1 Introdução
A partir da década de 1990, observa-se, no Brasil, um movimento mais intenso e significativo no sentido da construção de uma escola para todos. Contudo, um dos olhares mais insistentes na nossa sociedade, principalmente a partir do século XIX, é aquele que busca padrões de normalidade. Esse olhar não é acolhedor para com todos os que nasceram com um corpo que apresenta alguma limitação ou que a adquiriram por doença ou acidente. Dentre esses, estão pessoas com deficiência física, que constituem 7% da população brasileira, conforme dados do censo de 2010. (CENSO, 2010). Em 2013 havia 91.897 estudantes com deficiência física matriculados em classes comuns (BRASIL, 2014), número que vem crescendo a cada ano em virtude das políticas de inclusão.
Quando se fala de pessoas com deficiência física, é importante levar em consideração que há uma enorme gama de situações e contextos: diferentes graus de comprometimento dos movimentos, da autonomia, da comunicação, diferentes possibilidades de acesso e uso de recursos assistivos e de possibilidades de desenvolver o potencial para a educação, saúde, lazer e trabalho. Em descrição feita pelo MEC (BRASIL, 2006), o estudante com uma deficiência física é aquele que apresenta algum comprometimento do aparelho locomotor. Esse comprometimento pode ser de ordem osteoarticular, muscular e/ou nervoso, de diferentes gravidades. A deficiência física pode estar presente desde o nascimento ou ser adquirida ao longo da vida. Essa gama de variações e especificidades é um dos aspectos que pode contribuir para a insegurança e a dificuldade no processo de escolarização dos estudantes com deficiência física.
O objetivo do presente artigo é apresentar uma revisão de literatura elaborada a partir de publicações em periódicos nacionais, visando a identificar os principais desafios à inclusão de estudantes com deficiência física em escolas comuns. Conhecer essas pesquisas pode contribuir para a compreensão dos caminhos que estão sendo percorridos na inclusão educacional no Brasil, levando-se em conta que as possibilidades de aprendizagem e participação efetiva desses estudantes dependerão, entre outros fatores, do modo como a comunidade escolar compreende a educação, a prática docente e a inclusão. Além disso, os avanços e desafios estão relacionados ao modo de compreender a deficiência (modelos religioso, médico e social), à ampliação das políticas públicas, à valorização da diversidade, ao diálogo com diferentes áreas do saber, dentre outros fatores.
1.1 Conceitos de deficiência e os modelos religioso, médico e social
O modelo religioso atravessou a Antiguidade e a Idade Média, vigorando até o fim do século XV, período durante o qual a deficiência era entendida como castigo ou maldição. A prática social predominante, inicialmente, foi o extermínio e a exclusão social; paulatinamente, foi substituída por práticas caritativas em instituições religiosas, pautadas pelo acolhimento (e a consequente segregação) em asilos e conventos. (PEREIRA, 2006; ARANHA, 2001). Embora o modelo religioso tenha sido superado, ainda está presente em nossa sociedade de forma residual.
Nova concepção de deficiência ganhou espaço a partir do século XV, com o avanço da ciência. O modelo médico, fundamentado em uma visão mecanicista, associou deficiência à doença, investindo em intervenções médicas para o corpo com impedimentos. Lesões e doenças passaram a ser classificadas, e os pacientes, a ser objeto de intervenções destinadas à cura ou à reabilitação e ao desenvolvimento de habilidades para o restabelecimento da normalidade. (DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009). Até meados da década de 1950, vigorou um modelo de institucionalização com vistas ao cuidado, à proteção e ao tratamento, porém com a contrapartida de reforçar a exclusão através do afastamento do indivíduo. Nos anos 1970, interesses políticos, econômicos, científicos, sociais e humanitários deram início à nova perspectiva em relação à pessoa com deficiência. A institucionalização do período anterior foi gradualmente substituída por intervenções que visavam a habilitar as pessoas com deficiência a conviver em sociedade, viabilizando sua integração a partir da aproximação do sujeito da normalidade. (ARANHA, 2001).
