1 Introdução
Uma das grandes preocupações da atualidade envolve o direito à cidade e, nesse contexto, o reconhecimento de uma cidade educadora e humanizadora que seja local de vivências e experiências catalizadoras da cidadania e democracia. A premissa da referência democrática se impõe para o desenvolvimento do tema e discussões que dele decorrem, destacadamente a presença dos cidadãos no exercício da cidadania.
Afirma-se, no presente estudo, que o Estado Constitucional deve ser pensado muito além daquele que se concretiza pelo simples fato de haver uma norma definidora e limitadora dos atos de poder e protetiva dos direitos humanos fundamentais, pois obrigatoriamente o regime democrático é a sua base e se materializa por meio de fundamentos e princípios que precisam ser lembrados e implementados.
Portanto, a primeira grande discussão é a referência democrática e a cidadania, sendo que a primeira tem passado por constantes atualizações conceituais no plano da sua efetividade. Reconhecemos a importância do pensamento de Hannah Arendt ao referir-se à cidadania como sendo o lócus da titularidade de direitos fundamentais, mas apontamos para uma releitura conceitual que promove um alargamento de sentidos aos cidadãos, ou seja, além de “ter direito a ter direitos” ele passa a ser também um protagonista na implementação desses direitos, se tornando corresponsável e, ao lado do Estado, também deve agir orientado para essa plenitude de cidadania, na qual têm direitos e responsabilidades. Tal paradigma e argumentação foi estruturada por Alfredo Attié (ATTIÉ, 2020,2021), o que concordamos e assumimos no presente estudo.
Após esse ajuste de rota que implica atuação pública, voltada para o interesse público, não só à Administração Pública de forma direta como indireta, mas, também aos particulares, sejam os que contratam com ela por meio das concessões ou permissões, ou dos terceiros que a substituem em suas atividades administrativas e, para o presente artigo, os cidadãos que ganham um significado diferente do que vem sendo praticado por muitos anos, especialmente, após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Ou seja, espera-se um agir positivo de todos na implementação desses direitos, não cabendo passividade ou irresponsabilidade por parte dos particulares na realização dessas tarefas constitucionais, com a superação do simples reconhecimento da titularidade de direitos para o dever de colaborar para implementação dos direitos fundamentais.
Ao tratarmos da Cidade Educadora e Humanizadora que seja capaz de reduzir as desigualdades e vulnerabilidades, a necessidade de olhar de forma diferenciada e ressignificar o conceito de cidadania que, no lugar de esperar que tudo lhe seja oferecido pronto e acabado sem nenhuma participação, faz-se impositiva a assunção de inúmeras responsabilidades e deveres nesse processo que se soma e viabiliza a efetividade à cidadania e à democracia. Alcançar esse referencial educador e humanizador para as cidades, local onde vivemos e realizamos todos os atos de nossa vida pessoal e pública, demanda atuação muito organizada para esse atingimento, ou seja, delimitação de políticas e como implementá-las, e com certeza é a grande dificuldade.
O desafio e dificultador acontecem, pois as informações que possibilitam esse aprendizado e realização das políticas são inúmeras vezes diminutas e contraditórias, e, apesar das várias pautas assumidas constitucionalmente no plano interno e no plano internacional, com destaque muito atual à Agenda 2030, muito pouco se concretiza e há muito a avançar. Quem deve a informação, por vezes, não o faz e as inúmeras Fake News complementam a desinformação ou a não informação, razão de nosso estudo pelo qual se pede uma atuação positiva e em respeito às delimitações constitucionais para aqueles que estão na Administração Pública, o que inclui o dever da informação correta e assertiva de seus integrantes e dos que atuam pelas concessões de veículos de comunicação massiva, aos quais se impõe a missão educativa (BETTINI, 2009, 2020). Educar para a cidadania em democracias é um imperativo Constitucional.
