INTRODUÇÃO
Segundo Willian Osler, médico canadense que viveu no século XX, conhecido por ser autor de importantes reflexões sobre a prática médica, o aprendizado deve incluir o contato com o paciente como ferramenta fundamental, ao lado de aulas e livros, como intermediadores desse contato1.
No mesmo sentido, Batista et al.2 enfatizam que o processo de formação médica está diretamente relacionado à participação do aluno na prática diária da profissão, problematizando decisões e atitudes com o professor. Nessa perspectiva, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina observam que a estrutura da graduação em Medicina deve proporcionar aos alunos, desde o início da formação, a oportunidade de interagir ativamente com os pacientes e profissionais de saúde, a fim de que o estudante assuma de forma crescente as responsabilidades inerentes à profissão, presenciando e enfrentando os desafios diários da prática médica3.
Visando alcançar esse objetivo, tem sido aplicado no meio acadêmico médico um método ativo de ensino-aprendizagem no qual o estudante de Medicina é inserido no cenário prático de atendimento à sociedade desde o início da graduação, o que tem contribuído positivamente para a formação desses profissionais da saúde, os quais concluem o curso tendo desenvolvido diversas habilidades fundamentais não somente para o processo saúde-doença, mas também para a construção de uma relação médico-paciente alicerçada no respeito, no cuidado e na empatia4.
Uma vez que a graduação em Medicina da Universidade Federal de Viçosa (UFV) busca seguir as atuais diretrizes de ensino médico, os acadêmicos são introduzidos desde o primeiro período no cenário prático e, supervisionados por um médico preceptor, atuam nos diversos cenários de atendimento, contemplando as atenções primária, secundária e terciária à saúde.
Essa presença do estudante de Medicina durante as consultas médicas nos ambulatórios do Sistema Único de Saúde (SUS) resulta em um ambiente diferente do atendimento médico usual. Estudos na literatura nacional acerca dessa temática sob a visão dos pacientes têm demonstrado percepções frequentemente positivas, com a maioria dos pacientes avaliando como algo bom o fato de terem sido atendidos por estudantes5),(6, apesar de uma minoria relatar experiências negativas.
Além dos estudos brasileiros, pesquisas internacionais a respeito desse assunto reforçam os resultados encontrados no Brasil, como o estudo conduzido pela Universidade da Califórnia, em Irvine, no Departamento de Medicina da Família, no qual foi inferido que a maior parte dos pacientes atendidos pelos estudantes, sob supervisão do médico preceptor, considerou que a participação do acadêmico na consulta melhorou, de fato, a qualidade do atendimento recebido7. Porém, existe uma pequena porcentagem de pacientes que relatam que algumas vezes se sentem constrangidos ou incomodados com a presença de alunos. De acordo com alguns relatos de uma amostra diminuta de pacientes6),(8, os direitos previstos pelo Código de Ética Médica não foram respeitados, o que vai de encontro ao que consta no artigo 110, que veda ao médico a prática da medicina, no exercício da docência, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal9.
Ainda existem poucos estudos na literatura acerca da percepção dos pacientes sobre o estudante de Medicina no cenário prático, podendo-se observar, na cidade de Viçosa, a inexistência de trabalhos nessa temática. Assim, verificou-se a necessidade de conduzir um estudo sobre esse tema a fim de analisar se os resultados encontrados se assemelham à literatura e identificar os pontos dessa metodologia que precisam de reestruturações, visando ao benefício não somente dos acadêmicos, mas também dos pacientes. Objetivou-se, portanto, avaliar o ponto de vista dos usuários em relação à presença dos estudantes de Medicina em um serviço-escola de saúde.
