INTRODUÇÃO1
As dinâmicas envolvendo o processo de avaliação no âmbito da educação infantil têm se constituído em pauta permanente da formação continuada de professores e professoras de Educação Física atuantes nessa etapa da educação básica. Principalmente pelo fato de tal processo não ser realizado a partir de uma base consensual, em que os mesmos aspectos sejam considerados para a elaboração do documento a ser entregue semestralmente às famílias2, cujas crianças são atendidas nas Unidades Educativas das diferentes Redes de Ensino.
De fato, ainda se percebe uma multiplicidade de modelos de pareceres descritivos que são apresentados nos NEIMs3, fruto de diferentes entendimentos e construções a partir do próprio histórico das unidades e atuação de suas equipes pedagógicas. Vê-se então, que estamos longe de tratarmos dessa questão como uma espécie de lugar comum e por isso, assumimos o desafio de problematizar e sistematizar uma proposta, tendo como referência a Rede Municipal de ensino de Florianópolis.
Isto é, decorrente das próprias inquietações da prática pedagógica de professores de Educação Física atuantes na educação infantil, no que tange à temática da avaliação, o Grupo de Estudos Independente de Educação Física na Educação Infantil propôs-se o debate sobre essa temática ao longo do ano de 2018. A metodologia de trabalho contemplou a realização de encontros quinzenais, pautados por debates acerca das propostas avaliativas desenvolvidas pelos professores e professoras participantes, leitura e discussão de textos sobre avaliação na educação infantil, e também discussões sobre os documentos normativos da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis acerca da avaliação nessa etapa da educação básica. Assumindo como referência os registros realizados no decorrer dos encontros, a meta desse processo formativo foi acumular elementos que propusessem a construção de um documento que auxiliasse os professores e professoras de Educação Física atuantes na educação infantil a refletir sobre a problemática da avaliação em seus diferentes cotidianos pedagógicos.
Assim, o objetivo do presente manuscrito é apresentar uma proposta de produção do parecer descritivo/avaliação semestral da Educação Física na educação infantil, que possa subsidiar a prática pedagógica dos professores atuantes nessa etapa da educação básica. Para tal, primeiramente são apresentadas algumas questões referentes à avaliação como problemática da Educação Física na educação infantil; em um segundo momento nossas atenções se voltam para alguns elementos dessa problemática no âmbito da legislação educacional vigente; em seguida tratamos da importância dos registros no processo de produção da documentação pedagógica; e ao final, apresentamos a proposta de produção da avaliação em si, com base na perspectiva de uma docência compartilhada.
A AVALIAÇÃO COMO PROBLEMÁTICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Dentre os elementos que compõe a prática pedagógica, a avaliação se destaca não como um ponto de partida ou mesmo de chegada e sim como um processo, continuamente desenvolvido, que deve acompanhar todo o “fazer cotidiano” do professor (SILVEIRA, 2015). Como esse processo se desencadeará, será conduzido ou implementado, dependerá de fatores como as diretrizes contidas nos documentos oficiais (LDB, Diretrizes Nacionais, BNCC etc.), as expectativas no âmbito do Projeto Político Pedagógico das Unidades Educativas e as concepções pedagógicas que permeiam a formação inicial/continuada dos educadores.
De antemão, é importante compreendermos que há uma tendência de considerarmos o ato de avaliar como um problema em nossa sociedade, tendo em vista especialmente que o seu significado está atrelado, grosso modo, a uma ideia de verificar e determinar valor. E tal problema tende a ter reflexos sobre a própria prática avaliativa na educação (LUCKESI, 2013).
Assim, mesmo considerando que tivemos avanços significativos em termos de propostas pedagógicas na área de Educação Física, que nos levaram a questionar determinadas ações desse componente curricular na escola, a avaliação ainda parece um aspecto a ser aprofundado e melhor resolvido em nossa área. Certamente, a determinação de critérios a serem observados nesse processo é de grande importância para conseguirmos estabelecer se as crianças alcançaram ou não o que definimos como objetivos de nossas intervenções pedagógicas (FARIA; BESSELER, 2014).