Na década de 70, na Inglaterra, iniciaram as primeiras tentativas de aproximação da deficiência dos direitos humanos. Com a ampliação dos debates relativos à igualdade de direitos, percebeu-se que, apesar de as pessoas com deficiência necessitarem de serviços voltados à reabilitação e à capacitação, isso não era suficiente para construir uma relação justa e de respeito. O modelo médico passou a ser questionado: a deficiência passou a ser compreendida como resultante de uma sociedade opressiva e desigual. Essa nova perspectiva foi denominada de “Modelo Social”. Para esse a deficiência não deve corresponder a um padrão médico de funcionamento e de normalidade, devendo ser entendida em termos políticos, como algo que denuncia a desigualdade imposta pelas restrições de uma sociedade permeada de ambientes com barreiras físicas e sociais. (DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009).
Para o modelo social, os impedimentos do corpo adquirem significado através das experiências provindas da interação social. A discriminação e a opressão estão relacionadas ao nível de acessibilidade ofertado em uma sociedade. Ao entender os impedimentos como um atributo corporal neutro e a deficiência como resultante de ambientes que promovem opressão e discriminação, objetiva-se a transformação social e a garantia dos direitos humanos. Passa a ser dever da sociedade proporcionar suportes sociais, econômicos, físicos e instrumentais que garantam a todos o acesso aos recursos da comunidade. (ARANHA, 2001; PEREIRA, 2006). A nova abordagem passou a considerar os recursos essenciais para criar ambientes menos restritivos e que promovessem a participação de todos. Além disso, a limitação da atividade passou a ser vista como uma dificuldade do desempenho social em vez de uma incapacidade. (BRASIL, 2007; MARTINS, 2009). É nesse contexto histórico dos anos 1990 que vemos se acelerar, no Brasil, a proposta de uma educação inclusiva como diretriz educacional prioritária. (GLAT; BLANCO, 2007).
Essa breve retomada conceitual permite pensar na realidade escolar e na inclusão situando-as em processos históricos, a partir dos quais o modo de conceber a deficiência se associa a determinadas práticas e cenários. Ao se pensar na inclusão de estudantes com deficiência física, portanto, é importante analisar que peso está sendo dado às questões médicas individuais e quais barreiras (arquitetônicas, comunicacionais, atitudinais) podem estar dificultando a aprendizagem e a participação no meio escolar.
2 Método
Este estudo consiste em uma revisão de literatura com foco em artigos publicados em repositórios nacionais envolvendo a temática deficiência física e educação e foi organizada em quatro etapas: a primeira consistiu na busca, no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do cruzamento dos descritores deficiência física, inclusão escolar, educação inclusiva e paralisia cerebral. A busca deteve-se somente em artigos em língua portuguesa, sem delimitação de data de publicação; a segunda etapa consistiu na leitura dos títulos e resumos dos 168 artigos encontrados para fins de seleção, momento no qual se excluíram os repetidos, os que não enfocavam o Ensino Fundamental, os de revisão de literatura, os que não disponibilizavam versão integral gratuita, resultando em um corpus de análise composto por 29 artigos com data de publicação entre 2005 e 2017. Na terceira etapa, foi realizado o fichamento dos artigos (identificação de título, autor, data, foco e síntese dos conteúdos), a fim de verificar a consistência da seleção feita na etapa anterior. Por fim, na quarta etapa, a leitura completa dos artigos permitiu identificar os temas recorrentes e as unidades de registro (palavras e conjuntos de palavras que formam a unidade de significação; corresponde ao segmento de conteúdo que permite a categorização) para definição das categorias, segundo critério semântico. (BARDIN, 2011). O quadro a seguir apresenta os anos de publicação, título dos periódicos e o nome dos autores dos artigos analisados.
Nos resultados, apresentamos as sete categorias que, inicialmente, emergiram da análise dos artigos, com suas respectivas unidades de registro (Quadro 2). Em seguida, mostramos uma discussão aprofundada das quatro primeiras categorias trazendo exemplos de estudos empíricos, pois essas são as que permitiram identificar aspectos mais específicos relativos à inclusão de estudantes com deficiência física.