MÉTODO
Realizou-se um estudo transversal e descritivo com pacientes atendidos por estudantes de todos os períodos do curso de Medicina, sob supervisão de preceptores médicos. Os pacientes foram entrevistados durante o ano de 2019, na Unidade de Atendimento Especializado em Saúde (Uaes), ambulatório da UFV vinculado ao SUS e localizado em Viçosa, em Minas Gerais. Essa amostra foi aleatória (entrevistaram-se pacientes atendidos em diversos dias e horários de funcionamento da unidade de saúde) e temporal (num período de seis meses), e teve como número total de entrevistados 200 indivíduos - considerando que a média de atendimento médico supervisionado na unidade é de quatro mil pessoas por semestre (https://www.uaes.ufv.br/) -, o que significa uma amostragem com grau de confiança de aproximadamente 90% e margem de erro 5%. Como instrumento, aplicou-se um questionário com 16 questões fechadas e uma dissertativa, abordando inicialmente características sociodemográficas, seguidas por questões específicas estruturadas de acordo com os objetivos.
Os indivíduos eram convidados a participar da pesquisa no setor de recepção, ao fim de cada consulta. Nesse momento, os pesquisadores se apresentavam e convidavam os pacientes a participar da pesquisa. No turno em que havia membros da pesquisa na unidade, todos os pacientes que finalizaram consultas foram convidados a participar. Após esclarecimento dos objetivos da pesquisa, obtenção de assentimento e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os participantes autopreenchiam o questionário. No caso de pacientes com idade entre 14 e 18 anos, o TCLE foi assinado pelo responsável, e o termo de assentimento, pelo participante. Todos os indivíduos convidados a participar aceitaram, não havendo recusa.
Para a elaboração do banco de dados, a codificação, a digitação e as análises estatísticas, utilizaram-se os softwares Excel e IBM-SPSS, com a obtenção de frequências absolutas e relativas. Para o teste de comparações entre variáveis categóricas, adotaram-se os testes do qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher, e considerou-se o nível de significância de 0,05.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da UFV em mediante Parecer nº 3.189.425. Não houve fonte de financiamento, pois tratava-se de uma iniciação científica voluntária de graduandas do curso de Medicina.
RESULTADOS
Foram entrevistados 200 pacientes, cujas características estão demonstradas da Tabela 1. Observa-se predomínio do gênero feminino (79%) e da faixa etária de 19 a 40 anos (53%). Os níveis de escolaridade mais frequentes foram médio completo (28,5%) e fundamental incompleto (27,5%). Em relação ao local de origem do referenciamento, houve predomínio do próprio município (61,5%), mas com parcela considerável de pacientes atendidos provenientes da microrregião de saúde (38,5%). Quanto às áreas em que os pacientes foram atendidos, destacaram-se a clínica médica (39%) e a ginecologia/obstetrícia (31%), seguidas da pediatria (16%) e cirurgia (14%).
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Gênero | ||
Masculino | 41 | 20,5 |
Feminino | 158 | 79,0 |
Não declarado | 1 | 0,5 |
Faixa etária (anos) | ||
14-18 | 11 | 5,5 |
19-30 | 51 | 25,5 |
31-40 | 55 | 27,5 |
41-50 | 38 | 19,0 |
51-60 | 29 | 14,5 |
> 60 | 16 | 8,0 |
Escolaridade | ||
Analfabeto | 3 | 1,5 |
Fundamental incompleto | 55 | 27,5 |
Fundamental completo | 15 | 7,5 |
Médio incompleto | 39 | 19,5 |
Médio completo | 57 | 28,5 |
Superior incompleto | 8 | 4,0 |
Superior completo | 17 | 8,5 |
Pós-graduação | 6 | 3,0 |
Origem da unidade de saúde que referenciou o paciente | ||
Viçosa | 123 | 61,5 |
Outro | 77 | 38,5 |
Especialidade em que o paciente foi atendido | ||
Clínica médica | 78 | 39,0 |
Ginecologia/obstetrícia | 62 | 31,0 |
Pediatria | 32 | 16,0 |
Cirurgia | 28 | 14,0 |
Quando se analisaram as respostas às perguntas em escala de Likert (Tabela 2), pôde-se observar que a informação prévia sobre o atendimento por estudantes de Medicina supervisionados pelo professor ocorreu em 91,5% dos casos; os estudantes se identificaram e explicaram como seria o atendimento em 95,5%; a solicitação de consentimento para realizar o atendimento foi relatada por 95,5%.
