Como as aves, pessoas são diferentes em seus voos,
mas iguais no direito de voar.
Judite Hertal Namastê4
Palavras iniciais
A educação de crianças e jovens atualmente compete às famílias, às escolas e ao sistema governamental. Este último concretiza a prática educacional por meio de uma ação compartilhada, auxiliando e orientando a criança no pleno desenvolvimento de sua cidadania e autonomia, a partir da sua realidade social.
Apesar do grande desenvolvimento tecnológico e social que permeia e constitui a nossa sociedade, a escola é considerada a principal instituição formadora do ser humano. Contudo, para Mira, Fossatti e Jung (2019, p. 5, apud FREIRE, 1996), a educação do sujeito não deve estar apenas voltada para a preparação para o mercado de trabalho e de consumo. Na visão dos autores, a escola, por ser um espaço imperativo para tecer a educação libertadora, precisa contribuir para a ampliação dos processos de humanização.
Assim, espera-se que, na escola, a criança aquira conhecimentos que garantam o seu desenvolvimento integral e que sejam indispensáveis para a sua cidadania. Esses saberes devem envolver aprendizagens essenciais para a vida, transcendendo aspectos puramente tecnicistas. Segundo Schneider et al. (2014, p. 104-105), os alunos “[...] chegam à escola por mecanismos diversos, oriundos de realidades socioeconômicas e culturais diferentes. Porém, uma vez inseridos no âmbito escolar, essas individualidades nem sempre são levadas em consideração.” Nessa perspectiva, nota-se que as práticas e os métodos realizados nas escolas, por não atenderem as especificidades de cada criança, nem sempre são eficazes, garantindo um ensino de qualidade e de equidade.
Apesar desse impasse, existem, em nosso país, algumas políticas públicas educacionais que visam superar a desigualdade e que promovem a inclusão e a promoção da cidadania. Sob esse viés é que surge a presente publicação, fruto de discussões realizadas ao longo da disciplina Políticas Públicas Educacionais, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado em Ensino, oferecido pela Universidade do Vale do Taquari - Univates, de Lajeado/RS. Vale destacar que o enfoque deste trabalho recai sobre a etapa da Educação Infantil.
A referida disciplina foi desenvolvida sob o viés da Aprendizagem Baseada em Problema (ABP). Segundo Mamede (2001), a ABP é uma estratégia educacional que busca não só construir conhecimentos de forma ativa, como também desenvolver aprendizagem de modo contextualizado. Conforme previsto na metodologia, criamos uma questão norteadora, a partir da qual realizamos a análise e a reflexão acerca de algumas políticas públicas educacionais que regem a prática pedagógica de educadores na Educação Infantil, visando verificar se estas possibilitam a Inclusão Escolar das crianças no contexto educativo.
Assim, temos o intuito de responder à seguinte questão, oriunda do processo metodológico da ABP: “Como as Políticas Públicas Educacionais permeiam as práticas pedagógicas da Educação Infantil, na perspectiva da Inclusão Escolar?”.
Antes de iniciarmos a reflexão prevista para a presente escrita, acreditamos que seja imprescindível apresentar o conceito de políticas públicas, diferenciando-o de políticas públicas educacionais. Para Abreu (1993, p. 8), as políticas públicas são “[...] as mediações político-institucionais das interações entre os diversos atores presentes no processo histórico-social em suas múltiplas dimensões (econômica, política, cultural etc.)”. As políticas públicas são elaboradas, organizadas e aplicadas por projetos e ações governamentais que visam promover a qualidade de vida e o bem-estar de todos os cidadãos, independente do sexo, raça, cor, religião ou nível social.
Já as políticas públicas educacionais, segundo Bianchetti (2001, p. 94), são:
[...] desenvolvidas pelo governo como parte das políticas sociais, que se refletem nas características e funções propostas para o sistema educativo. Neste caso, as ações se orientam fundamentalmente à conformação de uma estrutura educacional que seja o veículo de efetivação das exigências do modelo social.
