgem, sendo esses que se destacam em seu cotidiano, podendo, assim, nomeá-los fazendo associações ou até mesmo do seu imaginário. Após o entendimento das formas, entra, então, o estágio do realismo fracassado, em que a criança entende a forma real do objeto e procura produzir de forma correta, buscando a identidade visual real. Com isso, surge a fase do fracasso e sucesso parciais em que, em alguns momentos, a criança obtém sucessos em seus desenhos, mas também um fracasso em sua reprodução. Por fim, o estágio do realismo intelectual é a fase em que a criança já adquiriu e vem adquirindo conhecimento do que vê e, ao reproduzir, desenha não somente aquilo que ela vê, mas sim aquilo que ela sabe e conhece.
Os achados de Lowenfeld (1977) corroboram com os estudos anteriores sobre o desenho infantil, destacando que a criança transfere sua experiência baseada na sua interpretação pessoal. Portanto, o desenho fornece-lhe registros das coisas importantes para ela, pois, durante a confecção dos desenhos e registros visuais, “[…] a criança transmite sua experiência subjetiva do que é importante para ela no ato de desenhar; unicamente demonstra o que se encontra de forma ativa em sua mente” (Lowenfeld, 1977, p. 31).
De acordo com Winnicott (1984), as percepções, os desejos, os sentimentos e o mundo infantil podem ser conhecidos pelos adultos ao se observar os desenhos produzidos pelas crianças, sendo considerado como um recurso capaz de representar a “fala” infantil, revelando as histórias, os sonhos e as situações vividas ou identificadas pelas crianças (Meredieu, 1999).
A pesquisa apresentou como objetivo estimular a produção infantil de brinquedos, junto aos familiares, a partir de materiais recicláveis, no contexto da Educação Ambiental, com a produção de desenhos de brinquedos e utilizando o celular para os registros das fotografias.
Os contextos familiares durante a pandemia
A forma como a Organização Mundial da Saúde (OMS) tratou e orientou a população mundial sobre a COVD-19 dimensiona a situação de alerta para a humanidade, que, afetada pela crise, enfrenta dificuldades em vários aspectos. Diante da gravidade da situação, ações e comportamentos anódinos não conseguem dirimir os problemas que assolam os contextos sociais e cotidianos familiares.
Uma das indicações da OMS em 2020, frente à crise, foi o isolamento social, causando um impacto não apenas social, mas, principalmente, emocional para as famílias e as crianças (World Health Organization, 2020).
Nesse contexto, são necessárias ações multidisciplinares em todos os níveis da educação básica, requerendo uma atenção das instituições educacionais a nível municipal, estadual e federal. Vários tipos de violência emocional e física contra a criança podem ser detectados, e a pandemia poderá agravar essa situação em função dos problemas de ordem econômica, social e emocional gerados pela crise. Várias medidas foram definidas pela OMS e pelo governo brasileiro, como o isolamento social e — nesta esteira de desafios — a interrupção das aulas presenciais nas escolas, passando-se a um contexto de trabalho e ensino remoto, que contribuiu, em alguns casos, para o aumento das tensões domiciliares.
Zanotto, Sommerhalder e Pentini (2021) realizaram uma pesquisa relacionada à convivência familiar, com crianças, durante a pandemia de COVID-19. Os resultados demonstraram que o cotidiano familiar sofreu uma reestruturação em função da pandemia e que essa mudança, introduzida pelos adultos, favoreceu a criação de novas formas de educação, ocorrendo uma ampliação do sentimento de proximidade junto aos filhos. O estudo ressalta que essa alteração para uma nova estruturação de comportamento entre os adultos e as crianças ocorreu para além do cumprimento da rotina relacionada às atividades escolares.
Ampliando a discussão do estudo citado anteriormente, pode-se afirmar que, de certa forma em alguns domicílios, a pandemia favoreceu uma aproximação entre adultos e crianças, entretanto, em outros, provavelmente em função dos problemas e desafios estabelecidos pela COVID-19, o contexto do cotidiano domiciliar foi cercado por tensões e estresse.
Nesse sentido, ocorreu uma preocupação diante da possibilidade de um aumento da violência infantil devido ao isolamento social, provocado pelo novo coronavírus, considerando que, embora as residências sejam caracterizadas como espaços de proteção, segurança e cuidado infantil, possam ser identificadas, no contexto da pandemia, também como ambientes de violência doméstica.