E, se esse processo ainda precisa ser melhor desenvolvido em nossa área de forma geral, quando voltamos o olhar para nosso campo de atuação na educação infantil, o cenário não parece menos problemático. De fato, é preciso considerar que ainda temos um longo caminho a trilhar no que tange às discussões acerca da avaliação da Educação Física na educação Infantil, uma vez que ainda não acumulamos elementos suficientes que nos permitam apontar com mais clareza o quê, quando e como avaliar. Ainda mais levando em conta que, “se o debate crítico no campo da educação Física escolar já alcançou patamares pouco mais avançados, ainda que insuficientes, não é essa a situação que encontramos quando tratamos dos espaços educativos próprios da infância de 0 a 6 anos” (RICHTER; VAZ, 2005, p.80).
Por isso precisamos nos questionar se nossas avaliações têm avançado na direção de compreender a criança para além do corpo biológico, ampliando o enfoque para uma concepção de corpo marcado social e historicamente? Em que medida nossas avaliações estão permeadas pela força das normas sociais hegemonicamente impostas quanto às concepções de corpo e criança? Nossas avaliações avançam na qualificação de nosso fazer pedagógico, sugerindo caminhos para o processo de aprendizagem ou apenas diagnosticam a criança alheia a este processo?
Com relação aos documentos de orientação curricular da RMEF para a educação infantil, vê-se que ainda é preciso aprofundar os elementos acerca da avaliação nesta etapa da educação básica. No que tange especificamente à Educação Física, as questões referentes à avaliação ainda deixam margens para interpretações diversas sobre a ação de avaliar e a produção dos pareceres descritivos semestrais. De fato, tal imprecisão pedagógica acaba culminando em angústias e diferentes entraves, uma vez que não se sabe ao certo, por exemplo se: a avaliação deve ser coletiva ou individual? Escrita por uma ou mais mãos? O que deve ser observado e relatado? Para quem se destina a avaliação?
Além disso, algumas questões concretas do cotidiano pedagógico precisam ser consideradas como, por exemplo, o fato dos professores de Educação Física atenderem, em alguns casos, centenas de crianças, o que tende gerar empecilhos quando é necessária a elaboração de pareceres/avaliações qualitativas individuais. Outro fator a ser considerado é que, embora deva constar nos PPPs das Unidades educativas, em muitos contextos, a forma de avaliação da Educação Física acaba tendo a interpretação imposta por supervisores, diretores e até mesmo pelos próprios professores, ao invés de ser fruto de uma construção coletiva, atribuindo um tom conflituoso a esse processo.
Essa imposição está relacionada com a própria margem interpretativa que compõe as discussões sobre a avaliação e que acabam resultando na produção de pareceres descritivos semestrais dotados de perspectivas bastante distintas dentro de uma mesma Rede de Ensino: temos Unidades que realizam uma única avaliação coletiva e individual composta por todos profissionais; há Unidades que realizam várias avaliações individuais de cada criança, uma vez que cada profissional faz uma avaliação independente; temos Unidades em que a avaliação da Educação Física é anexada ao texto do professor de educação infantil; Unidades em que a avaliação da Educação Física deve ser individual; e outras em que a avaliação da Educação Física é coletiva.
É necessário considerar que a Educação Física na educação infantil da RMEF possui uma trajetória de mais de 38 anos e as diferentes práticas pedagógicas, assim como a própria formação continuada, possibilitaram ao longo desse período a produção de um determinado lugar deste componente curricular na educação infantil, com seus modos de ser e fazer. Assim sendo, é preciso compreender a importância dessa trajetória histórica na proposição das bases conceituais que a Educação Física deve assumir no âmbito da educação de zero a cinco anos, quais concepções de corpo, de movimento, de ser humano e de educação devem permear suas ações e indicar, inclusive, como se construir a própria avaliação/parecer descritivo.