Nessa perspectiva, as políticas públicas educacionais integram as políticas públicas. Vale referir, ainda, que as ações oriundas das políticas públicas educacionais são realizadas mediante metas e programas, elaborados pelo governo, buscando, além de avaliar a qualidade do ensino, garantir o acesso à educação de qualidade para toda a população.
Na continuidade deste artigo, apresentamos duas seções, nas quais realizamos uma discussão, reflexão e problematização acerca de algumas políticas públicas, no nível de ensino da Educação Infantil e da modalidade de Educação Especial na perspectiva da Inclusão Escolar.
Prática pedagógica na Educação Infantil
A Educação Infantil, desde a sua institucionalização, passou por diferentes momentos histórico-culturais. Todavia, somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o atendimento em creches e pré-escolas passou a ser considerado um direito das crianças de 0 a 5 anos de idade.
Diante desse contexto social e político, surgem políticas públicas e teorias educacionais que viabilizem a melhoria na qualidade da educação destinada às crianças, na primeira etapa da Educação Básica. É o caso do Parecer Conselho Nacional de Educação - CNE/CEB 20/2009, que faz a revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, atestando que:
[...] o campo da Educação Infantil vive um intenso processo de revisão de concepções sobre educação de crianças em espaços coletivos, e de seleção e fortalecimento de práticas pedagógicas mediadoras de aprendizagens e do desenvolvimento das crianças. Em especial, têm se mostrado prioritárias as discussões sobre como orientar o trabalho junto às crianças de até três anos em creches e como assegurar práticas junto às crianças de quatro e cinco anos que prevejam formas de garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental (BRASIL, 2009b, p. 2).
Sendo assim, o contexto da primeira infância é reconhecido como base fundamental na formação humana. A partir desse entendimento é que essa etapa vem se constituindo progressivamente no sistema de ensino como um espaço de acolhimento coletivo, que visa à educação de qualidade e que atende as necessidades e os interesses das crianças.
Nessa linha, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil definem a Educação Infantil como a:
Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, as quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social (BRASIL, 2010, p. 12).
Com base nesse entendimento, a Educação Infantil é o primeiro espaço de educação coletiva fora do contexto familiar. Ela tem como responsabilidade desenvolver um papel ativo no desenvolvimento das crianças de zero a cinco anos de idade, garantindo-lhes vivências de mundo, construção de conhecimento, interação, manifestação de desejos e curiosidades de forma particular. Para tanto, é necessário proporcionar-lhes experiências capazes de abranger todas as áreas do conhecimento, sem fragmentá-las.
Desde 1996, a partir da Lei 9394/96, a Educação Infantil, legalmente, passa a ser reconhecida como a primeira etapa da Educação Básica, sendo de responsabilidade dos órgãos governamentais a garantia por sua qualidade de educação. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 54, inciso IV, e corroborado pela Lei de Diretrizes e Bases - LDB, no artigo 30, inciso I, é dever do Estado assegurar o atendimento das crianças de zero a cinco anos de idade, nas creches e pré-escolas, promovendo situações lúdicas que visam tanto o cuidar, quanto o educar das crianças que frequentam a Educação Infantil.
Como se pode ver nas bases legais mencinadas, as práticas do atendimento à criança na Educação Infantil não se restringem somente a cuidar e a atender as necessidades básicas e fisiológicas dos menores. A responsabilidade da instituição da primeira infância é desenvolver práticas sociais vinculadas à ação do educar e do cuidar que propiciem às crianças experienciar diferentes materais e elementos, tais como: tinta, lápis, giz de cera, tesoura, cola, argila, brinquedos diversos, objetos de plástico, madeira, alumínio, tecido; gravetos, folhas, pedras, terra, areia, água, e outros, que visam potencializar suas capacidades emocionais, sociais, motoras e cognitivas, através da imaginação, da ludicidade, da exploração, de experimentações e de descobertas.
