INTRODUÇÃO
Os ideais de corpo e saúde instituídos pela sociedade nem sempre foram os mesmos. Novos estereótipos fazem com que o padrão estético atual seja diferente daquele estabelecido no início do século XX. A supervalorização de um corpo magro é vista como sinal de saúde, podendo criar, assim, uma situação de frustração, baixa autoestima e discriminação entre aqueles que não se enquadram nessa regra1)-(3.
Surge, em muitos casos, a preocupação exacerbada com o peso e com a imagem corporal. Essa constante busca por um padrão estético é caracterizada como um dos principais estímulos para comportamentos de risco, os quais podem resultar no desenvolvimento de transtornos alimentares2), (4.
Os transtornos alimentares são distúrbios psiquiátricos de etiologia multifatorial, caracterizados por consumo, padrões e atitudes alimentares extremamente distorcidos e de preocupação exagerada com o peso e a forma corporal2. Eles podem ter várias classificações, sendo as mais prevalentes a anorexia nervosa e a bulimia nervosa2.
A anorexia nervosa é desenvolvida, principalmente, em meninas adolescentes (podendo se agravar na vida adulta quando não é corretamente diagnosticada e tratada) e em mulheres jovens. É caracterizada por uma grave restrição da ingestão alimentar, uma busca intensa pela magreza e distorção da imagem corporal. Já a bulimia nervosa caracteriza-se por episódios recorrentes de uma ingestão copiosa de alimentos em um curto período associada a uma sensação de perda de controle (episódios bulímicos), que buscam saciar a fome excessiva e atender aos estados emocionais e às situações de estresse. Esses episódios são acompanhados de métodos compensatórios inadequados para o controle de peso, como: vômitos autoinduzidos, uso de medicamentos, dietas inadequadas e prática de exercícios físicos extenuantes. Diferentemente da anorexia nervosa, na bulimia nervosa não ocorre necessariamente a perda de peso, o que dificulta a detecção do problema por médicos e familiares2.
O diagnóstico de transtorno alimentar deve ser feito por um especialista por meio de uma anamnese dirigida, com exames complementares e com o auxílio de questionários que servem como instrumentos de triagem, como o Teste de Atitudes Alimentares, do inglês Eating Attitudes Test (EAT). Esse rastreamento deve ser feito de forma precoce para prevenir e reduzir os danos somáticos e psíquicos3.
Os transtornos alimentares, que podem estar relacionados a outros problemas de saúde mental, como a depressão e ansiedade, são altamente prevalentes nos câmpus universitários; se não forem tratados, poderão gerar consequências físicas, psicológicas, sociais e acadêmicas5. Com relação aos universitários, os estudantes de Medicina fazem parte de um grupo de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Como causas da significativa taxa de prevalência de distúrbios alimentares entre estudantes de Medicina, é possível constatar um alto nível de estresse devido a uma alta carga horária, atividades curriculares, extracurriculares, autocobrança, distorção da imagem corporal, excesso de peso ou estado nutricional inadequado (sobrepeso ou obesidade), supervalorização do peso e práticas inadequadas de controle do peso ao longo dos anos. Esses fatores de risco refletem diretamente e de forma significativa no aparecimento dos sintomas que podem iniciar na infância e se pronunciarem na fase de vida universitária5.
Ademais, a presença de transtornos alimentares nesse grupo está correlacionada com alguns problemas de saúde mental bastante frequentes nos estudantes de Medicina, como a depressão e a ansiedade, bem como com os mecanismos compensatórios do estresse, como a drunkorexia, o uso de drogas (lícitas e ilícitas) e a vigorexia6.
Identificar os fatores associados aos transtornos alimentares em estudantes de Medicina pode contribuir para a identificação das características em comum dos indivíduos que apresentam esses transtornos. Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo analisar os fatores associados à suscetibilidade para o desenvolvimento de transtornos alimentares em estudantes internos de um curso de Medicina.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal analítico com abordagem quantitativa. Esse é um método de pesquisa no qual a exposição e a condição de saúde do participante são determinadas simultaneamente. A característica fundamental desse tipo de estudo é a impossibilidade de saber se a exposição antecede ou é consequência da doença/condição relacionada à saúde7.
