INTRODUÇÃO
Falar sobre espiritualidade ainda é novidade para muitos profissionais de saúde, até porque os bancos de dados nacionais e internacionais contêm uma gama de pesquisas que atribuem conceitos diferentes à espiritualidade, o que dificulta seu entendimento1.
Espiritualidade pode ser entendida como a busca pessoal pelo entendimento de respostas a questões sobre a vida, seu significado e relações com o sagrado e transcendente, que pode ou não estar relacionada a propostas de determinada religião2.
Na atualidade, ao tratar de saúde, a OMS3 ratifica a importância da espiritualidade ao referir que o profissional de saúde deve observar os pacientes e seus familiares em quatro aspectos: físico, psíquico, social e espiritual.
Neste contexto, a literatura traz evidências acerca da relação entre saúde e espiritualidade. Koenig12, em revisão sistemática, analisou estudos quantitativos de 1872 a 2010 que envolviam religião/espiritualidade e saúde física e mental. A revisão evidenciou uma relação direta da espiritualidade com bem-estar e felicidade, esperança, otimismo e autoestima. No âmbito da saúde mental, mostrou relação inversa com depressão, ansiedade e uso e abuso de substâncias psicoativas4.
Outra revisão sistemática que avaliou religião/espiritualidade e doenças cardiovasculares em mais de 3.200 estudos quantitativos encontrados nas maiores bases de dados, como Medline e PsycINFO, evidenciou relação inversa entre espiritualidade e hipertensão arterial sistêmica (HAS), doença arterial coronariana (DAC) e infecções pós-cirúrgicas em cirurgias cardíacas5.
Apesar deste corpo de evidências sobre a influência da espiritualidade sobre a saúde, é preciso avançar sob o ponto de vista de formação profissional sobre o tema6. Observa-se, por exemplo, que os enfermeiros entendem que faz parte das suas atribuições entender e abordar a espiritualidade dos pacientes, mas a maioria dos profissionais alega falta de treinamento específico7,8.
Neste sentido, a Association of American Medical Colleges (AAMC) elaborou o documento National Competencies in Spirituality and Health for Medical Education (NCSMD), que traça domínios e competências essenciais a serem desenvolvidos pelos estudantes sobre espiritualidade, fomentando, assim, a inclusão da temática nos currículos das escolas médicas9,10.
Da mesma forma, a Associação Americana de Enfermeiros, a Associação Americana de Faculdades de Enfermagem e a Organização Mundial da Saúde ratificam o cuidado espiritual no Escopo e Padrões de Práticas de Enfermagem oficialmente na Declaração de Política Social dos Enfermeiros, no Código de Ética das Enfermeiras, no 2008 Essentials of Baccalaureate Education e no Código de Ética do Conselho Internacional de Enfermeiros7,11.
Neste sentido, um estudo mostra que, em 2010, 40% das escolas médicas brasileiras possuíam conteúdos relacionados à espiritualidade em seus currículos e 54% dos entrevistados consideravam muito importante a abordagem desta temática nos currículos dessas escolas12.
Nesse contexto, a proposta do presente artigo é trazer analisar os programas de residência em saúde da Sesau-Recife acerca da abordagem da espiritualidade em seus conteúdos práticos e/ou teóricos.
OBJETIVOS
Analisar a abordagem de conteúdo relacionado à espiritualidade nos programas de residência da Secretaria de Saúde da cidade do Recife; descrever e analisar o conteúdo relacionado à espiritualidade abordado nos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) dos programas de residência da Secretaria de Saúde da cidade do Recife; analisar a compreensão dos residentes e preceptores em relação à abordagem do conteúdo relacionado à espiritualidade durante a formação na residência; analisar, na perspectiva dos residentes e preceptores, a relevância e necessidade da abordagem de conteúdo relacionado à espiritualidade durante a residência.
