Introdução
A motivação é um fator importante da vida humana e muito significativo no processo de aprendizagem. A palavra motivação provém do latim movere, que significa mover, ou seja, é a forma pelo qual o comportamento humano é impulsionado, estimulado ou ativado por algum tipo de motivo ou razão (Nakamura et al. 2005).
Existem distintas definições sobre o conceito de motivação, o mesmo autor pode empregar o termo de maneira diversa num mesmo parágrafo. Para Vernon (1973, p. 11), por exemplo, “A motivação é encarada como uma espécie de força interna que emerge, regula e sustenta todas as nossas ações mais importantes. Contudo, é evidente que motivação é uma experiência interna que não pode ser estudada diretamente”.
Na primeira proposição, motivação é uma força sem que se identifique a sua natureza. Logo a seguir, motivação é uma experiência interna, um sentimento que ninguém pode examinar. A motivação tem sido alvo de muitas discussões para a psicologia, as organizações trabalhistas e a educação com diversas abordagens na bibliografia baseadas em diferentes pressupostos epistemológicos. Essa pluralidade de abordagens surgiu ao longo da história e refere-se aos filósofos gregos, que já se preocupavam em elucidar a origem das ações humanas (Todorov e Moreira, 2005).
Ao longo do desenvolvimento do pensamento filosófico que incluía as visões do homem e das concepções de determinação dos comportamentos, variados compêndios sobre motivação foram escritos, entre eles o de Maslow (1954) e Vernon (1973).
A teoria da Escola Hierárquica das Necessidades Humanas Básicas de Maslow (1954) é uma das teorias mais conhecidas e difundidas no estudo do comportamento. Ela é apresentada como um processo racional, segundo o qual a motivação ascende através de vários níveis de necessidades. Estes níveis devem ser preenchidos, e, assim que algum deles estiver satisfeito em grau razoável, grau esse variável de indivíduo para indivíduo, o esforço de motivação deste se colocará na busca de satisfação do nível imediatamente superior. Os níveis são: necessidades de autorrealização; necessidades de autoestima; necessidades sociais; necessidades de segurança e necessidades fisiológicas.
Maslow hierarquizou as necessidades humanas na seguinte ordem de premência onde as necessidades fisiológicas são as mais prementes e demandam um nível mínimo de satisfação para a sobrevivência do homem, e o mais elevado e mais difícil de ser alcançado, o nível mais raramente preenchido em sua plenitude é segundo Maslow, o das necessidades de autorrealização.
Já Vernon (1973, p.11) em seu livro Motivação Humana escreve: “A motivação é encarada como uma espécie de força interna que emerge, regula e sustenta todas as nossas ações mais importantes” . Portanto, a motivação pode ser considerada como um constructo necessário ao impulso para os indivíduos decidirem realizar as atividades ou tarefas ao longo de sua existência.
A grande extensão deste tema pode ser considerada, não só a partir da publicação de inúmeros compêndios, mas também a partir de muitas teorias de motivação, envolvendo as múltiplas abordagens epistemológicas encontradas na Psicologia, que contribuem fortemente à educação e podem ser observadas neste trecho de Sampaio (2004, p.56) que aponta que “a maioria dos autores que se dedicou a realização da revisão dos construtos concorrentes sobre motivação percebeu essa diversidade. As tentativas de classificação das teorias propostas são igualmente diversas”.
Segundo Birney e Teevan (1962) o interesse pela pesquisa da motivação humana origina-se de três fontes: psicoterapia, psicometria, e teoria da aprendizagem. As pesquisas direcionadas a aprendizagem são abordadas pela psicologia educacional e colaboram intensamente para a área da educação e ensino, sendo estudadas as motivações para ensinar e para aprender, o que leva a um meio que permite a interação com a prática educacional e às pesquisas desenvolvidas nessa área.
Muitos teóricos da aprendizagem estudaram ou evidenciaram o papel das variáveis motivacionais na aprendizagem ou na memória. É sob essa perspectiva que o conceito de motivação será tratado neste trabalho, refletindo sobre os enfoques de como a motivação em contexto de ensino e aprendizagem foi caracterizada ao longo dos tempos e historicizar a relação da motivação histórica com a gamificação como estratégia de ensino. Este trabalho irá relacionar essa estratégia de ensino em evidência no âmbito escolar com um dos elementos mais importantes deste método, a motivação. Esse objetivo se mostra importante por levar ao contexto educacional conceitos e princípios que contribuem para melhorar a ação de educadores nos diversos contextos em que atuam e que necessitam de explorar diferentes estratégias de ensino.