A pesquisa foi realizada por meio de questionários aplicados em estudantes que estavam cursando o período do curso de Medicina denominado de internato, ou seja, todos aqueles que estavam no nono, décimo, décimo primeiro e décimo segundo períodos do curso de Medicina de uma universidade localizada na cidade de Goiânia, Goiás.
Como critérios de inclusão, pesquisaram-se homens e mulheres, maiores de 18 anos, que estavam matriculados do nono ao décimo segundo período do curso de Medicina, no período da coleta de dados, que ocorreu entre setembro e outubro de 2018, e que estavam frequentando regularmente as aulas. Excluíram-se aqueles que não responderam a todas as questões dos questionários e que se encontravam com a matrícula trancada.
Foram utilizados nesta pesquisa dois instrumentos. Adotou-se um questionário sociodemográfico que contemplou as seguintes variáveis: idade, sexo, etnia, estado civil, religião, altura autorreferida e peso autorreferido, prática ou não de atividade física, se o aluno mora sozinho ou não, se a família mora em outra cidade, prática ou não de dieta, se existe preocupação com a quantidade calórica dos alimentos, se existe uma preocupação em não engordar, entre outras.
Adotou-se também o EAT-26 que é um instrumento psicométrico utilizado para triar transtornos alimentares com o intuito de medir sintomas de forma eficaz, de modo a favorecer o diagnóstico e o tratamento precoces e impedir a evolução da doença. Desenvolvido em 19798, o EAT já foi adaptado e validado no Brasil9.
A versão original do EAT (EAT-40) era composta por 40 itens de múltipla escolha. O resultado do teste era o somatório dos valores atribuídos às questões, com um ponto de corte de 30 pontos, o que era um indicador positivo para uma possível existência de distúrbio alimentar. Posteriormente, foi proposta a versão abreviada (EAT- 26) com 26 itens, na qual o ponto de corte passou a ser de 21 pontos10.
As 26 questões são divididas em três fatores:
Escala da dieta (D): itens nº 1, 6, 7, 10, 11, 12, 14, 16, 17, 22, 23, 24, 25 que evidenciam uma recusa patológica a comidas hipercalóricas e uma excessiva preocupação com a forma física.
Escala de bulimia e preocupação com os alimentos (B): itens nº 3, 4, 9, 18, 21, 26 que são relacionados aos episódios de ingesta compulsória dos alimentos, seguidos de vômitos e outras medidas para evitar o ganho de peso.
Escala do controle oral (CO): itens nº 2, 5, 8, 13, 15, 19, 20 que refletem o autocontrole associado aos alimentos e reconhecem influências sociais, em relação à ingesta alimentar, do meio em que o indivíduo está inserido9.
Cada questão, dividida em três escalas do tipo Likert, possui seis opções de resposta, com um escore de 0 a 3, dependendo da escolha (sempre = 3 pontos, muitas vezes = 2 pontos, às vezes = 1 ponto, poucas vezes/ quase nunca/ nunca = 0 pontos), e a única questão que apresenta pontos em ordem invertida é a 259.
Após a coleta de dados, foi confeccionado um banco de dados no software Excel. Posteriormente, utilizou-se o software BioEstat 3.0 para realizar estatística descritiva com o cálculo medidas de tendência central para as variáveis contínuas, como média e desvio padrão, bem como o cálculo das frequências absoluta e relativa percentual para as variáveis discretas.
Em seguida, aplicou-se teste de normalidade (D’Agostino-Pearson) para distinguir as distribuições paramétricas e não paramétricas, com o intuito de comparação dos resultados do questionário estratificado pelas variáveis sociodemográficas. Para as distribuições paramétricas, utilizaram-se os testes t de Student e ANOVA, e, para as distribuições não paramétricas, os testes Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. Para todos os testes comparativos, foi assumido p-valor inferior ou igual a 0,05 como significativo.
De acordo com a Resolução nº 466/2012, a pesquisa foi registrada na Plataforma Brasil do Ministério da Saúde, com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 90495718.5.0000.0037, e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) com o Parecer nº 2.723.391.
RESULTADOS
Foram analisados 162 questionários de estudantes internos de um curso de Medicina, os quais evidenciaram que, em relação aos aspectos sociodemográficos, a maioria era do sexo feminino (55,6%), com até 24 anos (63,6%), solteira (54,9%), adepta de uma religião (75,3%) e morava com familiares (80,9%) (Tabela 1).
