1 Introdução
Na contemporaneidade, a preocupação em relação à qualidade da educação tem aumentado consideravelmente nas diferentes dimensões e espaços da sociedade, sendo manifesta por meio de políticas governamentais e de ações sociais. Embora sejam muitas as tentativas de caracterizar o que significa promover e ter uma educação de qualidade, o tema é polissêmico e subjetivo, estando envolto por diferentes interpretações.
Dentre os muitos significados atribuídos à palavra qualidade no dicionário Michaelis tem-se descrito “grau de perfeição, de precisão ou de conformidade a certo padrão”. Tal definição explicita duas características relevantes desse conceito: a primeira delas implica que o ato de qualificar consiste em utilizar uma comparação, pois é por meio de uma relação estabelecida com um padrão de referência que se pode afirmar ser algo qualificado ou não. A segunda, diz respeito à relatividade do conceito, pois cada pessoa tem sua própria concepção de perfeição. Desse modo, o que é considerado um padrão de excelência por um indivíduo pode não ser para outros. É nesse sentido que qualidade em educação assume uma pluralidade de significados. Por ser assim entendida:
[...] uma educação de qualidade pode significar tanto aquela que possibilita o domínio eficaz dos conteúdos previstos nos planos curriculares; como aquela que possibilita a aquisição de uma cultura científica ou literária; ou aquela que desenvolve a máxima capacidade técnica para servir ao sistema produtivo; ou, ainda, aquela que promove o espírito crítico e fortalece o compromisso para transformar a realidade social, por exemplo (DAVOK, 2007, p. 506).
A qualidade educacional abarca toda essa complexidade lexical por influir na sociedade e ser por ela influenciada. Gadotti (2010) afirma que não é possível separar a educação de qualidade da qualidade do todo, uma vez que ela está diretamente entrelaçada ao bem-estar das comunidades, assim como estas são afetadas pelas melhorias da comunidade escolar. O sistema educacional não pode ser bom se a qualidade dos docentes, do alunado e do entorno for ruim. Desse modo, a educação é perpassada pelas esferas econômicas, sociais, culturais e políticas de uma dada sociedade e um conjunto de fatores contribuem para a sua qualificação (DOURADO; OLIVEIRA; SANTOS, 2007; GADOTTI, 2010).
Nesse sentido, depara-se com questões externas e internas à escola que repercutem diretamente no processo educativo e influenciam em sua qualidade. Os aspectos externos referem-se às dimensões socioeconômica e cultural que incluem situações de núcleos familiares fragilizados, preconceitos de gênero e raça, drogas e aquelas relacionadas à atuação do poder público, efetivada mediante políticas sociais e programas suplementares (DOURADO; OLIVEIRA; SANTOS, ibid.). Somado a isso, existem os aspectos internos, de natureza organizacional, burocrática e estrutural da própria escola que, por vezes, tornam mais complexa a tarefa de compreender as premissas de um ensino de qualidade. Como exemplo, aqueles relacionados ao investimento e custeio de alunos, infraestrutura, acesso e permanência estudantil, avaliação da aprendizagem e formação docente (TANCREDI, 1998).
No que concerne à formação docente, tema central desta pesquisa, são frequentes as associações feitas entre a baixa qualidade da educação e a formação de professores (NETO; CYRINO; BORGES, 2014). Nesse cenário, surge o chamado argumento da incompetência, cujo bojo se instala na premissa de que a reduzida qualidade do sistema educacional está relacionada com a incompetência docente, pois:
... em função de sua má-formação inicial, os professores não saberiam como lidar com a diversidade de alunos presente nas escolas hoje, especialmente aqueles das camadas populares. Conseqüentemente, seguindo essa linha de raciocínio, a única, ou a principal ação a ser perseguida para melhorar a qualidade do sistema educacional, seria melhorar a competência dos professores (SOUZA, 2006, p. 484).
Considerando que a formação inicial docente é um quesito importante para a qualidade da educação, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2005) destaca a necessidade de propiciar, ao futuro professor, o desenvolvimento de habilidades de pesquisa, de uma visão crítica das reformas educacionais e de uma maior associação entre teoria e prática. Entretanto, há uma certa dificuldade de implementação desses aspectos em decorrência do predomínio da formação pautada no modelo da Racionalidade Técnica. Neste modelo, baseado em uma perspectiva positivista, o conhecimento teórico encontra-se desarticulado da prática. Dessarte, a ação docente é instrumental e restrita à aplicação de conhecimentos e métodos científicos para a resolução de questões de ensino (SCHÖN, 1998; ECHEVERRÍA; BENITE; SOARES, 2007).