Nessa perspectiva, Ávila (2002, p. 126) ressalta que o educar e o cuidar nas ações educativas da primeira infância estão indissociáveis: “[...] o cuidado e a educação são, na esfera pública, o direito à educação para as crianças [...]. Por isso, o cuidar e o educar não são maternagem, ensino, trabalho doméstico”. Sendo assim, tais termos estão correlacionados, e cabe ao professor desenvolver, diariamente, uma postura de acolhimento e respeito com o desenvolvimento das crianças, oportunizando-lhes não somente o bem-estar físico, mas experiências significativas que lhes permitam criar e ampliar conhecimentos de mundo.
A partir dessas ideias, evidenciamos a importância da prática pedagógica nessa etapa da educação. Segundo Caldeira e Zaidan (2010), ela é constituída por vários elementos que compõem a ação docente. Para esses autores, a prática pedagógica é:
[...] uma prática social complexa, acontece em diferentes espaços/tempos da escola, no cotidiano de professores e alunos nela envolvidos e, de modo especial, na sala de aula, mediada pela interação professor-aluno-conhecimento. Nela estão imbricados, simultaneamente, elementos particulares e gerais. Os aspectos particulares dizem respeito: ao docente - sua experiência, sua corporeidade, sua formação, condições de trabalho e escolhas profissionais; aos demais profissionais da escola - suas experiências e formação e, também, suas ações segundo o posto profissional que ocupam; ao discente - sua idade, corporeidade e sua condição sociocultural; ao currículo; ao projeto político-pedagógico da escola; ao espaço escolar - suas condições materiais e organização; à comunidade em que a escola se insere e às condições locais (CALDEIRA; ZAIDAN, 2010, p. 21).
A ação educativa não se delimita à prática que ocorre dentro da sala de aula, entre “conhecimento, professor e aluno”. Ela condiz com todos os aspectos e as relações que são constituídas no contexto escolar, que visam ao ensino e à aprendizagem das crianças.
Desse modo, a prática pedagógica condiz com a formação do educador, com o processo de planejamento, com o desenvolvimento e com a avaliação das ações docentes, as quais devem estar vinculadas ao Currículo ou Projeto Político Pedagógico (PPP) de cada instituição. Todavia, vale ressaltar que cabe às escolas se adequarem aos princípios constituídos na Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, pois tais diretrizes, por si só, não garantem que as práticas pedagógicas possibilitem a qualidade do ensino e aprendizagem das crianças.
Recentemente, no ano de 2018, através da construção de políticas públicas, criou-se a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que integra as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, elaborada com a expectativa de complementar e consolidar a identidade da Educação Infantil. A BNCC, nesse sentido, auxilia na estruturação e organização curricular das instituições da primeira infância, visando à igualdade dos direitos de aprendizagem para todas as crianças.
O documento estabelece competências que objetivam a garantia de seis direitos de aprendizagem para as crianças de 0 a 5 anos, que são: conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e o conhecer-se. Esses direitos visam assegurar condições necessárias e específicas para que as crianças aprendam, através de situações lúdicas e de interações coletivas, a buscarem conhecimento, a se valorizarem, a se manifestarem e a se expressarem por meio de diferentes linguagens. Além disso, esses direitos possibilitam que elas sejam inseridas em sua própria cultura, permitindo-lhes que desenvolvam um papel ativo e social no espaço, o que amplia e diversifica sua cultura infantil.
Como se pode ver, as interações e as brincadeiras são eixos estruturantes fundamentais para a realização das práticas pedagógicas na Educação Infantil. A fim de potencializar essa abordagem, a BNCC estrutura esses eixos em cinco campos de experiências, que são: “O eu, o outro e o nós”, “Corpo, gestos e movimentos”, “Traços, sons, cores e formas”, “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações”. Os campos de experiências, segundo a Base, “[...] constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural” (BRASIL, 2018, p. 40).