MÉTODO
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, com abordagem combinada, que envolve pesquisa documental dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) e método qualitativo por meio de entrevistas com dois preceptores e dois residentes de cada um dos oito programas de residência que preencheram os critérios de inclusão do estudo, totalizando 32 sujeitos selecionados por conveniência. Os programas são: Enfermagem em Atendimento Pré-Hospitalar, Enfermagem Obstétrica, Medicina de Família e Comunidade, Médica em Psiquiatria, Odontologia em Saúde Coletiva, Multiprofissional em Vigilância em Saúde, Multiprofissional na Rede de Atenção Psicossocial e Multiprofissional em Saúde Coletiva.
Para a análise documental foi estruturado um roteiro de análise documental e para as entrevistas foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada. A coleta dos dados foi realizada entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018 após a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade Pernambucana de Saúde, sob o Parecer no 2.136.503. Os sujeitos que aceitaram participar do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que continha todos os dados relevantes da pesquisa. Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas por meio da análise de conteúdo, tal como proposto por Minayo.
Foram seguidos os preceitos das Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, visando à preservação dos quatro referenciais da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análise dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP)
Os PPP são considerados projetos porque trazem a ideia de futuro a partir do presente, o projetar; são políticos porque levam a uma direção, a um objetivo final; e são pedagógicos porque se baseiam na construção coletiva com todos os envolvidos no processo da instituição, levando a práticas sociais emancipatórias, com a formação de um sujeito social crítico, solidário, compromissado, criativo e participativo. Devem englobar todas as dimensões da vida na instituição: infraestrutura física e equipamentos (salas, equipamentos e aspectos financeiros); organização e gestão da prática pedagógica (como avaliação); gestão democrática da escola (como democratização das informações); formação e condições de trabalho dos professores (como carga horária específica e corpo docente qualificado) e ações de apoio aos estudantes (como acesso aos equipamentos da instituição para sua formação)13,14.
Neste sentido, a análise documental dos oito programas de residência incluídos neste estudo demonstrou que apenas o Programa de Enfermagem em Atendimento Pré-Hospitalar possui um documento oficial nos moldes de um PPP.
O programa não inclui a temática “espiritualidade” de forma direta, porém na descrição do PPP podemos ver possibilidades para a sua abordagem.
O perfil do egresso descreve que o profissional deve ser habilitado em uma visão holística, o que nos remete à visão integral que o profissional deve ter a respeito dos usuários do sistema. Sendo uma dimensão de cada ser humano, a espiritualidade certamente faz parte da abordagem integral15. Esse perfil também descreve que o profissional deve aprender a refletir, a discutir a prática de saúde baseada em evidências utilizando protocolos e diretrizes, sem desconsiderar o cenário loco-regional. A literatura traz várias evidências da influência da espiritualidade na saúde do indivíduo4,5.
Os objetivos gerais do curso incluem: formar enfermeiros especialistas na área de concentração, com visão humanista, reflexiva e crítica, qualificados para atuar no atendimento integral ao paciente. Este objetivo mostra claramente a necessidade de humanização. Desta forma, abordar espiritualidade também leva à humanização, visto que ela se revela pelo amor, pela sensibilidade, pela compaixão, pela escuta do outro, pela responsabilidade e pelo cuidado como atitude fundamental15.
Em relação às entrevistas, dos 32 sujeitos entrevistados, a maioria é do sexo feminino, solteira, sem filhos, com média de 33 anos de idade, renda média de R$ 6.171,00 e a maioria declarando ter religião e ser da religião católica.
As falas foram divididas em cinco temas: Conceitos, Espiritualidade Baseada em Evidências, Espiritualidade e Cuidado, Espiritualidade e Finitude, e Espiritualidade e Formação.
A categoria Conceitos foi subdividida em duas subcategorias: (a) espiritualidade, religião, religiosidade e Deus; (b) espiritualidade, transcendência e fé.
