INTRODUÇÃO
A teoria social do gênero o define como algo dinâmico, relacional e dependente de fatores históricos, culturais e sociais1. Um olhar para o ser mulher como algo além da anatomia e, portanto, relacionado às estruturas sociais de poder é de suma importância para a evolução dos cuidados em saúde da mulher. Nessa perspectiva, as políticas em saúde, antes restritas à função reprodutiva, caminham no sentido de uma atenção integral, e a medicina passa a reconhecer como a desigualdade de gênero pode determinar diferenças nos processos de saúde, sofrimento e adoecimento2.
No contexto da pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19), o agravamento de desigualdades preestabelecidas torna ainda mais urgente a atenção às especificidades de populações vulnerabilizadas, incluindo as mulheres. Elas representam 70% da força de trabalho em saúde e são a maioria na linha de frente da responsabilidade pelos cuidados, sejam estes domésticos ou institucionais3. Ademais, com a mudança nas relações sociais, o isolamento e a crise econômica advindos da pandemia, houve um aumento da violência contra a mulher, pois as mulheres encontram-se confinadas com seus agressores4. A quarentena também tem dificultado o acesso à saúde, seja por causa das mudanças na dinâmica dos serviços, seja pela incerteza da mulher quanto à segurança em buscar atendimento. A preocupação se dá especialmente em relação ao grave aumento na mortalidade materna na pandemia e à dificuldade de acesso à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos, considerados essenciais durante crises sanitárias5),(6.
É importante pontuar que as mulheres não são um grupo homogêneo7. Nesse sentido, uma análise interseccional, que leve em consideração idade, raça, sexualidade, deficiência, território, classe, entre outros condicionantes, faz-se essencial8.
À luz do conceito ampliado de saúde9, é perceptível como, em uma sociedade patriarcal como a brasileira, a desigualdade no acesso a direitos básicos de acordo com o gênero impacta as condições de saúde. Reconhecendo esse fato, surgem, no Sistema Único de Saúde (SUS), as políticas públicas voltadas à atenção integral à mulher, e em 2005, é implementada a Política Nacional de Atenção Integral à Mulher (PNAISM).
O reconhecimento das vulnerabilidades sociais e de seus efeitos na saúde também implicou uma reorganização na educação médica. Assim, é prevista a educação médica em consonância com o conjunto de políticas do SUS, o que abrange a PNAISM. As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de Medicina incluem a consideração da diversidade de gênero, a integralidade e a humanização no atendimento como essenciais à formação10. Apesar dos avanços, é necessário reconhecer a educação como ferramenta que também sustenta as estruturas de poder. De acordo com Hirsch11, as instituições são: “modos de orientação, rotinização e coordenação de comportamentos que tanto orientam a ação social como a tornam normalmente possível”. Ou seja, o grupo que pode dominar essas ferramentas é capaz de “institucionalizar seus interesses, impondo à sociedade regras, padrões de condutas e modos de racionalidade que tornem ‘normal’ e ‘natural’ o seu domínio”(p. 26)12.
A atual conjuntura de pandemia, ao evidenciar desigualdades no acesso à saúde, alerta para o compromisso da educação médica com as necessidades de populações vulnerabilizadas, como as mulheres. O momento é desafiador, mas, ao mesmo tempo, instiga a ponderação sobre o cenário atual e novas possibilidades. O objetivo deste ensaio é refletir sobre as competências necessárias ao egresso da graduação em Medicina, tendo em vista a atenção integral à mulher.
DESENVOLVIMENTO
Saúde materna e infantil
As políticas de saúde materna e infantil da última década melhoraram os indicadores do desenvolvimento infantil e da mortalidade materna e infantil. Inserida no conjunto de políticas que coadunam com a PNAISM2, a Rede Cegonha (RC), publicada pelo Ministério da Saúde (MS) em 2011, buscou organizar as condutas dos profissionais e gestores de saúde para garantir o direito de mulheres e crianças ao acolhimento, ao atendimento qualificado e ao acesso a informações, além de proporcionar condições para o parto seguro e para o desenvolvimento infantil saudável13),(14. A dificuldade em tornar essas estratégias abrangentes em nível nacional se evidencia em tempos de pandemia da Covid-1915),(16. Estudos recentes sobre o desfecho dos casos de gestantes e puérperas com Covid-1917-19 observaram que, desde 26 de fevereiro de 2020, 124 mulheres foram a óbito, cifra 3,4 vezes maior do que o total de mortes maternas por Covid-19 no resto do mundo17),(18. A pandemia aumenta os obstáculos para o acesso aos cuidados do pré-natal e puerpério e aos serviços de maternidade, sobretudo para mulheres pobres e negras. Diabetes, doenças cardiovasculares e obesidade - fatores de risco evitáveis - surgiram como comorbidades associadas a 48,4% dessas mortes17),(18, apontando para a já problemática qualidade do atendimento no pré-natal e puerpério17)-(19. O alto número de cesarianas no Brasil também é apontado como fator de explicativo, pelo risco do pós-operatório para mulheres infectadas17),(18),(20. O aumento da mortalidade materna mostra a dificuldade de acesso das mulheres aos cuidados intensivos (internação em unidade de terapia intensiva (UTI) e suporte de ventilação), revelando a escassez de recursos humanos e materiais em terapia intensiva nas maternidades17),(18),(20. Ademais, a falta de uma política de testagem massiva dessa população leva à subnotificação dos casos e dificulta a mensuração e o correto enfrentamento do problema17),(18),(20.