De acordo com a BNCC, a nomenclatura usada para cada segmento da Educação Infantil é a seguinte: CRECHE (voltada a bebês de zero a 1 ano e 6 meses; e a crianças bem pequenas, de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses); e PRÉ-ESCOLA (voltada a crianças pequenas, de 4 anos a 5 anos e 11 meses), considerando as especificidades necessárias para as crianças de cada etapa. Para cada um desses segmentos, a BNCC propõe uma série de objetivos de aprendizagem e de desenvolvimento, que sejam compatíveis com a faixa etária das crianças que a compõem.
Apesar de a BNCC não determinar a forma como os direitos de aprendizagem devem ser alcançados, cabe à instituição escolar definir, em seus currículos, o modo como eles serão trabalhados. Como já mencionado, as instituições devem garantir a todas as crianças, sem exclusão, as mesmas oportunidades de aprendizagem, assegurando-lhe qualidade de educação. Além disso, devem ser consideradas e respeitadas as singularidades, o ritmo e o tempo de cada criança.
Portanto, prevê-se que a Educação Infantil, além de acolher todas as crianças, seja um ambiente de experimentações e de ampliação do conhecimento e das habilidades, proporcionadas mediante situações lúdicas que possuam intencionalidades educativas. Sendo assim, reafirma-se que as práticas pedagógicas na Educação Infantil garantam o acesso à aprendizagem e ao desenvolvimento integral das crianças, por meio de interações, socialização, comunicação, investigação, exploração e expressão de diferentes linguagens, atrelados às suas curiosidades e a seus questionamentos frente aos diversos assuntos que permeiam o meio no qual elas estão inseridas.
A BNCC e a Educação Especial
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) foi estabelecido pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE), em 2008, e passou a assegurar a matrícula de pessoas com deficiência na escola comum, estabelecendo diretrizes para a criação de políticas públicas e práticas pedagógicas voltadas à Inclusão Escolar. Tal documento legal reformula o papel da Educação Especial, que passa a integrar a proposta pedagógica da escola por meio do AEE.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem como objetivo:
[...] assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p. 14).
As propostas pedagógicas apresentadas na PNEE são desenvolvidas preferencialmente na rede regular de ensino, para garantir aos educandos com deficiência ou limitações, sejam elas temporárias ou permanentes, condições de acesso e permanência na escola. Sua escolaridade deve ser desenvolvida com base nas diretrizes curriculares do ano em que está matriculado, com metodologias que favoreçam a igualdade e equidade entre os pares em sala de aula.
A Resolução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 2º, determina que:
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 2001).
A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar, por se tratar de uma modalidade de ensino, perpassa todas as etapas de escolarização da pessoa com deficiência, desde a Educação Infantil ao Ensino Superior. Em todas elas é garantido ao aluno o apoio de profissionais especializados para complementar e suplementar suas necessidades educativas, em turno e/ou contraturno escolar, não cabendo ao AEE substituir a escolaridade. Na perspectiva da educação inclusiva,
[...] a educação especial passa a constituir a proposta pedagógica da escola, definindo como seu público-alvo os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos (BRASIL, 2008).
A Lei 13.146, de julho de 2015, denominada de Lei Brasileira de Inclusão, fortaleceu a Política de Educação Inclusiva no Brasil, visto que, a partir de sua regulamentação, todas as escolas, sejam públicas ou privadas, devem cumprir as determinações para garantir o ensino de qualidade e o direito à acessibilidade, ao acesso, à permanência, à participação e à aprendizagem no contexto do sistema educacional inclusivo.
Em consonância, Mantoan (2003, p. 7) entende que:
Ambientes humanos de convivência e de aprendizado são plurais pela própria natureza e, assim sendo, a educação escolar não pode ser pensada nem realizada senão a partir da idéia de uma formação integral do aluno - segundo suas capacidades e seus talentos - e de um ensino participativo, solidário, acolhedor.
O planejamento do AEE é desenvolvido com flexibilização para atender às especificidades do aluno, levando em consideração as habilidades que necessitam ser adquiridas e os recursos específicos para cada área de deficiência. Também deve ser considerada a atuação de forma colaborativa com os professores do ensino regular, para propiciar a formação do aluno com base no currículo escolar, mas com procedimentos metodológicos acessíveis.
