INTRODUÇÃO
A coronavirus disease 2019 (Covid-19) é uma doença ocasionada por um coronavírus, denominado coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 - Sars-CoV-2)1. Emergiu em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, onde inicialmente a transmissão do Sars-CoV-2 de humanos para humanos foi confirmada e rapidamente se propagou pelos cinco continentes, sendo necessária a declaração de estado de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 20202.
A pandemia trouxe um novo contexto para o ensino superior no Brasil, e as instituições de ensino superior (IES) passaram a implementar o ensino remoto nas atividades teórico-cognitivas das mais diversas áreas de conhecimento, ampliando o uso das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem. Diante disso, os docentes precisaram reformular conteúdos e adaptar suas aulas presenciais para plataformas on-line com o emprego das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC)3),(4.
As IES acataram as recomendações do Ministério da Educação (MEC), e os docentes e gestores tiveram poucos meses para se adaptar ao novo momento com processos que já vinham sendo discutidos para possibilidades de implementação. Dessa forma, esse modelo tornou-se um grande desafio para as mais diversas IES5),(6. Muitas dúvidas e questionamentos permearam essa nova jornada estudantil, em que os alunos externavam suas dificuldades e inquietudes do momento para os seus docentes.
Nas diferentes escolas médicas, houve a inserção de plataformas digitais como Teams®, Google for Education®, Moodle®, Zoom Cloud Meetings®, entre outras, permitindo que as IES mantivessem as atividades do período letivo em tempos de pandemia. Organizaram-se equipes de apoio tecnológico que pudessem suprir em tempo hábil as dificuldades enfrentadas pelos docentes e discentes, a fim de reduzir eventuais descompassos no ensino-aprendizagem no modelo de ensino remoto emergencial (ERE) das IES.
Esse novo cenário fez com que os estudantes desenvolvessem diversas habilidades para fomentar métodos de estudo que pudessem ser eficazes nesse período de ensino remoto. Muitos desafios enfrentados - como o impacto da pandemia na renda familiar, o adoecimento ou a perda de familiares e amigos - foram predominantes no dia a dia dos discentes, e consideraram-se esses fatores em relação à baixa do rendimento dos discentes nas atividades institucionais7),(8.
Dessa forma, foi necessária uma adaptação na rotina dos estudantes, já que a maioria das atividades acontecia de forma presencial e o cenário havia mudado totalmente. Nesse momento, surgiu a oportunidade de lidar com o ambiente doméstico, que também era um ambiente de home office5)-(9. Os estudantes passaram a enfrentar um processo de adaptação na organização acadêmica. Como eles não dispunham de habilidades necessárias para que pudessem ter um bom rendimento nos estudos e ser aprovados no período letivo, as IES foram sensíveis a esse momento de dificuldades.
Em um estudo realizado na Alfaisal University, na Índia, observou-se que a maior dificuldade dos estudantes foi a adaptação às novas ferramentas de estudo, bem como a transição do ensino tradicional para a inserção da modalidade do Problem Based Learning (PBL), que, na visão dos gestores dessa instituição, é a metodologia que melhor se encaixava no ensino remoto10. Nas escolas médicas com projetos pedagógicos em metodologias ativas, houve a necessidade de uma pequena adaptação do método presencial ao on-line, de modo que os eixos temáticos foram mantidos em ensino sob o regime de ERE, inclusive a tutoria, possibilitando que os estudantes pudessem continuar desenvolvendo os conteúdos por meio da utilização das mais diversas metodologias de ensino para fixação, sem alteração na programação teórica do semestre letivo.
Nessa perspectiva, este estudo teve como objetivos descrever de que forma ocorreu o estudo dirigido, identificar as estratégias de fixação de conteúdo utilizadas e identificar a percepção dos estudantes acerca das habilidades de autogestão do tempo e da emoção desenvolvidas durante a vigência do ERE.