Motivação nos contextos dos modelos epistemológicos pedagógicos
O moderno pensamento a respeito de variáveis motivacionais tem intervenção de filósofos gregos que influenciaram a maneira de pensar sobre motivação até os dias atuais. Sócrates, segundo Oliveira (2012) diz que a educação:
implica o aprendizado do autodomínio. Como vimos, um ponto central da ética socrática - e que influencia Platão em seus textos anteriores ao livro Leis - é o internalismo ou o modo de conceber a motivação moral como algo que parte da psyque do próprio indivíduo e, claramente não é a mera submissão exterior à lei (OLIVEIRA, 2012, p. 91).
Essa proposição de Sócrates relaciona-se com um estudo de Teloh que elucida a psyque em que ele diz que “as virtudes motivam nossas ações e nosso comportamento e nos conduzem à racionalidade” (Oliveira 2012, p.87). Enquanto Sócrates relacionava a motivação com algo interior, Platão constrói uma filosofia do homem sem conceitos motivacionais. Bolles (1967 apud Todorov e Moreira, 2005, p. 122), relata que para Platão se há liberdade para escolher seus objetivos, a escolha de objetivos é o determinante de sua ação futura. A vontade do homem é livre porque é sempre dirigida para o futuro, e, portanto, escapa das restrições situacionais. Comportamentos que fogem a essa descrição eram tidos como essencialmente aleatórios e não característicos das ações naturais do homem.
A abordagem de motivação por esses filósofos ainda não era voltada e relacionada a aprendizagem, mas foram importantes e influenciaram diversas teorias. De acordo com Valente (2001, p. 9) “à medida que a sociedade se torna cada vez mais dependente do conhecimento, é necessário questionar e mudar certos pressupostos que fundamentam a educação atual”. Desse modo, realizar um processo reflexivo acerca das epistemologias, das teorias da aprendizagem e dos modelos pedagógicos que se encontram no cenário educacional tornou-se uma exigência, de modo a responder e acompanhar as transformações decorrentes na sociedade, especificamente na escola (Savaris et al. 2016). Para discutir a relação da motivação com a aprendizagem iremos analisar o Quadro 1 que apresenta um modelo epistemológico e pedagógico encontrados no modelo de ensino proposto por Becker (2001).
EPISTEMOLOGIA | PEDAGOGIA | ||
---|---|---|---|
Teoria | Modelo | Modelo | Teoria |
Empirismo | S←O | S←O | Diretivismo |
Apriorismo | S→O | S→O | Não-diretivismo |
Construtivismo | S↔O | S↔O | Ped. Relacional |
Fonte:Becker (2001, p.94).
Esse modelo apresenta uma relação entre sujeito (S) e objeto (O) e a direção como as informações são apresentadas em cada teoria. Conforme Becker (2001), no modelo epistemológico empirista se encontra a teoria da pedagogia diretiva associada a teoria comportamental. No modelo apriorista tem-se a pedagogia não diretiva relacionada a teoria humanista. E o construtivismo, abrange a pedagogia relacional e a teoria construtivista (socioconstrutivista/histórico-cultural). Assim sendo, a pedagogia diretiva como modelo pedagógico consiste em:
A←P O professor (P), representante do meio social, determina o aluno (A) que é tábula rasa frente a cada novo conteúdo. Nessa relação, o ensino e a aprendizagem são polos dicotômicos: o professor jamais aprenderá e o aluno jamais ensinará [...] é o modelo, por excelência, do fixismo, da reprodução, da repetição. Nada de novo pode - ou deve - acontecer aqui (BECKER, 2001, p. 17).
Nesse modelo o aluno somente aprende se o professor ensina, ou seja, se o conhecimento lhe é transmitido. A cada conteúdo novo a ser passado, acredita-se que o aluno não tem compreensão nenhuma anterior. É uma aprendizagem limitada, pois apenas se reproduz o que já está pronto, o aluno não aprende a pensar e questionar suas ações.
Para o filosofo inglês John Locke (1632-1704), “o homem não pode atingir a verdade definitiva, pois tem nos fatos, e não nele, a fonte principal para tal explicação. Refuta a ideia das teorias inatas e com isso destaca a importância da educação e da instrução na formação do homem” (Moura et al. 2005, p.3). Dentro deste contexto, o psicólogo americano J. B. Watson (1878-1958) cunhou o termo behaviorismo (comportamentalismo), a teoria do estímulo-resposta (Boch et al. 2005), sendo assim:
A análise comportamental é uma das abordagens preocupadas com a motivação e sua relação com a aprendizagem. É uma ciência fundada por B. F. Skinner e fundamentada na filosofia da ciência, o Behaviorismo Radical. Ela visa, dentre outros aspectos, identificar e descrever relações de controle entre variáveis ambientais e comportamentais, particularmente relações funcionais entre ambiente e comportamento, caracterizando uma forma de interpretar o fenômeno com base em uma visão que leva em consideração as contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais (ALOI et al. 2014, p. 140).