3 Resultados e discussão
O conjunto das publicações selecionadas para análise permitiu a organização dos dados em sete categorias temáticas, a partir da identificação das unidades de registro, conforme visualizado no Quadro 2:
Ao analisar estes resultados, é importante levar em conta uma lógica necessária ao se falar de inclusão: há questões gerais que devem ser compreendidas como desafios à inclusão de todos os estudantes com deficiência, e há questões específicas considerando as diferentes deficiências. Tentar proceder a uma diferenciação muito nítida entre as questões gerais e as questões específicas a cada deficiência pode acarretar em uma análise artificial. Compreende-se, assim, que as categorias de análise dizem respeito à inclusão de modo geral. A análise aprofundada de cada categoria, com base nos artigos que formam o presente corpus, permitiu identificar, mais especificamente, alguns dos principais desafios à inclusão do estudante com deficiência física. No entanto, isso só foi possível nas primeiras quatro categorias, apresentadas e discutidas a seguir. As categorias 5, 6 e 7, embora muito importantes para se pensar na construção da inclusão no espaço escolar, não evidenciaram especificidades em relação ao estudante com deficiência física.
3.1 Categoria 1: Formação dos professores
Entre os principais desafios à inclusão está a formação dos professores. Em uma publicação do início dos anos 2000, Glat e Nogueira (2003) afirmam que o despreparo dos professores do ensino regular é a principal barreira que impede que a política de inclusão se efetive. Um dos artigos analisados refere que a instrumentalização insuficiente dificulta aos professores estruturar uma prática pedagógica que atenda às distintas formas de aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais. (MENDES; ALMEIDA; TOYODA, 2011). Melo e Pereira (2013), em estudo exploratório em que 22 professores responderam a um questionário sobre a inclusão de alunos com deficiência física afirmam que metade dos participantes de sua pesquisa se diz despreparada para atuar com esses alunos. Apresentam, como motivo para a falta de preparo, “não saber lidar com esses alunos, falta de preparação na formação acadêmica, poucos cursos de formação continuada sobre educação de alunos com deficiência física e falta de orientação por parte de especialistas nas escolas”. (p. 99).
Franco, Carvalho e Guerra (2010) concluem, a partir de uma pesquisa qualitativa realizada com 17 educadores que trabalham com crianças com paralisia cerebral, “que os educadores trabalham no limite de seus conhecimentos e de suas suposições. A partir das observações empíricas, traçam estratégias de atuação docente sem clareza dos possíveis resultados, positivos ou negativos e, muitas vezes, sem respaldos teóricos consistentes”. (p. 475).
A pesquisa de Souza e Pich (2013), realizada com sete professores de Educação Física, conclui que a formação inicial dos professores-participantes não contemplou suficientemente bem, a proposta inclusiva. Um dos aspectos apontados é que os professores têm dificuldade de ensinar o aluno que não alcança o rendimento conforme o previsto no currículo tradicional, evidenciando lacunas quanto à prática pedagógica diante do estudante com deficiência.
As críticas à formação de professores abrangem a formação inicial e a formação continuada. Barbosa-Vioto e Vitaliano (2013) argumentam, com base em pesquisa realizada com 150 estudantes concluintes do curso de Pedagogia de uma universidade pública brasileira, que o redirecionamento da formação dos professores à perspectiva inclusiva demanda uma reestruturação dos currículos de cursos de licenciatura, a fim de ofertar uma formação capaz de garantir saberes, habilidades e atitudes necessárias à proposta inclusiva. Já a formação continuada (em formato de cursos ou palestras eventuais) é frequentemente criticada por não responder às necessidades dos docentes que, muitas vezes, mesmo participando desses cursos, permanecem com a sensação de isolamento, impotência e incompetência para lidar com a inclusão. (BOATO; SAMPAIO; SILVA, 2012; MENDES; ALMEIDA; TOYODA, 2011).