A Racionalidade Prática e a Racionalidade Crítica surgem como alternativas para a superação da Racionalidade Técnica. Ambos os modelos rompem com a dicotomia entre teoria e prática e ressaltam a importância do professor reflexivo. Eles se distinguem pelo fato de que, no primeiro modelo, o professor reflete e examina sua própria prática individualmente, enquanto no segundo, a ação docente tem caráter político-social. Isto amplia o viés da reflexão, pois o docente reflete e examina para problematizar e transformar suas intervenções educacionais e seu entorno (DINIZ-PEREIRA, 2014; SILVA; MESQUITA, 2018).
É nesse sentido que se destaca a importância da formação de um educador reflexivo. Sendo assim, os cursos de formação inicial devem propiciar a aquisição de conhecimentos, preparar os professores para a difusão de saberes construídos historicamente e favorecer a reflexão sobre as práticas para que sejam “profissionais produtores de saber e de saber fazer” (NÓVOA, 1992, p. 16). A adoção dessa perspectiva crítico-reflexiva como eixo de formação e de atuação dos professores configura-se como uma alternativa para a busca do desenvolvimento profissional docente e de uma melhor qualidade do ensino.
2 A formação inicial de professores e o desenvolvimento profissional docente
A formação inicial tem sido alvo de múltiplas investigações e estudos (COCHRAN-SMITH; FRIES, 2005). As discussões acerca da temática evidenciam que os processos de aprender a ensinar e de aprender a ser professor são lentos, pois se iniciam antes mesmo do espaço formativo dos cursos de formação e se prolongam por toda a vida profissional. Além disso, há o reconhecimento de que a escola e outros locais de conhecimento são contextos importantes nessa formação. Assim, os saberes teóricos e os oriundos da experiência pessoal e profissional são objetos de aprendizagens constantes (MIZUKAMI, 2008). Dessa forma, entende-se que a profissão docente e o seu desenvolvimento constituem um elemento fundamental para assegurar a qualidade da aprendizagem dos alunos, haja vista que o professor é um dos agentes aptos a modificar e a ser modificado pelo contexto escolar.
É nesse cenário de troca de experiências e saberes que a formação dos professores precisa considerar as transformações e mudanças dinâmicas que têm ocorrido na sociedade, que traz para escola seus anseios e necessidades. Esta tem como responsabilidade formar cidadãos críticos, capazes de tomar e participar de decisões sociais e aptos a atender às demandas de mercado. Assim, o professor assume um papel de destaque devido a sua importância para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem e para uma progressão na qualidade dos resultados dos estudantes (LUDKE, 2005; MORGADO, 2014). Desse modo, ele necessita de atualização e aprimoramento constantes, os quais estão atrelados ao desenvolvimento profissional docente.
O desenvolvimento profissional docente é concebido como um processo intencional, sistemático e contínuo que abrange um conjunto de “atividades destinadas a melhorar o conhecimento profissional, as destrezas e atividades dos educadores para que eles possam, por sua vez, melhorar a aprendizagem dos alunos” (GUSKEY, 2000, p.16) e, consequentemente, a qualidade da educação. Todavia, tal compreensão tem sido ampliada no reconhecimento de sua complexidade, sendo melhor aceita a concepção do professor enquanto profissional do ensino que “pode ser entendida como uma atitude permanente de indagação, de formulação de questões e procura de soluções” (MARCELO GARCÍA, 2009, p. 9). Nesta perspectiva, o desenvolvimento docente se consubstancia como um processo que supera a segregação estabelecida entre a formação inicial e a formação continuada, por ser um longo desdobramento que perpassa todas as fases da vida do professor. Ademais, está vinculado ao ambiente escolar, por ser ele o locus no qual ocorrem as situações e experiências que o educador vivencia e que podem suscitar a reflexão do docente bem como a articulação da teoria com a prática.
Estudos têm evidenciado que as escolas que oferecem uma boa qualidade educacional contam com um quadro de profissionais capazes de relacionar teoria e prática (UNESCO, 2002, 2008), o que fomenta a aquisição, por parte do professor, de adquirir novas aprendizagens que implicam em seu desenvolvimento profissional e em melhorias na qualidade de sua atuação. Entretanto, essa articulação dificilmente é encontrada tanto na formação inicial quanto no exercício da docência.