Um estudo desenvolvido por Platt, Guedert e Coelho (2021) — baseado em dados sobre a violência doméstica infanto-juvenil relacionada às notificações compulsórias de violências interpessoais disponibilizadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Estado de Santa Catarina — indicou que, durante a fase de confinamento, uma atenção redobrada deve ser indicada diante das possibilidades e das situações de violência às crianças geradas no ambiente domiciliar.
Segundo Teixeira, Batista e Farias (2021), a pandemia produziu algumas mudanças nas relações e nos padrões de convívio familiar em integrantes que passaram a conviver com o medo e a ameaça de contágio. Essa realidade alterou de forma significativa o cotidiano das famílias, e as consequências e os impactos produzidos são diversificados.
Nesse cenário, foram observados problemas e dificuldades de ordem econômica, social, emocional e relacional nas diferentes regiões do país. Marques, Moraes, Hasselmann, Deslandes e Reichenheim (2020) afirmam que:
No nível relacional, destaca-se a sobrecarga de trabalho, o estresse dos pais devido às múltiplas tarefas e ao momento que estamos vivendo. As crianças e adolescentes também podem ficar mais irritadiças pelas restrições de mobilidade e pela falta dos colegas, acarretando comportamentos agressivos ou de desobediência. Ademais, o aumento do tempo de convivência, bem como o aumento das tensões nas relações interpessoais, são fatores que podem tornar mais frequentes os episódios de violência contra criança e adolescente neste período. No nível individual, identifica-se a importância de doenças mentais preexistentes e sua possibilidade de agravamento, o que pode diminuir a capacidade de lidar com conflitos e reduzir a supervisão parental. (p. 3)
Destarte, promover ações e atividades lúdicas que possam aproximar e fortalecer a relação e os vínculos familiares é algo atemporal e, hodiernamente, excepcional, principalmente frente aos desafios impostos pela pandemia.
Acompanhamento e orientação infantil: o uso das tecnologias e os desafios para além da pandemia
Com o início do ensino remoto e emergencial, em função da pandemia da COVID-19, as TICs tornaram-se um dos recursos mais utilizados no planeta, praticamente presentes no dia a dia de todos. O contexto de pandemia exigiu uma reestruturação da humanidade frente aos ambientes sociais, educacionais, econômicos e, principalmente, familiares. Segundo Almeida (2004), “a inserção das TICs na educação oportuniza romper com as paredes da sala de aula e da escola, integrando-a à comunidade que a cerca, à sociedade da informação e a outros espaços produtores de conhecimento” (p. 8).
Barbosa, Borges, Ferreira e Santos (2014) e Almeida (2004) apontam sobre a importância da integração de recursos tecnológicos, mais precisamente desde a educação infantil, considerando que os dispositivos eletrônicos podem promover uma melhoria da qualidade de vida, desde que bem utilizados.
As famílias, assim como as instituições escolares, devem fazer uso das tecnologias, e o celular pode ser considerado como uma ferramenta pedagógica promissora no contexto das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), contanto que as crianças sejam bem orientadas. A crise da COVID-19 resultou em um uso mais frequente e intenso das tecnologias, portanto adultos e crianças passaram a utilizar o celular, entre outros dispositivos, de forma mais recorrente. As famílias, assim como as instituições escolares, são responsáveis pelas orientações, pelo acompanhamento e pela educação das crianças. Nesse mesmo sentido, considerando a utilização desse recurso eletrônico, principalmente durante o ensino remoto no contexto de pandemia e o número de pesquisas realizadas abordando esse tema — tido ainda como incipiente —, o presente estudo poderá contribuir para a produção do conhecimento diante dos desafios familiares impostos pela COVID-19.
A ampliação do uso das TICs, mundialmente, foi um comportamento observado em grande escala durante a pandemia e que, independentemente da extinção da crise, é algo que se perpetuará tanto nas empresas como no contexto familiar. A educação digital é algo premente, principalmente quando se considera o uso das tecnologias na infância. É papel dos professores, assim como da família, orientar e acompanhar o uso pelas crianças dos dispositivos eletrônicos, devendo a utilização ser conciliada com as práticas pedagógicas e com o cotidiano da família (Patzlaff, 2015).
