Introdução
Cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas no mundo por ano. A América Latina contribui com 127 milhões de toneladas e o Brasil com 41 mil toneladas de alimentos desperdiçados diariamente, colocando-se na lista dos dez países que mais desperdiçam comida em todo o mundo. (FAO, 2016). Partindo de uma perspectiva filosófica, em busca de: construir uma concepção de preservação ambiental e erradicação da fome; favorecer o aproveitamento de resíduos de alimentos, e incluir suas inter-relações, no sentido de evidenciar a complexidade da alimentação humana e a exaustão dos recursos ambientais, torna-se necessário pôr em prática os termos aproveitar, reutilizar, recuperar e reciclar.
Pesquisas mostram que os países ricos ainda estão na lista dos que mais liberam poluentes e os que mais desperdiçam alimentos. (JACOBI; BESEN, 2011; SPIKER et al., 2017). Nos Estados Unidos, cerca de 30 a 40% dos alimentos são desperdiçados antes de chegarem ao consumidor. Em 2007, um estudo apontou que todo alimento desperdiçado gerou uma produção média de 3,300 milhões de toneladas de dióxido de carbono, através de transportes terrestres apenas nos EUA. (FAO, 2016).
Estudiosos e filósofos têm contribuído desde décadas passadas com alertas sobre os cuidados com o uso dos recursos ambientais, enfatizando quanto a seu limite e à escassez, bem como a preocupação com o desperdício e com a morte prematura de pessoas por desnutrição. O estudioso Nicholas Georgescu-Roegen (1971) é precursor da chamada bioeconomia e foi um dos primeiros a estabelecer o termo décroissance (decrescimento), como um processo inevitável para um desenvolvimento realmente sustentável. (CECHIN; VEIGA, 2010; ARANCIBIA, 2012). Latouche (2007), da Universidade de Paris-Sud XI, escreveu o livro O pequeno tratado do decrescimento sereno, baseado em Georgescu-Roegen (1971) e hoje é referência em decrescimento.
Possuir conhecimento frente aos novos desafios encontrados no campo da nutrição, que se enquadra muito além das ciências de alimentos, com destaque para as ciências da saúde, sociais, humanas e econômicas, possibilita aos profissionais de nutrição melhorar a percepção de seus atendimentos, visto que, apenas levar informações quanto às recomendações nutricionais à população, embora muito importante, não é o bastante para que se possa enquadrar questões como fome, desnutrição, obesidade, transtornos alimentares e manejo dos resíduos orgânicos, com o aproveitamento de alimentos, tão necessários no Brasil atualmente. (PRADO et al., 2011).
O campo científico da nutrição deve levar em consideração a complexidade do ser humano em caráter interdisciplinar e, como cita Morin (2012), os conhecimentos devem ser estudados juntos e os pesquisadores devem evitar as subdivisões dos conhecimentos, visto que reduzir as partes do todo é uma prática denominada como mecanicismo. (CRUZ; BIGLIARDI; MINASI, 2013).
Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo investir em uma abordagem crítica e reflexiva acerca da parcela de contribuição deixada por alguns filósofos contemporâneos, sobre a valorização do aproveitamento e uso racional dos alimentos, evitando o desperdício, com destaque para Latouche (2007), Morin (2012) e Castro (1952). Este artigo encontra-se estruturado em quatro seções. Na primeira, há uma reflexão sobre a visão de diversos autores, em relação ao desperdício mundial de alimentos; na segunda, será abordada uma reflexão sobre decrescimento, desperdício e o ambiente; na terceira, faz-se uma reflexão sobre o homem-sociedade aplicada às diversas áreas dos saberes de Morin e, na quarta, abordam-se alternativas para minimizar o desperdício de alimentos no Brasil, com destaque à reutilização de cascas e sementes da fruticultura brasileira para a produção de alimentos alternativos.