MÉTODO
Trata-se de um estudo com delineamento transversal exploratório de caráter quantitativo e qualitativo, realizado com alunos do curso de Medicina de IES nacionais, públicas e/ou privadas, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, que estavam matriculados e frequentando o curso na vigência das atividades remotas (primeiro e segundo semestres de 2020) e que tinham cursado ao menos um semestre de atividades habituais dos seus respectivos cursos até dezembro de 2019 e ao menos um semestre de suas atividades acadêmicas em ambiente remoto ou sob o regime de ERE. Para evitar possíveis prejuízos relacionados à inatividade prévia, foram excluídos estudantes que reingressaram no curso no ano de 2020.
A amostragem foi do tipo bola de neve, e a coleta de dados ocorreu por meio de um questionário semiestruturado construído na plataforma Google Forms ® , de autoria das pesquisadoras, cujo link foi distribuído com um convite via mensagem de WhatsApp®, inicialmente aos representantes de turma e centros acadêmicos dos cursos de Medicina em que as pesquisadoras são docentes, solicitando que estes repassassem a mensagem aos seus colegas em diferentes partes do Brasil; essa mensagem também foi postada nas redes sociais das pesquisadoras. O formulário não coletou dados que identificassem individualmente os respondentes. O questionário continha os seguintes itens: sexo, idade, ano do curso, tipo de gestão, estado, tipo de matriz curricular, percepção e estratégias do aluno quanto à gestão do tempo e do estudo dirigido, estratégias utilizadas por ele aluno para a gestão do tempo e das emoções, e percepção sobre o ganho e/ou desenvolvimento de habilidades de autogestão adquiridas.
Para responder às perguntas, o estudante tinha que ler o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que detalha os objetivos do estudo, o que é feito com os dados, os riscos e benefícios, e voluntariamente concordar em participar da pesquisa.
As respostas foram inicialmente codificadas, transcritas e organizadas para a análise quantitativa, em que se calcularam as estatísticas descritiva, com o auxílio do software GraphPad Prism versão 9.2.0, e qualitativa, por meio da análise de similitude e nuvem de palavras, executadas pelo software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Iramuteq). Para a análise qualitativa, determinaram-se as temáticas dos corpora que estruturaram os resultados da pesquisa e buscaram responder aos objetivos propostos. Segundo Camargo et al.11) e Bueno12, o software não é um método de análise de dados, mas uma ferramenta para processá-los, portanto não a conclui, sendo a interpretação de responsabilidade do pesquisador.
Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) - Parecer no 4.733.889 - em 25 de maio de 2021, e a coleta de dados ocorreu entre maio e setembro de 2021.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram voluntariamente do estudo 93 estudantes com média de idade igual a 24,0 ± 4,7 anos (IC95% 23,1-25,0), variando de 20 a 48 anos e 61,3% (57/93) eram do sexo feminino; ao menos 75% dos participantes tinham 25 anos ou menos. A Tabela 1 apresenta a caracterização dos participantes segundo variáveis epidemiológicas e acadêmicas.
Variável | n | % | IC95% |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Feminino | 57 | 61,3 | 51,1 - 70,6 |
Masculino | 35 | 37,6 | 28,5 - 47,8 |
Prefiro não responder | 1 | 1,1 | 0,1 - 5,8 |
Período acadêmico | |||
4º | 9 | 9,8 | 5,2 - 17,6 |
5º | 4 | 4,3 | 1,7 - 10,7 |
6º | 6 | 6,5 | 3,0 - 13,5 |
7º | 11 | 12,0 | 6,8 - 20,2 |
8º | 14 | 15,2 | 9,3 - 23,9 |
9º | 48 | 52,2 | 42,1 - 62,1 |
Gestão da Instituição | |||
Privada | 77 | 81,9 | 72,9 - 88,4 |
Pública | 17 | 18,1 | 11,6 - 27,1 |
Região de localização da escola | |||
Norte | 83 | 79,0 | 70,3 - 85,7 |
Sudeste | 17 | 16,2 | 10,4 - 24,2 |
Nordeste | 4 | 3,8 | 1,5 - 9,4 |
Sul | 1 | 1,0 | 0,0 - 5,2 |
Estratégias de metodologias ativas na matriz curricular do curso | |||
Em todas as unidades curriculares | 82 | 88,2 | 80,0 - 93,3 |
Em parte das unidades curriculares | 11 | 11,8 | 6,7 - 20,0 |
Fonte: protocolo de pesquisa, 2021.