Nesse contexto, cabe refletir sobre o papel do/a médico/a e das competências desenvolvidas em sua formação. A leitura das condições de vida e de saúde das usuárias sob o enfoque das relações de gênero, conforme diretriz da PNAISM2, permite compreender as diversas nuances da condição feminina, geradoras de múltiplas situações de desigualdade e opressão.
A formação generalista deve possibilitar ao/à estudante de Medicina formar competências para o cuidado à saúde materna e infantil preconizado pelas políticas do SUS, de modo a garantir a integralidade do cuidado para as mulheres durante a gestação, o parto e o puerpério. De acordo com as DCN, cabe ao/à médico/a “promover estilos de vida saudáveis, conciliando as necessidades tanto dos seus clientes/pacientes quanto às de sua comunidade, atuando como agente de transformação social”10. O ensino médico deve desenvolver no/a educando/a competências de comunicação e de trabalho em equipe multiprofissional10. O/a egresso/a é pensado/a como um/a educador/a em saúde, apto/a a utilizar linguagem clara e coerente ao longo das consultas de pré-natal e pós-parto e orientar sobre aspectos relacionados à saúde materna e infantil. As competências comunicacionais são fundamentais para estimular as mulheres a apropriar-se do conhecimento. É importante que o/a estudante de Medicina aprenda a dialogar com a cultura das mulheres, partilhando informações de maneira corresponsável e não impositiva.
O/a estudante deve ser preparado/a para compor equipes multiprofissionais e participar de atividades de educação voltadas não apenas às mulheres, mas também a cônjuges, familiares e comunidades, envolvendo-os na rede de apoio. O aprendizado de técnicas apropriadas de comunicação ao longo da formação permite que o/a egresso/a seja capaz de dialogar com as gestantes sobre seus anseios e suas inseguranças quanto aos sinais do trabalho de parto e aos procedimentos hospitalares, compartilhando informações sobre o direito delas de ter suas escolhas respeitadas no momento do nascimento do bebê13),(14.
Um segundo leque de competências refere-se ao domínio de conhecimentos da natureza biopsicossocioambiental, à atuação ética e à capacidade de interpretar informações e resolver problemas da prática10. Aplicadas à saúde materna e infantil, essas demandam das escolas médicas desenvolverem no/a estudante a capacidade de obter informações sobre o território, a comunidade e o meio social das pacientes. A escuta atenta às mulheres, sem julgamentos ou preconceitos, é imprescindível para identificar situações de vulnerabilidade e/ou fragilização e para o encaminhamento aos setores adequados para atendê-las2),(13),(14. As DCN também preveem que o/a egresso/a deve manter-se atualizado/a com a legislação pertinente à saúde10, o que significa conhecer a legislação e os manuais de conduta que amparam o cuidado à saúde materna e infantil2),(13),(21)-(25.
No campo da saúde materna e infantil, é importante que a formação generalista do/a estudante o/a muna de recursos semiológicos e conhecimentos sobre as mudanças do corpo feminino na gestação, no parto e no pós-parto, e sobre os exames necessários para cada fase. Isso possibilitará ao/à médico/a avaliar corretamente a situação de cada paciente, fazer a classificação de risco e tomar decisões corretas sobre a terapêutica a ser adotada24),(25. Mais importante ainda é o aprendizado da utilização e interpretação da informação científica relacionada aos procedimentos no momento do parto, em vista da manutenção, nos serviços de atenção obstétrica brasileiros, do uso de práticas não amparadas por evidências e do número elevado de cesarianas, que provocam sofrimento desnecessário e implicam riscos para a mulher e para o bebê2),(13),(21),(22),(26. Na pandemia da Covid-19, estes são potencializados para mulheres infectadas e/ou com comorbidades17),(20, o que torna fundamental a preparação do/a aluno/a para conduzir tais situações na urgência e emergência.