Como reflexo dessa trajetória, temos, no documento “A Educação Física na Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis”, um destaque para a centralidade do corpo e do movimento humano, seus sentidos e significados e as reflexões sobre os fazeres pedagógicos como elementos chaves da prática pedagógica na Educação Física, considerando que por eles as crianças se comunicam, expressam-se e interagem socialmente (FLORIANÓPOLIS, 2016). Tais aspectos nos fornecem elementos importantes para a estruturação do fazer pedagógico, assim como, alguns indicativos acerca de como realizar os registros e avaliação na educação infantil.
Partindo de tais concepções, reconhece-se as especificidades desse componente curricular no âmbito da educação de zero a cinco anos, e contribui-se para o aperfeiçoamento dos processos de definição do papel da avaliação no âmbito da prática pedagógica. Deve-se reconhecer, de antemão, a importância da avaliação para qualificarmos nosso fazer pedagógico e contribuirmos com a construção da documentação pedagógica acerca do processo de aprendizagem em que se encontram nossas crianças, concebendo esse instrumento/documento não como um fim e sim como um meio, com sentido de diagnóstico, que sinalize e oriente nossas escolhas pedagógicas (NEVES; MORO, 2013).
AVALIAÇÃO: aspectos da legislação educacional
De acordo com o Parecer sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil:
A avaliação é um instrumento de reflexão sobre a prática pedagógica na busca de melhores caminhos para orientar as aprendizagens das crianças. Ela deve incidir sobre todo o contexto de aprendizagem: as atividades propostas e como foram realizadas, as instituições e os apoios oferecidos às crianças individualmente e ao coletivo de crianças, os agrupamentos que as crianças formam, o material oferecido e o espaço e o tempo garantidos para a realização das atividades (BRASIL, 2009, p.16).
Vê-se então uma perspectiva de avaliação ampliada, em que o foco do ato de avaliar se expande da criança como ser em desenvolvimento que precisa ser avaliado individualmente, para a própria prática pedagógica, abarcando elementos acerca do contexto de aprendizagem como um todo e a reorganização dos seus rumos, visando cumprir o projeto pedagógico da unidade educativa. Ainda assim, destaca a necessidade dessa prática avaliativa dar conta das aprendizagens das crianças, estabelecendo uma dialética entre o coletivo e o individual. Por isso, “indica-se que deve abarcar tanto as experiências individuais de cada criança, como as experiências coletivas no âmbito do grupo de referência e da instituição como um todo” (FLORIANÓPOLIS, 2012, p.246).
Não é por outro motivo que a aprendizagem e o desenvolvimento são os aspectos centrais destacados na Lei de diretrizes e bases da educação nacional (Lei 9.394/96), no que tange a avaliação na educação infantil. Segundo a LDB,
Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns (Redação dada pela Lei n. 12.796/2013): I - avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental; [...] V - expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança (BRASIL, 1996).
Por se tratar de uma legislação nacional, tal perspectiva acaba sendo adotada no contexto específico da RMEF, regulamentada com base na Resolução 01/2017 do Conselho Municipal de Educação, em que é previsto que: “Art. 12. As Instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para a avaliação do desenvolvimento e da aprendizagem das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação” (FLORIANÓPOLIS, 2017).
Nessa perspectiva, o processo de avaliação na educação infantil é concebido como uma das etapas da produção de documentação pedagógica, que envolve as ações de planejar, registrar e avaliar. E desse modo, é estabelecido em legislação específica como tal processo de documentação pedagógica deve ocorrer. De acordo com a Resolução 01/2017:
[...] A avaliação individual deverá ser constituída por relatório síntese do acompanhamento com base na observação e registro da aprendizagem e desenvolvimento da criança, sem objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental, socializada com as famílias e arquivada na Secretaria da Unidade Educativa, no mínimo uma vez por semestre (FLORIANÓPOLIS, 2017, p.02).