Há um aspecto, no entanto, que talvez esteja além dos cursos de formação de professores: as vivências escolares e sociais dos professores- formadores de professores. Considerando que políticas de inclusão se fizeram perceber em nosso país no final dos anos 1990, a maioria dos profissionais que hoje trabalham na formação de professores vivenciou contextos escolares segregacionistas, conhecendo e muitas vezes trabalhando em classes especiais ou em escolas especiais. Também comum nessa época, na qual o modelo médico da deficiência prevalecia no discurso social, era a marcada dicotomia entre o normal e o patológico e a responsabilização da família pelos possíveis avanços escolares e sociais das pessoas com deficiência. Na prática, esses profissionais raramente tiveram colegas com deficiência em algum momento de seu percurso escolar, e sua formação na graduação tampouco incluiu a atenção à inclusão de pessoas com deficiência. Como afirmam Rodrigues e Lima-Rodrigues (2011, p. 57-58), “não deixa de ser estimulante pensar que impulso poderá sofrer a Educação Inclusiva quando esta deixar de ser desenvolvida por pessoas para quem ela não é uma mera opção ética, mas, sim, o resultado de uma experiência pessoal e vivida”.
3.2 Categoria 2: Tecnologia Assistiva
A formação dos professores ocupa um lugar central na discussão sobre educação inclusiva. No entanto, é importante, também, olhar às condições concretas que existem nos ambientes escolares (salas de aula, corredores, banheiros, refeitórios, etc.) e as formas possíveis de comunicação e interação disponíveis nas situações vivenciadas pelas pessoas com deficiência. Tão importante quanto a formação dos professores são os recursos, as metodologias, as estratégias, as práticas e os serviços capazes de promover a participação de uma pessoa com deficiência no meio social. Galvão Filho (2009) aponta que o conceito de TA que subsidia as políticas públicas brasileiras foi aprovado em 2007 pelo Comitê de Ajudas Técnicas, ligado à Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. A TA precisa ser compreendida interdisciplinarmente englobando produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que se ocupam em promover a funcionalidade e a autonomia das pessoas com deficiência, incapacidade ou mobilidade reduzida.
Ao analisar as publicações com um olhar sobre a TA, identificam-se a falta de recursos e, consequentemente, a presença de muitas barreiras. A ausência de recursos faz com que, muitas vezes, a criança com deficiência apenas observe passivamente as atividades feitas pelos outros. (VARELA; OLIVER, 2013).
Exemplos de estudos na área das deficiências físicas enfatizam que tais estudantes enfrentam barreiras que limitam seu espaço de circulação, dificultam sua autonomia e liberdade na mobilidade, restringem o contato interpessoal e impedem sua efetiva inclusão na escola comum. Um exemplo é a pesquisa de Silva, Santos e Ribas (2011), que se trata de um estudo de caso detalhado em três escolas públicas, cada uma frequentada por um aluno com paralisia cerebral. Os autores relatam que existem algumas rampas de acesso, embora em duas escolas não sejam suficientes para o pleno acesso aos espaços necessários e nenhuma das escolas possui mobiliário e materiais pedagógicos adaptados, sala de recursos multifuncionais e professores- assistentes.
Em levantamento estatístico sobre inclusão em Porto Velho (RO), pesquisadores visitaram 22 escolas da rede pública e concluíram que a estrutura física e os poucos recursos materiais disponíveis desses estabelecimentos tendiam a desfavorecer estudantes que usavam cadeira de rodas e estudantes cegos ou de baixa visão. (TADA et al., 2012).
O desconhecimento a respeito da TA e das possibilidades de uso adequado dos recursos, por parte dos profissionais da educação, é outro fator a ser considerado. (PELOSI; NUNES, 2009). Mello e Ferreira (2009) afirmam que os docentes sentem dificuldade de aprender a manusear equipamentos especiais, adaptar materiais e realizar o manuseio das crianças com deficiência física. Também se assinala a ausência de orientação aos profissionais quanto a essas práticas, o que pode anular seus benefícios através de ações inadequadas. (VARELA; OLIVER, 2013). Estudantes com deficiência motora mais grave podem não apresentar autonomia para falar, ler, escrever ou se locomover. Determinadas situações exigem muito suporte e adaptação de mobiliário, materiais didáticos e pedagógicos, recursos de acessibilidade e equipamentos específicos, que possibilitem a real participação da criança nas atividades da escola. (ARAUJO; LIMA, 2011). A utilização de softwares educativos e computadores com adaptadores ergonômicos, por exemplo, pode facilitar a comunicação e a adaptação das tarefas escolares, favorecendo a autonomia e a interação com professores e colegas. (HEIDRICH; SANTAROSA; FRANCO, 2012).