Variáveis | Escala de Likert | |||
---|---|---|---|---|
Concordo totalmente | Concordo | Discordo | Discordo totalmente | |
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |
O(a) senhor(a) foi informado(a) previamente que seria atendido(a) por estudantes de Medicina acompanhados pelo professor? | 143 (71,5) | 40 (20,0) | 6 (3,0) | 11 (5,5) |
Os estudantes se identificaram e explicaram como seria o atendimento? | 158 (79,0) | 33 (16,5) | 5 (2,5) | 4 (2,0) |
Os estudantes pediram seu consentimento para realizar o atendimento? | 145 (72,5) | 46 (23,0) | 6 (3,0) | 3 (1,5) |
Houve algum ato de desrespeito ou falta de educação com o(a) senhor(a) pelo estudante? | 3 (1,5) | 5 (2,5) | 32 (16,0) | 160 (80,0) |
Durante o atendimento, o estudante foi respeitoso, educado e atencioso com o(a) senhor(a)? | 175 (87,5) | 21 (10,5) | - | 4 (2,0) |
O(a) senhor(a) sentiu-se incomodado, constrangido ou sem privacidade? | 11 (5,5) | 11 (5,5) | 50 (25,0) | 128 (64,0) |
O(a) senhor(a) sentiu-se satisfeito(a) em estar contribuindo para o aprendizado do estudante? | 160 (80,0) | 35 (17,5) | 2 (1,0) | 3 (1,5) |
O senhor(a) sentiu que recebeu mais explicações sobre a sua condição de saúde durante o atendimento? | 145 (72,5) | 46 (23,0) | 6 (3,0) | 3 (1,5) |
O(a) senhor(a) se sentiu satisfeito com o atendimento? | 173 (86,5) | 24 (12,0) | 2 (1,0) | 1 (0,5) |
Se o(a) senhor(a) fosse avisado(a) previamente e pudesse escolher, gostaria de ser atendido(a) novamente por estudante? | 138 (69,0) | 51 (25,5) | 8 (4,0) | 3 (1,5) |
Adequado | Inadequado, muito rápido | Inadequado, muito demorado | ||
n (%) | n (%) | n (%) | ||
Como o(a) senhor(a) avalia o tempo de duração do atendimento? | 185 (92,5) | 1 (0,5) | 14 (7,0) |
Apenas 4% dos pacientes relataram ter havido algum ato de desrespeito ou falta de educação por parte dos estudantes. Contudo, 98% dos pacientes relataram que os estudantes foram respeitosos, educados e atenciosos. Além disso, 11% dos pacientes sentiram-se incomodados, constrangidos ou sem privacidade.
A satisfação em contribuir para o aprendizado dos estudantes foi relatada por 97,5% dos pacientes. O sentimento de receber mais explicações sobre a condição de saúde foi informado por 95,5% dos pacientes. A satisfação com o atendimento ocorreu em 98,5% dos casos, e 94,5% dos pacientes relataram que gostariam de ser atendidos novamente por estudantes. A duração do atendimento foi considerada adequada por 92,5% dos pacientes.
Após realização dos testes de comparações entre as diversas variáveis do estudo, constaram-se diferenças significantes entre elas (Tabela 3).
Variáveis | Desfechos | Valor de p | |
---|---|---|---|
Constrangimento | |||
Sim n (%) | Não n (%) | ||
Desrespeito | < 0,001* | ||
Sim | 5 (62,5) | 3 (37,5) | |
Não | 17 (8,9) | 175 (91,1) | |
Duração do atendimento | |||
Adequado n (%) | Inadequado n (%) | ||
Escolaridade | 0,012** | ||
Até fundamental | 63 (86,3) | 10 (13,7) | |
> Fundamental | 122 (96,1) | 5 (3,9) | |
Informação prévia | 0,027* | ||
Sim | 172 (94,0) | 11 (6,0) | |
Não | 13 (76,5) | 4 (23,5) |
Constrangimento: sensação de incômodo, constrangimento ou falta de privacidade; desrespeito: sensação de ato de desrespeito ou falta de educação por parte do estudante; duração do atendimento: avaliação da duração do atendimento: informação prévia: informação prévia do atendimento por estudantes de Medicina acompanhados pelo professor.