Percebe-se então que a produção de documentação pedagógica, do qual a avaliação é uma das etapas, é importante para o acompanhamento dos percursos formativos das crianças, no qual são contemplados tanto aspectos coletivos quanto individuais, e uma clara intenção de acompanhamento do próprio trabalho pedagógico desenvolvido. Sobre o papel da avaliação realizada no âmbito da educação infantil, as orientações curriculares da RMEF destacam que a avaliação contribui para:
desenvolver sua capacidade de observação e de registro dos avanços das crianças, bem como, avaliar e reestruturar o seu planejamento;
Acompanhar a trajetória da criança na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, garantindo a continuidade dos processos educativos vividos por ela;
Possibilitar às famílias conhecerem o trabalho da instituição junto às crianças e acompanharem o processo de desenvolvimento de seus filhos;
A Unidade Educativa analisar e reorganizar seu projeto político pedagógico (FLORIANÓPOLIS, 2012, p.246).
Soma-se a isso o fato de que este documento deve considerar “as experiências das crianças, seus saberes, processos criativos, processos de desenvolvimento e aprendizagens, brincadeiras e interação no contexto, sobretudo, dos temas que compõem os núcleos da ação pedagógica” (FLORIANÓPOLIS, 2012, p.246), que formam a base das expectativas da rede no que tange ao trato pedagógico com a educação de zero a cinco anos.
Assim, aos responsáveis pela ação pedagógica é imposta a necessidade de conhecer as crianças, observá-las e analisar suas manifestações para compreender o que já possuem, suas possibilidades reais, suas necessidades, suas aspirações e as novas exigências sociais que se colocam para elas. Portanto, a definição dos projetos educacionais - -edagógicos exige tomar as crianças como fonte permanente e privilegiada da orientação da ação. Inserem-se, assim, na docência da Educação Infantil, ferramentas imprescindíveis da ação: a observação permanente e sistemática, o registro e a documentação como forma de avaliar o proposto, conhecer o vivido e replanejar as experiências através de núcleos de ação pedagógica a serem privilegiados e as formas de organização dos espaços dos tempos e dos materiais para estes fins (FLORIANÓPOLIS, 2010, p.18).
Contudo, no que tange a necessidade de apresentação de um relatório semestral às famílias, não há uma delimitação do que deve ser apresentado nesse documento, dando margem para modelos diversos de relatório que versarão sobre diferenciados aspectos do cotidiano pedagógico. E embora compreenda-se que o PPP tende a ser soberano na explicitação de tais aspectos a serem enfatizados no relatório, tendo em vista que sua construção deve respeitar a legislação vigente, assim como as orientações curriculares municipais, as margens para construção de diferentes modos de avaliar, às vezes dentro de uma mesma unidade educativa, são consideráveis.
A IMPORTÂNCIA DOS REGISTROS NO PROCESSO AVALIATIVO
O processo de produção de documentação pedagógica, que engloba a avaliação, constitui-se em uma dinâmica em espiral que envolve as ações de planejar, observar, registrar, avaliar e replanejar com base no que foi registrado e avaliado. É um movimento contínuo que deve acompanhar todo o fazer pedagógico, inclusive indicando os êxitos e limites da proposta desenvolvida, e explicitando para o docente a forma como as crianças vivenciaram o trabalho realizado (OSTETTO, 2013). Dessa maneira, “ao compreender a avaliação como parte de um processo mais amplo de organização da prática pedagógica, reconhece-se que todos os momentos da ação pedagógica estão articulados, pois é impossível planejar e avaliar sem o observar e o registrar” (FLORIANÓPOLIS, 2012, p.249).
Nesse sentido, cotidianamente é preciso que elejamos algumas situações, merecedoras de nossa reflexão, que enfoquem as crianças em suas relações interpares e intergeracionais, assim como a sua relação com a própria proposta pedagógica desenvolvida, por meio de um “registro que documente situações ricas em elementos para a construção da prática educativo-pedagógica” (FLORIANÓPOLIS, 2012, p.236). E, dessa forma, podem ser apontados alguns elementos importantes a serem observados e registrados, com relação às crianças:
Expressa-se nas diferentes linguagens? Há um predomínio de determinada linguagem? Por quê? Relacionam-se e comunicam-se entre si? Relaciona-se e comunica-se com os adultos? Explora os ambientes e atribui sentidos/significados aos objetos/brinquedos? Do que brinca? Como brinca? Com que materiais/brinquedos brinca? Com quem brinca? Significa/ressignifica as situações propostas pelos professores? Quais os elementos de seus contextos sociais e culturais evidencia? Quais os seus ambientes preferidos? Quais suas necessidades e aspirações? O que chama a sua atenção e provoca curiosidade no que se refere às relações com a natureza? (FLORIANÓPOLIS, 2012, p.237).
