INTRODUÇÃO
Em sociedades modernas, funcionalmente diferenciadas (Luhmann, 1984; Nassehi, 2011; Bachur, 2020), o sistema educacional ocupa uma função estratégica tanto para o desenvolvimento socioeconômico de um país como para a construção da identidade do indivíduo, uma vez que a educação promete benefícios materiais e imateriais para a sociedade, as famílias, as comunidades e os indivíduos, tais como salários mais altos, crescimento econômico, redução de desigualdade, melhor saúde e mais alto compromisso cívico-social (World Bank, 2019, p. 38). Isso, por um lado, significa para pessoas jovens, que uma sólida educação básica representa uma chance e um prérequisito para alcançar um trabalho que permita construir a própria vida. Por outro lado, a rapidez e a complexidade das mudanças econômicas, tecnológicas e culturais exigem uma atualização e uma readaptação permanente, mediante processos do lifelong learning (UNESCO, 2009).
Assim, o sistema da educação superior é, nas sociedades atuais, de importância estratégica para a formação pessoal e profissional de indivíduos de alta qualificação e para o desenvolvimento científico-tecnológico. Sua expansão, desde meados do século passado, se tornou um fenômeno global que abrange todos os países do mundo, incluindo o Brasil - que experimentou, nas últimas décadas, uma expansão extraordinária de matrículas e instituições de ES. Ao mesmo tempo, se observam taxas expressivas de abandono que variam muito entre países (Statista Research Department, 2010) e cursos (Heublein, Schmelzer, 2016; Prestes et al, 2016). No caso do Brasil, foi registrada, nos últimos anos, uma tendência de crescimento preocupante das taxas de evasão em todos os setores e áreas do ES, contrariando por completo os objetivos e as metas do programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) de 2007, que visou, entre seus objetivos, uma redução significante da taxa de evasão.
As elevadas taxas de evasão e os prejuízos materiais e imateriais que elas causam para a sociedade e os indivíduos não são uma temática nova (Latiesa, 1992), e as tentativas de combate contra o abandono (Freitas, 2007; Melo Lobo, 2012; Neto, Cruz, Pfitscher, 2008; Silva Filho, 2009; Silva Filho et al, 2007; Silva, Pereira, 2021) se tornaram uma constante nas políticas públicas educacionais desde o início dos anos 2000 (Fialho, 2021), com muitas propostas e poucos resultados.
Entretanto, nos últimos anos, o problema ganhou uma nova dimensão e dinâmica, tendo em vista o crescimento simultâneo das taxas de inclusão e das taxas de exclusão, contrariando, de certa maneira, as intenções das políticas educacionais do governo. O suposto paradoxo da relação direta entre expansão e evasão causou perplexidade e irritações nos meios acadêmicos e políticos (Prestes et al, 2016), requerendo explicações que até agora só existem de forma rudimentar.
Frente a essa situação, o presente trabalho objetiva analisar, mediante um modelo longitudinal dinâmico, a relação entre expansão e evasão universitária no Brasil, bem como desenvolver hipóteses no tocante às causas subjacentes desse fenômeno imprevisto e indesejado. Limitamos a análise até o ano de 2019 porque a pandemia de Covid-19 representa um choque externo, cujo impacto para o sistema educacional é enorme e exige uma análise a parte. Fica excluída da análise a modalidade educação a distância (EaD), devido aos dados fornecidos refletirem apenas a realidade do ensino superior no formato presencial.
CINQUENTA ANOS DE CRESCIMENTO
Ao contrário de outros países da América Latina, o sistema brasileiro de ensino superior se desenvolveu relativamente tarde. Enquanto universidades foram fundadas na República Dominicana, no Peru e no México já no século XVI (Pfeiffer, 2015, p. 90), as primeiras instituições desse tipo no Brasil foram inauguradas somente no início do século XX - em Curitiba, Manaus e Rio de Janeiro. Antes disso existiam apenas algumas faculdades isoladas, por exemplo em medicina, direito, artes ou engenharia militar. Porém, desde os anos 60 do século passado, o cenário mudou de forma radical: o número de matrículas, de cursos e de instituições aumentou de forma quase exponencial.