Desperdício mundial de alimentos e a relação de sustentabilidade com a comunidade
A produção global de alimentos libera mais de 25% de todos os gases que provocam o efeito estufa, além de poluir águas de rios e oceanos com produtos químicos. (TILMAN; CLARK, 2014). Os produtores de alimentos vêm enfrentando desafios causados pelas diferentes respostas da natureza, através da escassez de recursos naturais que são finitos, e que são provocados pelo próprio homem, sendo necessário pensar o uso destes recursos de forma sustentável. (GODFRAY et al., 2010; FOLEY et al., 2011).
Outro tema excluído, durante alguns períodos dos grandes debates políticos, é a fome. Mesmo com a ascensão da produção de alimentos, que permite sua distribuição em massa, ainda existem pessoas que morrem de fome. Estudos mostram (GODFRAY et al., 2010; FOLEY et al., 2011) que, em cada sete pessoas, uma morre de fome e, enquanto a situação de pobreza aumenta, o preço dos alimentos aumenta também. Este fenômeno está frequentemente presente no cotidiano de milhares de brasileiros. O cientista Castro (1952) deixou grande contribuição quando o assunto é escassez de alimentos. Escreveu o livro Geografia da fome, apontando os grandes desafios encontrados pelos brasileiros que sofrem com a fome. Na obra, o autor destaca a existência de três grandes áreas de fome no país: a Amazônia, a Área da Mata do Nordeste (Nordeste açucareiro) e o Sertão Nordestino, classificando-as como áreas endêmicas ou crônicas. (CASTRO, 1952).
Maneiras de minimizar o número de pessoas que morrem de fome são sugeridas por Godfray et al. (2010), através de mudanças na forma de como se produzem os alimentos, evitando o desperdício desde o plantio à colheita, além da conscientização nos processos de distribuição e armazenamento, diminuição nos preços e, principalmente, que se façam reformas agrícolas que facilitem a todos o acesso aos alimentos.
Por outro lado, acontece a transição nutricional global, ocorrendo a maximização do consumo de alimentos processados, que contribuem para que o número de pessoas obesas chegue a 2,1 bilhões de pessoas, com doenças crônicas relacionadas à má-alimentação, além dos grupos que estão classificadas como malnutridos, por não terem ingestão suficiente de proteínas e micronutrientes em sua dieta. (POPKIN et al., 2012).
Outra preocupação com a crescente demanda de alimentos é a distribuição de renda. De acordo com a “Lei de Engel”, proposta pelo economista alemão Ernest Engel (HOFFMANN, 2007), que estudou o consumo de alimentos da classe trabalhadora belga no século XIX, à medida que a renda aumenta, a demanda de alimentos, por parte das famílias, aumenta menos proporcionalmente. Além disso, quanto menor for o rendimento de uma família, maior tende a ser, também proporcionalmente, gastos em alimentação e menor será a proporção dos rendimentos gastos em saúde, cultura, lazer, habitação, entre outros. (HOFFMANN, 2007).
Assim, à medida que as famílias se tornam mais ricas, sua parcela de gastos com alimento, diminui até atingir um ponto de saturação, após a demanda de alimentos, dificilmente, responde a qualquer aumento de renda. (CALLEGARO, 1982; ALEXANDRATOS et al., 2011). Logo a taxa de crescimento da demanda de alimentos, nas próximas décadas, deve depender da forma como o crescimento da renda será distribuída entre agregados familiares e países.
Estudos mostram (CALLEGARO, 1982; ALEXANDRATOS et al., 2011) que, aproximadamente, 30 a 40% dos alimentos seguros para consumo, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, se tornam lixo. Na maioria dos países desenvolvidos, não existem políticas, infraestrutura ou tecnologias de armazenamento, reaproveitamento e distribuição para evitar essas perdas.
Para Nelleman (2009), na Índia, país em desenvolvimento, grande número de pessoas morre de fome, e cerca de 35 a 40% de alimentos são perdidos por falta de armazenamento a frio. Mesmo cereais menos perecíveis, que podem ser armazenados por mais tempo, são desperdiçados (mais de 1/3) após a colheita, seja por pragas, deterioração, entre outros.