Ainda nessa perspectiva, o documento “A Educação Física na Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis” aponta alguns instrumentos de acompanhamento que podem fornecer informações importantes aos professores no que diz respeito às crianças, para além do cotidiano da unidade educativa:
- A entrevista realizada no início do ano letivo com as famílias, que fornecerá informações sobre o cotidiano da criança e dela em sua residência; - As fichas de frequência que possibilitarão acompanhar a assiduidade das crianças nas unidades; - A observação participante, seguida de registros a serem feitos em diários de campo escritos e ou por meio de fotografias e vídeos. Os registros podem acontecer tanto nas observações participantes das aulas, como nos demais momentos da rotina (sono, alimentação, higiene, etc.) (FLORIANÓPOLIS, 2016, p.20).
O documento enfatiza também a importância dos registros como instrumentos para a constituição de todo fazer pedagógico, uma vez que possibilita um acúmulo de informações importantes que poderão compor o parecer avaliativo, e, na busca de ampliar a capacidade de absorver, interpretar e avaliar o grupo de crianças, destaca a fotografia e o vídeo como dois recursos importantes.
De fato, os registros fotográficos e de vídeo (feitos pelos professores, por outros adultos ou pelas crianças) contribuem para captarmos algumas questões: Quais crianças estavam presentes naquele dia? Como o espaço estava organizado para a proposta? O entorno contribuiu para a realização da proposta? Todos tiveram acesso à brincadeira? Quem não se interessou pela proposta procurou outra brincadeira? Quais as expressões faciais e corporais demandaram determinadas atividades? Quais crianças relacionaram-se entre si? Há algum processo de exclusão? Ainda, o registro de vídeo pode contemplar algumas falas das crianças que não conseguiram ser registrados por escrito no momento.
O documento de Orientações curriculares da Educação Infantil da RMEF amplia a gama de situações consideradas como dignas de registro e avaliação permanentes, apresentando as seguintes questões:
Quais crianças participaram das situações propostas? De que modo as crianças participaram das situações propostas (alimentação, brincadeiras, atividades de mesa, higiene, parque, jogos, etc.)? Que linguagens as crianças utilizaram para se expressarem nessas situações? O que as crianças expressaram? Como parecem ter significado essa situação? No caso das crianças terem construído uma brincadeira a partir das situações propostas, que enredos criaram e que papeis assumiram? Como as crianças exploraram/ estruturaram o espaço e os suportes materiais disponibilizados? As crianças estão tendo a oportunidade de evidenciar seus conhecimentos e descobertas, de compartilhá-los e ampliá-los? As crianças modificaram/ acrescentaram elementos ao modo como as situações foram propostas? As situações propostas devem ser apresentadas novamente? Que modificações/ ampliações devem sofrer? Por quê? (FLORIANÓPOLIS, 2012, p.247).
Todavia, mesmo considerando a riqueza de informações oferecida por meios dos registros audiovisuais, tal prática não exime o professor de realizar os registros escritos. Isto porque, são esses registros que atribuirão significado às imagens e vídeos captados. São essas anotações que captam o contexto da proposta e dão senso valorativo ao registro (OSTETTO, 2013). É no registro escrito que o professor contrasta os objetivos planejados com o desenvolvimento da proposta, bem como com as respostas produzidas pelas crianças e as novas demandas surgidas a partir da avaliação.
E, além dos registros escritos, outros documentos também contribuem no processo de escrita do parecer avaliativo, como por exemplo: anotações no caderno de registros escritos por outros educadores da unidade, relatos das famílias, boletins informativos da unidade, desenhos das crianças e pareceres anteriores do grupo de crianças.