Como metodologia o diálogo entre as fontes que viabiliza a aplicação de diversas condutas descritas em políticas que se aplicam aos vulneráveis e utilização dos meios de comunicação massiva como agentes educacionais (BETTINI, 2009) busca-se a redução das desigualdades e a efetividade da cidadania e democracia.
2 Cidadania e Democracia: o direito à cidade
Falar e discutir sobre cidade educadora e humanizadora perpassa obrigatoriamente pela estruturação dos Estados na atualidade e o reconhecimento de que são constitucionais, o que se traduz não só formalmente, mas, também, materialmente, ou seja, a afirmação de regime jurídico constitucional que traz várias consequências, entre elas, uma das mais importantes, é ser a condição base para o Estado democrático1. A partir do século XVIII, a existência de norma constitucional dotada de superioridade que defina politicamente a estrutura e limites do desenvolvimento do poder estatal, como também a afirmação de valores fundamentais, os quais devem ser realizados por esse formato de organização estatal, vai se delineando e até hoje permanece influenciando nas tomadas de decisão e consequentes e diversos compromissos (DALLARI, 2002).
Não se pretende ficar adstrito ao reconhecimento dessa fase inicial do constitucionalismo moderno e à descrição normativa constitucional de Estado Democrático de Direito, essa fase já foi reconhecida e assimilada pela maioria no ocidente, mas o que se impõe é a implementação dessas vivências democráticas como indispensáveis e, com isso, o amadurecimento democrático. Explico: não basta se afirmar por meio de Constituições as democracias, há que se experimentar no plano da vida vivida essa condição tão importante para o desenvolvimento de nosso tema que é a participação e o envolvimento de todos nas tomadas de decisões que afetam as múltiplas vivências nas cidades, transformando-as em educadoras e humanizadoras.
A Democracia é a referência constitucional inafastável para afirmação do constitucionalismo na atualidade e, com ele, alguns valores que são fundamentais, quais sejam, a supremacia da vontade popular, as liberdades e a igualdade (DALLARI, 2002). Discussão recorrente e pertinente aponta para a elaboração dessas aspirações constitucionais datarem do século XVIII e como elas devem ser pensadas nos dias atuais, sem afastar a supremacia constitucional que se mostra fundamental, o que a inclui como um dos postulados da hermenêutica e interpretação da Constituição (BASTOS, 2002).
Destaque-se para o período posterior às duas grandes Guerras, em especial, após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, a partir da qual reconhecemos o que doutrinariamente se chamou de “Era dos Direitos”, sendo a dignidade da pessoa humana, o referencial ético e constitucional para a efetividade dos direitos fundamentais, mas que tem sido repensado, vez que, por longo período se verificou uma postura passiva dos cidadãos que reconheciam essa titularidade de direitos fundamentais, ou seja, aqueles que “têm direito a ter direitos”, conforme pensamento de Hannah Arendt, mas pouco se informou e educou para as responsabilidades e deveres intrínsecos a esse processo de efetividade dos direitos humanos fundamentais.
Alfredo Attié (ATTIÉ, 2020, 2021), em seus escritos, tem afirmado a necessidade de alteração do conceito de cidadania proposto por Hannah Arendt, no mínimo aponta para a sua modulação, com a afirmação de uma “ordem dos deveres e responsabilidades” (ATTIÉ, 2020, p, 74-93), não sendo a cidadania somente local de reconhecimento de direitos, mas de inúmeras responsabilidades, pensamento que ratificamos neste estudo.