Variáveis | N | f (%) |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 72 | 44,4 |
Feminino | 90 | 55,6 |
Idade (anos) | ||
Até 24 | 103 | 63,6 |
Acima de 24 | 59 | 36,4 |
Média (DP) | 24,5 | 2,7 |
Mín.-máx. | 21 | 39 |
Procedência | ||
Goiânia | 103 | 63,6 |
Interior de Goiás | 41 | 25,3 |
Outro estado | 18 | 11,1 |
Cursando | ||
Módulo 9 | 55 | 34,0 |
Módulo 10 | 35 | 21,6 |
Módulo 11 | 39 | 24,1 |
Módulo 12 | 33 | 20,4 |
Estado civil | ||
Solteiro | 89 | 54,9 |
Solteiro (namorando) | 64 | 39,5 |
Casado | 9 | 5,6 |
Trabalha e estuda | ||
Sim | 43 | 26,5 |
Não | 119 | 73,5 |
Religião | ||
Sim | 122 | 75,3 |
Não | 40 | 24,7 |
Com quem mora | ||
Sozinho | 23 | 14,2 |
Familiares | 131 | 80,9 |
Amigos | 1 | 0,6 |
Parentes | 7 | 4,3 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Em relação aos aspectos pessoais e clínicos dos estudantes pesquisados, observou-se que 70,4% apresentavam peso normal, enquanto 21,6% eram considerados com sobrepeso. Ademais, 77,8% relataram que não seguiam alguma dieta, apesar de 73,5% afirmarem que tinham medo de engordar. Quanto à prática de atividade física, 41,4% declararam que realizavam frequentemente. Dos alunos pesquisados, 87,7% não tinham doenças crônicas. Além disso, 90,7% não se consideravam tristes e 52,5% estavam satisfeitos com o próprio corpo (Tabela 2).
Variáveis | n | f (%) |
IMC (kg/m2) | ||
Abaixo do peso (< 18,5) | 4 | 2,5 |
Eutrofia (18,5-24,9) | 114 | 70,4 |
Sobrepeso (25,0-29,9) | 35 | 21,6 |
Obesidade (≥ 30,0) | 6 | 3,7 |
Segue alguma dieta | ||
Sim | 36 | 22,2 |
Não | 126 | 77,8 |
Preocupação quanto à caloria | ||
Sim | 94 | 58,0 |
Não | 68 | 42,0 |
Medo de engordar | ||
Sim | 119 | 73,5 |
Não | 43 | 26,5 |
Frequenta bares e festas | ||
Frequentemente | 52 | 32,1 |
Às vezes | 70 | 43,2 |
Raramente | 40 | 24,7 |
Realiza atividade física | ||
Frequentemente | 67 | 41,4 |
Às vezes | 40 | 24,7 |
Raramente | 55 | 34,0 |
Tem doença crônica | ||
Sim | 20 | 12,3 |
Não | 142 | 87,7 |
Considera-se ansioso | ||
Sim | 107 | 66,0 |
Não | 55 | 34,0 |
Considera-se triste | ||
Sim | 15 | 9,3 |
Não | 147 | 90,7 |
Satisfação com o corpo | ||
Satisfeito | 85 | 52,5 |
Pouco satisfeito | 62 | 38,3 |
Insatisfeito | 15 | 9,3 |
Ingestão de álcool | ||
Sim | 108 | 66,7 |
Não | 54 | 33,3 |
Fumante | ||
Sim | 11 | 6,8 |
Não | 151 | 93,2 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Com referência ao EAT, um total de 37 (22,8%) da amostra apresentou escore superior ou igual a 21, indicando transtorno alimentar (Tabela 3). Na comparação do escore geral do EAT e dos fatores da escala com as variáveis sociodemográficas, identificaram-se com significância estatística maiores escores do sexo feminino em relação ao masculino na escala D (p = 0,0079), na escala B (p = 0,0014) e no escore geral do EAT-26 (p = 0,0005). Maior escore na escala D também foi encontrado em estudantes que afirmaram que trabalhavam e estudavam (p = 0,0278) (Tabela 4).
