Neste artigo, apresenta-se uma resenha do livro Theory of Addiction (Second Edition)1, dos autores Robert West e Jamie Brown, ambos do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da University College London, Inglaterra. O livro foi publicado em 2013 pela Editora Wiley Blackwell, como parte de uma série intitulada Addiction Press, composta também por outros sete livros que abordam diferentes aspectos relativos à dependência de substâncias psicoativas.
Esse livro é consanguíneo de duas outras obras que também foram alvos de resenhas realizadas pelo presente autor e publicadas em edições anteriores da RBEM2,3, compondo-se assim uma trilogia de resenhas irmãs que visam comunicar sobre Teorias de Mudança de Comportamento (TMC) e apresentar uma opção de arcabouço teórico para fundamentar estudos e intervenções que envolvam comportamentos relacionados à educação médica.
Theory of Addiction (Second Edition) contém nove capítulos que trazem updates com relação à primeira edição, publicada em 2005. As maiores novidades são: (i) a descrição atualizada da TMC PRIME Theory, cujo principal constructo é a motivação (de um indivíduo ou população para mudar determinado comportamento); (ii) a avaliação desta TMC à luz da evidência acumulada; (iii) seu posicionamento em um sistema mais amplo, chamado Capability, Oportunity, Motivation – Behaviour (COM-B) System, cujos constructos envolvem, além da motivação, a capacidade e a oportunidade para mudar algum comportamento-alvo1,4.
Os autores afirmam que a PRIME pode ser útil para embasar estudos e intervenções visando a mudanças de comportamentos diversos, não se restringindo aos comportamentos aditivos1. Assim, esta TMC, bem como o sistema COM-B1-4, pode ser aplicada, por exemplo, em comportamentos-alvo na educação médica, alguns dos quais foram descritos e discutidos anteriormente2,5.
A PRIME postula que, em cada momento de suas vidas, as pessoas agem em busca daquilo que mais desejam e/ou precisam (motivação). PRIME é o acrônimo para Plans, Responses, Impulses, Motives and Evaluations, o que representa, de acordo com os seus autores, o “sistema motivacional humano” (SMH), que envolve um ambiente interno (mental) e outro externo (estímulos, informações, influências)1. A estrutura do SMH na PRIME pode ser visualizada na Figura 1, enquanto a representação esquemática do sistema COM-B está na Figura 2.
Tomemos o problema da resistência de docentes em cursos na área de saúde em utilizar novas e diversificadas metodologias de ensino-aprendizagem (persistência numa prática docente influenciada pelo modelo flexneriano)5. Um estudo (ou uma intervenção) embasado na PRIME a fim de diagnosticar (ou mudar) este comportamento numa população de docentes deve levar em conta três dimensões: (i) o desejo do docente de mudar; (ii) sua intenção de mudar; (iii) sua crença acerca dos benefícios que tal mudança pode acarretar1.
Para realizar tal estudo e gerar uma base empírica acerca da motivação do docente, poderíamos perguntar: (i) Desejo: A ideia de utilizar novas e diversificadas metodologias de ensino-aprendizagem faz você se sentir bem?; (ii) Intenção: No próximo ano letivo, você pretende utilizar métodos de ensino-aprendizagem variados e inovadores?; (iii) Crença: Você acha que as dificuldades de lecionar diversificando e inovando em métodos de ensino podem ser superadas pelos benefícios para a aprendizagem dos discentes? As respostas poderiam ser obtidas por meio de uma escala de cinco pontos (com certeza, não; não; não sei dizer; sim; com certeza, sim).
Uma abordagem mais compreensiva, por meio do sistema COM-B, indagaria ainda sobre a capacidade e oportunidade daquela população para mudar o comportamento-alvo. Por exemplo, investigando o conhecimento sobre métodos de ensino-aprendizagem (capacidade) e se o ambiente dá suporte à diversificação e inovação metodológica (oportunidade).
Em conclusão, Theory of Addiction (Second Edition) apresenta uma TMC cujos constructos podem ser mensurados e testados em estudos cujo objeto envolva um ou mais comportamentos em determinada população, inclusive comportamentos relacionados ao ensino na saúde, conforme se exemplificou. Juntamente com outras TMC descritas na literatura, algumas das quais abordadas em resenhas anteriores2,3, abre-se um leque de possibilidades para a realização de estudos theory-based que podem ser úteis à produção de novos conhecimentos no campo da educação médica.