Em um lapso de tempo relativamente curto, o modelo de universidade elitista se tornou em uma universidade aberta para as massas. Ainda que, nos primeiros anos, o crescimento de matrículas tenha sido moderado, o número entre 1995 e 2015 para a graduação presencial (licenciatura e bacharelado) mais que triplicou - de 1,76 milhões para 6,63 milhões. Levando em conta os participantes de cursos à distância, a soma chega a reunir até mesmo 8,03 milhões de pessoas.
Trata-se de uma expansão conduzida, sobretudo, pelo setor privado, cuja estrutura qualitativa e quantitativa é marcada, respectivamente, por uma grande diversificação e heterogeneidade. Por um lado, há universidades com dezenas de milhares de alunos e, por outro, pequenas faculdades com ênfase em poucos cursos específicos; há instituições de caráter mais filantrópico e outras que perseguem, acima de tudo, fins lucrativos; há algumas cujo nível é elevado e outras que são totalmente insatisfatórias em termos de qualidade.
Dos 4,87 milhões de matrículas adicionais, registradas entre 1995 e 2015, o setor privado responde por 3,75 milhões (77%), alcançando, em 2015, uma porção de 72,5% dos estudantes da graduação presencial no país. No entanto, a partir de 2016, se registrou, após essa fase de crescimento, uma desaceleração no número de matrículas. Enquanto o setor público registrou, de 2015 a 2019, ainda um pequeno crescimento anual de 1,3%, o setor privado registrou durante esses 4 anos um declínio notável de 12%, o que levou a uma redução da sua porção a 68,8% do total das matrículas.
Impulsos decisivos desse processo acelerado de expansão a partir de 1995 foram as políticas educacionais e as medidas do Governo Federal que se orientaram por motivos diversos: (1) abrir chances de acesso social para estratos sociais desfavorecidos; (2) reduzir as grandes desigualdades sociais e econômicas existentes no país; (3) atender as pressões do crescente fluxo de pessoas formadas no ensino médio, as quais, em sua maioria, desejaram, por falta de outras opções, ingressar em um curso universitário.
Considerações do alinhamento entre o sistema educacional e as necessidades em relação à fase de desenvolvimento econômico e as demandas do mercado de trabalho não fizeram parte das decisões. O que importava foi a democratização do acesso ao ensino superior, um objetivo que deve ser atingido mediante a implementação de programas para ampliar a oferta de vagas (REUNI; Universidade Aberta do Brasil - UAB) e, ao mesmo tempo, se aliar às políticas de expansão do ensino superior implantadas em diferentes países do mundo globalizado. Para tanto, instituições já existentes aumentaram sua capacidade, ao mesmo tempo em que novas instituições públicas e privadas foram criadas em ritmo acelerado. Um programa de bolsas (Programa Universidade para Todos - PROUNI) e um de crédito estudantil (Fundo de Financiamento Estudantil - FIES) objetivaram ampliar o acesso ao ensino superior para jovens e adultos de grupos sociais, étnicos e econômicos que até então tinham poucas chances de receber uma formação acadêmica. Em primeira linha, tais medidas beneficiaram aqueles candidatos cujo desempenho no vestibular (Exame Nacional de Ensino Médio - ENEM) foi insuficiente para garantir uma vaga na universidade pública gratuita e que, portanto, ficavam à mercê da oferta em instituições particulares.
Mediante os programas acima mencionados, as mensalidades, que variam de acordo com a instituição e o curso (entre 600 e 6.000 reais por mês), foram cofinanciadas pelo Estado. Entretanto, na grande maioria dos casos, os próprios alunos trabalham durante o dia para poder arcar não apenas com as despesas adicionais do curso que frequentam à noite, mas, também, sua própria subsistência.
