INTRODUÇÃO
A cada dois anos, o estudante de 5º ano e de 9º ano do ensino fundamental é submetido à Prova Brasil, um dos componentes do sistema de avaliação da educação básica de âmbito nacional. São vários os instrumentos utilizados pelo Estado para avaliar a educação nos diferentes níveis e esferas de ensino. Neste artigo será discutida a Prova Brasil, com o objetivo de sinalizar aspectos referentes à preparação para a Prova Brasil de Língua Portuguesa, a partir das vozes de estudantes de 5º ano. Buscou-se dar visibilidade ao ponto de vista de quem participa da Prova Brasil tendo que respondê-la, mas geralmente é silenciado nesse debate. Este artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado. Os dados foram gerados por meio de entrevistas coletivas com um grupo de estudantes de 5º ano que participaram da Prova Brasil2. Para análise dos dados utilizou-se de algumas contribuições de estudos sobre as avaliações em larga escala e da concepção dialógica de linguagem baseada no Círculo de Bakhtin. Na perspectiva bakhtiniana “o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto” (BAKHTIN, 2004, p. 106). Ainda para o autor, a produção de sentidos acontece na enunciação, que é o produto da interação de indivíduos socialmente organizados. Partiu-se da noção de que os sujeitos da pesquisa produzem sentidos sobre a Prova Brasil na interação com o outro, através da enunciação, levando em conta que o sentido não está só no dito, mas também na entonação, nas pausas, em como a pessoa diz. Na análise enunciativa considera-se o “colorido expressivo” das palavras (BAKHTIN, 2003, p. 292). “Bakhtin se identificava com uma tradição hermenêutica nos estudos humanos, uma tradição que entende que o fazer científico nas ciências humanas se materializa por gestos interpretativos, por contínua atribuição de sentidos” (FARACO, 2009, p. 41).
A Prova Brasil é a “Avaliação Nacional do Rendimento Escolar” – (Anresc), sendo mais conhecida por Prova Brasil nas publicações. Esta avaliação foi criada em 2005, para integrar o sistema de avaliação da educação básica do Brasil, instituído em 1990, denominado SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica). A inserção do novo exame foi “justificada em razão das limitações do plano amostral do SAEB para retratar as especificidades de municípios e escolas e apoiar com evidências a formulação de políticas visando à melhoria do ensino” (BONAMINO, 2013, p. 50).
A Prova Brasil é censitária e adentra as escolas a cada dois anos. Esta avaliação consiste num teste de desempenho aplicado aos estudantes matriculados no “5º ano (4ª série) e 9º ano (8ª série) do Ensino Fundamental das escolas públicas que possuem, no mínimo, 20 alunos matriculados nas séries/anos avaliados” (BRASIL, 2017). O teste abrange as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, com o foco respectivamente na leitura e na resolução de problemas. Além do teste, são aplicados questionários contextuais aos alunos, professores e diretores. Os aplicadores do teste também preenchem um questionário sobre as condições de infraestrutura, segurança e recursos pedagógicos disponíveis (BRASIL, 2017).
Conforme portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC) responsável pelo SAEB, a Prova Brasil foi criada com o objetivo de “avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas das redes públicas” (BRASIL, 2017). Com a Prova Brasil se expandiu a cobertura do SAEB, permitindo que na composição do indicador educacional denominado Índice do Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) – que será abordado mais adiante –, a escola participante da Prova Brasil fosse colocada em evidência. Este fato, dependendo do contexto, pode ter reflexos na escola, mais diretamente na sala de aula. Desse modo, em decorrência da aplicação da Prova Brasil, da divulgação dos resultados e da composição do IDEB, as aulas das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática podem sofrer influência desta avaliação externa em larga escala. Segundo Dias Sobrinho “nada permanece igual e indiferente após uma avaliação” (2002, p. 39). Neste artigo, considera-se o recorte para o “antes” da avaliação.