Saúde sexual
Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS (2020)27,
[...] saúde sexual é um estado de bem-estar físico, mental e social em relação à sexualidade. Requer uma abordagem positiva e respeitosa da sexualidade e das relações sexuais, bem como a possibilidade de ter experiências sexuais agradáveis e seguras, livres de toda coerção, discriminação e violência.
Nesse sentido, são objetivos da PNAISM a ampliação e qualificação da atenção clínico-ginecológica, a promoção da atenção às mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual, e a prevenção e o controle das infecções sexualmente transmissíveis (IST) e da infecção pelo HIV na população feminina2. Entretanto, é preciso avançar na ampliação da cobertura da prevenção combinada, de exames, diagnósticos e tratamentos, desenvolvendo ações específicas para as mulheres em situação de maior vulnerabilidade às desigualdades de acesso à saúde28)-(30. Apesar das conquistas, a violência contra a mulher representa um problema de saúde pública, sendo a violência sexual o terceiro tipo mais comum28),(31. A expansão da notificação dos casos de violência, a garantia de atendimento qualificado e humanizado à mulher em situação de violência e a sensibilização das equipes para as especificidades de grupos mais vulneráveis, como mulheres transgênero, permanecem como desafios28),(30),(32)-(34. O isolamento social pela Covid-19 aumentou a violência doméstica contra as mulheres (inclusive trans, lésbicas e bissexuais), relacionada à maior vulnerabilidade delas à manipulação psicológica e ao controle das finanças, agravadas pelo maior consumo de álcool ou drogas ilícitas pelo agressor35)-(37. A diminuição de denúncias de violência sexual possivelmente se dá pelo menor acesso aos serviços de apoio (inclusive por receio de contrair a Covid-19) e pelo contato constante com o agressor35),(36. Tal cenário sinaliza a necessidade de preparar o/a estudante para enfrentar as situações de violência, identificar seus sinais e acolher e desenvolver ações para a construção de redes de apoio às vítimas.
As políticas de saúde também invisibilizam outros aspectos da sexualidade, como: identidade de gênero, orientação sexual, sensualidade e relacionamento com o outro e com o próprio corpo38. A sexualidade da mulher é reprimida, sendo equiparada ora à reprodução ora ao perigo de IST e gravidez na adolescência, visão que perpetua a repressão do prazer sexual feminino e repercute em violência38),(39. Isso se reflete nos serviços de saúde para mulheres, em sua maioria centrados em saúde reprodutiva38. Os/as profissionais não são preparados/as para atender às questões relacionadas à sexualidade, fato que se agrava quando o assunto é orientação sexual e identidade de gênero, afastando mulheres LGBTQUIA+ dos serviços de saúde40)-(42.
As DCN de Medicina não abordam diretamente o conhecimento da saúde sexual da mulher como competência necessária ao/à egresso/a10, embora contemplem o respeito às diferenças ao citarem que o/a profissional deverá considerar diversidades, como a de gênero, garantindo a universalidade e a equidade, sem privilégios nem preconceitos10. Entre habilidades e conteúdos curriculares listados nas DCN, encontram-se elementos que podem ser relacionados ao assunto.
O primeiro ponto a ser destacado concerne à “formação [...] humanista, crítica e reflexiva, [...] com responsabilidade social” (10. O/a egresso/a deve compreender os determinantes sociais da saúde, incluindo as questões de gênero, assim como as vulnerabilidades no processo saúde-doença, e entrar em contato com conhecimentos acerca dos direitos humanos10. Essa compreensão deve ser estendida à educação em saúde sexual da mulher, que precisa sair do padrão de medicina centrada na doença e na prevenção e alcançar um modelo de bem-estar sexual, capacitando o/a graduando/a a lidar com a sexualidade da mulher com sensibilidade, entendendo-a como complexa e baseada em consentimento38.
O segundo ponto é referente à habilidade de comunicação, com empatia e interesse, praticando a escuta ativa e favorecendo a construção de vínculo10. Porém, os/as médicos/as não se sentem à vontade para ouvir e falar sobre sexualidade, limitação mais evidente no atendimento às mulheres trans, em que a falta de clareza nas informações e o não acolhimento são as principais queixas42),(43. Outra consequência é o receio, por lésbicas e mulheres bissexuais, de relatar a orientação sexual em uma consulta41.