Sob aspectos quantitativos, essa estratégia expansionista foi bem-sucedida. A taxa bruta de inclusão no ensino superior aumentou de 13,6% em 2002 para 48% em 2020, e a taxa líquida, no mesmo período, de 8,3% para 23,8% (Tachbana, Menezes Filho, Komatsu, 2015, p. 17; Todos pela Educação, 2021, p. 94). O percentual de pessoas com ensino superior completo alcançou 21% da população com mais de 25 anos (OECD, 2020, p. 49). As IES se tornaram mais pluralistas e sua clientela, mais diversificada e heterogênea, mudando o perfil universitário. “Os estratos de renda mais baixos beneficiaram-se consideravelmente. Houve redução do hiato de frequência por área de residência, por cor e por nível educacional da mãe” (Costa et al, 2021, p. 7). Entretanto, a esperança de que uma redução das desigualdades no âmbito educacional funcionaria automaticamente como mecanismo para um efeito redistributivo de renda domiciliar não foi atendida, como revela a evolução do coeficiente de Gini (Costa et al, 2021, p. 30).
O intuito de proporcionar acesso à educação superior para amplas camadas sociais merece reconhecimento, sem dúvida. Porém, no contexto dessa expansão acelerada, não foram levados em consideração possíveis efeitos colaterais negativos no que diz respeito à qualidade e à produtividade (eficiência interna) do sistema do ES. Essa ênfase em quantidade não ficou sem consequências. Um estudo recente do MEC-INEP (2020) informa que a coorte que entrou no ano de 2010 apenas 40% em média concluíram seu curso depois de 10 anos de estudos, e muitas áreas performaram ainda pior, a exemplo da informática (Freitas, 2019), gastando enormes recursos públicos e privados e provocando grandes prejuízos sociais na questão do combate à desigualdade.
Sendo assim, a produtividade de um sistema que produz uma evasão de massa e um déficit de conclusão de enormes valores é visto cada vez mais como um desafio educacional central na atualidade do país, assunto que será comentado a seguir.
INDICADORES BÁSICOS
Indicadores chaves para a produtividade nas instituições de ensino superior são as taxas de conclusão e, respectivamente, de evasão dos cursos, expressas na seguinte formulação: quantos ingressantes (I) de um determinado ano se formam dentro do período previsto (C), quantos continuam estudando (R), e quantos abandonam o curso antes de obter um diploma (E). De forma geral, a taxa de conclusão (TC), também denominada taxa de sucesso, é determinada pela seguinte fórmula:
Sendo I(t-1) o número de ingressantes no ano t-i e t o ano de referência. Isso significa que é fundamental para o cálculo da TC considerar a duração padrão prevista para cada curso.
É importante de sublinhar que a taxa de evasão (TE) não é dada simplesmente pela diferença TE = 100 - TC, porque existe um número considerável de alunos que nem concluiu, nem desistiu dentro do tempo previsto para o curso, mas permanece no sistema por motivos diversos: repetição, problemas familiares, trancamento da matrícula, falta de tempo para os estudos, transferência a outro curso ou instituição. Sendo assim, a TE é dada pela seguinte fórmula:
Sendo R o número de discentes retidos que permanecem além do tempo previsto para a conclusão do curso. Essa taxa de permanência (TP) é dada pela seguinte fórmula:
Para qualquer tempo (t) da trajetória de um estudante, a soma acumulada dos três componentes totaliza 100% (MEC-INEP, 2017). Para o cálculo das diferentes taxas é indispensável determinar o prazo entre ano de ingresso (t-1) e de referência (t). Para finalidade de uma análise comparativa, o prazo mais adequado é a duração padrão prevista para cada curso.
Além do mais, para o cálculo da taxa de evasão e da conclusão é sumamente importante levar em consideração as unidades de análise: curso, instituição, sistema de ensino superior em geral. O nível de agregação tem um impacto direto à magnitude da taxa de evasão: mais alto o nível de agregação, menor a taxa de evasão (Silva Filho, Melo Lobo, 2012) porque existe uma quantidade de estudantes que abandonam o curso, mas continuam na instituição ou mudam para uma outra. Nota-se que daqueles que realmente abandonaram o sistema, uma parte pode retornar mais cedo ou mais tarde aos estudos no mesmo curso ou em outro (Marquez, 2020).
CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
O desenho da pesquisa observou os procedimentos metodológicos quantitativos, efetivando-se, inicialmente, um levantamento, por ano, dos registros censitários de evasão existentes na base de dados do INEP/MEC, no período de 2000-2020. Posteriormente estes dados foram agregados ao nível do sistema de ensino superior e, em sincronia com os estudos e cálculos propiciados pelo próprio INEP, utilizou-se o software SPSS e um modelo longitudinal dinâmico para se efetivar as análises estatísticas e confeccionar os gráficos do estudo, observando-se as variáveis e indicadores referentes a ingresso, conclusão e abandono por ano, diferenciando-os em setor público e privados. Esses procedimentos permitiram identificar os trends globais dos indicadores de eficiência, ainda quando não permitem um acompanhamento detalhado da trajetória de cada estudante, nem das diferenças entre os cursos. Levando em conta que a maioria dos cursos de graduação no Brasil tem uma duração prevista de quatro anos, e que um ano a mais é o padrão considerado internacionalmente como tolerável, se optou por um prazo de tempo de cinco anos como padrão adequado para a finalidade deste estudo. Portanto, cinco anos de prazo, 2000-2019, de estudos resultam 16 coortes em total, sendo a primeira de 2000-2004; a última, de 2015-2019. O cálculo da TC segue a fórmula (3), mencionada acima.
RESULTADOS
A seguir se apresenta a evolução dos números de ingressos para os anos 2000-2019.
A tendência expansionista alcançou seu ponto máximo no ano de 2014 e sofreu em seguida um declínio significante, o qual se deve, sobretudo, à desaceleração no setor privado. Os fatores impactantes para essa mudança do trend são múltiplas: econômicos, demográficos, e descrença nas promessas e benefícios da educação (World Bank, 2019).
Paralelamente ao crescimento dos ingressos se observou uma queda da TC, como revela o gráfico a seguir.
Os dados evidenciam duas tendências básicas: (1) a taxa de conclusão do setor privado ficou, durante todo o tempo analisado, menor do que a do setor público e (2) a taxa de conclusão diminuiu ao longo dos 20 anos, com oscilações de 60,5% a 42,0% em geral. É óbvio que uma redução da TC implica um crescimento da TE como consequência, mesmo que não em forma complementar, devido à existência de uma certa parcela de alunos que continua seus estudos, como exposto acima. Dados macro do MEC-INEP (2020), assim como em estudos de caso, a exemplo de Freitas (2020), mostram que, depois de cinco anos, cerca de 20% dos ingressantes permanecem, dos quais aproximadamente a metade obtém, mais cedo ou mais tarde, o diploma. Considerando que essa grandeza é quase uma constante, o trend geral do decrescimento da TC e o crescimento da TE não fica afetado.
Além da produtividade em geral, preocupa o fato que a maioria das vagas geradas pela expansão se concentra nas áreas das ciências humanas em um sentido amplo (administração empresarial, direito, educação etc.), as quais podem operar com custos mais baixos, enquanto os denominados STEM - ciências, tecnologia, engenharia e matemática - disciplinas de importância estratégica para a sociedade moderna, possuem uma percentagem muito baixa de concluintes.
A magnitude da relação entre o crescimento de ingresso e o declínio de produtividade se expressa em um coeficiente de correlação muito alto de r=-0,96 entre número de ingressos e TC para os anos 2000-2015. É conhecido que uma correlação não significa necessariamente uma relação causal. Existem diversas possibilidades de que uma relação entre duas variáveis é afetada por uma ou mais variáveis intervenientes (Richardson, Pfeiffer, 2019). Portanto, não é possível dizer que a expansão causou o aumento da evasão sem analisar cautelosamente possíveis efeitos de outras variáveis.