*Teste exato de Fisher. **Teste do qui-quadrado.
O relato de incômodo/constrangimento/falta de privacidade foi mais frequente entre os pacientes que informaram ter sofrido ato de desrespeito/falta de educação por parte do estudante, quando comparado aos que negaram sua ocorrência (62,5% versus 8,9%; p < 0,001). A avaliação da duração do atendimento como adequada foi mais frequente entre os pacientes com maior nível de escolaridade, quando comparados aos que estudaram até o ensino fundamental (96,1% versus 83,3%; p = 0,012). Também se observou maior frequência na avaliação da duração do atendimento como adequada entre os pacientes que foram informados previamente sobre o atendimento por estudantes supervisionado pelo professor, em comparação aos não informados (94% versus 76,5%; p = 0,027).
DISCUSSÃO
Com relação à abordagem inicial do paciente ao chegar ao serviço de saúde da Uaes, local onde a pesquisa foi realizada, são protocolares o esclarecimento e o consentimento do paciente sobre a participação dos alunos durante as consultas. Porém, quando questionados sobre terem sido informados previamente acerca desse tipo de atendimento, uma porcentagem considerável, como observado na Tabela 2, discordou da afirmação. Isso pode demonstrar falhas no processo de comunicação ou necessidade de adaptação de comunicação efetiva por parte dos funcionários da recepção da unidade relacionados a cada paciente de acordo com seu contexto sociocultural, para que todos consigam compreender o formato no qual o atendimento será realizado. Ainda no início desse contato com o paciente, é orientado pelos preceptores que o estudante se apresente e explique como se dará o atendimento, mediante consentimento do paciente, como enfatizado no Código de Ética Médica, o qual veda a prática da medicina, no exercício da docência, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal9. Com relação a esses pontos, o estudo encontrou que a maioria dos pacientes concordou com a afirmação de que o estudante se identificou e explicou como se daria o atendimento, e ainda boa parte concordou que o consentimento para iniciar o atendimento foi solicitado, demonstrando a quase unanimidade de concordância de que tais princípios básicos estão sendo observados nesse cenário de prática dos estudantes. Esses resultados positivos se contrapõem a alguns estudos encontrados na literatura10),(11, mas, apesar disso, a minoria que relatou a ausência do pedido de consentimento revela haver, nesse cenário, a necessidade de reforçar com alunos e preceptores a importância de se obter o consentimento do paciente no cenário acadêmico.
Em relação à duração do atendimento, uma pequena porcentagem dos entrevistados julgou o atendimento inadequado por ser muito rápido ou muito demorado. Todavia, a maioria absoluta dos entrevistados considerou a duração adequada, como visto na Tabela 2. Essa proporção de pacientes que julgaram a duração do atendimento adequada foi maior entre aqueles que foram informados previamente da realização do atendimento por estudantes acompanhados do professor, em relação aos que relataram que não receberam informação (94,0% versus 76,5%), como mostra a Tabela 3. Isso demonstra que o consentimento, além de ser direito dos pacientes, melhora a percepção em relação aos atendimentos, ajudando-os a compreender o porquê de a duração das consultas ser um pouco maior que o usual devido ao processo de ensino-aprendizado característico da preceptoria, o que resulta em uma maior satisfação dos pacientes por participarem da educação que fornece à sociedade futuros médicos11. Constatou-se ainda que a proporção de relato de duração adequada do atendimento foi maior entre os entrevistados com maior escolaridade, quando comparados aos de menor escolaridade (96,1% versus 86,3%), como mostra a Tabela 3. Percebe-se, portanto, que os pacientes que julgaram a duração do atendimento inadequada possuem, em sua maioria, escolaridade até nível fundamental, e essa mesma parcela que observou inadequação do tempo, em sua maioria, relatou não ter sido informada previamente da participação dos estudantes no atendimento. Com isso, é possível sugestionar que o menor nível de escolaridade esteja relacionado com a dificuldade de compreensão de como se dará o atendimento, resultando na percepção de tempo inadequado do atendimento, sendo necessário, portanto, oferecer essa informação por meio de uma comunicação mais acessível a essa parcela da população.