Pode-se afirmar que é de extrema importância um acompanhamento infantil durante o uso das TICs, pois a rede e os sistemas permitem a circulação de informações e de dados que necessitam ser selecionados antes de serem utilizados e apropriados pelas crianças. O processo de desenvolvimento infantil é baseado, entre outros aspectos, nas referências cotidianas escolares e familiares. A dinâmica de desenvolvimento é dotada de inúmeros processos de mudanças que precisam ser orientados e acompanhados pela família, já que as transformações significativas, durante a infância, ocorrem a partir das experiências e dos modelos de comportamentos disseminados no contexto familiar (Rinaldini, Ruiz & Dias 2012).
O uso intensivo e exagerado da internet, por parte das crianças e adolescentes, é um problema que atinge de um modo geral grande parte das famílias. Especificamente em relação à pandemia, Deslandes e Coutinho (2020) desenvolveram um estudo sobre os impactos do isolamento social, em função da pandemia da COVID-19, relacionado ao uso intensivo da internet entre crianças e adolescentes. O trabalho apontou sobre os riscos do uso extremo da internet, principalmente durante um período de isolamento social.
Nesse mesmo contexto da crise imposta pela COVID-19, em relação ao isolamento, estudos indicam uma maior atenção durante a fase de isolamento ao se considerar os casos de violência infanto-juvenil (Platt, Guedert & Coelho, 2021). Realizando uma reflexão sobre o presente estudo, é possível que, em alguma medida, este contribua com a promoção de ambientes mais lúdicos, podendo favorecer a criação de momentos mais alegres e descontraídos no contexto familiar.
O trabalho utilizou um recurso baseado nas representações, extremamente importante quando se trata do contexto infantil, que é o desenho como forma de representação sobre as percepções infantis, permitindo o uso da linguagem simbólica e expressiva. Por meio do desenho, a criança é capaz de comunicar-se e expressar seus desejos, sonhos e situações as quais, muitas vezes, elas não têm consciência e/ou não conseguem verbalizar (Hammer, 1981).
Sem dúvida o uso da tecnologia, hodiernamente, pode ser considerado como algo fundamental aos ambientes de trabalho e ensino, onde o uso dos dispositivos eletrônicos desperta, na infância, a curiosidade, requerendo, desta forma, uma orientação e um acompanhamento das famílias e das escolas. Sobre a curiosidade infantil, Bieging, Bussarello, Ribas e Oliveira (2013) afirmam que “a curiosidade natural própria da infância as motiva a relacionarem com as novas mídias, a explorarem as suas possibilidades, a brincarem e descobrirem conteúdos com os quais reforçam o acesso ao mundo que querem conhecer e dominar” (p. 164).
Observar e compreender o desenho “reorienta a visão que se tem das produções infantis, as quais hoje podem ser ressignificadas, incluindo os avanços teóricos do ensino da arte e da educação” (Iavelberg, 2006, p. 26).
O estudo visou promover atividades infantis e familiares relacionadas à construção de brinquedos sustentáveis e a produção de desenhos, a fim de favorecer relações de atenção e cuidado, durante o isolamento social, visto que oportunizar a criação de ambientes domiciliares mais lúdicos e acolhedores poderá contribuir para a criação de vínculos, entre outros aspectos, diante da crise vivida pela humanidade.
A pesquisa propôs a livre expressão infantil por meio da produção de brinquedos e desenhos relacionados à Educação Ambiental, podendo ser indicada como sugestão de atividade domiciliar para o fortalecimento de vínculos familiares.
Metodologia
A pesquisa foi baseada em uma investigação empírica, como um estudo qualitativo, pautada por um fenômeno contemporâneo relacionado à vida cotidiana, de acordo com Yin (2005), em consonância com as atividades “Meu brinquedo: construir e brincar” e “Meu brinquedo e meu desenho”. A pesquisa é caracterizada como uma pesquisa qualitativa e interpretativa, de acordo com André (1995), Bauer e Gaskell (2002) e Denzin e Lincoln (2006).
O trabalho utilizou as produções das crianças participantes no estudo (como os registros fotográficos dos brinquedos sustentáveis construídos e os desenhos de seus respectivos brinquedos) como indicadores relacionados às percepções, crenças, aos valores, fenômenos e hábitos dos participantes (Denzin & Lincoln, 2006; Gil, 2008; Lakatos & Marconi, 1993; Lüdke & André, 1986; Minayo, 1993). O trabalho é caracterizado também como um estudo interpretativo, de acordo com Bauer e Gaskell (2002), assim como os estudos de André (1995).
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. (Bondía, 2002, p. 21)
Segundo o texto anterior (Bondía, 2002), a experiência pode ser entendida como algo que de algum modo registra sua “marca” na vivência, além da oportunidade de experimentá-las.