A formação médica também necessita que se conheçam e se vivenciem as políticas públicas de saúde10. É essencial que os/as graduandos/as entrem em contato, sobretudo nos cenários de prática, com políticas de saúde da mulher, destacando-se a PNAISM e as políticas voltadas para a saúde de populações vulneráveis, como Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), mulheres negras, mulheres com deficiência e mobilidade reduzida, mulheres do campo e da floresta, mulheres privadas de liberdade no sistema prisional e mulheres dos povos indígenas29),(30.
Por fim, as habilidades de realizar anamnese e exame físico e definir diagnóstico e tratamento10 são limitadas pela falta de equipamentos e conhecimentos adequados para exame ginecológico de mulheres com baixa estatura, com deficiência e com mobilidade reduzida; e para indicar mamografia para mulheres trans em hormonização43),(44.
Direitos sexuais e reprodutivos
No tocante à saúde sexual e reprodutiva, a crise sanitária descortinou e aprofundou antigos problemas, como: gravidez não planejada, acesso ao aborto seguro, elevada mortalidade materna45. Trata-se de problemas perpassados por determinantes sociais de saúde, notadamente classe, raça/cor e escolaridade46),(47. Ou seja, a pandemia vem vulnerabilizando mais as pessoas já vulnerabilizadas na pré-pandemia: as mulheres, e, dentre elas, as mais pobres e as negras48.
Ainda que não se possam mensurar os efeitos da crise sanitária na saúde das mulheres, sabe-se que houve mudança na rede de serviços eletivos, essenciais e de emergência. É importante, mesmo durante este período, a garantia das consultas (por telemedicina ou presencial, se possível) e da oferta de métodos contraceptivos. Estima-se que a redução de 10% na oferta de métodos contraceptivos atingiria cerca de 48 milhões de mulheres no mundo com a estimativa de sete milhões de gestações não planejadas49.
A OMS declarou a necessidade de garantir o acesso e continuidade a métodos contraceptivos50. De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, devem ser garantidas, neste contexto de pandemia, a continuidade e disponibilidade dos serviços de saúde sexual e reprodutiva e aumentadas as ações de educação sexual integral, compartilhando as informações por meios acessíveis51.
A formação médica interfere diretamente na prescrição dos métodos contraceptivos, ainda bastante voltada para o controle dos corpos das mulheres52, e, consequentemente, a oferta e o uso de métodos contraceptivos de longa duração ainda são baixos53. Nesse sentido, torna-se importante, para propiciar o diálogo entre os sujeitos envolvidos com o cuidado, a construção de uma proposta educativa que não considere apenas o modelo biomédico, mas que também pondere problemáticas relativas ao gênero, à sexualidade, à autonomia e à liberdade. A formação profissional constitui a chave para a construção de práticas não discriminatórias e pautadas na integralidade da atenção, que garantam a promoção, a proteção e o exercício da sexualidade e da reprodução como direitos, e que sejam norteadoras das práticas assistenciais no âmbito da atenção à saúde54.
No campo do ensino, são necessárias práticas educativas e ações de cuidado pautadas nas tecnologias leves55. Em meio à pandemia, as tecnologias leves contribuirão na produção do cuidado a partir da compreensão do usuário quanto à sua singularidade; no estabelecimento de vínculos solidários e de
[...] participação coletiva no processo de gestão; no mapeamento e interação com as demandas sociais, coletivas e subjetivas de saúde; na valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários/as, trabalhadores/as e gestão; no fomento da autonomia e do protagonismo desses sujeitos; e no aumento do grau de corresponsabilidade na produção de saúde56.
A atenção à saúde sexual e reprodutiva na pandemia requer uma interação dialógica entre universidade e a sociedade. Para o desenvolvimento das habilidades supracitadas, a curricularização da extensão pode ser uma aliada por desafiar as escolas médicas a repensar a formação médica e as interfaces com a sociedade, no desenvolvimento de consciência cidadã em paralelo à formação técnica57.
Cuidados destinados às mulheres no climatério
De modo específico, questões relacionadas à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres foram tratadas na 12ª Conferência Nacional de Saúde, em 2004. Na ocasião foi proposta a criação do programa especial de atenção ao climatério como política de saúde pública58.