A AVALIAÇÃO COMO CONSTRUÇÃO COLETIVA A PARTIR DE UMA DOCÊNCIA COMPARTILHADA
Compreende-se que o parecer descritivo é o resultado de um processo, que soma as observações e registros relacionadas ao grupo de crianças quanto a uma série de questões. Em virtude da importância da avaliação no processo educativo, entende-se que a sua realização é de incumbência de toda a equipe docente responsável pelo fazer pedagógico. Isso implica que o professor ou professora de Educação Física deve dialogar com todos os profissionais envolvidos nesse processo para elaborar em conjunto o parecer avaliativo.
Nessa perspectiva, é importante ressaltar que cada educador tem suas particularidades, resultantes de sua própria formação e trajetória profissional e, por este motivo, entendemos que se um mesmo grupo fosse observado por diferentes profissionais, tais observações e registros poderiam complementar-se. Isto porque o olhar de quem registra carrega consigo suas subjetividades e, nesse caso, o foco, a apropriação do que está sendo observado constitui-se sempre em uma pequena parte do todo, que acaba enriquecendo-se na soma de todos os registros obtidos ao longo do processo. E, embora esse conjunto de muitas concepções e subjetividades possa, até mesmo, se opor em diversos aspectos, permite aos educadores o exercício constante da busca por consensos dentro do dissenso, na perspectiva de uma unidade na diversidade.
Sayão (1996) defendia que a Educação Física não poderia ser um “apêndice” na instituição educativa ou algo distante e descontextualizado da rotina das crianças. Ao contrário, sua presença deveria oportunizar a docência compartilhada. Isto significa que o professor de Educação Física faz parte de toda dinâmica institucional, não somente ministrando suas aulas, mas participando dos diferentes momentos do cotidiano pedagógico e projetos coletivos. Desta forma, o professor de Educação Física constitui-se em mais um profissional a pensar e propor sobre a problemática educacional.
Como o próprio nome já sugere, a docência compartilhada requer a discussão e reflexão coletiva sobre as demandas e problemáticas da unidade educativa. Esta docência é exercida no fazer pedagógico cotidiano, sejam nas reuniões pedagógicas, grupos de estudos, nos projetos coletivos, nas rotinas ou nas propostas pedagógicas propriamente ditas. E deve ser reafirmada e legitimada no âmbito do PPP das Unidades Educativas e materializada na prática cotidiana dos professores atuantes na educação infantil.
A proposta de uma docência compartilhada aponta para uma perspectiva de fortalecimento do coletivo pedagógico que atua cotidianamente com as crianças e que pode ter reflexos muito interessantes no que diz respeito à forma como a avaliação é realizada e como os pareceres descritivos são produzidos. Portanto, o processo de avaliação do grupo e das crianças individualmente cabe a todos os profissionais envolvidos com a docência dos mesmos. Isso implica que o professor de Educação Física deve dialogar com a professora pedagoga, professoras auxiliares de ensino e auxiliares de sala4 para elaborar em conjunto o parecer descritivo (SANTOS; MAXIMIANO, 2013).
É claro que é preciso considerar as limitações dos professores de Educação Física quanto a possibilidade de registrar com a mesma intensidade dos demais docentes as singularidades de todas as nossas crianças, considerando o número de turmas e educandos que temos e que atendemos cotidianamente. Por isso, além desse aspecto, algumas especificidades da Educação Física na Educação Infantil devem ser levadas em conta ao desencadearmos essas ações. Alguns dos aspectos são:
A) avaliação centrada nas experiências coletivas das crianças e não nos indivíduos; pois o foco de nossas ações são as respostas das crianças, como coletivo, às propostas desenvolvidas e aos processos vivenciados durante os momentos de Educação Física, e não necessariamente as particularidades de cada indivíduo;
B) focalizar no sentido e não nos efeitos da aprendizagem; compreendendo o movimento humano como linguagem e forma privilegiada de expressão das crianças, valorizando a ludicidade, e o seu protagonismo nos processos de fruição e criação; ao invés de se intentar efeitos imediatos de aprendizagem em termos de habilidades motoras, como, por exemplo, ligados à psicomotricidade;
C) focalizar na cultura corporal e nas relações que são estabelecidas pelas crianças entre elas e com os adultos; na intenção de se garantir o acesso das crianças às práticas corporais historicamente produzidas, na perspectiva de uma ampliação do seu repertório cultural com o movimento, e privilegiar as interações entre pares e intergeracionais, na perspectiva de fazer e aprender com o outro, como pressupostos para a aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil.