Na subcategoria espiritualidade, religião, religiosidade e Deus, destacam-se as seguintes falas:
Espiritualidade para mim é, a questão da religião... independentemente de você seguir uma religião ou não, mas você seguir, vamos dizer assim, conceitos corretos. (R2)
é o meu relacionamento com Deus, espiritualidade (R5)
Falar sobre espiritualidade ainda é novidade para muitos. Os bancos de dados nacionais e internacionais contêm uma gama de pesquisas que atribui conceitos diferentes à espiritualidade, dificultando o entendimento dos termos e, em alguns casos, levando à falsa interpretação de que os resultados obtidos por determinadas pesquisas podem ser estendidos a toda a população, quando na verdade são aplicáveis apenas a determinado grupo1.
Espiritualidade não é religião, religiosidade ou Deus, porém ter e praticar uma religião, assim como acreditar e buscar a Deus podem ser um caminho para a espiritualidade2,9.
As seguintes falas se enquadram em espiritualidade, transcendência e fé:
Espiritualidade eu entendo como a parte da fé que a pessoa tem em acreditar. (P13)
espiritualidade é um estado de conexão com algo que é, que vai além do físico e do corpo, da mente, que é um estado de transcendência mesmo. Onde expansão de consciência é algo muito maior, que não é muito desse mundo material. (P8)
É interessante destacar nestas falas que os entrevistados usam termos como expansão da consciência, algo além, transcendência e fé para definir espiritualidade. Apesar de não conhecerem de fato o conceito, os entrevistados se aproximam dele:
Espiritualidade é uma busca pessoal pelo entendimento de respostas a questões sobre a vida, seu significado e relações com o sagrado e transcendente, que pode ou não estar relacionada a propostas de determinada religião2, assim como pode ser expressa mediante a participação de grupos religiosos que possuem algo em comum, como fé em Deus, naturalismo, humanismo, família e arte16.
A categoria Espiritualidade Baseada em Evidências foi subdividida em duas subcategorias: (a) espiritualidade e promoção e prevenção à saúde; (b) espiritualidade e tratamento de enfermidades.
Ao tratar de espiritualidade como fator promotor e de prevenção à saúde, destacam-se as seguintes falas:
Gente com síndrome de burnout, alguns funcionários inclusive desenvolvendo síndrome do pânico, uma série de situações, eu acredito que por justamente não serem trabalhadas essas questões (espirituais). (P1)
É relevante sim (trabalhar espiritualidade) porque a gente já tem inúmeras pesquisas científicas comprovando que os pacientes com espiritualidade têm um fator de proteção contra doença mental. Quando desenvolvem a doença mental, costumam recuperar-se mais rapidamente, têm menores índices de suicídio, enfim... (R10)
Na atualidade, os estudos relacionados à espiritualidade vêm tendo um incremento em publicações relevantes em bancos de dados internacionais. Lucchetti e Lucchetti17, por exemplo, afirmam que houve um aumento de 1.547 artigos publicados anualmente em 1999 para 2.750 artigos publicados anualmente em 2013 na base Pubmed.
Ao tratar de promoção à saúde, estudos mostram que a espiritualidade tem relação direta com bem-estar, felicidade, esperança, otimismo, autoestima e melhoria da qualidade de vida, além de diminuir o hábito de fumar e o uso e abuso de substâncias psicoativas, bem como apresenta uma relação inversa com depressão, ansiedade e tentativas de suicídio4,5.
Ilustrando estes dados, em estudo com 1.154 estudantes de 13 a 19 anos no município de Olinda em Pernambuco ao avaliarem o uso de drogas ilícitas e binge drinking, Cipriano et al.18 afirmam que não ter afiliação religiosa aumentou em 37% a prevalência de usar drogas em comparação aos estudantes que informaram ter religião. Isso, de acordo com os autores, corrobora o resultado de outros estudos que tratam a religião como fator que protege contra o uso de drogas, possivelmente em razão das normas de conduta disseminadas pela maioria das religiões.