A proposta que se faz é de ampliar essa interpretação constitucional do pós-declaração de 1948 e adequá-la para o momento atual com a própria Constituição e compromissos internacionais, dos quais destacamos a Agenda 2030, passando a reconhecer também aos particulares a participação na implementação desses valores e de direitos humanos fundamentais. Devemos lembrar que essa atitude passiva, de espera pela implementação e efetividade dos direitos fundamentais somente pelo Estado, há muito vem se mostrando insuficiente, com destaque às várias movimentações já realizadas no sentido de descentralizar inúmeras tarefas administrativas, seja criando outras pessoas jurídicas de direito público ou privado, como também pela delegação negocial aos particulares dessas tarefas, ou ainda, pelo terceiro setor2. As reformas administrativas que indicam a descentralização, com especial atenção para a que aconteceu após a Constituição de 1988, por meio da Emenda Constitucional 19/19983, evidencia uma necessidade de se alcançar eficiência e redução de custos nas atuações estatais, e trazem um protagonismo ao cidadão, ou seja, o particular em auxílio da Administração Pública na implementação de suas tarefas, muitas delas a prestação de serviços públicos que se traduzem em direitos fundamentais sociais.
Essa insuficiência de atores responsáveis pelas prestações administrativas, passa a ser amplamente reconhecida, com dimensões planetárias, em especial quando nos defrontamos com políticas públicas internacionais acerca de algumas dessas atividades e temas que se mostram focados na resolução de problemas que, em última análise, se traduzem pela sustentação e respeito dos valores liberdade, igualdade e dignidade, os quais todos passam a ser responsáveis4.
A Constituição de 1988, no Título I, Dos Princípios Fundamentais, ao trazer os princípios e fundamentos do Estado brasileiro e seus objetivos, delimita as interpretações constitucionais que sustentem tais valores e especialmente a democracia, essa forma de convivência marcada pelas vivências e interrelações que devem ser respeitosas e dignas em constante aprimoramento, que se somam às questões de representatividade. Portanto, a cidadania deve ser interpretada de forma ampla e com significados que vão além da participação política e a titularidade de direitos, devem viabilizar e catalisar a justiça, solidariedade e redução das desigualdades.
Cidadania é princípio fundamental e um dos fundamentos do Estado brasileiro que deve ser reconhecido como um local de titularidade de direitos fundamentais, mas que demanda uma atuação positiva para sua implementação, em especial por sermos seres relacionais e o Outro sempre ser limite e parâmetro de atuação (CAMILO, 2016)5. Essa é a interpretação para a cidadania nas democracias contemporâneas, o cidadão que integra uma comunidade e participa ativamente das tomadas de decisão em respeito a si próprio e aos outros, respondendo também pela implementação e manutenção das liberdades e com atuação focada na busca da redução das desigualdades e consequente dignidade humanas, valores maiores em tal regime político6.
Dificuldade que se apresenta é a de como implementar esse novo paradigma da cidadania, especialmente quando continuamos com boa parcela das pessoas na invisibilidade total, destaque ao período pandêmico mais restritivo, no qual as desigualdades foram a sua marca, a sua identidade.
3 Quem tem direito à cidade?
Com o reconhecimento de regime jurídico constitucional, no qual, a cidadania se insere, ou seja, em Estado Democrático de Direito e, se apresenta como fundamento e princípio fundamental (SILVA, 2007)7 de nosso Estado que se somam a outros, como se fossem amalgamados, a pergunta que se faz é o porquê ainda existem tantas pessoas que não se encaixam na descrição teórico-normativo desses dois princípios? Há indivíduos que parecem não ter alcançado a cidadania em nenhum dos seus aspectos, seja o sentido amplo que lhe reconhece a titularidade de direitos e deveres fundamentais, pois falta-lhes o mínimo existencial, ou no sentido restrito ou político que afeta os atos de poder e seu exercício de direitos políticos. No presente estudo, alguns não têm direito à cidade, ou ainda, são marcados pela invisibilidade.
Neste momento, cabe o destaque a uma interpretação na qual em ambos os sentidos há faceta de atuação positiva, impregnada de deveres ao lado de direitos. O reconhecimento de responsabilidades tanto na implementação das políticas que, na atualidade, muitas vezes são de ordem mundial, como no sentido das escolhas dos representantes eleitos e controle dos seus atos derivam desse regime, o democrático, seus valores e fundamentos, como também do referencial ético da dignidade humana que alcançou status jurídico e implica em obrigatório reconhecimento deles para sua implementação. Ou seja, só vai acontecer se houver processo educativo que privilegie e oriente atenção ao outro.