No entanto, é importante destacar que os avanços na área da TA tardam a ficar disponíveis à população, de modo geral, em nosso país. A produção nacional é restrita, e os custos para importação são elevados. (VARELA; OLIVER, 2013). Os recursos de baixa tecnologia, ou recursos artesanais, tendem a ser utilizados com maior frequência, porém nem sempre são capazes de oportunizar um melhor aproveitamento das potencialidades dos estudantes para além das atividades escolares básicas. (PELOSI; NUNES, 2009). A necessidade de ações governamentais, para implantação das adaptações e recursos nas escolas é fortemente evidenciado pelas pesquisas da área. (SILVA; MARTINEZ; SANTOS, 2012).
A dificuldade de acesso à escola e a ausência de transporte adaptado a esse público constituem outro importante aspecto que dificulta a inclusão. Araújo e Lima (2011) desenvolveram estudo com 91 cuidadores de crianças com paralisia cerebral em idade escolar. Os autores afirmam que as dificuldades de acesso tornam o percurso à escola cansativo à criança e reduzem a carga horária pela chegada tardia e saída antecipada.
Olhar para o quanto a sociedade avançou e para as limitações ainda existentes em relação à TA faz pensar na pertinência da crítica do modelo social ao modelo médico. As políticas públicas de inclusão, nesse sentido, são fundamentais à construção de uma perspectiva que ultrapasse o enfoque assistencialista do modelo médico e contribua à constituição de um modelo de inclusão e participação com base em direitos e cidadania.
3.3 Categoria 3: Rede de apoio especializada
Mesmo se fossem dadas as condições ideais em termos de formação de professores e de TA, ainda assim, seria impensável imaginar que um profissional possa dar conta sozinho da atenção, das adaptações e das estratégias que algumas situações singulares requerem. A equipe gestora tem uma função articuladora na construção de uma cultura inclusiva, sendo responsável pelo desenvolvimento de redes de apoio e de ações educativas que favoreçam a inclusão. (PIMENTEL; NASCIMENTO, 2016).
Em estudo realizado com 423 professores de escolas públicas e particulares da região de Bauru, Capellini e Rodrigues (2009) afirmam que
40% dos participantes creditam as dificuldades, no processo de inclusão escolar, à escola, incluindo, nessa categoria, o número excessivo de alunos por classe, a falta de suporte de uma equipe técnica e de materiais adequados. A falta de materiais adequados remete ao aspecto discutido acerca de TA. O número excessivo de alunos por classe, embora seja queixa recorrente encontrada na literatura, não será abordado no presente trabalho. A falta de suporte de equipe técnica, por sua vez, pode se referir ao profissional da Educação Especial no sistema de educação (Atendimento Educacional Especializado) e à parceria com profissionais da saúde. Muitas escolas não contam com uma rede de apoio multidisciplinar e com serviços de apoio pedagógico especializados, percebendo-se, nas instituições uma carência de recursos humanos e técnicos, além dos tecnológicos, físicos e materiais. (GOMES; BARBOSA, 2006; HEREDERO, 2010).
Mendes, Almeida e Toyoda (2011) chamam a atenção para professores que referem sensação de isolamento, impotência e incompetência para lidar com crianças com deficiência em sua sala de aula, solicitando a presença de profissionais especializados para oferecer suporte de forma mais sistemática no dia a dia do processo educativo. A importância dos serviços de apoio para o favorecimento da inclusão e a formação continuada foi constatada em pesquisa realizada com 24 estudantes com deficiência física, na faixa etária entre 7 e 16 anos, de três diferentes municípios. Uma das relevantes conclusões do estudo é que as respostas foram mais satisfatórias no município cuja rede de apoio era melhor estabelecida. Os autores destacam que as necessidades dos alunos variam de acordo com a idade, tipo de deficiência e ambiente da escola, e que a identificação e a remoção de barreiras são mais ágeis quando há um acompanhamento próximo dos professores especializados no ambiente escolar e na classe comum. (ANDRADE; GONZALES, 2015).