Os próximos entrevistados trazem como possibilidade a abordagem da espiritualidade no tratamento de enfermidades:
durante os momentos de prática, as pacientes costumam dizer que não vão aguentar aquele momento, que é insuportável e, assim, vários preceptores, inclusive a gente, residente, costuma abordá-las dizendo que é normal, que é fisiológico, que ela converse com Deus... (R4)
leva muito em consideração a religião como um processo terapêutico também... o paciente de saúde mental traz consigo muito discurso religioso... E aí às vezes nas intervenções a gente acaba usando a espiritualidade como terapêutico. (R7)
Estudos demonstram que espiritualidade tem relação inversa com ansiedade, depressão, uso e abuso de substâncias psicoativas, HAS, DAC e infecções pós cirúrgicas4,5.
Uma revisão sistemática com metanálise19 que investigou o impacto das intervenções em saúde e espiritualidade com base em 4.751 estudos clínicos randomizados encontrados em bancos de dados como PubMed, Scopus, Web of Science, PsycINFO, Cochrane Collaboration, Embase e SciELO evidenciou diminuição de sintomas clínicos ligados à ansiedade.
Da mesma forma, outra revisão sistemática com metanálise (Oh e Kim20) que avaliou a efetividade da intervenção espiritual biologicamente, psicologicamente e espiritualmente em um total geral de 2.522 estudos pesquisados nas bases de dados eletrônicas mostrou resultados moderados ao se intervir na espiritualidade de pacientes com depressão e ansiedade20.
A categoria Espiritualidade e Cuidado não teve subdivisão. Os entrevistados afirmaram que:
Então, eu acho que, de tudo que se citou aí, eu destacaria a questão do cuidado, a presença desse amor, esse sentido, esse fazer. (P11)
Então, acredito que sim (A importância de abordar espiritualidade), de acordo com vários aspectos desse (conceito de espiritualidade), a gente tem trazido, tanto em relação ao trato com os residentes, como ao cuidado com o ser humano, e quanto ao trato com a equipe multidisciplinar. (P2)
Todas as profissões da área da saúde têm como pressuposto básico o cuidado. Cuidar deve partir da reflexão na ação, mergulhando, assim, em todo o processo de cuidado do indivíduo, desde o pré-cuidado até a continuidade desse cuidado, o que, em última instância, favorece a singularidade desse processo21.
Esta reflexão vai ao encontro das ideias de Boff15, para quem a espiritualidade se manifesta pelo amor, pela sensibilidade, pela compaixão, pela escuta do outro, pela responsabilidade e pelo cuidado como atitude fundamental. Neste sentido, os enfermeiros, por exemplo, entendem o cuidado espiritual como parte intrínseca do cuidado em enfermagem7,8.
A categoria Espiritualidade e Finitude foi subdividida em duas subcategorias: (a) espiritualidade, morte e o morrer; (b) espiritualidade e proteção ao suicídio.
No que concerne a espiritualidade, morte e o morrer, destacam-se as seguintes falas:
As situações críticas que acontecem (risco de morte do paciente), em que a gente precisa estar lá do lado daquela pessoa e fortalecer e trazer um pouco de esperança, de discutir certas situações que acontecem e poder realmente fortalecer e ajudar o outro. (P2)
alguém que confia em Deus, que aí até quando está próximo da morte, você até tenha uma aceitação, eu acho até mais tranquilo, não você na morte, mas com sua família, com alguém familiar. Você, quando tem essa espiritualidade, você aceita mais, se conforta. (P4)
A morte é vista como algo medonho, algo inconcebível de acontecer conosco. Em caso de enfermidades graves, esse contexto se agrava, pois a pessoa perde a autonomia ao não opinar sobre o seu tratamento, feito exclusivamente pelos profissionais de saúde, com a consequente transformação do sujeito em objeto22. E estes profissionais não estão preparados para lidar com a finitude, pois são treinados para ver a morte sem alma, não levando em conta as interações subjetivas que ocorrem com os pacientes23.