PROVA BRASIL E IDEB
A Prova Brasil compõe um indicador educacional de ampla visibilidade, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Criado em 2007, o IDEB reúne, em um só indicador, os resultados de dois conceitos: o fluxo escolar e a média de desempenho nas avaliações padronizadas do Inep. O cálculo do Ideb é feito a partir dos dados sobre “aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de desempenho nas avaliações do Inep, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios” (BRASIL, 2015). Foi a partir da Prova Brasil, sendo uma avaliação censitária e com ampla divulgação de resultados que, conforme Fernandes e Gremaud “o Brasil passa a contar com um programa de ‘accountability fraca’, por escolas e redes de ensino” (2009, p. 11) para o nível de ensino fundamental. O termo accountability tem sido traduzido por vários autores como, responsabilização, prestação de contas, transparência, entre outros.
Segundo informações disponíveis no portal do INEP, o IDEB não é apenas um indicador estatístico, ele surge como “condutor de política pública pela melhoria da qualidade da educação, tanto no âmbito nacional, quanto em esferas mais específicas (estaduais, municipais e escolares” (BRASIL, 2015). No discurso do Estado, o modo como o IDEB é composto possibilita não somente o “diagnóstico da situação educacional” atualizado em todas as esferas, mas também a “projeção de metas individuais intermediárias rumo ao incremento da qualidade do ensino” (BRASIL, 2015). Do ponto de vista da política pública nacional, o sistema de metas foi pensado para obter um maior comprometimento das redes e escolas objetivando a melhoria do IDEB: “Um sistema de metas – pactuadas entre o Ministério da Educação e secretarias de educação de estados e municípios – serviria para aumentar a mobilização da sociedade em favor da qualidade na educação” (FERNANDES; GREMAUD, 2009, p. 16). O debate acerca do serviço educacional e da qualidade da educação passa a estar relacionado a este indicador.
Na voz do Estado, o IDEB “pretende ser o termômetro da qualidade da educação básica em todos os estados, municípios e escolas no Brasil” (BRASIL, 2008, p. 4). Avalia-se o fato de que nem tudo que se faz na escola em favor do ensino de qualidade se traduz no IDEB. Nessa direção, pesquisadores como Oliveira (2013, p. 94) alertam que o IDEB, “ainda que represente resultados desejáveis, não sintetiza todos os resultados esperados e desejáveis da educação contemporânea”. O autor comenta que, “considerá-lo um indicador de qualidade é uma simplificação grosseira do que se espera da educação escolar”. Além disso, Sousa salienta que “ao se enfatizar os produtos em detrimento dos processos, bem como, ao não se considerar, nas análises dos resultados das provas, os contextos de produção e reprodução dos saberes escolares, difunde-se uma noção restrita de qualidade” (2014, p. 411).
Dentro das escolas e dos sistemas de ensino, o IDEB pode criar tensões em função da “estratégia da mídia de divulgação [dos resultados], por meio de rankings, embora não oficial” (BONAMINO; SOUSA, 2012, p. 380), provocando, em alguns casos, uma busca indiscriminada pela melhor posição/nota, especialmente no ensino fundamental público, pelo caráter censitário da Prova Brasil na composição deste indicador que denomina a escola. Segundo Esquinsani, a mídia “potencializa o caráter de performatividade das avaliações de larga escala, no contexto do Estado avaliador, na medida em que torna público [...] os índices e indicadores de escolas e sistemas de ensino, focalizando a competição e o desempenho como parâmetros de qualidade” (2010, p. 137).
A utilização dos resultados do Ideb para classificação das escolas em rankings pode gerar desconforto na comunidade escolar, visto que fica o estigma da classificação de “pior” ou “melhor” escola, independente do contexto e dos fatores que podem influenciar nos resultados. Principalmente porque no ranking não há espaço para discutir o processo, mas cabe apenas o produto/resultado. A preparação para os testes, talvez, tenha sido a resposta mais imediata nas escolas, diante da recorrência de avaliações externas e em larga escala, centradas em testes de desempenho aplicados a estudantes para medir a qualidade do ensino, sendo amplamente divulgados os resultados e na maioria das vezes ranqueados pela mídia.