O estudo foi realizado em duas turmas de Educação Infantil de uma escola pública de Brasília/DF. O número total de participantes na pesquisa foi de 14 participantes, distribuídos da seguinte forma: 9 crianças da turma A e 5 crianças da turma B. Foram construídos brinquedos — como forma de lidar com as restrições e os afastamentos decorrentes da pandemia tanto de natureza quanto da família —, a partir de materiais e resíduos sólidos. Foram produzidos desenhos como representações das percepções infantis no que tange às relações. É válido ressaltar que a pesquisa conta com a autorização do Comitê de Ética CEP/FS/UnB. O projeto foi apresentado aos familiares, e aqueles responsáveis que apresentaram interesse em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) para autorização quanto à participação da criança na pesquisa. Também foi solicitada a assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), por parte da criança, que assinou ou inseriu a digital, no caso de concordância.
Procedimentos
Inicialmente, foi realizada uma pesquisa bibliográfica para fundamentação e atualização teórica e metodológica da pesquisa. Posteriormente, foi realizada uma apresentação do projeto aos gestores da escola. O contato com as famílias foi realizado de forma remota, como medida de segurança em decorrência da pandemia.
Após a obtenção dos termos de consentimento (responsáveis) e assentimento (crianças), a pesquisa foi realizada.
Atividades desenvolvidas:
Desenvolvimento das atividades
Atividade A – “Meu brinquedo: construir e brincar”: seleção de resíduos sólidos, como caixas de papelão, recipientes plásticos, tampinhas, garrafa PET e outros, para a construção do brinquedo. As crianças, após a construção do brinquedo, fizeram o registro fotográfico, usando um celular.
Atividade B – “Meu brinquedo e meu desenho”: as atividades foram direcionadas à produção de desenhos dos brinquedos criados pelas crianças, que foram registrados pelas crianças autoras, utilizando um aparelho celular.
Inicialmente, a proposição do estudo para coleta de dados foi baseada no compromisso assumido pelos pais de participarem junto com as crianças da produção dos brinquedos e dos desenhos e de encaminharem os registros fotográficos, realizados pelas crianças, às professoras e, na sequência, às pesquisadoras. Entretanto, em função da crise relacionada à pandemia, algumas alterações nos procedimentos relativos aos registros fotográficos infantis foram necessárias, ou seja, os registros foram realizados pelas crianças na instituição escolar, com observação das pesquisadoras.
Foram realizadas observações, durante as atividades, utilizando-se um diário de campo.
De acordo com as orientações da escola, as famílias foram contatadas de forma remota, por segurança, em decorrência da pandemia da COVID-19. No início do mês de outubro, foi enviado, por meio dos grupos de WhatsApp de ambas as salas participantes, um vídeo explicativo acompanhado de uma mensagem de texto explicativa, assim como os termos (TCLE e TALE) para assinaturas. As professoras das turmas também se dispuseram a esclarecer e fornecer informações sobre o projeto e as atividades.
Resultados
A pandemia impactou a sociedade e as instituições e, como não poderia ser diferente, acabou interferindo nas atividades propostas pelo projeto, requerendo algumas alterações em relação à participação dos familiares na pesquisa.
Inicialmente, do total de crianças das duas turmas participantes, somente uma família enviou digitalmente os termos assinados. Diante dessa situação, optou-se por um contato direto com os familiares, a fim de obter as assinaturas de forma presencial, após a aula. Entretanto, como algumas crianças utilizavam transporte escolar, isso acabou dificultando o contato direto com os responsáveis. Nesse mesmo contexto, algumas crianças não haviam retornado às aulas e às atividades presenciais na escola. Em função das dificuldades de contato e de retorno dos pais em relação aos registros das produções das crianças, foi decidida uma intervenção adicional de uma semana com a disponibilização de aparelhos celulares e de materiais para a produção dos brinquedos e dos desenhos no espaço escolar.
Participaram do estudo duas turmas, A e B, e cada turma foi distribuída em 2 grupos (1 e 2), em função do retorno às aulas presenciais durante a pandemia e da indicação de um retorno gradual das aulas presenciais. As crianças demonstraram bastante interesse em montar seu próprio brinquedo, além de demonstrarem um conhecimento a respeito dos materiais recicláveis. Foram criados dois brinquedos pelos grupos participantes, ou seja, pelos grupos 1 e 2, da turma A e B, respectivamente.