Quando se trata, por exemplo, de pacientes com câncer, ficam evidentes os anseios gerados em relação à finitude, não só para os pacientes, mas também para seus familiares, pois, afinal, a doença significa uma ameaça à vida. Essa questão também afeta os profissionais de saúde, pois eles foram treinados para evitar a morte, e a “tentação tecnológica” pode surgir, induzindo-os a fragmentar o indivíduo, esquecendo de observá-lo em sua integralidade, e a não levar em consideração os anseios, sofrimentos e a espiritualidade do paciente24.
Estudar e praticar espiritualidade, além de prevenirem as consequências geradas nos profissionais de saúde que lidam com questões de morte, ainda fornecem subsídios para esses mesmos profissionais poderem estimular questões como esperança, fé, bem-estar, felicidade, otimismo e autoestima4,24.
Em relação a espiritualidade e proteção ao suicídio, destacam-se as seguintes falas:
Acredito que é um tema (espiritualidade) que precisa realmente ser mais bem abordado, mais bem trabalhado, porque nós estamos vivendo um período extremamente difícil... eu acho que cabe aqui a gente falar do aumento do número de suicídios. (P1)
Então, por exemplo, na residência de Psiquiatria a gente lida com pessoas que estão pensando em tirar a vida, pessoas que apresentam doenças que não vão melhorar, estão crônicas. O que elas precisam, muitas vezes, é falar de outros aspectos que não somente o agora. (P9)
Houve um aumento de casos de suicídio de 60% em todo o mundo nos últimos 45 anos, a ponto de atualmente o suicídio ser, em muitos países, a segunda ou terceira causa de morte dependendo da faixa etária. A cada ano, cerca de um milhão de pessoas morre devido ao suicídio, o que representa uma morte a cada 40 segundos. No Brasil, foram registrados oficialmente 8.550 suicídios em 2005 e atualmente acontecem 24 mortes por suicídio por dia, isto é, uma morte por hora25.
Os índices de suicídio têm aumentado também entre os profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, devido, entre outras causas, ao ambiente de trabalho estressante e ao envolvimento constante com situações de sofrimento e morte26.
Um recente estudo (Costa e Souza27) que investigou a vida de oito idosos que cometeram suicídio no Amazonas evidenciou, por meio de entrevistas com familiares, que as perdas, de diferentes matizes, incluindo morte de familiares, diagnóstico de doenças crônicas, afastamento do trabalho, baixa autoestima, conflitos familiares e uso de drogas psicoativas, foram consideradas as causas do desfecho. Os autores desse estudo recomendam melhor qualificação dos profissionais para abordarem diagnósticos de doenças crônicas e incuráveis, levando sempre em consideração os fatores socioculturais e psicológicos dos envolvidos, além de empoderar os idosos por meio de estratégias intersetoriais que visem a melhor resiliência ao lidar com perdas e conflitos familiares27.
Nesse contexto, estudos mostram que espiritualidade é um fator que protege contra o suicídio, por ter correlação com aqueles matizes apresentados ao proporcionar otimismo, melhor autoestima, melhor qualidade de vida, melhora de doenças crônicas e ainda diminuir a ansiedade e a depressão4,5.
A categoria Espiritualidade e Formação foi subdividida em duas subcategorias: (a) ideias preconcebidas; (b) espiritualidade na formação e integralidade.
No que concerne à existência de ideias preconcebidas acerca da espiritualidade, destacam-se:
eu vi um pouquinho na disciplina de políticas públicas... a maioria dos alunos ficou meio receosa com aquilo, tipo assim: “como assim, a professora está falando sobre espiritualidade numa disciplina que é de formação de profissionais de saúde?” (R15)
Porque algumas pessoas têm a visão da espiritualidade enquanto religião apenas, uma limitação do credo religioso. Então, sabendo que vai para além disso, talvez na abordagem ela tenha que tomar esse cuidado. (R13)
Profissionais de saúde alegam, como dificuldade para abordar espiritualidade com seus pacientes: falta de conhecimento sobre o assunto, falta de treinamento, falta de tempo, desconforto com o tema, medo de impor pontos de vista religiosos ao paciente, entendimento de que o conhecimento da religião não é relevante para o tratamento, assim como a opinião de que isso não faz parte do seu papel enquanto profissional – ideias preconcebidas, que precisam ser removidas para a vulgarização desta abordagem de forma segura28.