O estudo feito por Calrecycle (2017) mostra que as pressões comerciais induzidas pela indústria de alimentos favorecem o desperdício. Quando os produtos vêm em tamanhos duplos de porções mais conhecidas como supersized ou “compre dois e um sairá grátis”, o consumo exagerado ou o desperdício são favorecidos. Reduzir o desperdício é algo desafiador, pois depende da cultura das comunidades e populações.
Godfray et al. (2010), Cirera e Masset (2010) e Foley et al. (2011) deixam claro que é necessário haver diminuição no consumo de carnes processadas, visto que, além de serem prejudiciais à saúde, sua produção traz consequências devastadoras para o meio ambiente. Em contrapartida, estudos mostram (ZIELINSKI et al., 2014; ALBUQUERQUE et al., 2015; TANSKA et al., 2016) que resíduos, ou coprodutos de frutas incorporados a produtos, geram alimentos alternativos e seguros para consumo, são boas fontes de proteínas e são sugeridos pelos autores como substituição. Contudo, a conscientização da massa é algo em que se deve investir, uma vez que se trata de trabalhar culturas a praticarem o aproveitamento.
Decrescimento, desperdício e o ambiente
Para Latouche (2009), o homem abusa dos recursos naturais como se fossem infinitos, sendo necessário aumentar a força contra a sociedade capitalista. Ele utiliza o termo “decrescimento” em busca de novas ideias e propostas, para minimizar os impactos causados à natureza. Ele prega que não se pode crescer indefinidamente em um planeta de recursos finitos, e que, em algum momento, não restará outra opção que não a do decrescimento, ou, pelo menos, a do “crescimento zero”.
O decrescimento bate de frente com um dos principais sustentáculos do capitalismo, “o dogma do crescimento econômico”. Contudo, o decrescimento não restringe-se à economia. O debate sobre o decrescimento busca aglutinar críticas, ideias e propostas sobre diversas questões da atualidade: a sustentabilidade e o meio ambiente; o trabalho, o desemprego e as atividades produtivas; a qualidade de vida e a saúde física e mental, entre outras. Questões que tocam no imaginário profundo da humanidade, e que, mais cedo ou mais tarde, deverão ser encaradas de forma mais objetiva e menos demagógica. (ARANCIBIA, 2009; CARVALHO-FRANCO, 2012; GARCIA, 2016).
Para Latouche (2009), um crescimento lento ou negativo, em uma sociedade cuja base de sustentação é o próprio crescimento econômico, pode trazer consequências perversas, como o desemprego e o fim de programas sociais e ambientais. Ele ainda afirma que a sociedade de acumulação ilimitada está condenada ao crescimento. Calcula-se que a humanidade consome quase 30% acima da capacidade de regeneração da biosfera. Para aliviar esta situação, coloca-se inclusive a possibilidade do controle massivo da população ou sua redução, principalmente no terceiro mundo. Contudo, para o autor, o problema não é o superpovoamento, mas saber dividir os recursos de maneira equitativa e ética. Ele afirma que, hoje, na beira da catástrofe, é preciso uma reação rápida e muito enérgica para mudar o rumo.
Latouche (2009) ainda se preocupa com as sociedades que sofrem com a exclusão, a desigualdade, a devastação ambiental e os embates do aquecimento ambiental, e alerta sobre a necessidade de mudança do estilo de vida do homem moderno e a necessidade da construção de políticas públicas mais democráticas e participativas.
O autor também fala sobre como a indústria de alimentos é capaz de gerar altos custos e impactos ao ambiente, sugerindo que a autossuficiência alimentar, em nível local, seria um ponto básico decrescentista. Segundo o autor, isso diminuiria os gastos com produção de alimentos em indústrias, transportes, consumo exagerado de recursos hídricos e promoveria não só a segurança alimentar, como traria melhor qualidade de vida aos comensais, levando a interações sociais mais positivistas. Sugeriria alternativas de vida, como nas sociedades primitivas, quando o homem plantava e colhia seu alimento perto de si, tinha uma alimentação natural, sem produtos industrializados e não vivia em situação de pobreza e miséria. O autor relembra ainda o conceito de miséria que vai muito além de ausência de bens materiais, visto que o ideal é ter pouco para viver mais. (TAIBO, 2010; CARVALHO; FRANCO, 2012).