No estudo, observou-se também que a maioria dos pacientes mencionou ter recebido mais informações sobre a sua condição de saúde durante o atendimento com a presença do aluno, resultado consonante ao encontrado em outras pesquisas12),(13. Esse achado pode ser atribuído ao fato de o médico preceptor realizar mais explicações sobre a condição de saúde do indivíduo para que o estudante também possa compreender as questões envolvidas no quadro clínico do paciente. Tal resultado aponta para a necessidade dos profissionais de saúde que realizam atendimentos de rotina, sem a presença do estudante, sejam mais detalhistas em relação às informações oferecidas ao paciente6.
Em relação ao constrangimento e incômodo, uma minoria relatou se sentir incomodada, constrangida ou sem privacidade durante o atendimento. Não houve diferença estatisticamente significativa da frequência desse relato entre as especialidades médicas oferecidas na unidade, o que se contrapõe à literatura6 e ao estudo de Rio et al.13. O trabalho de Rio et al.13 concluiu que, em se tratando de consulta ginecológica, as mulheres pesquisadas apresentaram receio de serem examinadas pelo estudante, e a maioria preferia ser atendidas apenas pelo médico. A maior frequência do relato de incômodo e constrangimento entre os pacientes que informaram ter sofrido atos de desrespeito ou falta de educação, como visto na Tabela 3, pode ser atribuída ao fato de o incômodo e o constrangimento serem consequências do desrespeito sofrido pelo paciente, reforçando a necessidade de combater esses atos na prática do estudante. As principais justificativas de incômodo relatadas nas respostas à pergunta aberta estão relacionadas ao número de estudantes presentes durante o atendimento, ao uso de celular por alguns estudantes e ao tempo de espera para consulta, como mostra o Quadro 1. Apesar disso, prevaleceu a porcentagem que negou se sentir incomodada, constrangida ou sem privacidade.
No que tange a atos de desrespeito ou falta de educação com o paciente por parte do aluno, poucos entrevistados concordaram que houve atos desrespeitosos durante o atendimento. Embora esse seja um percentual pequeno dos relatos, ele demonstra um ponto essencial que precisa ser aprimorado nas preceptorias, para que o índice possa ser ainda menor. Para tanto, é imprescindível enfatizar com os acadêmicos a necessidade de zelar pelo respeito e pela educação durante as consultas para criar uma boa relação médico-paciente.
Entretanto, quando questionados sobre terem recebido atendimento respeitoso por parte dos estudantes, a quase totalidade dos entrevistados estava de acordo. Esse ponto de fundamental importância no relacionamento entre pacientes, médicos e estudantes é enfatizado pelo Código de Ética do Estudante de Medicina14 e abordado amplamente com os alunos do curso em que a pesquisa foi realizada; trata-se, portanto, de um resultado positivo. O Código de Ética do Estudante de Medicina também destaca como dever do estudante dedicar sua atenção ao atendimento ministrado, evitando distrações com aparelhos eletrônicos e conversas alheias à atividade. Porém, na questão aberta, foi relatado como ponto negativo o fato de o estudante de Medicina usar o celular durante o atendimento médico, como mostra o Quadro 1. Isso, além do fato de que alguns pacientes concordaram que o estudante foi desrespeitoso, revela ainda a necessidade de os docentes enfatizarem a primordialidade do respeito e da empatia pelo paciente, já que, como observado por Silva Junior et al.8, o estudante deve compreender desde o início do curso médico que “o atendimento deve obrigatoriamente ser humanizado, pois o paciente é um ser humano que está, na maioria das vezes, em um momento de sofrimento e que requer a nossa atenção para, no mínimo, aliviarmos este sofrimento”.