Variável | Escala D | p-valor | Escala B | p-valor | Escala CO | p-valor | Escore geral | p-valor | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Média | DP | Média | DP | Média | DP | |||||
Sexo | ||||||||||||
Masculino | 6,2 | 5,3 | 2,1 | 1,9 | 3,3 | 2,6 | 11,5 | 6,7 | ||||
Feminino | 9,5 | 7,6 | 0,0079 | 3,4 | 2,6 | 0,0014 | 4,0 | 3,4 | 0,2560 | 16,9 | 10,2 | 0,0005 |
Idade (anos) | ||||||||||||
Até 24 | 7,9 | 6,9 | 2,7 | 2,2 | 3,7 | 3,0 | 14,3 | 9,2 | ||||
Acima de 24 | 8,4 | 6,8 | 0,5413 | 2,9 | 2,7 | 0,8701 | 3,6 | 3,2 | 0,8577 | 14,9 | 9,3 | 0,5084 |
Procedência | ||||||||||||
Goiânia | 8,2 | 6,8 | 2,8 | 2,2 | 3,5 | 3,2 | 14,5 | 9,2 | ||||
Interior de Goiás | 8,1 | 7,4 | 3,1 | 2,7 | 4,4 | 3,0 | 15,6 | 9,8 | ||||
Outro estado | 6,9 | 6,2 | 0,7575 | 2,2 | 2,4 | 0,3951 | 2,8 | 1,7 | 0,0832 | 11,9 | 7,7 | 0,3933 |
Cursando | ||||||||||||
Módulo 9 | 7,6 | 6,8 | 2,6 | 2,3 | 3,6 | 3,0 | 13,8 | 8,8 | ||||
Módulo 10 | 9,5 | 6,8 | 3,0 | 2,3 | 4,0 | 3,5 | 16,5 | 9,4 | ||||
Módulo 11 | 8,0 | 7,7 | 3,0 | 2,8 | 3,7 | 3,1 | 14,6 | 10,9 | ||||
Módulo 12 | 7,4 | 6,1 | 0,4402 | 2,6 | 2,2 | 0,8096 | 3,5 | 2,9 | 0,9809 | 13,6 | 7,4 | 0,5093 |
Estado civil | ||||||||||||
Solteiro | 8,0 | 6,5 | 2,7 | 2,2 | 3,5 | 2,9 | 14,2 | 9,0 | ||||
Solteiro (namorando) | 8,3 | 7,3 | 3,0 | 2,6 | 3,7 | 3,0 | 15,0 | 9,1 | ||||
Casado | 6,8 | 7,8 | 0,6408 | 2,6 | 2,9 | 0,7735 | 5,4 | 4,9 | 0,5336 | 14,8 | 12,6 | 0,7728 |
Trabalha e estuda | ||||||||||||
Sim | 9,7 | 7,0 | 3,0 | 2,2 | 3,2 | 2,9 | 15,8 | 9,7 | ||||
Não | 7,5 | 6,7 | 0,0278 | 2,7 | 2,5 | 0,3478 | 3,9 | 3,1 | 0,1442 | 14,1 | 9,0 | 0,3344 |
Religião | ||||||||||||
Sim | 8,4 | 7,2 | 2,8 | 2,5 | 3,7 | 3,2 | 14,9 | 9,7 | ||||
Não | 7,0 | 5,5 | 0,5786 | 2,9 | 2,2 | 0,5733 | 3,6 | 2,7 | 0,7092 | 13,5 | 7,7 | 0,7753 |
Envolvimento religioso | ||||||||||||
Forte | 8,8 | 8,2 | 2,9 | 2,7 | 4,4 | 3,8 | 16,1 | 11,4 | ||||
Fraco | 8,2 | 6,7 | 2,7 | 2,3 | 3,3 | 2,5 | 14,1 | 8,3 | ||||
Nenhum | 7,3 | 4,8 | 0,9982 | 2,5 | 1,8 | 0,9899 | 2,6 | 2,3 | 0,2439 | 12,5 | 6,4 | 0,7851 |
Mora | ||||||||||||
Sozinho | 10,3 | 8,8 | 3,1 | 3,2 | 3,8 | 3,2 | 17,2 | 12,0 | ||||
Familiares | 7,9 | 6,5 | 2,8 | 2,3 | 3,7 | 3,1 | 14,4 | 8,7 | ||||
Parentes | 3,6 | 3,5 | 0,1118 | 1,9 | 1,8 | 0,6161 | 2,7 | 2,9 | 0,6305 | 8,1 | 4,8 | 0,1108 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
No que se refere à comparação dos aspectos pessoais e clínicos com os escores do EAT-26 e de seus fatores, identificou-se um maior escore na escala D nos estudantes com sobrepeso (p = 0,0297) e, na escala CO, naqueles abaixo do peso (p = 0,0042). Aqueles que referiam estar seguindo alguma dieta tiveram maiores escores na escala D (p < 0,0001), na escala B (p = 0,0300) e no escore geral (p = 0,0001) (Tabela 5).