Uma alternativa para promover a vinculação da teoria com a prática está contida na reflexão docente, que se relaciona com uma postura questionadora (ALARCÃO, 1996) e, por isso, pode ser caracterizada a partir de suas funções, como por exemplo, ocorrer em comunidade, por meio da interação, a fim de suscitar oportunidades de compartilhamento de ideias com pares ou professores mais experientes; exigir atitude de valorização do crescimento individual e intelectual, pautada em entusiasmo, responsabilidade, curiosidade, prontidão e vontade como atributos de crescimento pessoal. Desse modo, tornar-se um professor reflexivo exige um esforço para a análise de situações e atribuição de significados a fim de buscar modificações, qualificação e melhorias contínuas.
3 A reflexão na formação docente
A presença da reflexão na formação de professores tem sido enfatizada por muitos autores como forma de promover melhores práticas educativas (ALARCÃO, 1996; DEWEY, 1933; NÓVOA, 1992; SCHÖN, 1983, 1987; ZEICHNER, 1993). Nesse sentido, será apresentado um breve panorama da ideia de ensino reflexivo destacando-se alguns dos seus principais teóricos e defensores.
John Dewey, filósofo da educação, escreveu extensivamente sobre o papel da reflexão nos seus livros How we think (1933) e Logic: The theory of inquiry (1938). Ele defende o desenvolvimento do pensamento reflexivo, que se origina no confronto com situações problemáticas, pois elas são observadas, pensadas e refletidas para se buscar resoluções. Assim, um professor que apresenta um pensamento reflexivo formado pode encontrar com maior facilidade meios e estratégias para lidar com ocorrências inesperadas e conflituosas que ocorrem durante a prática.
Donald Schön (1983) é um dos responsáveis pelo entendimento hodierno do conceito de reflexão. Por meio de sua teoria, expressa no livro The reflective practitioner (1983), o professor pode ser compreendido como um profissional prático reflexivo, que tem um pensamento constituído por três componentes: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.
O conhecimento na ação “é o conhecimento que os profissionais demonstram na execução da ação; é tácito e manifesta-se na espontaneidade com que uma ação é bem desempenhada” (ALARCÃO, 1996, p. 18). A reflexão na ação ocorre durante a prática, quando o professor reflete, durante sua atuação, sobre o contexto em que se encontra. O terceiro conceito, reflexão sobre a reflexão na ação, efetua-se após a prática e possibilita ao docente analisar seus conhecimentos tácitos, sua intervenção e relacioná-los com a teoria. É o momento no qual há a possibilidade de determinar ações futuras e de se desenvolver profissionalmente (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 2013).
Nóvoa explicita a necessidade dos cursos de formação de professores se transformar em “... um lugar de reflexão sobre as práticas, o que permite vislumbrar uma perspectiva dos professores como profissionais produtores de saber e de saber-fazer” (1992, p. 36). Desse modo, uma formação pautada na reflexão concede autonomia ao futuro docente, que é visto como apto a construir conhecimentos (produtor de saber) e a intervir no ambiente escolar (saber-fazer).
Como discutido, a inserção da reflexão na formação de professores é algo histórico, porém, pertinente aos contextos atuais de formação e de busca por melhorias na qualidade da educação. O professor com o pensamento reflexivo desenvolvido pode apresentar maior repertório de ações em relação ao seu aluno, ensino, aprendizado e desenvolvimento profissional, na medida em que ele procura dar respostas às situações que emergem no cotidiano articulando-as com a teoria e as ressignificando (REALI; REYES, 2009).
4 Estratégias metodológicas promotoras de reflexão
Tendo por base que as práticas reflexivas podem suscitar melhorias na qualidade da formação do professor, seja esta inicial ou continuada, e, consequentemente, melhorar a qualidade dos processos de ensino e aprendizagem, investigou-se ferramentas para promover a reflexão docente. Com relação à formação inicial, literatura aponta diversas estratégias que o professor orientador pode se valer para formar professores reflexivos, dentre as quais destacamos: as narrativas, o estudo de casos, a observação de aulas, o trabalho de projeto, a investigação-ação e as perguntas pedagógicas (ALARCÃO, 2003; AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 2013).
As narrativas pedagógicas são estratégias que permitem a organização e preservação das experiências docentes para posterior análise e discussão promotoras de reconstrução permanentes e cuja elaboração e leitura devem ser incentivadas pelos supervisores na formação inicial e mantido ao longo dos anos. Elas são importantes para o desenvolvimento profissional, pois se constituem de fontes de informação para a reconstrução de situações e contextos, propiciando a reflexão pessoal e profissional.