Os participantes foram questionados quanto à forma como o estudo dirigido foi conduzido durante o período do ERE, sendo abordados aspectos como estabelecimento de tempo e estratégias para melhorar sua gestão, administração das emoções nos momentos destinados às atividades do curso, estratégias de fixação de conteúdo utilizadas e desenvolvimento de novas habilidades (Tabela 2).
Pergunta norteadora | n | % | IC95% |
---|---|---|---|
Estabeleceu tempo para o estudo dirigido? | |||
Sim | 55 | 59,1 | 49,0 - 68,6 |
Não | 38 | 40,9 | 31,4 - 51,0 |
Traçou estratégias para melhor gestão do tempo? | |||
Sim | 53 | 57,0 | 46,8 - 66,6 |
Não | 40 | 43,0 | 33,4 - 53,2 |
Tentou gerir as emoções no momento destinado às atividades do curso? | |||
Sim, tentei e consegui de alguma forma | 48 | 51,6 | 41,6 - 61,5 |
Sim, tentei, porém, não consegui de alguma forma | 37 | 39,8 | 30,4 - 49,9 |
Não tive problemas com minhas emoções | 6 | 6,5 | 3,0 - 13,4 |
Não tentei gerenciar minhas emoções | 2 | 2,1 | 0,0 - 7,5 |
Percebeu diferença quanto às estratégias de fixação de conteúdo ao comparar com as que utilizava antes da pandemia? | |||
Sim | 64 | 68,8 | 58,8 - 77,3 |
Não | 29 | 31,2 | 22,7 - 41,2 |
Considera as estratégias foram eficientes | |||
Sim | 45 | 70,3 | 58,2 - 80,1 |
Não | 19 | 29,7 | 19,9 - 41,8 |
Na sua percepção, você entende que no período de atividades remotas pôde aprender novos métodos de estudo que implicam em uma melhor autogestão e desenvolvimento de novas habilidades? | |||
Sim | 60 | 64,5 | 54,4 - 73,5 |
Não | 33 | 35,5 | 26,5 - 45,6 |
Fonte: protocolo de pesquisa, 2021.
Quanto ao tempo dedicado ao estudo dirigido, 59,1% dos estudantes relataram que o estabeleceram e 57,0% afirmaram que traçaram estratégias para melhor geri-lo. Isso sugere que, apesar da transformação abrupta do ensino presencial em ERE, os estudantes conseguiram identificar as próprias dificuldades e adaptar-se para melhorar a organização acadêmica de estudos em meio à pandemia, de modo a buscar soluções para que pudessem gerir melhor o tempo dedicado ao estudo.
Na pesquisa de Santos et al.13 sobre o estresse de acadêmicos de um curso de Fisioterapia, um dos pontos analisados foi a dificuldade de gestão de tempo, em que se observou a predominância da intensidade de estresse extremo. Como esse estudo ocorreu antes da Covid-19, ele diverge dos dados da nossa pesquisa que mostrou uma boa adaptação no período pandêmico.
Rios et al.14, ao analisarem os conteúdos recorrentes nos encontros de mentoria virtual para alunos ingressantes do curso de Medicina no período de março a dezembro de 2020, identificaram que uma das preocupações com a vida acadêmica era a dificuldade de organizar o conteúdo para estudar, o que se tornou um ponto importante para que o estudante buscasse soluções adequadas ao desafio de administrar bem o tempo.
No que diz respeito à gestão das emoções nesse período, mais da metade afirmou ter tentado e conseguido obter êxito, e 6,5% mencionaram que não tiveram problemas para administrar as próprias emoções. A gestão das emoções tornou-se uma ferramenta facilitadora para conduzir a capacidade de gerenciar sentimentos na rotina diária. De acordo com Meyer et al.15, a inteligência emocional evidencia a capacidade de lidar com as emoções de forma mais eficaz que outros processos cognitivos. Para esses autores, os indivíduos com elevada inteligência emocional são mais atentos ao que se passa no seu entorno e compreendem e gerenciam melhor as próprias emoções.