O climatério é definido como uma fase biológica da vida, que envolve a transição entre o período reprodutivo e o não reprodutivo, segundo a OMS. A menopausa corresponde ao último ciclo menstrual, sendo confirmada após 12 meses de seu acontecimento, e ocorre normalmente dos 48 aos 50 anos de idade59. O climatério traz implicações sociais e concernentes ao envelhecimento, um período marcado de intensa ansiedade, medos e dificuldade social, decorrente das inúmeras sintomatologias apresentadas60.
Os medos criados nesse período são extremamente acentuados em tempos de pandemia e incertezas em relação ao corpo e aos aspectos psicossociais61. Assim, no atendimento à mulher climatérica ou menopausada, devem-se respeitar sua individualidade e o espaço social que influencia sua vida, em decorrência das manifestações variadas dessa transição. Além disso, muitas apresentam alguma patologia associada, reforçando a necessidade do esclarecimento, discussão e orientação do/a profissional médico/a62.
Na situação de pandemia da Covid-19, em que a oferta de serviços de saúde e o acesso a eles sofrem impacto negativo, mulheres climatéricas/menopausadas são negligenciadas do ponto de vista multidisciplinar e continuado das políticas de saúde. Com as limitações do atendimento na atenção primária, há risco de interrupção dos tratamentos com terapia de reposição hormonal para mulheres com sintomas do climatério, agravando tais sintomas e os fatores de risco para tromboembolismo (obesidade, tabagismo, diabetes, hipertensão, doenças do colágeno) e para efeitos adversos da Covid-19 nos sistemas de coagulação. Isso sinaliza a necessidade de o ensino médico reforçar no/a estudante as competências relativas ao conhecimento das transformações do corpo feminino no período e das diferentes terapêuticas (como reposição hormonal transdérmica ou abordagens menos agressivas e invasivas como a progesterona natural), contraindicações e limitações; ao exame físico adequado, à escuta e à avaliação individualizada de cada caso (sobretudo pacientes com Covid-19 internadas); assim como competências comunicacionais para estimular a manutenção de hábitos de vida saudáveis63.
Ao ensino médico cabe estimular no/a estudante a busca por conhecimentos cientificamente validados para decidir pela terapêutica mais indicada para cada mulher64. O Manual de atenção à mulher no climatério/menopausa, publicado em 2008 pelo Ministério da Saúde, detalha o cuidado necessário com essa população durante a transição de ciclo reprodutivo para não reprodutivo59, porém as DCN não apontam a atenção direcionada especificamente ao cuidado continuado. É fundamental que a escola médica ofereça oportunidades para que o/a estudante desenvolva competências relacionais e, uma vez egresso/a, possa acolher as pacientes climatéricas/menopausadas, orientá-las adequadamente, propor-lhes os meios adequados e seguros para promover seu bem-estar e empoderá-las com conhecimentos que lhes permitam vivenciar o período com menos repercussões negativas em suas vidas58),(61 e que promovam sua qualidade de vida nos âmbitos biológico e psicossocial.
CONCLUSÃO
Ao longo deste ensaio, observamos um conjunto de competências do/a médico visando ao desenvolvimento de um cuidado integral à saúde da mulher e em consonância com políticas públicas, orientações e diretrizes nacionais. Essenciais para o/a médico/a, seu desenvolvimento nos cursos de Medicina se torna necessário e urgente, sobretudo em cenários emergenciais, como a atual pandemia da Covid-19, que acentuam vulnerabilidades e dificultam o acesso a cuidados, levando a desfechos fatais.
Se, de acordo com as atuais DCN, os/as egressos/as devem estar aptos/as a atender seus/suas pacientes dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, a formação para a saúde da mulher deve ser capaz de conduzi-los/as para ouvir as pacientes, respeitá-las em suas singularidades em cada fase do ciclo ginecológico e adotar um olhar ampliado para suas condições de vida, acolhendo-as e reconhecendo-as como seres sociais, influenciadas pelo ambiente em que se inserem. A educação médica deve mobilizar no/a estudante competências culturais e atitudinais para desenvolver formas mais simétricas de relacionamento com as pacientes. A capacidade de comunicar-se adequadamente é fundamental para que o/a egresso/a atue como agente de transformação da vida das mulheres, promovendo ações que resultem em estilos de vida saudáveis e em maior nível de autonomia e controle destas sobre sua saúde, seu corpo, sua sexualidade e sua vida. E o estímulo ao conhecimento baseado em evidências e à priorização da segurança das pacientes permite desenvolver o profissionalismo no/a egresso, o que pode evitar desfechos trágicos, sobretudo num cenário de pandemia.