No Atendimento Educacional Especializado, não são abordados conteúdos sistemáticos. Em contrapartida, prevê-se a valorização de potencialidades, habilidades e conhecimentos prévios, com propostas curriculares flexíveis, que propiciem o desenvolvimento da leitura, da escrita, da interpretação, da quantificação e do desenvolvimento pessoal e social. Tais competências devem ser adaptadas e desenvolvidas de acordo com as especificidades e área de deficiência do aluno, trazendo, assim, significado e autonomia para a sua vida.
A BNCC também corrobora essa abordagem, garantindo o direito de aprendizagem e de desenvolvimento pleno a todos os estudantes, sejam eles alunos com ou sem deficiência. Esse documento refere, ainda, que cabe à escola desenvolver propostas metodológicas significativas e inclusivas, que contemplem a escolaridade do aluno. Conforme já mencionado, a BNCC não traz eixos específicos da Educação Especial Inclusiva, por entender que ela está inserida em qualquer etapa do ensino.
A Resolução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 15, ressalta que:
A organização e a operacionalização dos currículos escolares são de competência e responsabilidade dos estabelecimentos de ensino, devendo constar de seus projetos pedagógicos as disposições necessárias para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos, respeitadas, além das diretrizes curriculares nacionais de todas as etapas e modalidades da Educação Básica, as normas dos respectivos sistemas de ensino (BRASIL, 2001).
A Inclusão Escolar vai além da inserção do aluno na sala de aula. É necessário, pois, que família e escola atuem de forma participativa e colaborativa, a fim de promover práticas educativas humanistas, possibilitando ao aluno incluso na rede regular de ensino, a igualdade de oportunidades com equidade para que possam alcançar as aprendizagens essenciais, respaldadas em práticas inclusivas que respeitem seus direitos garantidos legalmente. Tomado desse ângulo, Lopes (2013, p. 70) pondera que, somente “[...] dessa forma a palavra inclusão passa a abarcar as relações interpessoais, além do estar junto (entendido como condição mínima necessária, mas não suficiente para as ações de inclusão)”. Incluir não é efetivar matrícula e inserir a criança com deficiência na sala de aula, mas sim promover acessibilidade para o pleno desenvolvimento da sua aprendizagem.
Considerações Finais
A presente pesquisa teve como propósito análisar e refletir sobre documentos públicos que norteiam as práticas pedagógicas da Educação Infantil, na Perspectiva da Educação Inclusiva, problematizando as ações elaboradas e propostas pelas políticas públicas educacionais. Conforme as ponderações feitas, verificou-se que a Educação Infantil vem ganhando novos olhares de reconhecimento e de importância social e pessoal, no processo de desenvolvimento integral das crianças. Nesse mesmo caminho, percebeu-se a insurgência de políticas públicas educacionais direcionadas especificamente para essa área.
Sendo assim, as políticas públicas educacionais que orientam e norteiam as práticas pedagógicas das escolas da primeira infância, têm como propósito garantir uma educação de qualidade, possibilitando o pleno desenvolvimento do educando. Nessa perspectiva, cabe à Educação Infantil adotar o que regem as políticas públicas educacionais, promovendo propostas pedagógicas inclusivas na Educação Infantil, que garantam a todas as crianças o acesso à educação.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, amparadas na BNCC, têm como intuito consolidar os princípios da educação brasileira. Essa proposta apresenta objetivos que visam nortear as práticas pedagógicas educacionais para a promoção da formação humana integral e a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, em todas as suas etapas e modalidades, especificando as aprendizagens por meio de competências e habilidades essenciais.
Todavia, analisando os aportes teóricos utilizados neste estudo, constatamos que, tanto as políticas públicas educacionais para a Educação Infantil quanto às políticas de Inclusão Escolar, não apresentam resoluções específicas sobre propostas de aplicabilidade de práticas pedagógicas que incluam as crianças com deficiência nas instituições da primeira infância.