Diogo et al.16 observaram que, na questão do trabalho sobre si próprios, os estudantes referiram-se à gestão emocional no sentido de autoconhecimento, compreensão e controle das emoções e dos sentimentos, e esse trabalho interno diário está demonstrado na nossa pesquisa quando mais da metade dos estudantes afirmou que conduz bem o processo de gerenciamento das emoções.
Quanto às estratégias de fixação de conteúdo, 68,8% relataram que perceberam diferenças ao compararem os métodos utilizados no ERE com os que utilizavam antes da pandemia, e, desses, 70,3% consideraram que essas novas técnicas foram eficientes. Definir estratégias para a fixação de conteúdo é uma tarefa importante para o estudante universitário, e essa necessidade aumentou ainda mais no período do ensino ERE. Nesse sentindo, torna-se fundamental que o estudante seja capaz de captar o conteúdo, elaborar resumos e texto, e complementar o conhecimento adquirido com leitura de artigos, entre outras estratégias que enriqueçam as habilidades e competências esperadas de um futuro profissional17.
Segundo Ausubel18, a aprendizagem significativa exige a aquisição de novos significados a partir de um material ou conteúdo apresentado, que se torna potencialmente atraente ao aprendizado, e, de acordo com nossa pesquisa, os estudantes consideraram os novos modelos de oferta de conteúdos interessantes e eficientes.
No que se refere ao aprendizado de novos métodos de estudo que resultariam em melhor autogestão e no desenvolvimento de novas habilidades relacionadas, 64,5% relataram que perceberam esse aprendizado durante o ERE. A despeito das dificuldades relatadas, como quantidade de atividades e conteúdos cobrados, prazos, dificuldades do uso de algumas tecnologias novas, acesso à internet, entre outras, a maioria dos estudantes da pesquisa mencionou que aprendeu no período de ensino remoto.
No estudo de Appenzeller et al.19, constatou-se que o fato de escutar os alunos sobre as dificuldades no ensino ERE e o protagonismo deles na atuação em relação ao ERE foram essenciais para o sucesso do ensino nos tempos de pandemia, o que corrobora os resultados de nossa pesquisa.
Em relação à análise de similitude, todos os corpora analisados eram monotemáticos. Nas figuras de 1 a 3, verificam-se as principais coocorrências entre as palavras e a conexidade entre os termos presentes nos textos dos corpora, segundo a temática de cada um.
Os primeiros corpora analisados continham os relatos dos pesquisados em relação ao questionamento sobre o que “auxiliou na gestão das emoções” (Figura 1A) e o que “prejudicou a gestão das emoções” (Figura 1B).
A análise de similitude do corpus “auxiliou na gestão das emoções” (Figura 1A) gerou cinco grupos que se interconectaram, sendo possível observar os termos que se destacaram como centrais e que estavam fortemente interconectados em três dos grupos: “família”, “familiar”, “amigo”, “psicoterapia” e “não”. Essas palavras formaram pares de fortes conexões com outras que complementam seus significados, como “família-contato”, “família-amigo”, “família-contato”, “amigo-familiar”, “familiar-emoção”, “não-assistir” e “psicoterapia-meditação”.
De acordo com a análise dos discursos obtidos, o contato próximo com a família e os amigos foi referido por muitos estudantes como fator que auxiliou no processo de gestão das emoções (e_38; e_12; e_19; e_26; e_30; e_41; e_53), cujo relacionamento foi descrito como “base” (e_33), “suporte” (e_55) e “apoio” (e_49; e_61) para “conversar e desabafar” (e_56) sobre as “minhas emoções” (e_04). Ainda nesse corpus, expressam fortes relações os termos “conversar-familiar” e “familiar-emoção” (“conversar sobre minhas emoções com meus familiares”, e_04; “conversar e conseguir desabafar com alguns familiares sobre as minhas emoções”, e_44; “conversar com familiares”, e_24), “família-contato” (“contato com a família”, e_26; “contato próximo com a minha família”, e_41) e “psicoterapia-meditação” (“psicoterapia e meditação”, e_48 e e_60; “iniciei psicoterapia e meditação online”, e_46; “faço psicoterapia regularmente”, e_40).