Conforme Horta Neto (2013), pesquisas apontam que há uma tendência em “ensinar para a prova”, o que pode se tornar um problema, visto que essa avaliação externa não contempla todo o currículo escolar, mas segundo informações do portal do Inep (BRASIL, 2017), se baseia nas matrizes de referências do que é possível verificar com este tipo de instrumento avaliativo. Dessa maneira, quando há uma preocupação excessiva com os resultados do IDEB por escola, são apontados exemplos de “um possível estreitamento do currículo”, com a aplicação de “simulados preparatórios” objetivando o “alcance das melhores notas do IDEB” (HORTA NETO, 2013, p. 157-158), priorizando as matrizes de referência das avaliações. Nesse sentido, Mainardes ressalta: “como o IDEB é composto com os resultados das avaliações nacionais e taxas de aprovação, as matrizes de referência dessas avaliações têm influenciado o currículo das escolas e, em consequência, as práticas pedagógicas e a avaliação da aprendizagem” (2013, p. 185). Nesta direção, busca-se ouvir o estudante de 5º ano que foi avaliado na Prova Brasil, para apontar, com base nos enunciados dos sujeitos entrevistados no contexto investigado, aspectos que sinalizam possível influência da Prova Brasil nas aulas de Língua Portuguesa.
A VOZ DO ESTUDANTE SOBRE A PREPARAÇÃO PARA A PROVA BRASIL NAS AULAS
No contexto investigado a Prova Brasil (PB) influenciou de algum modo as aulas de Língua Portuguesa nas turmas de 5º ano. São destacados nesta seção alguns excertos das entrevistas3 em que os sujeitos participantes sinalizam à influência deste teste nas aulas. Os efeitos desta avaliação compreenderam o período que antecedeu a aplicação da Prova Brasil, ao longo do ano letivo, ou seja, a partir dos enunciados dos estudantes indica-se que houve um preparo para a Prova Brasil de Língua Portuguesa e que se deu nas aulas desta disciplina. No excerto a seguir os sujeitos remetem ao simulado, que surge da conversa sobre os textos da Prova Brasil.
A introdução de simulados nas aulas é um dos sinais de que a Prova Brasil não foi apenas aplicada, mas influenciou neste contexto. Conforme os sujeitos os simulados são feitos nas aulas que precedem à aplicação da Prova Brasil (excerto 1). Importante destacar que o grupo de sujeitos entrevistados é composto por estudantes de três turmas e professoras diferentes (de uma mesma escola) e todos os entrevistados confirmaram essa prática. A “Estudante C”, ao dizer que “a professora estava fazendo umas provas”, não se referia a uma prova qualquer, mas ao simulado, como pode ser observado no transcorrer a conversa, na fala do “Estudante D” “treinando” e complementada pelo “Estudante E” “com simulados”, em que os sujeitos se referem a esses testes como treinamento para a PB. A “Estudante C” utiliza a expressão “aprender melhor” para ressaltar a importância do simulado em função da PB, de modo que, com a “entonação” (BAKHTIN, 2003) se exprime um juízo de valor sobre o que está sendo dito. A estudante dá um sentido de aprendizagem ao simulado, além de atribuir um juízo de valor ao utilizar o advérbio “melhor” para se referir ao modo de aprender. O simulado aparece, nesse contexto, associado à ideia de treino e de aprendizagem.
Segundo Horta Neto (2013), a aplicação de inúmeros simulados objetivando um aumento das notas vem sendo uma estratégia adotada para preparar os estudantes para a avaliação, mas o autor ressalta que não quer dizer que o aumento das notas pressupõe uma melhora na aprendizagem. A questão da quantidade de simulados aplicado na escola investigada é abordada no excerto a seguir:
Observa-se no excerto 2 que a quantidade de simulados aplicados varia entre dois a três. Levando em conta o número de aulas de Língua Portuguesa, o número de bimestres e a quantidade de avaliações feitas pelo professor para compor a nota do boletim de cada estudante nesta disciplina, pode-se considerar que não aconteceu um número excessivo de simulados no contexto investigado. Entretanto, observa-se a ênfase dada ao verbo “preparar” no enunciado do “Estudante A” se referindo à professora da outra escola: “É porque a gente já estava se preparando meses antes. A professora já estava preparando a gente pra não, não, ninguém ficar ruim, assim, no dia da prova, tipo de não conseguir. E a professora já preparou meses antes”. A ação de “preparar” sugere uma tentativa de inserir os estudantes nessa prática de produção em resposta à aplicação da Prova Brasil. Permeia um sentido de que a Prova Brasil requer não apenas conteúdo, mas implica outras questões, como: modo de agir, de se portar, de compreender, à parte do que geralmente é trabalhado na escola. Essa reflexão pode ser ampliada a partir do que anunciam os sujeitos no excerto 3:
Os sujeitos compreendem que as condições reais de aplicação da Prova Brasil são diferentes das condições de produção das avaliações realizadas pelos professores, sugerindo que a Prova Brasil gera mais nervosismo. Pode-se inferir que tal fato esteja relacionado com a “responsabilização” que recai sobre o professor e por consequência incide na pressão ao estudante, mesmo que nesta política de responsabilização “as consequências são simbólicas e decorrem da divulgação de rankings de escolas e da apropriação das informações pelos pais e pela sociedade” (BONAMINO, 2013). Nessa direção, segue a afirmação da “Estudante C”: “parece que a gente foi pressionada praticamente pra Prova Brasil, a gente tinha que estudar pra isso, e tinha que fazer muita coisa”. Na opinião da estudante, acrescenta-se ainda que a pressão, também envolve a rigidez na aplicação da Prova Brasil, sendo controlado o “tempo pra pensar e dar resposta” (Estudante C), diferente das avaliações que o professor faz. Segundo os sujeitos, existe a possibilidade do professor ampliar o tempo destinado às avaliações, devido à flexibilidade dos horários das aulas em turmas de anos iniciais, quando o professor é responsável por várias disciplinas na mesma turma. Já a padronização na aplicação do teste é uma característica das avaliações externas de larga escala, que exige uma postura diferente da sala de aula, pois nas aulas se permite um caráter mais dialógico e menos uniformizado. O “Estudante F” indica que o estranhamento com esse tipo de teste [Prova Brasil] foi amenizado com os simulados: “É por causa justamente que o simulado já passava aquela impressão de como ia ser a Prova”. Nesse sentido, o sujeito dá o feedback do simulado, “eles já liberaram um pouco, aliviaram essa tensão que fica. Porque, daí já se sabe mais ou menos como vai ser a Prova, só ainda, ficamos um pouco tenso porque ela [Prova Brasil] é mais longa e porque é pessoa diferente [que aplica]” (Estudante F). Ou seja, ainda que se faça uma simulação do dia da aplicação, é o contexto que vai determinar o “sentido” (BAKHTIN, 2004) da Prova Brasil. No excerto a seguir, a questão emocional (nervosismo) surge como implicação recorrente diante de uma avaliação externa, no caso, a Prova Brasil.
Para os sujeitos o simulado ajuda a diminuir a ansiedade do dia da aplicação da Prova Brasil, proporcionando uma aproximação com aspectos estruturais que se assemelham à prova oficial, além de relembrar assuntos já estudados; no entanto, os sujeitos ressaltam que não basta como preparo, por isso, eles enfatizam o estudo. A questão do simulado merece algumas reflexões, sugere-se ponderação na utilização. Por um lado, para ter o cuidado de não centrar as aulas de Língua Portuguesa apenas nas avaliações em larga escala e nas matrizes de referência que norteiam essas avaliações, e ainda nos simulados nestes moldes, pois o currículo escolar é mais abrangente do que o conteúdo dessas matrizes, que abordam uma parte do currículo, tendo o foco na leitura. Anuncia-se no PDE Prova Brasil que “para ser considerado competente em Língua Portuguesa, o aluno precisa dominar habilidades que o capacitem a viver em sociedade, atuando, de maneira adequada e relevante, nas mais diversas situações sociais de comunicação” (BRASIL, 2008, p. 19). Por certo, se o ensino e a aprendizagem e a avaliação da leitura forem restritos principalmente aos modelos de testes similares à Prova Brasil, sem que sejam promovidas outras experiências de leitura, comprometeria a forma como os estudantes veem os mais variados gêneros do discurso, podendo ser reduzidos a pretextos para responder itens de prova, e/ou fragmentos e exemplos do que possa cair na PB, sobrepondo-se ao sentido mais amplo do termo. Mas, por outro lado, os testes padronizados para medir o desempenho de estudantes na leitura passaram a fazer parte do contexto educacional, já na primeira etapa do ensino fundamental, pois a Prova Brasil adentra o contexto da sala de aula a cada dois anos. Então, se a tomarmos como um gênero do discurso que surge com “uma determinada função” (BAKHTIN, 2003, p. 266) de demanda do Estado para atender um fim específico, cabe ao professor aproximar o estudante também deste gênero, no caso com simulado, juntamente com outros gêneros do discurso que circulam socialmente.