Durante a primeira semana, não ocorreu o envio dos registros fotográficos dos brinquedos e dos desenhos das crianças pelas famílias. Na segunda semana, apenas as produções de duas crianças foram enviadas e, na última semana, doze crianças produziram os registros dos brinquedos e desenhos. Na última etapa da pesquisa, ocorreu um maior número de registros, provavelmente por terem sido produzidos em sala de aula e com as crianças utilizando os aparelhos celulares disponibilizados pelas pesquisadoras.
Os desenhos foram produzidos em sala, assim como os registros fotográficos dos brinquedos criados pelas próprias crianças. Para fotografar, as crianças utilizaram aparelhos celulares sem nenhuma intervenção dos adultos. As últimas atividades foram realizadas no mês de dezembro, já com a turma frequentando, em sua totalidade, o ensino presencial.
Durante as atividades, a maioria das crianças demonstrou conhecimento prévio quanto à utilização do aparelho celular para fotografar seus brinquedos e desenhos. Além disso, foi possível observar uma atenção e um cuidado das crianças durante o registro das produções.
Os momentos de construção dos brinquedos e desenhos visaram proporcionar às crianças um ambiente criativo, para que pudessem elaborar um brinquedo compatível com seus desejos e conhecimentos, além de introduzi-las ludicamente às questões ambientais e sociais. Após a produção do brinquedo, as crianças desenharam e fizeram o registro fotográfico dos brinquedos e desenhos.
Embora na etapa final, de intervenções do projeto, todas as crianças já tivessem retornado às aulas presenciais, diante do retorno tardio e da baixa adesão à volta às aulas presenciais, não foi possível contemplar um número maior de participantes no estudo, considerando o cumprimento de todas as etapas requeridas na pesquisa.
Discussão: os resultados do estudo, os impactos da COVID-19 e as possibilidades da criação de vínculos familiares
No contexto de insegurança e ameaça à vida diante de um quadro de pandemia, as perspectivas e a estabilidade da humanidade são ameaçadas. A situação mundial, relacionada ao novo coronavírus, causou impactos sociais, econômicos e, principalmente, emocionais para adultos e crianças. O isolamento social infantil, em princípio, exigiu das famílias estratégias para manter a criança em casa, assim como o acompanhamento de atividades durante o ensino remoto.
De um modo geral, há vários estudos e artigos publicados relacionados à Educação Ambiental nas escolas, entretanto é necessário um número mais significativo de produções em relação à participação familiar junto às crianças, principalmente considerando a situação excepcional vivida atualmente, relacionada à pandemia. Nesse sentido, a proposição de estudos sobre essa questão poderá contribuir para minimizar as dificuldades familiares por meio do fortalecimento das relações, contribuindo para a superação de alguns problemas que possam ser anteriores e/ou atuais, devido à pandemia.
As consequências da pandemia ocorrem de forma diversificada em função da realidade e dos contextos observados. A pesquisa realizada também foi impactada pela COVID-19, pois, como relatado anteriormente, na primeira semana do estudo, somente uma família entregou os termos devidamente assinados. O valor do presente estudo é determinado e legitimado por meio da obtenção de informações para o conhecimento sobre como as famílias enfrentaram a situação de pandemia. Especificamente no que tange ao projeto, as famílias não conseguiram participar e acompanhar as atividades de produção dos brinquedos e dos desenhos junto às crianças, mesmo considerando as atividades propostas como importantes à formação infantil.
A pandemia trouxe consequências com as quais as formas de vida no planeta foram e serão impactadas ao longo dos anos, exigindo novas formas de pensar o viver no mundo. Diante das incertezas, é necessário adquirir novos aprendizados e conhecimentos, a fim de trazer à mesa de discussões sobre a vida os seus processos de inter-relação e de afetação mútua, produzindo novos significados coletivamente. A Educação Ambiental é um tema necessário e fundamental à formação humana e a inserção não apenas na escola, mas nas instituições familiares, poderá despertar e fomentar uma reflexão-crítica e uma ação participativa desde a infância (Guerra et al., 2020). A proposição de atividades que envolvam a produção de brinquedo, baseadas em materiais recicláveis e desenhos, pode ser considerada como forma de comunicação, pois a criança, ao construir o seu brinquedo, imprime, durante o processo de construção, sua percepção tridimensional sobre o objeto. O desenho também é considerado como uma forma de representação humana, historicamente identificado desde os primórdios da humanidade (Corseuil, 2010).