Com efeito, manter contato frequente com familiares e amigos foi recomendado por diferentes iniciativas para auxiliar no manejo da saúde mental no período de isolamento20, pois a ruptura das conexões sociais tem importantes consequências na saúde mental e atua como elemento facilitador de impactos psicológicos negativos21. No estudo realizado por Konno et al.22) que avaliaram a associação entre solidão e sofrimento psicológico em trabalhadores japoneses durante a pandemia da Covid-19, foi encontrada forte associação entre a (falta de) comunicação com amigos, conhecidos e familiares e o sofrimento psicológico.
Considerando a estratégia de busca de ajuda especializada por meio da psicoterapia, no estudo realizado por Faro et al. (21, destacaram-se o potencial cenário de catástrofe em saúde mental gerado pelas medidas restritivas relacionadas à pandemia da Covid-19 e a necessidade de se investir em assistência adequada à saúde geral, em especial à saúde mental, enfatizando o apoio prestado pela psicologia, de modo a minimizar os impactos negativos da crise e atuar de modo preventivo.
Apresentaram-se fortemente associados ainda os termos “assistir” e “noticiário” (“evitar assistir a noticiários”, e_51 e “não assistir a noticiários”, e_63). Segundo Moreira23, as mídias exercem forte influência sobre a subjetividade dos indivíduos e produzem profundos impactos, modificando as noções de tempo e espaço e a ideia de autonomia subjetiva. Aguiar et al. (24 também consideram que a propagação de notícias com ênfase nos aspectos negativos, como desastres, violência e morte, é uma constante especialmente na mídia televisiva e alertam que, se expostas com frequência, as pessoas podem desenvolver sofrimento psíquico. Em seu estudo, esses autores analisaram o tempo utilizado e o teor de noticiais (positivas ou negativas) sobre a Covid-19 em dois telejornais brasileiros semanais da televisão aberta e encontraram maior tempo de exposição de conteúdos negativos quando comparados aos conteúdos positivos, como pessoas sobreviventes e vacinação.
Em relação ao corpus sobre o tema o que “prejudicou a gestão das emoções”, o grafo formado apresenta o termo “falta” centralizado, formando o eixo organizador dos discursos a respeito do tema desse corpus. Ele se conecta forte ou moderadamente com as palavras “faculdade”, “futuro”, “emocional”, “vez”, “estar” e “incerteza”. Um grupo independente formado pelos termos interconectados “medo”, “ansiedade”, “atividade”, “falta” e “coisa” aparece como um apêndice desse grupo, porém estabelecendo relação apenas com o termo “pandemia”.
De fato, a “falta” de “perspectiva” (e_51), “estímulo” (e_36; e_65), “aula” (e_65), “rotina” e “interações sociais” (e_61) gerou discursos marcados por incerteza quanto ao futuro em relação tanto à própria pandemia quanto à volta à rotina acadêmica (e_67; e_21; e_56; e_63; e_44; e_14; e_36), o que possivelmente foi amplificado pelo fato de “não poder sair de casa para atividades de lazer” (e_72), “ficar trancada em casa por muito tempo” (e_43), “estar casa muito tempo” (e_61) e “ficar isolado em casa” (e_23), discursos que justificam o binômio “ficar-casa” do grafo, corroborando os resultados obtidos por Enumo et al. (25 que, em seu estudo, referem que o contexto da pandemia se comporta como um estressor comum porque ela promove incertezas, ameaças à vida e desestabilização de rotinas. Além disso, destacam que sob estresse as situações são percebidas por nós como ameaças a três necessidades psicológicas básicas (NPB) inatas, universais e de valor evolutivo adaptativo aos seres humanos, que são as necessidades de “relacionamento”, de “competência” e de “autonomia”, o que desafia a nossa capacidade de autorregulação.