Essa teoria tem como fonte de conhecimento a experiência por isso todos os nossos conceitos, mesmo os mais universais e abstratos, provêm da experiência. A motivação nesse caso estaria associada a interpretação da relação desta experiência relacionada a outras variáveis desde as ambientais até as culturais.
Enquanto o empirismo constitui características em que o professor transmite o conhecimento, no apriorismo Becker (2001, p.90), descreve que “o aluno já traz um saber que ele precisa, apenas, trazer à consciência, organizar, ou, ainda, rechear de conteúdo. O professor deve interferir o mínimo possível. Qualquer ação que o aluno decida fazer é, a priori, boa, instrutiva”. O professor tem o papel de facilitador, o autor aponta ainda que:
Esta epistemologia acredita que o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética [...] O professor, imbuído de uma epistemologia apriorista - inconsciente, na maioria das vezes - renuncia àquilo que seria a característica fundamental da ação docente: a intervenção no processo de aprendizagem do aluno. Ora, o poder que é exercido sem reservas, com legitimidade epistemológica, no modelo anterior, é aqui escamoteado (BECKER, 2001, p. 19).
Em outras palavras a aprendizagem é considerada autossuficiente desacreditando a ação docente, que não deve interferir, pois prejudicaria o aluno. Julga-se um conhecimento inato com motivações internas e se alguns apresentam falta de conhecimento essas dificuldades são relacionadas à cultura econômico-social, em que a marginalização da sociedade é considerada sinônimo de problemas cognitivos.
O método apriorista foi fundado a partir da teoria do filósofo Kant em que a ideia de que o conhecimento ocorre por meio de estruturas prévias a qualquer experiência na qual:
o nosso conhecimento procede de duas fontes fundamentais do espírito: a primeira é o poder de receber as representações (a receptividade das impressões), a segunda, o de conhecer o objeto por meio dessas representações (espontaneidade dos conceitos). Pelo primeiro, um objeto é nos dado; pelo segundo, ele é pensado em relação com esta representação (como simples determinação do espírito). [...] Se chamamos sensibilidade à receptividade do nosso espírito, a capacidade que tem de receber representações na medida em que é afetado de alguma maneira, deveremos, em contrapartida, chamar entendimento à capacidade de produzirmos nós mesmos representações ou à espontaneidade do conhecimento (KANT, 2001, p.56).
O verdadeiro conhecimento pressupõe a experiência como modo do homem contatar com a realidade, e do fato de existirem conceitos e categorias que são a priori (anterior à experiência) e, como tal, possuem as características de universalidade e de necessidade.
Dentro do apriorismo surge a teoria da forma ou da Gestalt: o conhecimento se produz porque existe no ser humano uma capacidade interna inata que predispõe o sujeito ao conhecimento; há uma supervalorização da percepção como função básica para o conhecimento da realidade, e chega-se a confundir percepção com cognição (Hilgard, 1973).
A teoria da Gestalt é conhecida como a da aprendizagem por "insight". Para Moura et al. (2005, p.3):
Os teóricos da Gestalt falam em traços de memória, que são efeitos que as experiências deixam no sistema nervoso. Estes traços de memória formam totalidades isoladas chamadas de Gestalt. Aprender não é uma questão de adicionar traços novos e subtrair os antigos, mas uma questão de transformar uma Gestalt em outra. A Gestalt concebe os processos psicológicos como função do campo presente e nega o papel explicativo às experiências passadas nas situações que seguem umas às outras.
A epistemologia construtivista aborda que o conhecimento se constrói pela interação entre o sujeito e o objeto ou meio. Ainda, a aprendizagem é vista como um processo ou uma construção interna. Como afirma Pozo (2002, p. 48), “para o construtivismo o conhecimento é sempre uma interação entre a nova informação que nos é apresentada e o que já sabíamos, e aprender é construir modelos para interpretar a informação que recebemos”. Com isso, tanto o professor quanto o aluno aprendem e ensinam ao mesmo tempo, sendo a pedagogia relacional considerada o modelo pedagógico e representada assim: A↔P.