Prosseguindo com a discussão sobre os impactos da crise no ambiente familiar, relacionada ao contexto de pandemia, a violência domiciliar, segundo alguns estudos, aumentou durante a crise pandêmica. De acordo com Soares et al. (2021), a violência doméstica consiste no ato ou na omissão que cause algum prejuízo físico ou psicológico gerado pelo cuidador da criança. Estima-se que, durante a pandemia, houve o crescimento de até 50% nos abusos infantis, apresentando como causas o fechamento das escolas, os impactos econômicos, a sobrecarga parental e as alterações emocionais, identificadas tanto nos cuidadores quanto nas crianças.
A pesquisa acima corrobora com os argumentos expostos por Marques, Moraes, Hasselmann, Deslandes e Reichenheim (2020) no que se refere a uma possível sobrecarga parental que culmina em dificuldades no cumprimento de solicitações externas relativas às crianças.
Destarte, pelos resultados apresentados no presente estudo, frente à ausência de participação dos familiares junto às crianças durante as atividades propostas e pelos problemas familiares verificados e apontados pelas pesquisas durante o enfrentamento da COVID-19, nunca foi tão premente a necessidade de fortalecimento de vínculos familiares durante uma pandemia.
As pesquisas e as bases teóricas apresentadas neste estudo também corroboram com os trabalhos de Luquet (1969) no que se refere ao valor e às observações sobre o uso do desenho, ratificando a necessidade de investigar-se ainda mais a produção do desenho infantil, sendo considerado um recurso que pode favorecer uma interação familiar e social desde a infância.
Durante a coleta de dados desta pesquisa, foi notável o engajamento das crianças em todos os momentos, desde a atenção à explicação, a concentração e o empenho na produção de seu próprio brinquedo, a inspiração e a dedicação nas representações, até o momento de registrar fotograficamente, utilizando um aparelho celular.
Diversos autores relatam as dificuldades enfrentadas por populações no mundo todo durante a pandemia, como perda de parentes e pessoas próximas e queridas, dificuldades financeiras, demissão de empregos, residências pequenas para famílias muito grandes, dificuldade de comunicação com a escola, baixo conhecimento e pouco ou nenhum acesso às tecnologias, além de transtornos emocionais e mentais (Medeiros, Pereira & Silva, 2020; Pequito et al., 2020). Com isso, toda a comunidade escolar, inclusive a família, deve valorizar esses momentos criativos em que as crianças se expressam por meio do desenho, que reflete seus desejos, sonhos e as situações as quais, muitas vezes, elas não têm consciência e/ou não conseguem verbalizar.
A expressão infantil, por meio do desenho, é uma forma de as crianças relacionaremse com seus cotidianos e suas realidades ao se expressarem, favorecendo, como linguagem simbólica, o conhecimento e o acesso às percepções e aos sentimentos da criança. No que se refere às atividades domiciliares, estabelecer uma rotina familiar para alimentação, estudos e lazer é uma boa estratégia, pois poderá, além de favorecer a organização familiar, promover um sentimento de maior segurança e conforto infantil.
Conclusão
As dificuldades geradas pela COVID-19 foram impactantes para muitas famílias que se viram desafiadas a criar uma dinâmica familiar específica para o contexto de pandemia. Considera-se que os impactos verificados, durante a execução do estudo, refletiram a realidade cotidiana das famílias, diante dos desafios e dos problemas enfrentados, e que a relação familiar salutar é imprescindível ao crescimento e ao desenvolvimento infantil. Para isso, é necessária uma convivência harmoniosa entre as crianças e os responsáveis, a fim de que as tensões e o estresse, produzidos durante o convívio diário, sejam minimizados.
A proposição de atividades com as crianças relacionadas à construção de brinquedos reciclados é uma opção de prática familiar que pode ser considerada interessante, favorecendo a criação de vínculos familiares.
Durante o estudo, foi verificada uma dificuldade de participação familiar na realização das atividades, que pode ter sido provocada pelos impactos e pelas alterações na rotina familiar desencadeadas pela pandemia (Soares et al., 2021).
O engajamento e o acompanhamento das famílias, durante as atividades infantis, são fundamentais para a criação e a efetivação de vínculos afetivos com as crianças. Conclui-se que a proposição de atividades relacionadas à produção de brinquedos e desenhos, aliada ao uso das tecnologias, quando bem orientadas, podem ser sugestões de atividades atemporais para a criação e o fortalecimento de vínculos familiares.