A gestão do tempo é essencial para que o indivíduo possa alcançar objetivos definidos e reduzir, assim, as chances de desencadear ansiedade por não atingir os alvos previstos ou por progredir com baixa produtividade. No presente trabalho, o termo “estudo” se apresenta centralmente situado e estabelecendo fortes associações com “organização”, “cronograma” e “manter”, que compartilham o mesmo grupo, e ainda com “específico” e “foco”, que estão em grupos diferentes da árvore gerada pela análise do corpus o que “auxiliou na gestão do tempo” (Figura 2A). O estabelecimento de um cronograma para organizar o estudo foi citado como importante para gerir o tempo que lhe foi dedicado (e_35; e_36; e_39) e para manter o foco (e_36; e_39), assim como a organização do horário e da rotina (e_20; e_44), o que, às vezes, foi possível com o auxílio de um aplicativo (e_05; e_08; e_36). “Estudar”, “meta” e “dia” estiveram fortemente relacionados, evidenciando discursos que valorizaram o estabelecimento de metas diárias como importante na gestão do tempo no período das atividades remotas (e_26; e_12; e_37; e_43). Estratégias como o uso de um planner e a restrição do uso de “celular” também foram destacadas como importantes na gestão do tempo, justificando as fortes relações entre os termos “celular-uso” e “uso-planner” (e_41; e_28; e_14; e_07; e_43).
Embora seja uma ferramenta que auxilia a organização da rotina por permitir o acesso aos aplicativos de gestão do tempo, entre outros, o uso de smartphones ou celulares pode se tornar um problema quando em excesso, a exemplo da nomofobia (no-mobile-phone-phobia), descrita como uma condição causada pelo desconforto decorrente da impossibilidade de comunicação por meios virtuais, transtorno que pode interferir no cotidiano das pessoas, no seu comportamento e nos hábitos, e no ambiente acadêmico, reduzindo o seu rendimento26),(27.
Além disso, o método “Pomodoro” (e_18; e_19) foi referido como uma estratégia que incrementou a concentração e a gestão do tempo. De fato, essa técnica tem sido aplicada com sucesso em diferentes tipos de atividade, desde a organização de hábitos de estudo e trabalho até o gerenciamento de projetos e redação de livros, no entanto é uma técnica que não deve ser utilizada para gerenciar atividades realizadas durante o tempo livre e tem seus efeitos positivos reduzidos ao ser descontinuada28),(29.
A Figura 2B foi gerada pela análise do corpus “prejudicou a gestão do tempo”. O termo “casa”, palavra mais frequente de um grupo, ficou centralizado, formando interconexões fortes, moderadas ou fracas com palavras de outros quatro grupos. Os binômios “casa-estudo” e “casa-distração” foram formados por fortes conexões, evidenciando os discursos que relacionaram o ambiente de casa com o as distrações experimentadas e que prejudicaram o estudo (e_07, e_10, e_82, e_54, e_25, e_31), enquanto “casa-ficar” e “casa-ambiente” foram formados por conexões moderadas; “casa-dia” e “casa-muito” estiveram interligados por uma ligação mais fraca em relação às demais citadas. O “comodismo”, a “ociosidade”, a “preguiça” e a “procrastinação” creditados ao fato de estar em casa (e_05, e_16, e_26, e_10) formam fatores citados nesse contexto, assim como o fato de ter que “dividir” as tarefas domésticas com o tempo de estudo (e_74, e_62, e_82). Se o fato de ter disponíveis aulas gravadas facilita a rotina do estudante, visto que podem ser acessadas a qualquer hora, isso também pode resultar em adiamento da tarefa, na preguiça em iniciá-la ou no seu acúmulo.