Segundo Bauer et al. (2015), várias pesquisas confirmam que as escolas encaminham ações voltadas ao preparo e treinamento para as avaliações externas. Conforme Amaro (2014), a preparação para os testes é um dos aspectos das políticas de avaliação. O autor salienta que apesar de serem parecidas, as políticas de avaliação, não adotaram características uniformes nos diversos países, mas apresentam alguns aspectos comuns: “concepções neoconservadoras de educação, foco em desempenhos, estreitamento curricular, competição entre professores e escolas, ausência da dimensão pedagógica e exacerbação da dimensão técnica, preparação para os testes” (AMARO, 2014, p. 118-119). No contexto investigado, o que se destaca nas vozes dos sujeitos é a “preparação para os testes”. Pressupõe-se, ainda, que esta preparação compreenda outras questões além da aplicação de simulados, como o discurso sobre a Prova Brasil que circula na escola e na sala de aula e fica apenas na oralidade.
Outro aspecto a ser destacado é a comparação da Prova Brasil com as avaliações realizadas pelo professor de sala, abordada no excerto a seguir:
Com base no excerto 5 é possível inferir que a avaliação realizada pelo professor tornou-se – na opinião dos sujeitos – próxima do formato do teste da Prova Brasil, no ano da aplicação em 2015, pois todos disseram que as avaliações “não” são diferentes. A aproximação da Prova Brasil com as avaliações de aprendizagem feitas pelo professor surge no enunciado do “Estudante A”: “E aquela prova é a mesma coisa [...] porque querendo ou não, eles não vão perguntar uma coisa que a gente não sabe, então eles vão perguntar uma coisa que a gente já sabe [...] eles vão fazer perguntas assim...” (grifo nosso), “Ao nosso nível” (Estudante F), “É isso mesmo!” (Estudante A). O estudante não leva em conta a abrangência desta avaliação em larga escala, e ainda a diversidade de escolas, de contextos e de sujeitos avaliados, pressupondo que todos os estudantes avaliados estejam num nível de desempenho esperado. Observa-se ainda, no excerto 6, como a Prova Brasil é incorporada pelos sujeitos:
A partir do excerto é possível afirmar que os sujeitos naturalizaram a PB e os efeitos decorrentes dela, como os simulados nas aulas das disciplinas avaliadas, e a própria tensão em torno do evento. No entanto, quando questionados a respeito da semelhança da Prova Brasil com as avaliações realizadas em 2016, os estudantes ponderam suas respostas:
Com base no excerto 7 os sujeitos afirmam que há, de fato, uma diferença entre a Prova Brasil e as avaliações de aprendizagem realizadas pelos professores, mas as semelhanças e diferenças são observadas pelos estudantes somente quando comparadas as avaliações de 2015 com as de 2016. É possível dizer que a Prova Brasil influenciou em partes a avaliação feita nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática no ano de 2015, contemplaram-se provas com questões objetivas e o desempenho em leitura e resolução de problemas (baseado na Matriz de Referência da PB). Há sinais de que esse processo não esteja muito claro ao estudante, conforme pode ser observado no enunciado do “Estudante B”: “No ano passado acho que era parecida, mas nesse ano não”. Apesar disso, não se pode afirmar que em 2015 foram privilegiados somente simulados ou provas objetivas com foco na leitura (cf. excerto 3), mas é possível dizer que a semelhança com a Prova Brasil incidiu mais no ano de 2015 que no ano seguinte. Essa questão é ampliada no excerto 7:
O que os estudantes sugerem no excerto 8 é que de um ano para o outro saem de foco as questões objetivas nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, diferente do que aconteceu nestas disciplinas nas turmas de 5º anos, quando foram avaliadas na Prova Brasil. Observa-se ainda outro aspecto referente à influência da Prova Brasil nas aulas, sendo indicado pela “Estudante C” no excerto 9:
Neste caso, a estudante toma a Prova Brasil como parâmetro curricular ao mencionar que “eles passavam conteúdo adiante do que tinha na Prova para uma turma e para outra nem tanto”. Conforme o portal do Inep as matrizes de referência não englobam todo o currículo escolar, por isso não podem ser confundidas com as matrizes curriculares. “Também não podem ser confundidas com procedimentos, estratégias de ensino ou orientações metodológicas, pois é um recorte sobre os conteúdos curriculares estabelecidos para determinada etapa ou ciclo escolar” (BRASIL, 2017). Segundo Horta Neto (2013), pode haver um “estreitamento do currículo” quando se privilegiam nas salas de aula somente os conteúdos das áreas de Língua Portuguesa e de Matemática que serão avaliados no Saeb. Ressalta-se que não é possível dizer se houve um estreitamento curricular no contexto investigado, mas apenas o sujeito parte da Prova Brasil para sinalizar que os conteúdos trabalhados nas três turmas de 5º ano não foram padronizados por este teste.