Melo e Pereira (2013) enfatizam que, quando profissionais da saúde integram as equipes de apoio das escolas, tendem a fazê-lo de forma pontual, sem interagir com a comunidade escolar. A partir de uma pesquisa sobre a colaboração do fisioterapeuta para a inclusão de alunos com deficiência física, realizada com 22 professores, esses autores afirmam que é necessário avançar para além da teoria para uma prática que, efetivamente, contemple a transdisciplinaridade nas escolas. Nessa mesma linha de preocupação, Silva, Santos e Ribas (2011) investigaram como o fisioterapeuta pode atuar no processo de inclusão de alunos com paralisia cerebral no sistema regular de ensino. Os autores concluíram que ditos profissionais têm muito a contribuir em relação à adequação de mobiliário e material, orientação para eliminação de barreiras arquitetônicas e conscientização dos profissionais envolvidos na educação. Questões muito semelhantes são apontadas por Rézio, Cunha e Formiga (2012), que focaram sua pesquisa na análise do nível de independência funcional, da motricidade e da inserção escolar de crianças com paralisia cerebral. A importância da atuação do psicopedagogo para a inclusão dessas crianças foi encontrada em um artigo. (ALMEIDA JÚNIOR, 2015).
Se formos capazes de construir e qualificar redes de apoio técnico e pedagógico habilitadas a trabalhar em parceria, na e com a comunidade escolar, teremos condições de potencializar os processos de inclusão e favorecer a construção de um lugar legítimo ao ensino e à aprendizagem de estudantes com deficiência.
3.4. Categoria 4: Adaptações curriculares
Tão importante quanto considerar os aspectos identificados nas categorias anteriores, é pensar nas adaptações curriculares. As diferentes potencialidades e limitações dos estudantes justificam que se priorizem alguns recursos e meios mais favoráveis para seu processo de aprendizagem. Isso envolve a flexibilização de critérios e procedimentos pedagógicos, medidas metodológicas diferenciadas, avaliação que promova e contemple diferenças individuais, diversificação de técnicas, procedimentos e estratégias de ensino, valorização das potencialidades, etc. (HEREDERO, 2010).
A importância da realização das adaptações curriculares fica claramente evidenciada na pesquisa realizada por Leão et al. (2006). Os autores realizaram um estudo de caso de um aluno que apresenta dismotria cerebral ontogenética, com o objetivo de analisar os procedimentos utilizados pelo educador para promover a aprendizagem. Observaram que faltava à escola e à sua equipe informações relevantes sobre as necessidades educacionais do aluno, e que a escola não elaborou um projeto de inclusão, ou seja, o estudante teve que se inserir sem que conteúdo e metodologias fossem adaptados ou minimamente ajustados para facilitar seu envolvimento nas atividades, acarretando impedimentos na realização de várias tarefas. (LEÃO et al., 2006).
Exemplos de estudos na área da Educação Física também permitem visualizar a centralidade das adequações curriculares à inclusão. Aguiar e Duarte (2005) aplicaram um questionário a 67 assistentes técnico- pedagógicos de Educação Física de Diretorias de Ensino do Estado de São Paulo. Desses, 50 participantes acreditam que, para incluir um aluno com deficiência, é necessária a aplicação de um método adequado de ensino. Um exemplo pode ser visto no estudo de Palma e Lehnhard (2012), referente à inclusão de um aluno com paralisia cerebral e dificuldades de locomoção independente. As autoras apontam que a não participação, em algumas atividades, está relacionada a receios, por parte da professora, que o aluno se machucasse ou a dificuldades de adaptar todas as atividades para que algum grau de participação fosse possível.