Variável | Escala D | p-valor | Escala B | p-valor | Escala CO | p-valor | Escore geral | p-valor | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Média | DP | Média | DP | Média | DP | |||||
IMC (kg/m2) | ||||||||||||
Abaixo do peso (< 18,5) | 0,8 | 1,0 | 1,0 | 2,0 | 8,5 | 5,4 | 10,3 | 3,4 | ||||
Eutrofia (18,5-24,9) | 8,1 | 7,2 | 2,9 | 2,4 | 4,0 | 3,1 | 15,0 | 9,7 | ||||
Sobrepeso (25,0-29,9) | 8,9 | 6,0 | 2,6 | 2,3 | 2,7 | 2,3 | 14,1 | 8,5 | ||||
Obesidade (≥ 30) | 6,7 | 4,5 | 0,0297 | 2,0 | 2,6 | 0,2058 | 1,5 | 1,0 | 0,0042 | 10,2 | 5,9 | 0,5970 |
Mora | ||||||||||||
Sozinho | 10,3 | 8,8 | 3,1 | 3,2 | 3,8 | 3,2 | 17,2 | 12,0 | ||||
Familiares | 7,9 | 6,5 | 2,8 | 2,3 | 3,7 | 3,1 | 14,4 | 8,7 | ||||
Parentes | 3,6 | 3,5 | 0,1118 | 1,9 | 1,8 | 0,6161 | 2,7 | 2,9 | 0,6305 | 8,1 | 4,8 | 0,1108 |
Segue alguma dieta | ||||||||||||
Sim | 12,7 | 7,9 | 3,4 | 2,5 | 3,8 | 3,1 | 20,0 | 10,4 | ||||
Não | 6,7 | 5,9 | <0.0001 | 2,6 | 2,3 | 0,0300 | 3,7 | 3,1 | 0,7779 | 13,0 | 8,3 | 0,0001 |
Preocupação quanto à caloria | ||||||||||||
Sim | 10,7 | 7,1 | 3,3 | 2,5 | 3,5 | 2,8 | 17,6 | 9,9 | ||||
Não | 4,4 | 4,5 | <0.0001 | 2,1 | 2,1 | 0,0010 | 3,9 | 3,5 | 0,8373 | 10,3 | 6,1 | <0.0001 |
Medo de engordar | ||||||||||||
Sim | 9,9 | 7,0 | 3,2 | 2,4 | 3,2 | 2,6 | 16,3 | 9,7 | ||||
Não | 3,1 | 3,0 | <0.0001 | 1,7 | 1,9 | 0,0001 | 5,0 | 3,9 | 0,0149 | 9,7 | 5,3 | <0.0001 |
Frequenta bares e festas | ||||||||||||
Frequentemente | 7,5 | 6,5 | 2,9 | 2,2 | 3,0 | 2,4 | 13,4 | 8,3 | ||||
Às vezes | 8,3 | 7,1 | 2,8 | 2,4 | 3,7 | 3,2 | 14,8 | 9,9 | ||||
Raramente | 8,4 | 7,2 | 0,8874 | 2,7 | 2,8 | 0,7522 | 4,6 | 3,5 | 0,0685 | 15,7 | 9,2 | 0,4248 |
Realiza atividade física | ||||||||||||
Frequentemente | 9,2 | 6,6 | 3,0 | 2,3 | 3,2 | 2,6 | 15,5 | 8,6 | ||||
Às vezes | 7,7 | 7,6 | 2,2 | 2,5 | 4,2 | 3,5 | 14,1 | 10,5 | ||||
Raramente | 6,9 | 6,6 | 0,0629 | 2,9 | 2,5 | 0,0753 | 3,9 | 3,2 | 0,4756 | 13,7 | 9,0 | 0,2280 |
Tem doença crônica | ||||||||||||
Sim | 9,9 | 6,9 | 3,3 | 2,7 | 3,6 | 2,9 | 16,7 | 9,3 | ||||
Não | 7,8 | 6,8 | 0,1622 | 2,7 | 2,4 | 0,4420 | 3,7 | 3,1 | 0,8148 | 14,2 | 9,2 | 0,2031 |
Considera-se ansioso | ||||||||||||
Sim | 9,0 | 7,5 | 3,1 | 2,6 | 3,8 | 3,2 | 15,9 | 10,1 | ||||
Não | 6,3 | 5,1 | 0,0356 | 2,1 | 1,7 | 0,0266 | 3,5 | 2,8 | 0,8278 | 11,9 | 6,6 | 0,0310 |
Considera-se triste | ||||||||||||
Sim | 10,7 | 7,3 | 3,1 | 2,3 | 4,5 | 2,9 | 18,3 | 9,2 | ||||
Não | 7,8 | 6,8 | 0,0650 | 2,8 | 2,4 | 0,4303 | 3,6 | 3,1 | 0,0938 | 14,1 | 9,1 | 0,0290 |
Satisfação com o corpo | ||||||||||||
Satisfeito | 6,1 | 5,8 | 2,3 | 2,1 | 4,2 | 3,6 | 12,7 | 8,3 | ||||