EM BUSCA DAS CAUSAS
Em termos gerais, os motivos da evasão são múltiplos e amplamente conhecidos (Barreto et al, 2019; Melo Lobo, 2012; Neugebauer et al, 2019; Silva, 2013; Tinto, 1975). A falta de informação sobre o curso escolhido, a incerteza quanto às próprias vocações, os problemas financeiros e familiares, a falta de preparação intelectual, os métodos ultrapassados de ensino, as grades curriculares muito pesadas e a falta de apoio pedagógico e acadêmico por parte das instituições são fatores que favorecem o abandono.
No entanto, tudo isso ainda não responde à questão crucial sobre como é possível que nos últimos 20 anos haja um forte crescimento imprevisto da taxa de evasão. Uma possível resposta se encontra na situação do ensino médio do país. De acordo com Barros (2015, p. 380), “[...] a grande maioria dos alunos que conclui o ensino médio possui sérias dificuldades de leitura, escrita e resolução de exercícios matemáticos elementares”.
Essa avaliação é sustentada pelos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que apontam que para a 3ª série do ensino médio o nível de proficiência segue em patamares baixos na última década. No ano de 2019, o percentual de alunos com aprendizado adequado em língua portuguesa ficou em 37,1; em matemática, em 10,3 (Todos pela Educação, 2021, p. 70).
Em consonância com esses dados nacionais, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), o Brasil ocupa, entre os 79 países participantes, sempre lugares muito abaixo da média em todas as áreas (leitura, ciências, matemática) (OECD, 2020). É importante salientar que existem grandes diferenças no desempenho dos alunos de acordo com o status socioeconômico, a entidade de ensino e a raça/cor.
Por consequência, pode-se propor que a expansão, politicamente promovida, causou o ingresso ao ensino superior de uma parcela cada vez maior de alunos intelectualmente despreparados e economicamente vulneráveis. O fato de que as taxas de conclusão no setor público ficam, mesmo também sendo insatisfatórias, melhores do que no setor privado está completamente em sintonia com essa hipótese. O aumento das taxas de evasão durante as últimas décadas é, nessa perspectiva, uma consequência tão lamentável quanto inevitável da expansão acelerada do ensino superior sem melhorar o fundamento no ensino básico. Apesar desse cenário problemático, o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2023) estabelece como meta uma taxa estudantil bruta de 50% e uma líquida de 33%, ainda que não se saiba o porquê da escolha desse índice e, mais ainda, como alcançá-lo.
OS CUSTOS DA EVASÃO
Considerando que os gastos públicos e privados para o sistema de ensino superior são altos, as elevadas taxas de evasão causam enormes prejuízos diretos e indiretos, materiais e imateriais para os cofres públicos e privados. O cálculo da magnitude dessas perdas é complexo e depende de diversos parâmetros, tais como: (1) dos métodos de custeio aplicados; (2) do setor (público/privado); (3) do tipo da instituição (universidade, centro universitário, faculdade); (4) do tempo da permanência antes do abandono; e (5) do curso. A seguir, focamos, de forma geral, a situação no setor público, no qual as perdas são pagas pelo contribuinte.
O problema central em determinar as perdas é o que se considera como dispêndio financeiro em caso das IES. O INEP (2020) - que inclui somente despesas para pessoal ativo e encargos sociais, outras despesas correntes, investimentos e inversões financeiras - relata para o setor público, no ano de 2017, despesas anuais de R$28.640,00. Incluindo os gastos para aposentados e pensionistas, o valor aumenta para R$38.500,00 (MEC, 2018), e considerando ainda o financiamento estudantil, transferências ao setor privado e diversos custos indiretos, o valor cresce mais ainda. A OECD (2018) confirmou, para o Brasil, um custo por aluno de US$14.300,00 (dólares) ao ano, o que correspondeu, na época, a R$52.200,00. A diferença significativa entre esses dados dá a entender que o resultado da apuração dos custos depende da metodologia utilizada e nunca pode representar um valor verdadeiro. Todos os modelos (Machado, 2002; Maciel, 2012) e os cálculos baseados neles (Santos et al, 2018) fornecem somente uma visão específica do panorama total. Adicionalmente ao setor público, se registram no setor privado as perdas financeiras para o estudante que pagou, durante um determinado tempo, suas mensalidades, e para a instituição que perde com o abandono de um aluno/cliente.