Segundo Becker (2001, p. 27) “a tendência, nessa sala de aula é a de superar, por um lado, a disciplina policialesca e a figura autoritária do professor que a representa, e, por outro, a de ultrapassar o dogmatismo do conteúdo”. Além disso:
Trata-se de [...] construir uma disciplina intelectual e regras de convivência, o que permite criar um ambiente fecundo de aprendizagem. Trata-se, também, de recriar cada conhecimento que a humanidade já criou [...] e, sobretudo, de criar conhecimentos novos: novas respostas para antigas perguntas e novas perguntas refazendo antigas respostas; e, não em última análise, respostas novas para perguntas novas. Trata-se, numa palavra, de construir o mundo que se quer, e não de reproduzir ou repetir o mundo que os antepassados construíram para eles ou herdaram de seus antepassados (BECKER, 2001, p. 28).
Nesta forma de ensino o aluno é instigado a pensar, indagar o que gera confusão e problematizar as suas ações, construindo seu conhecimento em uma relação mútua com o professor: ambos ensinam e aprendem. Ocorrendo a assimilação de algo de seu meio, o aluno constrói seu conhecimento ao buscar a resposta, fazendo com que ocorra a adição do conhecimento cognitivo ao criar uma ideia ou um novo conceito.
Desse modo, fazem parte dessa teoria autores como o psicólogo americano David Ausubel (1918 - 2008), o psicólogo suíço Jean Piaget (1896 - 1980) e o psicólogo russo Lev Vygotsky (1896 - 1934), porém, cada autor enfatiza mediações e motivações diferentes no processo da aprendizagem. A exemplo, Piaget considera a ação docente como mediação da aprendizagem e ressalta que:
o construtivismo é um equilíbrio por auto regulações que permitem remediar as incoerências momentâneas, resolver os problemas e superar as crises ou os desequilíbrios por elaborações constantes de novas estruturas que a escola pode ignorar ou favorecer, segundo os métodos empregados (PIAGET, 1998, p. 49).
As ideias do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), exerceram grande influência na obra de Piaget. Kant foi um dos primeiros a sugerir que o conhecimento vem da interação do sujeito com o meio, ao trabalhar com as concepções de Kant, Piaget concordou com a ideia da interação sujeito/meio, porém, foi mais além, afirmou que o desenvolvimento das estruturas mentais iniciamse no nascimento, quando o indivíduo começa o processo de troca com o universo ao seu redor.
[...] convém lembrar que Piaget se propôs a estudar o processo de desenvolvimento do pensamento e não a aprendizagem em si. Ele observa a aprendizagem infantil não com o intuito de diferenciá-la do desenvolvimento, mas para obter uma resposta a questão fundamental (de ordem epistemológica) que se refere a natureza da inteligência, qual seja: como se constrói o conhecimento? [...] Ele trabalha com o sujeito epistêmico que, mesmo não correspondendo a ninguém em particular, sintetiza as possibilidades de cada indivíduo e de todos ao mesmo tempo. Na perspectiva piagetiana, o outro pólo desta relação, ou seja, o objeto do conhecimento refere-se ao meio genérico que engloba tanto os aspectos físicos como os sociais (PALANGANA, 2001, p.71).
A motivação na perspectiva de Piaget:
É a procura por respostas quando a pessoa está diante de uma situação que ainda não consegue resolver. A aprendizagem ocorre na relação entre o que ela sabe e o que o meio físico e social oferece. Sem desafios, não há por que buscar soluções. Por outro lado, se a questão for distante do que se sabe, não são possíveis novas sínteses (SALLA, 2012, p. 3)
Godoi (2001) por sua vez, traz a concepção de Vygotsky, e enfatiza que:
Sem descartar a noção da criança como um agente ativo no seu próprio desenvolvimento, Vygotsky (1987) e seus seguidores enfatizaram as práticas mediadas socialmente e organizadas culturalmente e situaram o desenvolvimento das crianças emergindo dessas práticas. A interação social passa a representar o aspecto de maior relevância no desenvolvimento cognitivo a passa-se a acreditar que funções mentais superiores tenham origens sociais (GODOI, 2001, p. 117).
Vygotsky afirma ser a linguagem a mediação na aprendizagem. Assim, Palangana (1995, p. 23) explica que “a linguagem encerra em si o saber, os valores, as normas de conduta, as experiências organizadas pelos antepassados, por isso participa diretamente no processo de formação do psiquismo”. Oliveira (1997) complementando essa concepção relata que:
Vygotsky trabalha com duas funções básicas da linguagem. A primeira é o intercâmbio social: é a necessidade de comunicação com seus semelhantes que impulsiona o homem a criar, internalizar e utilizar os sistemas de linguagem. A segunda função refere-se ao desenvolvimento do pensamento generalizante, isto é, por meio da linguagem é possível analisar, abstrair e generalizar, agrupando todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos e situações em uma mesma categoria conceitual (OLIVEIRA, 1997, p. 42).