Constata-se que apesar da existência de farto catálogo das normas definidoras dos direitos fundamentais, falta muito para alcance de sua identificação e atuação que leve, ao final, à efetividade desses direitos e valores que sustentam a democracia, ou seja, que aconteçam experiências de liberdade e de igualdade no plano concreto e que vivenciemos a democracia plena. Após esse questionamento, pergunta-se: a cidade está preparada para todos? Todos são acolhidos da mesma forma? Ou ainda temos inúmeras discriminações negativas que acontecem reiteradas vezes, afastando de muitos a igualdade ou justiça social? Infelizmente, a resposta a esses questionamentos aponta para ausências e negativas que afetam a vida de inúmeros cidadãos. No presente estudo, destacamos as pessoas com deficiência.
Como premissa conceitual de território e territorialidades, o geógrafo Milton Santos define o “espaço como um conjunto de sistemas de ação que se formam de modo indissociável” (SANTOS, 1996, p.39), portanto falamos de ações e relações sociais que transformam a natureza e constituem processos históricos, ou seja, o meio e as suas relações. Para Michel de Certeau (1988), o espaço da cidade se apresenta como prática do lugar que se transforma nas pessoas de seus moradores. É a cidade o espaço do aprimoramento democrático, local do desenvolvimento das nossas vidas e das múltiplas relações com o outro.
A partir das bases conceituais acima descritas, podemos afirmar que a cidade realmente é transformada e sofre influências de todos? Mais uma vez, pelo próprio título do artigo já sabemos que precisamos reduzir desigualdades, afastar as discriminações que excluem e segregam muitos da participação ativa na formação e construção das cidades, do convívio orientado para a tolerância, alteridade e harmonia. Há muitos sujeitos sociais que são marcados pela invisibilidade e, ainda que tenhamos a igualdade formal ou na lei de modo muito intenso e alargado, em especial, a partir da atual Constituição, estamos longe de realização da chamada igualdade material e de cumprimento dessa missão constitucional democrática (MOREIRA, 2019)8.
O fato de tratarmos no presente artigo das pessoas com deficiência não excluem outros vulneráveis que também têm na Constituição seu lócus de proteção que é afirmada integral, como idosos, crianças e adolescentes, sem falar dos sujeitos que, por suas características individuais e particulares são indicadores dos compromissos assumidos com a redução das desigualdades e afastamento de discriminações, tais como o gênero, a raça, entre outros. A aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes9 se mostra muito importante no cumprimento dessas metas democrático-constitucionais expressas, ainda que não haja normas infraconstitucionais para todos os referenciais de exclusão, que permitam sua aplicação e efetividade, ou seja, há uma conexão entre as normas jurídicas estatutárias (PEREIRA, 2019) para que sejam viabilizadas a executividade de tal proteção e os valores igualdade e liberdade.
A escolha das discussões sobre a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência se deu por ser o mais recente tratado internacional de direitos humanos, integrante do sistema global de proteção da ONU, sendo que o Brasil exerceu importante protagonismo na ONU de 2001 a 2006, razão pela qual há harmonização com a Lei Brasileira de Inclusão, Lei 13.146/2015, especialmente quanto ao modelo social da deficiência de Direitos Humanos, no qual o impacto do ambiente é da maior importância na vida das pessoas, ou seja, de que forma o ambiente acolhe ou se prepara para acolher a todos e permite seu desenvolvimento pessoal e interpessoal (LOPES, 2016). Também de importância singular para as pesquisas que envolvem territórios e territorialidades
Quando falamos na cidade educadora e humanizadora, deve ela estar apta a implementar esse modelo de superação do médico assistencial que segrega e exclui e não se coaduna com o mandamento constitucional da proteção integral em conjunto com os princípios democrático e da cidadania, que é o modelo social.