Em resumo, considerando apenas as despesas correntes, uma estimação confiável do prejuízo anual total gira em torno de 17 bilhões de reais (Gargantini, 2019) até 20 bilhões de reais (Pfeiffer, 2019). Como exposto acima, incluindo outros tipos de custos, como os sociais e os pessoais, a grandeza do prejuízo será maior.
EM BUSCA DE SOLUÇÕES
A luta contra a evasão universitária no Brasil é tão antiga quanto ineficaz. Uma pletora de literatura se dedica a esse assunto (Morais, Melo, 2018) e as propostas são as mais diversas, focandose, na sua maioria, em fatores internos, tais como comunicação e relacionamento com os alunos, ajustes curriculares ou apoio financeiro. Em um trabalho recente e inovador, Fialho (2021) propõe um planejamento de ensino considerando as singularidades discentes como instrumento para aumentar as chances de permanência, isso, no entanto, se as condições de uma universidade de massas permitirem uma individualização do processo de aprendizagem o que é pouco provável, dada as condições estruturais, educacionais e individuais relacionadas ao processo de ensino e da aprendizagem, sobretudo dos fatores que propiciam a permanência do alunado. Isso não quer dizer, entretanto, que não existam opções para aliviar a situação de alunos em risco de evadir e reduzir a evasão (Marques, 2020, p. 1075). Porém, elas não resolvem o problema estrutural do sistema educacional do país e nem são capazes de contemplar os desafios subjetivos e cotidianos vivenciados pelos discentes. Ademais, sem uma melhoria da qualidade do ensino médio, uma redução da evasão a um nível tolerável não será viável (Barros, 2015). Se a Lei n. 13.415/2017, que estabeleceu uma reforma da estrutura do ensino médio, terá o impacto esperado se verá somente no futuro (Pfeiffer, 2017).
Finalmente, é importante ilustrar como hipóteses provisórias, o que já vem sendo comentado no decorrer desse texto, que o despreparo do alunado para acompanhar as aulas; a falta de identificação com o curso ou desinformação na opção por uma carreira profissional; a falta de condições financeiras ou possibilidades de emprego ao término do curso são fatores que se relacionam direto e/ou indiretamente, com a evasão, como demonstra pesquisa realizada por Prestes, Santos, Meirelles (2018). Este fenômeno, pode ainda ser explicado pela negação ou negligência governamental, fator diretamente sincronizado com a classe, raça/cor, gênero, religião ou condições físicas e mentais do alunado. Nesta contingência, trata-se de um tipo de evasão provocada por uma forma de violência, a institucional, como entendem Prestes, Jezine (2018).
É importante observar que uma certa taxa de evasão é um fenômeno onipresente em todos os países do mundo, incluso os denominados desenvolvidos, o que nos leva, ainda, a admitir que sempre haverá jovens que não conhecem ainda sua própria vocação; que entram na faculdade por pressão de familiares e amigos ou por falta de alternativas; que têm uma imagem dos conteúdos e exigências de um curso fora do real ou que não se relacionam com o meio acadêmico como tal ou que, até encontram opções atrativas no mercado de trabalho sem receber um grau acadêmico. Todas essas possíveis causas nos remete a ideia de que a erradicação da evasão, até o presente, é um alvo utópico.
Resta concluir, como aporte final, segundo os achados de Marques (2020, p. 1074), que mais de 50% dos evadidos retornam a estudar mais cedo ou mais tarde, porém não necessariamente no mesmo curso ou na mesma instituição. Essa constatação abre novas perspectivas e exige a expansão do escopo dos estudos sobre a evasão no ensino superior. No entanto, o desafio de reverter a tendência de declínio da produtividade concomitante com o aumento da taxa de evasão continua sendo para todos os atores e stakeholders a prioridade absoluta nos próximos anos.