O estudo de casos envolve a análise e discussão de acontecimentos ocorridos nos contextos de atuação profissional, a partir dos quais é possível extrair lições teóricas, propor soluções alternativas, partilhar diferentes pontos de vista e promover o exercício da reflexão. Além disso, o professor formador poderá lançar mão de casos de ensino já elaborados para que os licenciandos posteriormente construam seus próprios casos e os partilhem na forma de portfólios, favorecendo, também, reflexões colaborativas.
As observações são de ferramentas de captura que auxiliam os licenciandos a descreverem os acontecimentos dentro das salas de aula, contribuindo para o exercício da investigação acerca dos comportamentos próprios, individuais e coletivos do ambiente escolar. Segundo Estrela (1986), elas podem ser de três tipos: naturalista, ocasional e sistemática. No primeiro caso, registra-se de maneira imparcial e descritiva todos os comportamentos observados. O segundo tipo de observação ocorre quando a descrição focaliza determinado incidente, selecionando determinado aspecto da situação de ensino e aprendizagem. Finalmente, a observação é dita sistemática quando se recorre a instrumentos como registros audiovisuais.
O trabalho de projetos é apontado enquanto estratégia de formação capaz de reunir grupos de formandos a partir de situações-problemas coletivamente debatidas, analisadas e solucionadas. Para tal, pressupõe-se que os futuros professores reflitam sobre suas próprias ações, dos seus colegas e do supervisor, além de estabelecer relações entre teoria e prática e promover habilidades de observação e questionamento (LEITE et al., 1989).
A investigação-ação possibilita, ao licenciando, aproximar a teoria com a prática, tornando-se investigador e se permitindo ser investigado. É a partir da investigação que o futuro professor desenvolve uma postura questionadora e crítica no exercício insistente de reconhecer as consequências de suas ações, virtudes e fraquezas. Naturalmente, a investigação-ação conduz a um processo reflexivo (WOOD, 1991) que pode auxiliar o professor no planejamento, condução e reconstrução de suas aulas.
Isso posto, ressalta-se a possibilidade do uso síncrono das estratégias de supervisão, haja vista que a adoção de uma formação reflexiva abarca uma dinâmica complexa de questionamentos, observações, descrições, discussões e trocas de experiências (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 2013). O primeiro passo para melhorar a qualidade da educação é o questionamento do contexto, da forma de ensinar, das aprendizagens obtidas pelos alunos e da atuação docente. Dessarte, no presente trabalho, investiga-se as contribuições das perguntas pedagógicas do Ciclo de Smyth como alternativa para suscitar a reflexão de professores.
5 As perguntas pedagógicas do ciclo de Smyth: possibilidade de questionamento e reflexão
Dentre as estratégias desenvolvidas para se propiciar o pensamento organizado e crítico dos professores destacam-se as perguntas pedagógicas, nas quais o questionamento de aspectos micro e macro envolvidos em suas ações possibilita a elaboração de diferentes níveis de reflexão. De acordo com Campos e Da Silva Diniz: “... essa estratégia pode ter duas dimensões: a de elaborar perguntas e a de responder à perguntas, tendo como princípios comuns a problematização e o diálogo com as situações” (2003, p. 3). Ademais, tais questões promovem o questionamento das práticas e teorias e desencadeiam a busca por melhorias na qualidade do ensino e formação de professores.
Nesse contexto, Smyth (1991) propõe o desenvolvimento de um trabalho de formação docente que capacite os professores a serem agentes modificadores das condições de ensino (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 2013). O trabalho proposto por ele consiste em uma série de perguntas que compõem o seu ciclo reflexivo e que permitem descrever, teorizar e confrontar o ensino, conforme Figura 1 a seguir.
A etapa da descrição consiste no detalhamento dos procedimentos realizados na situação de ensino vivenciada na escola e ocorre o seguinte questionamento: O que foi feito? A expressão na forma escrita da situação de ensino poderá levar a posteriores debates e ao desenvolvimento dos licenciandos como professores, pois são analisados, com clareza, os aspectos que podem e devem ser mudados e os que deram certo e que possivelmente serão mantidos e aperfeiçoados (SMYTH, 1991).
Na etapa seguinte - informar - o futuro professor visa responder aos questionamentos: Quais os princípios que embasaram as ações? Quais as estratégias de ensino e os recursos pedagógicos utilizados durante a aula?
Posteriormente, ocorre o confronto de opiniões entre todos os envolvidos: do licenciando que acompanhou a intervenção do colega em sala de aula, do docente supervisor da escola, bem como do professor orientador da universidade e dos demais estudantes integrantes das disciplinas de estágio. Essa etapa tem como objetivo a emissão de pareceres sobre diversos elementos que compõem a prática pedagógica como a postura, a adequação da metodologia proposta, o comportamento dos alunos, os indícios de aprendizagem e as dificuldades percebidas. Têm-se os questionamentos: Qual a relação entre o planejamento (intenção) e a execução (intervenção)? Quais os indícios de aprendizagem e as dificuldades percebidas? Como a aula foi avaliada (individualmente, com os pares, com o professor da escola e da universidade)?