Para finalizar, o período que compreende a influência da Prova Brasil no contexto investigado é demarcado pelos sujeitos no excerto 10:
Os sujeitos apontam que a influência da Prova Brasil nas aulas de Língua Portuguesa foi pontual, compreendeu o ano de 2015 num período que antecedeu a aplicação da prova envolvendo a preparação com simulados para o dia da prova oficial. Observa-se que após o momento da aplicação da Prova Brasil houve um silenciamento sobre o assunto, destoando da ênfase que foi dada à prova até aquele momento. Dito de outra maneira, a Prova Brasil sai de foco nas aulas logo após a sua aplicação.
Nas vozes dos sujeitos “ecoam” (BAKHTIN, 2003) vozes de discursos de importância da Prova Brasil, nesse sentido, a “atitude responsiva ativa” dos sujeitos está nos enunciados que apontam para a relevância, preparo e aceitação deste evento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Prova Brasil de Língua Portuguesa mede a proficiência leitora. Tem-se o entendimento que a aplicação da prova no 5º ano avalia o desempenho dos estudantes ao final da primeira etapa do ensino fundamental, ou seja, os resultados podem refletir o trabalho realizado durante toda esta etapa.
Destaca-se na voz dos sujeitos que há necessidade de se preparar para a Prova Brasil, nesse contexto, eles indicam o simulado. Talvez esse tipo de teste tenha chamado mais a atenção dos sujeitos, dentre outras ações da escola voltadas à leitura, por ser o exemplo prático e mais próximo da situação esperada no dia da aplicação da prova. É possível dizer que algumas ações ligadas ao preparo para a Prova Brasil refletiram de algum modo, na opinião dos sujeitos sobre a similaridade entre esta avaliação externa e a avaliação realizada pelo professor. Mas compreende-se ainda, que foram realizadas outras e diferentes avaliações de aprendizagem durante o ano letivo de 2015.
No contexto investigado, a Prova Brasil perdeu o foco logo depois de sua aplicação, mas durante o ano letivo, no período que antecedeu a prova houve uma preocupação com sua aplicação, e que resultou num preparo. Pressupõe-se, ainda, que esta preparação compreenda outras questões além da aplicação de simulados, como o discurso sobre a Prova Brasil que circula na escola e na sala de aula e fica apenas na oralidade.
Dessa forma, é preciso conhecer, também, a perspectiva do estudante avaliado e considerar que um instrumento de avaliação externa pode gerar ansiedade e estranhamentos para os sujeitos envolvidos no interior da escola. Os sujeitos sinalizam que a Prova Brasil requer não apenas conteúdo, mas implica outras questões, como: modo de agir, de se portar, de compreender, à parte do que geralmente é trabalhado na escola. Nesse sentido, os sujeitos indicam que há uma preparação para este evento e destacam o simulado para auxiliar nessa questão.
A Prova Brasil é um teste padronizado de âmbito nacional, possui aplicação e aspectos estruturais peculiares. Esta avaliação externa em larga escala, baseada em testes de desempenho como instrumento principal do sistema de avaliação da educação básica para verificação da qualidade do ensino público é um gênero do discurso que passou a fazer parte do “calendário escolar”, estando presente nas aulas a cada dois anos. Consequentemente, a aplicação da Prova Brasil influencia mais diretamente as aulas das disciplinas avaliadas, sendo um gênero a ser discutido pelos professores e estudantes, de maneira que possam compreender este tipo de teste e suas implicações dentro e fora da sala de aula.