Em seus estudos sobre a relação entre pensamento e linguagem, Vygotsky afirma que devido à inserção da criança em seu meio cultural, o pensamento e a linguagem se encontram e dão origem a modos mais sofisticados de funcionamento psicológico (REGO, 2002), favorecendo assim a aprendizagem. Salla (2012, p.3) explica que para Vygotsky:
a cognição tem origem na motivação. Mas ela não brota espontaneamente, como se existissem algumas crianças com vontade - e naturalmente motivadas - e outras sem. Esse impulso para agir em direção a algo é também culturalmente modulado. O sujeito aprende a direcioná-lo para aquilo que quer, como estudar.
Ausubel enfatiza os organizadores prévios como mediadores do processo de aprender. De acordo com Pontes Neto (2006, p.120):
Ausubel recomenda o uso de organizadores prévios, isto é, um conteúdo, de maior nível de generalidade do que aquele que será aprendido, que relaciona ideias contidas na estrutura cognitiva e ideias contidas na tarefa de aprendizagem. Este conteúdo deve ser estudado antes do aluno realizar a tarefa de aprendizagem, em questão, e tem o intuito de servir como elo entre o que ele já sabe e o que deseja saber, de maneira a evitar a aprendizagem mecânica e garantir a aprendizagem significativa.
Entende-se que Ausubel considera o pensamento com formato não linear, em que a mente humana funciona em uma lógica de associações formando uma verdadeira rede. Dessa forma, é necessário configurar os elementos educacionais para que ocorra a assimilação de significados, favorecendo o a organização da estrutura cognitiva para que ocorra assim uma aprendizagem significativa. Essa organização vai favorecer a motivação uma vez que:
essa disposição está diretamente relacionada às emoções suscitadas pelo contexto. Pela perspectiva de Ausubel, o prazer, mais do que estar na situação de ensino ou mediação, pode fazer parte do próprio ato de aprender. Trata-se da sensação boa que a pessoa tem quando se percebe capaz de explicar certo fenômeno ou de vencer um desafio usando apenas o que já sabe. Com isso, acaba motivada para continuar aprendendo sobre o tema (SALLA, 2012, p. 3).
Esses teóricos da aprendizagem defendem que a motivação é um fator que contribui e que deve ser explorado no processo de ensino e de aprendizagem. De acordo com Bzuneck (2009, p.9) “a motivação é entendida como um processo ou um fator que faz uma pessoa agir, modificar seu curso em direção a um objetivo ou persistir na atividade”. Mesmo existindo diversas teorias que buscam explicar a motivação na aprendizagem, duas concepções são consideradas essenciais para o entendimento de motivação: a motivação intrínseca e a extrínseca.
Gagné e Deci (2005) apresentam um continuum de autodeterminação (Figura 1) em que são diferenciados seis tipos de motivação, os quais variam, qualitativamente, segundo a internalização das regulações externas para o comportamento.
De acordo com essa abordagem, a análise da motivação de um indivíduo pode ser classificada em três grupos: desmotivação; motivação extrínseca; e motivação intrínseca. A desmotivação é caracterizada pela ausência de motivação, ou seja, a pessoa não apresenta intenção nem comportamento proativo e, ainda, “Em tal situação, observa-se desvalorização da atividade e falta de percepção de controle pessoal.” (Guimarães e Bzuneck, 2008, p. 103).
As motivações intrínsecas são originadas dentro do próprio sujeito e necessariamente não estão baseadas no mundo externo. Se o indivíduo realiza atividades por vontade própria é porque elas despertam interesse e são desafiadoras. Vianna et al. (2013), identificaram que motivados dessa maneira, os indivíduos procurarão por novidades e entretenimento, satisfazendo sua curiosidade, além de terem a oportunidade de desenvolver habilidades e aprender sobre algo novo. Para Muntean (2011) essa motivação surge quando o indivíduo decide tomar ou não uma ação como o altruísmo, a cooperação, o sentimento de pertencer, de amor ou de agressão. Em um contexto educacional Hanus e Fox (2015), salientam que quando os alunos estão intrinsecamente motivados, os mesmos são engajados e acabam por reter o conteúdo de aprendizagem de forma efetiva.