Pouco satisfeito | 9,2 | 7,1 | 2,9 | 2,4 | 3,1 | 2,3 | 15,2 | 9,5 | ||||
Insatisfeito | 14,1 | 7,1 | <0.0001 | 5,3 | 2,1 | <0.0001 | 2,8 | 2,1 | 0,1814 | 22,3 | 8,6 | 0,0005 |
Ingestão de álcool | ||||||||||||
Sim | 8,2 | 6,6 | 2,9 | 2,3 | 3,2 | 2,6 | 14,3 | 8,6 | ||||
Não | 7,8 | 7,4 | 0,4282 | 2,6 | 2,6 | 0,2676 | 4,6 | 3,8 | 0,0407 | 15,0 | 10,4 | 0,9872 |
Fumante | ||||||||||||
Sim | 9,9 | 7,2 | 2,6 | 2,6 | 2,6 | 2,5 | 15,2 | 11,1 | ||||
Não | 7,9 | 6,9 | 0,2634 | 2,8 | 2,4 | 0,7142 | 3,8 | 3,1 | 0,1776 | 14,5 | 9,1 | 0,9734 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Os estudantes que afirmaram ter preocupação quanto à quantidade de calorias obtiveram maiores escores na escala D (p < 0,0001), na escala B (p = 0,0010) e no escore geral (p < 0,0001). Semelhante resultado também foi encontrado naqueles que referiram ter medo de engordar, já que tiveram maiores escores na escala D (p < 0,0001), na escala B (p = 0,0001) e no escore geral (p < 0,0001), e, em contrapartida, aqueles que não tinham medo de engordar obtiveram maior escore na escala CO (p = 0,0149) (Tabela 5).
Aqueles que se disseram ser ansiosos tiveram maiores escores na escala D (p = 0,0356), na escala B (p = 0,0266) e no escore geral (p = 0,0310). Os que se consideravam tristes foram identificados com média mais alta no escore geral (p = 0,0290). Os estudantes de Medicina que afirmaram estar insatisfeitos com o próprio corpo tiveram maiores escores na escala D (p < 0,0001), na escala B (p < 0,0001) e no escore geral (p = 0,0005). Aqueles que não ingerem bebida alcoólica obtiveram maior escore na escala CO (p = 0,0407) (Tabela 5).
DISCUSSÃO
Este estudo evidenciou que, no curso de Medicina investigado, havia um predomínio de estudantes do sexo feminino com riscos significativos de transtornos alimentares em relação aos homens. O fenômeno da feminização nas universidades iniciou-se a partir da década de 1920 com a implantação de políticas educacionais no período Vargas. Na medicina, especificamente, esse fenômeno ocorreu a partir dos anos 1970. Entre as décadas de 1970 e 1990, houve na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) um acréscimo de 27% do contingente feminino no curso de graduação em Medicina11.
Atualmente, na América Latina vem ocorrendo uma crescente feminização da profissão médica12. Esse fenômeno ocorre principalmente no grupo de 29 anos ou menos. Esses achados corroboram os resultados deste estudo que evidenciou que, dentre 162 estudantes internos do curso de Medicina pesquisado, 90 eram do sexo feminino e a maioria com até 24 anos de idade12.