Estar desenvolvendo as atividades acadêmicas casa e, portanto, fora do ambiente da instituição também foi percebido como fator que prejudicou o processo de gestão do tempo, pois essa mudança de ambiente também se refletiu, segundo os estudantes, em prejuízo, conforme é demostrado pelas ligações moderadas entre “falta-prático” (“falta de aplicabilidade prática dos conhecimentos”, e_66; “falta de prática”, e_70; “sem a vivência prática”, e_08). Outros termos moderadamente interligados foram “muito-pandemia”, “pandemia-problema”, “pandemia-dificuldade” (“problemas pessoais durante a pandemia”, e_31; “dificuldade de lidar com a pandemia”, e_22; “a pandemia e as dificuldades de manter uma boa saúde mental”, e_17), “dia-grande”, “dia-não”, “dia-sempre”, “estudo-concentração”, “concentração-mesmo” (“dificuldade em manter a concentração”, e_25; “falta de concentração”, e_59), “mesmo-estudar”, “estudar-porque”, “estudar-desmotivação” (e_38, e_73, e_44, e_45, e_78, e_47) e “ficar-celular” (e_41, e_60, e_46, e_48). Adicionalmente, estiveram ligados, embora fracamente, os termos “não-cobrança”, “ficar-preguiça”, “ficar-acabar”, “casa-cansaço”, “cansaço-procrastinação” e “dificuldade-aula”. A relação expressa por essas conexões sugere que o ambiente doméstico, a despeito de proporcionar proximidade com os familiares - o que auxiliou a gestão das emoções -, também resultou em situações que interferiram na gestão de outro aspecto importante para os estudos (o tempo), pois não reuniu algumas condições necessárias para o desempenho favorável do processo de aprendizagem.
De fato, reservar ao estudo um local preferencialmente isolado, silencioso e livre de distrações é essencial para não comprometer o rendimento e aprendizado, e, dado que a sala de aula é um ambiente projetado para manter a atenção dos estudantes, no ambiente doméstico isso é um desfaio, pois uma série de fatores compete com a atenção nos estudos30.
O próprio cenário da pandemia e suas consequências diretas e indiretas também foram relatados pelos estudantes como fatores que prejudicaram a gestão do tempo, justificando a relação encontrada entre os termos “acabar-ansiedade”, “ansiedade-desânimo”, “desânimo-familiar”, “familiar-emocional”, “problema-conseguir”, “problema-pessoal” e “pessoal-falta”. Em revisão realizada por Gomes et al.2 que abordaram o impacto da pandemia na saúde mental dos universitários e na educação médica, evidenciaram-se relatos de transtornos como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, o que pode ser agravado pelas incertezas sobre o futuro de sua formação em decorrência dessas transformações, submetendo-os a uma carga emocional que causa ou deflagra danos à saúde mental.
A Figura 3A é resultado da análise do corpus “estratégias de fixação de conteúdo utilizadas” durante o ERE. As palavras “videoaulas”, “aula”, “estudar”, “estudo” e “resumo” aparecem em destaque, formando conexões mais fortes (“videoaulas-assistir”; “aula-gravar”; “aula-rever”; “aula-online”) ou menos fortes (“estudar-estudo”; “estudo-forma”; “estudo-resumo”; “conseguir-focar”; “resumo-utilizar”) com outras. De fato, a possibilidade de ter disponíveis as aulas gravadas ou videoaulas foi relatada como fator que ajudou pela possibilidade de rever sempre que necessário (e_01; e_18; e_20; e_14), ser um aspecto per se mais efetivo ou interessante (e_09; e_43; e_40; e_27; e_28; e_29) ou facilitar fazer resumos e mapas mentais (e_25).
Flashcards e “mapa mental” também foram estratégias citadas (e_32; e_05; e_06; e_41; e_24; e_25), além da confecção de resumos “manuscritos” ou feitos com “mais tempo” (e_15; e_17; e_23; e_25) e da realização de “exercícios” (e_11; e_06; e_13). Infere-se, por esses discursos, que tanto se lançou mão do uso de estratégias comumente não utilizadas quanto do aperfeiçoamento de daquelas que já faziam parte da rotina acadêmica, de modo que, no intuito de incrementar a fixação de conteúdo, também se prezou o uso de estratégias previamente experimentadas no ambiente acadêmico.