Do mesmo modo, a BNCC estabelece, nas entrelinhas, a garantia e o direito ao acesso de todas as crianças, à Educação Infantil. Porém, em seus objetivos de aprendizagem que visam o desenvolvimento integral da criança, contemplados nos cinco campos de experiências, não há nenhuma ação ou proposta que oriente os educadores da primeira infância a realizar a sua prática docente, contemplando as necessidades específicas das crianças com deficiência incluídas na Educação Infantil, assim como nas demais etapas da educação.
Apesar de as políticas públicas apresentarem um sistema de ensino que vise proporcionar uma educação de qualidade, atendendo as necessidades e as especificidades do seu público-alvo da educação inclusiva, é imprescindível que haja mudanças nas práticas docentes. Para tanto, é fundamental que ocorram formações pedagógicas contínuas e frequentes, entre educadores da Educação Infantil e do AEE, atuantes nas instituições da primeira infância. Essa é a resposta ao questionamento proposto no início deste trabalho, qual seja: “Como as Políticas Públicas Educacionais permeiam as práticas pedagógicas da Educação Infantil, na perspectiva da Inclusão Escolar?”.
Desse modo, acreditamos que as formações em serviço para os docentes da primeira infância e do AEE possam levá-los a analisar e refletir sobre as políticas públicas educacionais existentes, propiciando a busca e a implementação de melhorias nas práticas pedagógicas ofertadas na Educação Infantil. Nessa perspectiva, presumimos que a ação pedagógica venha a atender e a respeitar o ritmo de aprendizagem das crianças com deficiência, além de considerar as suas necessidades adequadas não contempladas na atual BNCC, possibilitando, assim, que todas as crianças, sejam elas com ou sem deficiência, possam ter acesso ao currículo com qualidade e equidade.
Nesse viés, o currículo deixa de ser o “condutor” do ensino e da aprendizagem, passando a ser construído a partir das necessidades que emergem das crianças de cada escola, traçando, assim, as estratégias pedagógicas mais adequadas para sua realidade.
Mudar as práticas pedagógicas tradicionais para a implementação de uma escola que garanta um sistema educativo inclusivo de sucesso é uma necessidade para que a educação brasileira tenha efeitos significativos. Uma Educação Inclusiva, que atue na perspectiva do “aprender a conviver com as diferenças”, não pode limitar-se apenas ao conviver. Ela vai além das relações pessoais, tendo como principal objetivo atender as crianças a partir de suas singularidades.
O caminho para a construção da inclusão escolar de qualidade e equitativa precisa envolver a participação de todos, como afirma Mantoan (2003, p. 9):
Estamos todos no mesmo barco e temos de assumir o comando e escolher a rota que mais diretamente nos pode levar ao que pretendemos. Essa escolha não é solitária e só vai valer se somarmos nossas forças às de outros colegas, pais, educadores em geral, que estão cientes de que as soluções coletivas são as mais acertadas e eficientes.
No contexto atual das práticas pedagógicas, observamos muitos educadores com dificuldades em atuar partindo de competências e habilidades, prevalecendo a metodologia por conteúdos. Romper com esse paradigma de uma “escola irregular” para uma escola ideal não é tarefa fácil. Isso implica assumir uma tarefa complexa e sair da zona de conforto, para percorrer um caminho na concretização de uma escola inclusiva e equitativa.
Concebemos que seja imprescindível levantar questionamentos sobre as Políticas Públicas Educacionais que permeiam a prática pedagógica da Educação Infantil na perspectiva da Inclusão Escolar, para analisar a qualidade e legitimidade do processo de Inclusão Escolar. Nessa proposta, talvez seja possível atender todas as crianças, com práticas pedagógicas inclusivas que levem em consideração os diferentes modos e ritmos de aprendizagem, principalmente na Educação Infantil, etapa em que são dados os primeiros passos para a construção do conhecimento e do desenvolvimento humano.