INTRODUÇÃO
A intubação orotraqueal é um dos procedimentos mais importantes no manejo da via aérea. Fornece oxigenação e ventilação adequada para os pacientes e garante a proteção da via aérea1. As intubações de emergência têm um grau maior de dificuldade seja por fatores relacionados ao paciente, ao operador e ao ambiente. Quando somados os três fatores, a intubação se torna um procedimento com potencial de grandes complicações2),(3. A Covid-19 é um bom exemplo disso. A alta transmissibilidade por gotículas e aerossóis demanda o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), o que dificulta a visualização adequada da orofaringe durante o procedimento de intubação orotraqueal4),(5.
Estima-se que aproximadamente 3% dos pacientes com Covid-19 necessitarão de intubação orotraqueal em algum momento da doença6. No Brasil, um estudo relata que quatro de cada dez pacientes com indicação de internação necessitaram de via aérea definitiva com ventilação mecânica7. A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) preconiza o uso de videolaringoscópio para facilitar a técnica de intubação4, levando em consideração o aumento do grau de dificuldade da intubação na Covid-19 e da demanda elevada desse procedimento.
Pesquisas recentes demonstraram que a laringoscopia vídeo-assistida não aumenta o sucesso da intubação orotraqueal e nem diminui as complicações quando comparada à laringoscopia convencional. Entretanto, a laringoscopia videoassistida melhora a visibilização da glote e, para profissionais menos experientes, contribui para uma maior confiança na realização do procedimento8. Uma melhor visualização auxilia nos treinamentos de médicos menos experientes submetidos à intubação orotraqueal de manequins. Isso corrobora o fato de que quanto pior for o cenário nas simulações, maior será a eficiência da intubação videoassistida, se comparada com a laringoscopia convencional9.
Dessa forma, o treinamento de intubação videoassistida pode trazer resultados positivos à educação médica, uma vez que facilita o aprendizado no acesso à via aérea10. Para tanto, basta adaptar um dispositivo de baixo custo com câmera ao laringoscópio convencional para o ensino de intubação orotraqueal em ambiente de ensino remoto.
MÉTODO
O dispositivo artesanal para videolaringoscopia (Figura 1) é uma adaptação da laringoscopia indireta (videoassistida) com custo de US$ 20,00. Permite o treinamento em manequins nas duas modalidades: laringoscopias direita (sem o dispositivo) e indireta (com dispositivo). O dispositivo com câmera é acoplado a um laringoscópio convencional do tipo Macintosh (Figura 2). A câmera endoscópica é uma Wifi Wireless Endoscope de 2.0 megapixels, com diâmetro de 8 mm e comprimento do cabo variável a depender do fabricante. Apresenta saída USB em sua extremidade, o que possibilita conexão direta com celulares, computadores ou tablets, ou, ainda, a um transmissor wireless fidelity (wi-fi), o que permite a visualização da laringoscopia num raio de 5 a 30 metros. A imagem apresenta distância focal de 4 a 6 cm, e a luz de light-emitting diode (LED) da câmera associada à luz do laringoscópio convencional melhora a visualização da imagem da orofaringe.
A base da câmera é acoplada a uma liga metálica maleável, de modo a possibilitar a adaptação a lâmina do laringoscópio (conforme passo a passo da Figura 2). Pode ser utilizada em qualquer lâmina de laringoscópio, independentemente da numeração. Para isso, o dispositivo artesanal necessita de um distanciamento de 2 cm da extremidade distal da lâmina. As fitas adesivas dupla-face auxiliam em introdução e retirada do dispositivo, e facilitam o uso quando a videolaringoscopia é necessária.
RESULTADOS
O dispositivo artesanal de videolaringoscopia se conecta aos dispositivos eletrônicos (por exemplo, celulares). A visualização da imagem da laringoscopia pode ser visualizada em três situações: diretamente no dispositivo eletrônico que está conectado à saída USB; se conectado à caixa que transmite o wi-fi, pode ser visto por dispositivos eletrônicos conectados em um raio próximo (5-30 metros), sem limite de dispositivo (por exemplo, em uma sala de aula - Figura 3); e se o dispositivo de vídeolaringoscopia estiver conectado ao computador, a imagem pode ser transmitida por via remota, por meio de plataformas virtuais, para outros dispositivos eletrônicos, independentemente da distância (Figura 3).