Com efeito, em outros contextos, como em comparação com aulas presenciais ou no ensino a distância (EaD), assistir às videoaulas é uma estratégia reconhecida como adequada e promotora de aprendizado, estando relacionada à percepção do aprendizado por alunos de graduação no estudo Rocha et al.31 que não encontraram diferenças entre a satisfação e a percepção de aprendizado quando compararam grupos submetidos a aulas expositivas e a videoaulas. Entretanto, esses mesmos autores sugerem o uso dessa metodologia pelo professor de forma complementar e ressaltam a importância da sintonização entre esses diferentes recursos a fim de que possam ser utilizados com fins educacionais, dado que, conforme observado por Camargo et al.32, da mesma forma que o professor não fala para a câmera exatamente como fala para os alunos em sala, o aluno também não recebe o discurso do professor da mesma maneira como o recebe na sala de aula. Adicionalmente, Benetti et al.33 destacam o papel da videoaula como recurso pedagógico no ensino superior como fator modificador e potencializador do processo de ensino-aprendizagem, intencionando a autonomia do aluno para a construção do conhecimento, que são alguns dos principais objetivos dos métodos ativos de ensino-aprendizagem.
Realizado por uma empresa de recrutamento de pessoal sediada na Inglaterra, a pesquisa intitulada “21 Skills for 2021” buscou revelar as habilidades sociais emergentes que estavam crescendo em importância para as empresas em todo o Reino Unido. Como conclusão, podem-se destacar a comunicação, a adaptabilidade, a gestão do tempo, a disciplina, a inteligência emocional, a resiliência, a priorização, a aprendizagem contínua e o conhecimento em tecnologia34. A despeito de ser resultado da opinião de líderes do mundo corporativo, essas habilidades são aplicáveis em quaisquer contextos.
Em nosso estudo, a análise do corpus “novas habilidades desenvolvidas” (Figura 3B) resultou em cinco grupos com discursos que podem ser divididos em: 1. habilidades em gerenciar emoções (“capacidade-forma”; “maior-controle”; “controle-ansiedade”; “ansiedade-saber”; “saber- paciência”); 2. habilidades em gerenciar recursos tecnológicos (“resumo-aula”; “aula-plataforma”; “plataforma-uso”; “uso-computador”); 3. habilidades no manejo de recursos didáticos (“utilizar- mapa”; “mapa-mental”); 4. habilidades em organização geral (“organização-melhor”; “organização-estudo”; “estudo-anotação”; “anotação-gestão do tempo”); e 5. habilidades em melhorar o processo de aprendizagem (“estudar-aprender”; “estudar-ajudar”; “aprender-melhorar”). A palavra “organização” foi a mais citada (11/90, 12,2%), seguida por “aprender” (9/90, 10%). De fato, a habilidade “organizar” se aplicou ao tempo (e_06), aos estudos (e_08), ao pessoal (e_41, e_81) ou ainda a não especificada (e_01, e_36, e_77, e_53, e_58, e_29 e e_32). Dessa forma, pode-se inferir que os estudantes perceberam o desenvolvimento de algumas das habilidades essenciais para superar os novos e recentes desafios impostos pelas mudanças no planeta.
CONCLUSÃO
A pandemia trouxe o ERE como alternativa para situação de necessidade de isolamento social, e concomitante a isso várias mudanças no cotidiano do estudante resultaram em um processo de estresse e ansiedade, sendo necessário desenvolver estratégias de enfretamento dos problemas e das dificuldades da nova rotina.
O estudo mostrou que, apesar das dificuldades encontradas, elas foram superadas com a adoção de estratégias centradas no desenvolvimento de habilidades de autogestão de tempo, emoções e fixação de conteúdo por parte dos estudantes, e, dessa forma, pode-se inferir que os estudantes perceberam o desenvolvimento de algumas das habilidades essenciais para superar os novos e recentes desafios impostos pelas mudanças no planeta, como organização pessoal, dos estudos e do tempo, além das relacionadas às emoções e ao gerenciamento de recursos tecnológicos.