3 Educar para a cidadania e redução das desigualdades
“A Educação é o problema básico da democracia”, afirmação de Sampaio Dória (GARCIA, 2010, p. 206) em comentários à Constituição de 1946, o que ainda permanece com força e atualidade, em pleno ano de 2022. Todas as conceituações e discussões até aqui tratadas demandam e dependem do processo educacional, muito mais amplo que o ensino formal, para que sejam realizadas. Democracia e cidadania só se efetivam no plano concreto por meio de educação que tem missões constitucionais expressas no Art. 205 da Constituição10, como o preparo para o exercício da cidadania, o desenvolvimento integral da personalidade humana e acesso aos melhores postos de trabalho, o que viabiliza e deve ser norteado pelos valores igualdade, liberdade e dignidade.
Tanto no ambiente macro como também nos microespaços de convivência, existem dificuldades de estabelecermos parâmetros de atuação que levem à igualdade e à liberdade que são referências maiores das democracias, e, com o mesmo argumento, enfrentamos dificultadores para que determinados grupos de pessoas sejam tratadas com igualdade e atuem com liberdade, no presente caso, as pessoas com deficiência. Os espaços que recebem e acolhem, permitem e viabilizam as experiências da vida vivida e promovem transformações e evolução na vida das pessoas, não são só a materialização de direitos, no caso direito à cidade, mas também dependentes de cumprimento de deveres, sempre com olhar atento para a vida comunitária que depende do equilíbrio relacional entre o eu e o outro.
Sempre importante lembrar o significado e origem da palavra educação. A palavra educar deriva do latim, educare, como processo que visa tirar para fora e criar as potencialidades para convivência humana e harmônica em sociedade (FERREIRA, 1995). É a educação que viabiliza as condições de exercício de cidadania plena, especialmente quando pensamos na implementação de políticas públicas e programas que tragam esse novo olhar em relação às pessoas com deficiência, além de afastamento das discriminações negativas que tanto excluem e segregam, tornando inviáveis as experiências democráticas. Pela educação o reconhecimento da cidadania acontece, seja pelos direitos e deveres dos quais somos titulares, sempre com olhar de alteridade, para o outro, como também, para as decisões políticas que propiciam a busca da felicidade.
Diante de tantos avanços científicos e tecnológicos, temos como instrumentais de redução das desigualdades as tecnologias assistidas, devem a mesmas serem amplamente utilizadas para preparar a cidade para todos, em respeito à democracia e à cidadania. Os veículos de comunicação massiva devem e já estão sendo utilizados para inclusão e redução das desigualdades. Em tese de doutoramento de 2009 afirmo a condição de agentes educacionais aos veículos de comunicação, o que tenho ratificado em diversos escritos, pois há sim obrigatoriedade de se cumprir a missão educativa e informativa, sempre em respeito aos valores éticos e sociais das pessoas e da família o que vai ao encontro desse referencial obrigatório nas democracias que se conjuga com o dever da informação pela Administração Pública (BETTINI, 2009)11.
Políticas de inclusão devem sempre ser amplamente divulgadas, informadas, publicizadas para educar, para extrair o melhor de cada pessoa com a intencionalidade de convivência harmônica, com essa capacidade de olhar para o outro e se colocar no lugar dele, o que propomos enfaticamente. Retiramos essa missão constitucional também no capítulo que trata da educação12 e aponta para o preparo do exercício da cidadania, o desenvolvimento integral da personalidade humana, além do acesso aos melhores postos de trabalho, o que reforça nossa argumentação de educação sendo a base para a cidadania e a democracia.
A partir das bases constitucionais acima enunciadas, a cidade educadora e humanizadora é a que está apta a preparar para convívio harmonioso, sem excluir ou discriminar de forma negativa, mas sim para esse exercício constante de afastamento das desigualdades e com aptidão para receber a todos, numa atuação democrática, com olhar atento que reconhece a nossa condição plural. Vale repetir Mary Pat Radabaugh (LOPES, 2019, p. 319)13: “nada sobre nós sem nós”, ou seja, o exercício da democracia está em não negligenciar com as diferenças das pessoas, para nosso exemplo, quais as necessidades das pessoas com deficiência com base em suas experiências e vivências, quais são as dificuldades encontradas em razão do meio, da cidade não se habilitar para receber a todos, mas somente parcela da população, como se a cidadania fosse segmentada em planos distintos, nos quais uns merecem respeito e têm dignidade e outros não.