E, na etapa de reconstrução, cabe ao futuro professor realizar o processo de reflexão pedagógica, no qual busca entender as razões e consequências de suas ações (GALVÃO, 2005) a fim de ressignificá-las: Como poderia agir de forma diferente? Quais as forças e fraquezas? Para tanto, constrói uma narrativa reflexiva contendo todas as etapas supracitadas. Esta escrita torna possível a investigação sobre o “ser professor”, uma vez que permite ao licenciando ser sujeito e objeto de estudo e alcançar um duplo potencial de investigação e formação (CUNHA; CHAIGAR, 2009).
Dentre as contribuições dos questionamentos de todas as etapas, pode-se salientar, no âmbito de formação de professores:
... a apropriação dos elementos essenciais para o desenvolvimento da observação e da problematização de situações, torna-se capaz de formular questões mobilizadoras de pesquisa, de encontrar os métodos e fundamentos teóricos adequados para estudá-las; e assim, poderá desenvolver a capacidade de analista da realidade e ter acesso à produção do conhecimento e não somente aos produtos (AUTOR, 2014, p. 20).
Ao considerarmos as perguntas pedagógicas presentes em cada etapa do Ciclo de Smyth, partimos dos seguintes pressupostos teóricos: Os (futuros) professores fazem a diferença no ensino (TUCKER; STRONGE, 2007); os (futuros) professores aprendem uns com os outros ao partilhar as suas competências em conjunto (HARGREAVES, 1998) e, por isso, poderá ter impacto na qualidade das aprendizagens dos alunos (DAY, 2001). O questionamento durante o período de formação inicial possibilita a “... reflexão pelos futuros professores sobre representações, prática pedagógica e sobre o contexto social em que está inserida essa prática” (CAMPOS; DA SILVA DINIZ, 2003, p. 3).
6 Considerações finais
Tendo em vista as considerações e argumentos delineados neste trabalho, argumenta-se que o exercício reflexivo baseado no Ciclo de Smyth e suas perguntas pedagógicas podem ser consideradas como uma importante ferramenta para o desenvolvimento profissional docente, com implicações diretas na qualidade do ensino. Posto que o educador tem como base para a reflexão as experiências que ocorrem no contexto escolar, com objetivo de analisá-las para ampliar seu repertório de atuação e intervenção, “... as escolas não podem mudar sem o empenhamento dos professores; e estes não podem mudar sem uma transformação das instituições em que trabalham. O desenvolvimento profissional dos professores tem de estar articulado com as escolas e os seus projetos” (NÓVOA, 1992, p. 28). Em outras palavras, o desenvolvimento docente é produzido dentro do ambiente escolar e, por conseguinte, uma melhoria em sua atuação modifica a qualidade do ensino.
Ademais, evidenciou-se a importância de estimular os licenciandos durante o processo de formação inicial, bem como os professores atuantes nos contextos de formação continuada, a analisarem criticamente suas ações, pensamentos e sentimentos para que eles sejam capazes de atuar e modificar as comunidades escolares, alavancando resultados de aprendizagens dos estudantes e consequentes promoção da qualidade de ensino.
A apropriação do Ciclo de Smyth auxilia o processo de descrição, teorização, confronto e posterior reconstrução das práticas de ensino em formatos de perguntas pedagógicas capazes de nortear o caminho a ser seguido pelo docente na busca por uma melhor qualidade da educação. No que diz respeito às perguntas pedagógicas, estas podem ser entendidas como ponte para auxiliar os futuros professores a construírem uma relação dialética entre teoria e prática, o que pode favorecer um melhor planejamento de situações educativas vindouras, desenvolvimento de novas ações e postura docente, pois os aspectos teóricos possibilitam uma compreensão dos problemas vivenciados em sala de aula.
Certamente, a apropriação deste método reflexivo, assim como de outros, por si só não é suficiente. Dewey (1989) sugere uma união entre os métodos e as atitudes promissoras de reflexão - entusiasmo e responsabilidade - como elementos imprescindíveis para a qualidade da prática reflexiva. Nesse sentido, a formação não se constrói por acumulação de conhecimentos, mas, sim, por meio da reflexão crítica sobre a própria experiência e em interação com pares (VELLENICH et al., 2017).