Esclarecendo a proposta, não caberia ao professor de Educação Física produzir individualmente e anexar um parecer específico de cada criança junto ao parecer realizado pelo professor de educação infantil, mas sim, a partir do compartilhamento das avaliações escritas, propor contribuições ao texto elaborado por esse profissional.
Entretanto, isto não exime a importância de um parecer avaliativo coletivo do grupo de crianças elaborado pelo professor de Educação Física, descrevendo a proposta desenvolvida no decorrer do semestre, com seus objetivos, linguagens e metodologias. Principalmente, considerando que a avaliação coletiva da Educação Física na Educação Infantil é um documento que permite uma reflexão e análise do caminho trilhado pelo grupo de crianças na construção, revisão e/ou consolidação dos projetos desenvolvidos.
Um último aspecto relativo à discussão da docência compartilhada e do professor de Educação Física como um profissional inserido no cotidiano da unidade educativa, está relacionado com a participação deste docente nos diferentes momentos que englobam o cotidiano da unidade educativa. Portanto, reforçamos a importância de sua presença, bem como de todos os profissionais que atuam com as crianças, nos momentos de socialização com as famílias. Isto quer dizer que é de extrema relevância a sua participação não somente nas reuniões de pais, mostras pedagógicas, mas também na entrega dos pareceres avaliativos.
Tendo em vista que na RMEF, a produção de um documento de avaliação do desenvolvimento e aprendizagem da criança deverá ser realizada, e entregue às famílias uma vez por semestre, compreendemos como de suma importância a participação de toda a equipe docente neste momento. Isto porque, o ato da socialização dos projetos com as famílias, bem como a apresentação dos trabalhos e entrega dos pareceres descritivos, compõe o processo avaliativo e marca o fechamento de uma etapa importante da prática pedagógica na educação infantil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao considerarmos a importância da avaliação para a prática pedagógica dos professores de Educação Física atuantes na educação infantil, percebemos o quanto é necessário apresentarmos alguns apontamentos de como esses processos podem ser desencadeados, tomando como base os estudos e discussões aqui levantadas. Principalmente no intuito de evitarmos mal entendidos, imprecisões decorrentes da ausência de elementos mínimos comuns, imposições de outros profissionais da educação e mesmo a não produção dessa documentação pedagógica por parte desses professores.
O que temos presenciado até o momento no âmbito da RMEF é a existência de diferentes perspectivas de produção dos pareceres descritivos que encerram o processo de avaliação no âmbito da educação infantil. Daí a necessidade de apontarmos caminhos que possam minimamente possibilitar consensos sobre como encaminhar a produção desse documento com a participação dos professores de Educação Física.
Por isso o caminho traçado para a produção do presente manuscrito expôs as dificuldades que os professores desse componente curricular enfrentam no cotidiano pedagógico no que tange ao ato de avaliar, e propusemos, então, um meio através do qual os professores de Educação Física possam abordar as especificidades de suas ações e também construir coletivamente tal documento.
Enfim, esta é a nossa aposta: que possamos assumir a tarefa de avaliar e produzir o parecer descritivo semestral a partir de uma perspectiva de complementaridade, na qual os múltiplos olhares e registros contam para o processo. Que todos os profissionais que compõem a equipes docentes responsáveis pelos grupos possam construir de modo conjunto esse documento, superando de vez os relatórios fragmentados, que tendem a expressar a falta de diálogo e o desencontro das ações pedagógicas desenvolvidas na educação de crianças de zero a cinco anos.