Ouvir, dar voz aos interessados é o primeiro movimento para que todas essas políticas possam realmente ter efetividade e alcancem essa aptidão e afeição para receber a todos os cidadãos de forma igualitária, para que suas deficiências não sejam enaltecidas e percebidas, mas pelo contrário, que as cidades sejam espaços de todos, o que permite o desenvolver de forma integral e conforme suas necessidades. Não podemos descuidar que, no plano geral, a finalidade social de cada Estado Democrático de Direito é a busca pelo bem comum (DALLARI, 2002)14, o que vem delineado pelos objetivos da república federativa brasileira no Art. 3º da Constituição, em especial pela justiça, solidariedade e redução das desigualdades e promoção do bem de todos15, reconhecidos como compromissos constitucionais para a construção de uma democracia fortalecida.
Atuar com intencionalidade para se alcançar o bem comum num sentido amplo, ou especificamente, cada um dos objetivos a serem atingidos, conforme as necessidades prementes, de cada lugar ou cidade e época, é o que se espera de todos os integrantes da Administração Pública, desde os sujeitos que ocupam os mais elevados cargos ou funções até aos cargos mais simples, e, na atualidade, também os particulares em colaboração ou substituição do Estado. Para que realmente a cidade seja pensada e preparada para todos, como local de vivências e experiências democráticas, não excludentes e segregacionistas.
É urgente educar para além das diferenças e inclusão, com destaque ao reconhecimento de deveres para com o Outro como sendo único caminho que leva efetivamente à redução das desigualdades e à cidade educadora e humanizadora. Infelizmente, ainda não é o que observamos no plano concreto, em que as diferenças, desigualdades e invisibilidades afastam a condição de cidadania e o direito à cidade de muitos e ferem a democracia. Ratificamos que somente por meio da educação alcançaremos esse amadurecimento, seja ela feita nos ambientes escolares formalmente e pelos meios de comunicação massiva, especialmente a rádio que tem alcance maior da necessidade de ampla participação nos assuntos das cidades, o que nos dizeres de Hesse (HESSE, 1991), indica a vontade de Constituição e não somente a vontade de poder, inúmeras vezes deslocada do germe ativo das Constituições que se encontra nas interrelações e necessidades sociais.
4 Considerações finais
A afirmação de Sampaio Dória de que “A Educação é o problema básico da Democracia” continua referência para as discussões sobre Cidade Educadora e Humanizadora. Enquanto não houver um amadurecimento das democracias, com uma aproximação de intenções entre os que estão na Administração Pública e os particulares, com o entendimento que há deveres indissociáveis tanto para a vida pública como a privada, ou seja, todos sem exceção atuando para efetividade da redução das desigualdades, continuaremos com sonhos irrealizáveis de uma sociedade justa, livre e solidária e que promove a igualdade.
Somente por meio da educação poderemos vivenciar essa experiência constitucional além das normas jurídicas que, no plano concreto e não só abstrato das normas, afirme a cidadania, o direito à cidade em uma Democracia fortalecida e amplamente sustentada por valores intrínsecos e indissociáveis. Para tanto, os compromissos passam ser reconhecidos por todos e assim devem ser cuidados para sua efetivação, ou seja, os cidadãos, tanto os que integram a Administração Pública como os particulares em auxílio ou não do Estado, em atuação solidária, respeitosa ao outro e à supremacia da vontade popular e não só de uma pequena parcela, pois imperativo se reconhecer que vivemos a “era dos deveres e responsabilidades” e todos, sem exceção, devem colaborar para o fortalecimento da democracia.