Um passo importante que certamente contribuiu para a quebra dos preconceitos acerca da temática “espiritualidade” foi a publicação em 1994, pela Associação Americana de Psiquiatria, do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais – Quarta Edição (DSM-IV). Esse manual incluiu “Problemas espirituais e religiosos” como instância diagnóstica, que, segundo Almeida29, foi introduzida “para direcionar a atenção clínica, justificando a avaliação de experiências religiosas e espirituais como parte constituinte da investigação psiquiátrica sem necessariamente julgá-las como psicopatológicas.”29
Outro passo importante partiu da Organização Mundial da Saúde (OMS) ao incluir em seus manuais de cuidados paliativos que o profissional de saúde deve observar os pacientes e ainda seus familiares, ao abordar dor ou outros problemas, em quatro aspectos: físico, psíquico, social e espiritual3.
Ao tratar de espiritualidade na formação e integralidade, foram coletadas as seguintes falas:
A relevância (em abordar espiritualidade) é extremamente importante porque faz a gente refletir inclusive sobre as práticas e o que é que a gente pode reabordar no conteúdo da residência no sentido de trabalhar mais esse lado espiritual, que muitas vezes é esquecido. (P3)
(Pensando em uma) residência que lida com o cuidado integral das pessoas e não vê só a doença, eu acho que a espiritualidade está em todos os momentos da nossa residência, do nosso cuidado. (P7)
A integralidade faz parte dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS. Ela surgiu a partir de concepções da saúde coletiva com a tentativa de inclusão principalmente no que concerne à atenção primária. Pode ser entendida de três formas: uma prática sanitária individual, incluindo fatores psicológicos e sociais implicados na determinação das doenças; uma forma de organização dos serviços com uma mescla da visão assistencial com a preventiva; uma prática de políticas específicas ou especiais, onde estariam ações voltadas para resolver problemas específicos em segmentos populacionais bem definidos30. Neste sentido, a espiritualidade tem espaço junto à integralidade principalmente no que se refere à prática sanitária individual, na medida em que incorpora o cuidado espiritual a este processo7.
Em relação à formação profissional em espiritualidade, percebe-se, pelas falas dos entrevistados, que é necessário investir mais. Neste contexto, a literatura mostra uma gama de possibilidades para sua abordagem: palestras, discussões em pequenos grupos, entrevistas padronizadas de pacientes, acompanhamento de capelães e leituras específicas, disciplinas optativas, extensão universitária e por meio da atuação de grupos de estudos e/ou ligas acadêmicas31.
CONCLUSÃO
Programas de residência são considerados “padrão ouro” da pós-graduação lato sensu para a formação de especialistas. Assim, devem proporcionar uma formação que inclua em seus conteúdos e práticas tudo o que for relevante para cumprir sua missão, sempre levando em conta as melhores evidências disponíveis.
Embora a literatura nacional e internacional evidencie que a espiritualidade traz benefícios à saúde dos indivíduos e por isso estimule a formação nessa temática, o presente estudo demonstrou que os programas de residência em Saúde da Secretaria de Saúde do Recife não o fazem, ao menos de forma oficial.
Muitos dos entrevistados abordam preceitos de espiritualidade com os pacientes, porém sem associar a prática ao conceito. Pode-se destacar neste ponto o cuidado, a empatia, o respeito e o estímulo à busca por significado e propósito para a vida. É importante destacar que, ao conhecerem o significado de espiritualidade durante o estudo, os entrevistados reconheceram a relevância e a necessidade da abordagem desse conteúdo nos programas, como também mostraram interesse na capacitação do tema para sua própria qualificação.
Desta forma, após a análise de todos os dados contidos neste trabalho, com a convicção da necessidade de formação em espiritualidade tanto para preceptores como para residentes, os autores sugerem a inclusão da espiritualidade nos conteúdos e práticas dos programas de residência em saúde.