De forma contrária, as motivações extrínsecas são baseadas no mundo que envolve o indivíduo e lhe são externas (Zichermann e Cunningham, 2011). Segundo Vianna et al. (2013) essas motivações têm como ponto de partida o desejo do sujeito em obter uma recompensa externa, como, por exemplo, reconhecimento social e bens materiais. Muntean (2011) identifica que essa motivação acontece quando alguém ou alguma coisa determina ao sujeito a ação que deve ser feita como pontos, prêmios, missões, classificações e assim por diante.
Guimarães (2009) ao revisar inúmeros trabalhos sobre o problema de recompensas externas à atividade (motivação extrínseca), aponta que um dos principais problemas dessa atividade seria a existência de uma luta desigual entre a escola e as recompensas que o próprio cotidiano dos alunos oferece, como: passear, utilizar redes sociais, jogar vídeo game, assistir televisão etc. Seu argumento é claro ao relatar que:
a simples comparação entre o desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, facilmente observável em todas as situações cotidianas, e as limitadas ou escassas mudanças no sistema educacional tem produzido muitas anedotas. Nada engraçado, no entanto, é o esforço por parte dos professores para poder competir com tantas atrações do mundo fora dos muros da escola (GUIMARÃES, 2009, p. 50).
Levando isso em consideração é necessário aproximar a realidade do aluno ao ambiente escolar para efetivar a aprendizagem com base em sua motivação tanto intrínseca como extrínseca. A gamificação se mostra como uma ferramenta de ensino que aproxima essas duas categorias de motivação e se bem elaborada, aplicada e desenvolvida irá auxiliar no processo de ensino-aprendizagem.
Gamificação como estratégia de ensino
Com os avanços e a necessidade de aplicar-se metodologias mais atrativas e que permitam o engajamento e aprendizagem em sala de aula, a gamificação tem se mostrado muito eficaz no contexto escolar. O jogo é atraente ao educando por se valer de comportamentos naturais do ser humano, como se socializar, ser competitivo, ser bonificado por um trabalho bem desenvolvido e ter a sensação de conquista. Inserindo o formato de jogo em atividades pedagógicas, a sala de aula passa a ser um ambiente atraente e desafiador na busca pelo conhecimento, aumentando a participação, a criatividade, a autonomia, o diálogo e o foco na resolução de situações-problema.
A gamificação se baseia na motivação, na capacidade de completar a ação e o que a desencadeia. Desta forma, considerando os elementos presentes na mecânica dos games, como por exemplo, o desafio, objetivos, níveis, sistema de feedback e recompensa (Salen e Zimmerman 2012; McGonigal, 2011) são criadas situações que mobilizam e engajam os sujeitos para a realização de determinadas ações. Nessa metodologia os desafios e missões devem estar conectados ao conteúdo do referencial curricular e deve fazer com que os alunos fiquem estimulados o suficiente para desenvolverem os desafios propostos e se aprofundem no assunto, sendo então essa estratégia um recurso de aprendizagem.
Segundo Millar (1991), as habilidades cognitivas gerais como a observação, investigação e categorização são inatas aos seres humanos, por isso é impróprio dizer que são ensináveis. Adey (1997), por sua vez, considera que as funções gerais ensináveis existem, mas são difíceis de se caracterizar com rigor. Sabe-se que existem habilidades cognitivas tanto inatas quanto ensináveis, por isso buscar identificar iniciativas que permitam o desenvolvimento de ambas as categorias é indispensável.