DISCUSSÃO
O manejo adequado de via aérea é um fator que pode salvar vidas, e, para esse êxito, o profissional de saúde precisa ter um domínio adequado da técnica de laringoscopia e saber lidar com fatores que aumentam a complexidade do procedimento, como aspectos ambientais e perfil de paciente3. A utilização de dispositivos por vídeo nesses procedimentos vem agregando melhora do desempenho às intubações orotraqueais, tanto no ato em si quanto no uso para treinamento médico. A videolaringoscopia melhora a visibilização das estruturas da orofaringe e aumenta o distanciamento entre a face do executor da intubação orotraqueal e a cavidade oral do paciente. Isso permite uma abordagem adequada para intubações complicadas11, reduz a exposição da equipe que está realizando a intubação às secreções da orofaringe do paciente e diminui a possibilidade de infecções como a Covid-19.
O aparelho de laringoscopia por vídeo apresenta índices satisfatórios em relação à intubação orotraqueal em pacientes sem experiência com a laringoscopia convencional12. Pieters et al.3 utilizaram sete modelos de videolaringoscópio (visibilização indireta da orofaringe) e compararam com o laringoscópio com visualização direta (clássico, tipo Macintosh) em intubações com manequins. Notaram que todos foram melhores com a laringoscopia convencional - possivelmente por ser um modelo com o qual todos tiveram contato. Quando se compararam os videolaringoscópios, os dispositivos com a lâmina do tipo Macintosh (por exemplo, C-MAC) apresentaram maior agilidade na intubação e maior grau de satisfação. De acordo com o estudo Pieters et al.3, nos modelos com lâmina não clássicas, como Airtraq e Pentax AWS, os grupos necessitaram de mais tentativas para que o procedimento tivesse o mesmo sucesso, possivelmente por ser uma lâmina de laringoscopia com conformação nova, com a qual os avaliados não estavam familiarizados. O dispositivo artesanal se adapta à lâmina tipo Macintosh, e seu uso permite o treinamento das laringoscopias direta e indireta, já que o dispositivo é facilmente acoplado ao laringoscópio, podendo ser retirado a qualquer momento.
A visibilização com detalhes das estruturas da orofaringe colabora para o sucesso do procedimento de intubação orotraqueal, o que facilita no ensino em simulações, nas demonstrações do docente para o acadêmico e na visualização do procedimento do acadêmico para o docente. Sendo assim, as habilidades adquiridas em ambientes de simulação possibilitam um treinamento capaz de melhorar os resultados para os pacientes reais. Em alguns estudos, esse procedimento resultou na redução da mortalidade13.
As medidas de distanciamento afetaram as universidades durante a pandemia. A migração das atividades presenciais para as atividades remotas por meio de plataformas virtuais acrescentou dificuldades em relação ao ensino de habilidades práticas na formação médica14. O uso de dispositivos de vídeo, associado a tecnologias como transmissão das imagens por wi-fi (pode visualizar a imagem com executor próximo), ou a transmissão de imagem mediante compartilhamento em plataformas virtuais auxiliaram no ensino acadêmico. O dispositivo de videolaringoscopia de baixo custo facilita a prática de intubação, assim como permite o uso para demonstração do procedimento e auxilia na visualização para vários envolvidos no ensino da intubação orotraqueal. Este estudo apresentou um modelo de ensino em que se utilizou um dispositivo artesanal de laringoscopia por vídeo, contudo não foi realizada a validação do método.
CONCLUSÕES
O uso do dispositivo artesanal de baixo custo pode fazer parte do ensino técnico da intubação orotraqueal. A aplicação no ensino médico pode ser feita de forma presencial ou remota, de modo a melhorar a visibilização da orofaringe. Essa possibilidade de uso complementa o ensino tradicional e abre portas para outras modalidades.