O maior escore na escala EAT-26 no sexo feminino corrobora os achados de uma pesquisa que identificou que as mulheres apresentaram 17% a mais de chance de desenvolver transtornos alimentares5. Um outro estudo encontrou uma taxa significativamente maior entre as mulheres (40%) do que entre os homens (28,1%) da Universidade de Notre Dame, no Estados Unidos, para o desenvolvimento de transtornos alimentares4.
Essa realidade é justificada pela maior influência que a mídia e a sociedade exercem sobre as mulheres no que diz respeito a um padrão estético corporal considerado ideal, em que a magreza é vista como saúde13. Para alcançarem esse padrão, muitas vezes práticas não saudáveis são adotadas, desencadeando, por exemplo, bulimia nervosa e anorexia, o que explica os maiores escores do sexo feminino nas escalas D e B do EAT-2613.
Um maior escore na escala D foi encontrado em estudantes que afirmaram que trabalhavam e estudavam. Tal fato se deve à escassez de tempo do estudante de Medicina ocasionada por uma rotina tumultuada, dificultando o preparo de alimentos e impossibilitando que as refeições sejam feitas em horários adequados. Em geral, os hábitos alimentares dos estudantes universitários são caracterizados por alta ingesta de alimentos, como salgadinhos, fast-foods, batata frita, tortas, bolos, refrigerantes e uma baixa ingesta de frutas e vegetais. O tempo gasto na universidade é considerado, desse modo, um empecilho para a prática de uma alimentação saudável14.
Foi identificado no estudo que os estudantes com sobrepeso apresentaram maior escore na escala D. Esse fato demonstra uma preocupação exagerada com a comida e com a aparência física. A fim de se enquadrarem no padrão de beleza instituído atualmente, terem maior aceitação no meio social e obterem emagrecimento rápido, as pessoas adotam comportamentos de riscos diretamente ligados aos transtornos alimentares15)-(17. Contudo, maior escore na escala CO foi encontrado em indivíduos abaixo do peso, o que demonstra um autocontrole sobre a própria alimentação15)-(17.
Os estudantes que relataram seguir alguma dieta, os que afirmaram ter preocupação com a quantidade de calorias ingeridas e aqueles que têm medo de engordar obtiveram maiores escores nas escalas D e B e no escore geral da escala EAT-26. Essas três dimensões do fenômeno estão correlacionadas, já que refletem um comportamento em que a gordura deve ser evitada. Sentir medo ou pavor da ideia de estar engordando é algo frequente em pessoas com transtornos alimentares, o que leva a uma maior preocupação com a quantidade de calorias dos alimentos consumidos; nesse caso, as pessoas optam por alimentos com poucas calorias, tidos como mais saudáveis15.
Na verdade, esses futuros médicos sentem-se, na maioria das vezes, obrigados a seguir os rigorosos padrões estéticos existentes relacionados com a manutenção da boa forma por causa da falsa ideia de que, para realizar a promoção da saúde, devem apresentar-se saudáveis, o que, na sociedade atual, é sinônimo de magreza. Portanto, os acadêmicos estão inseridos em um ambiente favorável ao desenvolvimento de transtornos alimentares na graduação18.
Na anorexia nervosa, por exemplo, há uma supervalorização da forma corporal. Por conta disso, o indivíduo recusa alimentos calóricos porque tem um medo intenso de ganhar peso e o desejo persistente de emagrecer. Já na bulimia nervosa, por medo de engordar, os indivíduos induzem o próprio vômito e/ou fazem o uso de laxantes, logo após a ingesta de alimentos hipercalóricos, para a prevenção do ganho de peso19. A preocupação constante com a ingesta de calorias, a adoção de dietas da moda sem prescrição de nutricionista e o contínuo medo de engordar podem ser indícios do desenvolvimento de transtornos maiores, como a anorexia nervosa e a bulimia nervosa.
Essa convergência de fatores pode levar a comportamentos de risco que interferem nos hábitos alimentares, como restrição severa por dietas rígidas e altos níveis de atividades físicas20. Ademais, a insatisfação corporal direcionada à magreza influencia sobremaneira no desenvolvimento da restrição alimentar e de sintomas relacionados à anorexia e à bulimia21.