Sabe-se que na educação a gamificação apresenta um desenvolvimento mais denso dos elementos de games e possui o intuito de priorizar a aprendizagem a partir de elementos mais complexos, que levem em conta a interação com o meio, com as tecnologias e com as pessoas, o que pode levar a um nível maior de engajamento e motivação nas atividades pedagógicas. Neste contexto Oliveira e Pimentel (2020) evidenciam alguns modelos de teorias de aprendizagem que servem como fundamento para a gamificação na educação, como pode ser observado a seguir:
Teoria | Características da teoria em contexto de gamificação na educação |
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Fluxo | Um sistema adequado ao nível do aprendiz para envolve-lo no estado de fluxo, em constante interesse, no qual nada mais parece importar, pois a exigência da tarefa é adequada às habilidades do aprendiz. As atividades comuns, através da gamificação, recebem uma nova configuração, o que pode ser relevante, principalmente aquelas que exigem do aprendiz perseverança e comprometimento (Hamari e Koivisto, 2014). |
Condicionamento operante | Sistema que visa ao reforço de comportamentos positivos de estímulos à aprendizagem. Por meio de recompensas ao término de uma determinada tarefa, ranking com o status dos participantes e feedback para encorajar o aprendiz a realizar uma determinada ação. É importante compreender as limitações da análise comportamental, uma vez que as recompensas podem vir a substituir a motivação intrínseca e o ranking deve ter um equilíbrio entre ganhar e perder, para não desmotivar aqueles que possuem pontuação abaixo da média (Abdi, 2016). |
Teoria motivacional ARCS | Essa teoria tem como base elementos (atenção, relevância, confiança e satisfação) que em conjunto proporcionam as condições consideradas necessárias para que o aluno possa ser totalmente motivado pelo processo de aprendizagem. Os conteúdos de aprendizagem devem ser relevantes para que seja significativo aprender o que é proposto (Keller, 2017). |
Autodeterminação | As experiências de aprendizagem, para fomentar motivação intrínseca, envolvem três pontos básicos: autonomia, capacidade de regular os próprios comportamentos e agir conforme suas intenções de aprendizagem; competência, sentimento de alcançar o domínio de habilidades e confiança para vivenciar experiencias com maestria; ligação, conexão e interação com os outros (Shi e Cristea, 2016). |
Aprendizagem social | A interação social influencia o aprendiz a modelar o comportamento para atingir o considerado apropriado e mantê-lo. A interação social com o ambiente e o comportamento são responsáveis pela aprendizagem. O aprendiz observa um comportamento, testemunha seu esforço e o processa internamente (Kapp 2011). |
Fonte: Adaptado de Oliveira e Pimentel (2020, p.240).
Para os autores a identificação e observação das teorias e concepções pedagógicas são fundamentais para compreender de que forma a gamificação vem sendo desenvolvida na educação, em virtude do momento histórico e cultural da sociedade, permeada pela cultura digital. Desse modo, o ato educativo visa mais que formar para o trabalho, mas desenvolver a capacidade de colaboração e autonomia e a formação de indivíduos com competência para refletir sobre questões sociais.
Teorias epistemológicas da gamificação como a motivacional e a autodeterminação tem como ponto importante a motivação dos alunos para desenvolvimento e engajamento no ensino. De acordo com Bzuneck (2009), a motivação do aluno está atrelada a um contexto específico que é a sala de aula. Em função disso, devem ser considerados os componentes próprios deste meio particular, culturalmente concebido e construído, quando se utiliza os princípios gerais da motivação humana para estudar ou explicar a motivação do aluno.
Importância da motivação no processo de ensino-aprendizagem
Pensando nos modelos epistemológicos, pedagógicos e as teorias da aprendizagem a gamificação se aproxima do modelo construtivista com influência em alguns momentos do modelo empirista (behaviorismo), tendo a pedagogia relacional como modelo pedagógico e com influência das teorias da aprendizagem construtivistas (Piaget), construtivista social (Vygotsky) e aprendizagem significativa (Ausubel). Para esses pontos será feita sua relação com a motivação intrínseca e extrínseca, quesito importante da gamificação e do processo de ensino-aprendizagem.
A motivação intrínseca está presente na gamificação pelo fato de proporcionar interesse, alegria e satisfação inerente e apresentam pressupostos nas teorias de Piaget, Vygotsky e Ausubel. Essas teorias podem coexistir e se complementar, uma vez que, Piaget defende métodos ativos na escola, ou seja, sujeitos no centro do processo, sendo a aprendizagem reconquistada, reconstruída e redescoberta. Além de ressaltar que em contexto escolar o uso de instrumentos como jogos são essenciais para o desenvolvimento:
[...]É pelo fato do jogo ser um meio tão poderoso para a aprendizagem das crianças, que em todo lugar onde se consegue transformar em jogo a iniciação à leitura, ao cálculo, ou à ortografia, observa-se que as crianças se apaixonam por essas ocupações comumente tidas como maçantes. [...] Por isso os métodos ativos de educação das crianças exigem que se forneça às crianças todo um material conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil (PIAGET, 1976, p.160).
Já Vygotsky (2007) defende que é no processo de experimentação e de interação social e com a cultura que o aprendizado é desenvolvido. Assim, como Piaget, Vygotsky faz uma crítica a educação escolar, para ele a escola não ensina sempre sistemas de conhecimento, mas, com frequência sobrecarrega os alunos com fatos isolados e desprovidos de sentido e, muitas vezes, não há na escola interações sociais capazes de construir saberes. Em relação às tecnologias, e pode-se incluir aqui os elementos de jogos (gamificação), o teórico diz que os instrumentos criados pela cultura podem ampliar as possibilidades naturais do indivíduo e reestruturam as funções mentais superiores, ou seja, a cultura digital interfere na nossa aprendizagem, ou seja, a cultura cria auxiliares exteriores (tecnologias) que sustentam os processos psicológicos.