A literatura acerca do tema abordado neste trabalho indica, em sua maioria, satisfação do paciente em contribuir para o aprendizado8),(13),(15),(16. Do mesmo modo, a quase totalidade dos pacientes entrevistados se sentiu satisfeita em contribuir para o aprendizado do estudante. Além disso, um relato espontâneo na questão aberta apontou que “temos que dar chance para os alunos aprenderem”, como constatado no Quadro 1. A percepção de contribuição para a formação médica gera satisfação pessoal do paciente, permitindo presumir que assim há maior aceitabilidade do estudante no cenário de prática. Portanto, a verificação de que a maioria dos entrevistados possui essa consciência é muito positiva, por influenciar na satisfação com o atendimento em geral, podendo também facilitar a relação entre pacientes e alunos. Com relação à satisfação do paciente acerca do atendimento, os resultados demostram que a quase totalidade dos usuários encontra-se satisfeita com os atendimentos que está recebendo dos alunos acompanhados de seus preceptores. Essa satisfação quase unânime certamente é produto final de muitos fatores que interagem na relação entre paciente, estudante e médico. Como se observou, a maior parte dos pacientes entrevistados tinha conhecimento da participação do aluno, recebeu pedido de consentimento, sentiu que recebeu um atendimento respeitoso, com mais informações sobre sua saúde, e que contribuiu para o aprendizado do estudante. Tudo isso revela a qualidade do serviço de saúde ofertado à população e do ambiente de ensino no qual os estudantes estão inseridos, o qual lhes proporciona a aquisição de experiências positivas no contato com o paciente. O atendimento de qualidade oferecido pelos estudantes que satisfez os usuários possibilita que estes retornem ao serviço e melhora a integração17. Isso concede maior oportunidade de aprendizagem e beneficia tanto o ensino quanto a população18.
Outro resultado que demonstra uma percepção positiva dos atendimentos realizados pelos acadêmicos consiste no fato de que uma grande parcela dos voluntários da pesquisa concordou que gostaria de ser atendida novamente pelos estudantes de Medicina, o que se contrapõe aos resultados encontrados em alguns estudos6),(13, em que grande parte dos pacientes pontuou que não gostaria de ser atendido novamente por acadêmicos de Medicina. Esse resultado reflete, em última análise, aceitação do estudante pelo paciente, favorecendo que este retorne ao serviço futuramente, além de ser considerado um estímulo para os estudantes aprimorarem seu conhecimento e sua postura acolhedora e profissional durante o atendimento18.
Em uma revisão bibliográfica recente sobre a percepção dos usuários do SUS quanto à presença de acadêmicos de Medicina nas clínicas-escola, os autores afirmaram que conhecer a opinião dos pacientes sobre o serviço representa uma importante forma de refletir sobre o atendimento oferecido, a fim de propor melhorias no trabalho em equipe, e, para isso, é necessária a investigação do perfil dos usuários, bem como dos fatores que promovem sua satisfação e insatisfação16. De acordo Câmara et al.16, “a ótica dos usuários é o produto mais fidedigno da qualidade do atendimento em saúde e instrumento de aperfeiçoamento não só do processo de ensino e aprendizagem, mas em nível de gestão”.
Essas afirmações demonstram a importância e necessidade de pesquisas voltadas a tal área, com vista ao aperfeiçoamento constante do trabalho e ensino na área da saúde.
CONCLUSÃO
A pesquisa demonstra a importância de informar previamente ao paciente que o atendimento será feito por estudantes de Medicina acompanhados do professor, além da relevância do consentimento, já que são fatores que proporcionam um maior conforto ao paciente durante o atendimento e também influenciam na percepção final do usuário em relação ao atendimento recebido.
Além disso, fica evidente a relevância de uma postura respeitosa e profissional do estudante durante o atendimento. Apesar de a maioria dos pacientes relatar satisfação com o atendimento, há pontos que podem ser melhorados com medidas que busquem diminuir o constrangimento, como priorizar o menor número de estudantes possível na sala e fazer que os preceptores estimulem e exijam uma postura respeitosa dos alunos. Ademais, os serviços devem se certificar de que os pacientes estão sendo informados de maneira clara sobre a presença dos estudantes durante o atendimento.