O desenvolvimento da restrição alimentar, por sua vez, ocorre por estratégias desenvolvidas pelo próprio indivíduo para reduzir e eventualmente extinguir o apetite. Uma das estratégias consiste em pensar imediatamente nas consequências negativas que a ingesta de alimentos altamente calóricos pode provocar na saúde, no peso e na aparência corporal. Outra estratégia bastante eficaz e tida como o protótipo da anorexia nervosa é a exposição prolongada e frequente aos alimentos, porém sem realizar a ingesta deles20.
Os estudantes que participaram da pesquisa e que se consideraram ansiosos, tristes e insatisfeitos com o próprio corpo apresentaram maiores escores na escala EAT-26, demonstrando maior probabilidade de desenvolver transtornos alimentares. Esse achado corrobora uma pesquisa que evidenciou níveis anormais de hormônios responsáveis pela regularização do sono, apetite, humor e estresse em alunos com distúrbios alimentares16. Muitos indivíduos recorrem à ingesta copiosa como ferramenta para aliviar a ansiedade e problemas encontrados no dia a dia e, ao perceberem o ganho de peso advindo dessa prática, sentem-se tristes e insatisfeitos com o próprio corpo6),(22),(23.
Estudos com a utilização do EAT-26 encontraram relação significativa entre a insatisfação corporal e comportamentos alimentares de risco, sendo considerado um dos principais aspectos para diagnosticar os transtornos, já que pode resultar em prejuízos no comportamento (baixa autoestima, comparação social, aumento de procedimentos estéticos, ansiedade, diminuição da qualidade de vida e ideação suicida) e atitudes alimentares com maior propensão a desenvolver distúrbios24),(25.
Dessa forma, os transtornos alimentares, em especial a anorexia nervosa e a bulimia nervosa, são síndromes psiquiátricas complexas que causam distorções cognitivas relacionadas à alimentação e ao peso corporal, frequentemente relacionadas a outros distúrbios psíquicos (transtorno depressivo, abuso de substâncias e transtorno de ansiedade, por exemplo), com um profundo impacto social e físico26.
Os indivíduos tendem a estabelecer um comportamento de isolamento social (abandonando atividades sociais, físicas, ocupacionais ou de lazer) tanto pela perda da confiança - estão insatisfeitos com o próprio corpo e têm medo de sofrer discriminação no ambiente em que se encontram, no caso daqueles que estão acima do peso considerado ideal - quanto pela necessidade compulsiva de manter uma dieta altamente restritiva e/ou a prática de exercícios físicos27. Essas práticas aumentam os riscos de surgimento de uma desordem psíquica (depressão, fobias, atitudes compulsivas e repetitivas) e, consequentemente, a perpetuação de transtornos alimentares por meio de um círculo vicioso.
CONCLUSÃO
Diante dos resultados deste trabalho, identificou-se que, da amostra dos 162 estudantes internos de Medicina analisados, um número significativo obteve pontuação que os classifica com indicador positivo para uma possível existência de anorexia nervosa e bulimia nervosa.
Ficaram evidenciados maiores escores na escala EAT-26 em estudantes internos de Medicina que são do sexo feminino, que trabalham e estudam e naqueles com sobrepeso. Além disso, seguir alguma dieta, possuir preocupação quanto à quantidade de calorias, ter medo de engordar, ser ansioso, triste e insatisfeito com próprio corpo também foram fatores associados com maiores escores. Todos esses fatores podem ser relacionados com um maior risco de esses estudantes desenvolverem distúrbios alimentares, como a anorexia e a bulimia.
Os resultados encontrados nesta pesquisa podem auxiliar sobremaneira na identificação das características dos estudantes de Medicina que possuem risco de desenvolver qualquer transtorno alimentar. Com base nos fatores associados evidenciados neste estudo, os gestores poderão adotar ações de prevenção e intervenção com foco direcionado às características de estudantes que possam desenvolver transtornos alimentares.
Portanto, os achados se constituem em uma ferramenta para que as instituições acadêmicas cheguem até esse grupo de risco e desenvolvam programas específicos de atendimento a esses estudantes, de forma que promovam tratamento precoce e ofereçam todo o suporte necessário, com o propósito de diminuir a incidência de sérias consequências envolvendo esses indivíduos. Além disso, programas de prevenção podem ser desenvolvidos nesse ambiente estudantil, já que, como visto, a graduação é um ambiente propício para o aparecimento desses transtornos.