E por fim Ausubel, com a aprendizagem significativa que é aquela em que ideias expressas simbolicamente interagem de maneira substantiva e não-arbitrária com aquilo que o aprendiz já sabe. Substantiva quer dizer não-literal, não ao pé-da-letra, e não-arbitrária significa que a interação não é com qualquer ideia prévia, mas sim com algum conhecimento especificamente relevante já existente na estrutura cognitiva do sujeito que aprende (Moreira, 2012).
Tem-se então o jogo como aporte em Piaget, as relações sociais e interação para construção de saberes ancorado em Vygotsky e pontos propostos por Ausubel como, levar em consideração os conhecimentos prévios da criança, que o aluno é o ator principal do processo e o professor é o mediador, facilitador desta aprendizagem. A motivação sendo trabalhada nesses três pilares epistemológicos valorizam e despertam o cognitivismo (base da motivação intrínseca) realizando a organização e integração de conteúdos de suas ideias em uma área reservada de conhecimento, resultando na aprendizagem.
A motivação extrínseca é idealizada no ato de haver recompensa. O uso de incentivos extrínsecos para estimular a motivação do aluno baseia-se num enfoque comportamental (behaviorista), reforça comportamentos específicos visando atingir os objetivos desejados, como um mecanismo de estímulos e respostas positivas (Kapp et al. 2014). Além dos benefícios ligados à praticidade de sua administração e a seu caráter de incentivo, Guimarães (2001) e Rocha (2002) mostram que as recompensas externas têm ainda a vantagem que é dada pela sua função de avaliação, já que fornecem ao aluno um importante feedback quanto ao seu desempenho numa tarefa específica.
Apesar de trazer benefícios como os antes apontados, a utilização desse tipo de recurso tem sido alvo de críticas por parte de vários profissionais ligados à educação e também por parte de teóricos da motivação, onde afirmam indicavam que se começasse a recompensar alguém por fazer algo que já estivesse fazendo por suas próprias razões, ocorria uma diminuição em sua motivação intrínseca para continuar este comportamento.
Guimarães (2001) e Rocha (2002) ressaltam que recompensas externas não necessariamente “destroem”, “corroem” ou “minam” a motivação intrínseca, mas, ao contrário, podem ser usadas como formas de favorecer o desenvolvimento dessa última, mesmo porque tem ficado evidente que a motivação intrínseca e a extrínseca fazem parte de um mesmo contínuo de autorregulação (conforme a teoria da autodeterminação de Deci e Ryan, 1985).
Considerações finais
A motivação e as variáveis motivacionais na aprendizagem vem sendo estudada por teóricos ao longo dos tempos. Assim como o entendimento de motivação teve progresso o cenário educacional também se transformou sendo extremamente necessário uma reflexão sobre as epistemologias e as teorias da aprendizagem. Nota-se que dentre os modelos epistemológicos e pedagógicos o construtivismo e a pedagogia relacional se destacam por favorecer a interação entre o sujeito e o meio, onde, professor e aluno aprendem e ensinam ao mesmo tempo. Essa forma de ensino se mostra cada vez mais eficaz em decorrência das transformações da sociedade onde a cultura digital, internet e jogos fazem parte do dia a dia das pessoas.
Aproximar a realidade dos alunos ao ambiente escolar facilitará a sua aprendizagem por influir na sua motivação e prazer em aprender. Por ser do cotidiano os jogos ou elementos de jogos chamados de gamificação, se bem aplicados podem auxiliar o engajamento e aprendizagem em sala de aula. Atividades baseadas em gamificação podem associar a motivação intrínseca e extrínseca e apresentar resultados positivos de aprendizagem, onde desperta a motivação intrínseca que está ancorada na satisfação inerente em aprender despertando o cognitivismo e ao mesmo tempo fazer uso de recompensa externas as quais não surtem, necessariamente, um efeito negativo sobre a motivação do aluno, uma vez que essas consequências negativas podem ser consequência da falta de oportunidade de crescimento do aluno.
As reflexões levantadas neste trabalho apontam que a gamificação segue o modelo epistemológico construtivista no qual se desenvolve novos aprendizados e o conhecimento não é apenas transmitido, além de permitir repensar e valorizar a associação das motivações no processo de ensino-aprendizagem, possibilitando o desenvolvimento de pesquisas sobre gamificação no âmbito educacional visando a efetivação do conhecimento unindo pressupostos cognitivistas aliado ao uso de recompensas.