Uma pesquisa realizada com 15 professoras e 15 cuidadores familiares de estudantes com deficiência física, no que se refere à tarefa de casa, reforça a necessidade de se olhar, de modo mais atento, às adaptações curriculares: tarefas não adaptadas para os estudantes com deficiência física (alguns professores referem não se sentir preparados para fazer tais adaptações), ofertas em desproporção para alunos com e sem deficiência e falta de comunicação entre família e escola estão entre os principais achados dos pesquisadores. (GREGORUTTI et al., 2017; ZAFANI; GREGORUTTI; BALEOTTI, 2017).
Embora não sejam muitas as pesquisas encontradas com foco nas adaptações curriculares, é evidente que, para promover a aprendizagem de estudantes com deficiência física se faz necessário reorientar a ação docente, elaborando estratégias que permitam explorar suas potencialidades. Em situações de deficiência física severa, os professores precisarão contar, efetivamente, com uma rede de apoio especializada para planejar as adaptações curriculares necessárias e precisarão integrar recursos assistivos para promover a aprendizagem e o sucesso escolar. Como os cuidados médicos são muito necessários nessas situações, não é difícil que a escola deixe-se tomar pelo discurso médico e sinta dificuldade de potencializar ações pedagógicas indispensáveis à aprendizagem desses alunos.
4 Conclusões
Esta revisão de literatura teve como foco identificar os principais desafios à inclusão de estudantes com deficiência física em escolas comuns. A escolha dessas categorias para análise não implica reduzir a discussão a esses aspectos, mas tomá-los como temáticas que precisam ser consideradas diante de seu impacto na educação da pessoa com deficiência física.
Há muita ênfase, nos artigos analisados, à questão da formação dos professores. A essa se atribui grande responsabilidade, para que a inclusão se efetue no cotidiano da sala de aula. No entanto, questionamentos podem ser feitos quanto ao tipo de formação ofertado. Pesquisas futuras poderão, talvez, identificar até que ponto a perspectiva médica sobre a deficiência ainda prevalece na formação de professores, ou se o modelo social vem contribuindo para mudar mais profundamente alguns paradigmas.
Na categoria TA, as publicações analisadas apontam à presença de barreiras e à ausência de recursos nos espaços educacionais, além do desconhecimento dos docentes sobre as possibilidades de uso adequado dos recursos. A TA está diretamente relacionada ao paradigma atual dos movimentos de inclusão. Trata-se de superar a visão do modelo médico e ancorar, a partir do modelo social, a ênfase na possibilidade de acesso, participação e autonomia. Apesar dessa lógica, os estudos e avanços na área da TA têm chegado lentamente nas escolas em razão dos custos e do acesso ao saber especializado desse campo.
A categoria referente à rede de apoio especializado permitiu avaliar a importância de considerar que o professor pode estar se sentindo sozinho diante da complexidade de algumas situações. Talvez a deficiência física severa seja uma dessas situações nas quais o apoio do professor do atendimento educacional especializado e dos profissionais da área da saúde (o fisioterapeuta foi o mais citado) sejam essenciais. Os artigos ressaltam a importância de que a colaboração não seja pontual de modo que estratégias efetivas possam ser construídas.
Na categoria adaptações curriculares, os artigos apontam à dificuldade dos professores de potencializar ações pedagógicas que priorizem meios e recursos específicos aos alunos com deficiência. A Educação Física é uma das áreas contempladas anos estudos, visto que é comum a não participação dos alunos com deficiência física e a dificuldade dos professores de fazerem as adaptações necessárias. A questão é complexa e, talvez, não permita um meio-termo: não há como falar em inclusão sem um projeto desenvolvido com base nas especificidades de cada aluno com deficiência, que possibilite, efetivamente, a aprendizagem.
Por um lado, as pesquisas mostram que estamos longe de ter as condições ideais à inclusão de estudantes com deficiência física. Por outro lado, precisamos lembrar que os estudantes já estão nas nossas escolas. Não podemos, portanto, esperar por condições ideais; temos que construir espaços inclusivos, acolhedores e legítimos que oportunizem aprendizagem e desenvolvimento integrais.