O filósofo Latouche (2009) é a favor de uma inserção harmoniosa no quesito agricultura, sugere que deveria se evitar os monocultivos, os agrotóxicos, a agrossilvicultura em regiões de matas tropicais, preferir uma agricultura orgânica e adequada às estações, retornar dejetos à terra com aproveitamentos e investir em coletores e reservatórios de água da chuva, etc, favorecendo a biodiversidade e a segurança alimentar.
Latouche ainda prega que quanto menor é a unidade política, mais facilmente ela será controlada por seus membros e que as necessidades básicas como alimento, vestuário e moradia, deveriam ter sua produção e distribuição determinadas pela comunidade e não pelo estímulo da massa. (CARVALHO; FRANCO, 2012).
Autores que refletem sobre o decrescimento (TAIBO, 2010; LATOUCHE, 2009; MENDRAS, 1978) destacam os trabalhos de Marshal Sahlins que afirmava que as sociedades primitivas não eram miseráveis e trabalhavam menos para obter uma relativa fartura de alimentos. Lembra que o conceito de pobreza comumente utilizado refere-se muito mais à ausência de acumulação de bens materiais do que à qualidade de vida ou segurança alimentar. Latouche (2009) defende que a pobreza é a riqueza dos povos e propõe um retorno à autoprodução camponesa.
São poucos os países que assumem seu papel no controle do desperdício de alimentos. A França atualizou sua legislação sobre a produção agrícola, pesca e produção animal e vegetal, incorporando práticas contra o desperdício, investindo na educação alimentar e ambiental, criando uma legislação que obriga os supermercados e outros estabelecimentos de alimentos a doarem os alimentos não vendidos, industrializados ou não, para instituições de caridade ou afins, vinculadas aos bancos alimentares da França, antes do seu prazo razoável de consumo. A Bélgica também criou legislações específicas para controle do desperdício e serve de base para outros países legislarem. (SILVA, 2015).
Assuntos sobre o controle do desperdício de alimentos e a necessidade do aproveitamento trazem à memória assuntos já discutidos em décadas passadas por Castro (1952), que tocou em pontos delicados sobre a morte de milhares de pessoas ocasionada pela péssima distribuição de riquezas e pelo desperdício alimentar.
Homem-sociedade aplicada às diversas áreas do saber
É quase impossível não falar em interdisciplinaridade quando o assunto é aproveitamento de alimentos. Existem muitas indagações referentes à alimentação em caráter interdisciplinar, começando pela própria natureza local das sociedades, na qual há o predomínio de certas plantações em determinadas regiões; as formas de preparação dos alimentos e consumo; as influências que operam sobre as escolhas de determinados tipos de alimentos; o fato de alguns alimentos serem considerados comestíveis para uma determinada sociedade e não comestíveis para outras; os impactos sobre a saúde decorrentes do consumo de determinados alimentos, entre outras. Essas questões expressam as necessidades de diferentes áreas do conhecimento de estudo sobre a alimentação e sobre o homem-sociedade. É necessário reunir aspectos do homem fisiológico com o homem econômico-social-cultural e o arcaico-contemporâneo, para se ter uma compreensão de como deve ser vista a alimentação, visando à diminuição dos impactos ambientais que hoje causam tantos danos à natureza.
Conforme Morin (2012), o conhecimento das diversas áreas do saber deve contribuir para a autoformação da pessoa e ensinar como se tornar cidadão. Um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade, em relação à sua pátria. O que supõe nele o enraizamento de sua identidade nacional, e ajudar a minimizar os impactos ambientais e o desperdício causado pelo próprio homem deve ser encucado na mente humana.
Nesse sentido, os autores Morin (2001) e Jupiassu (1976) contribuem afirmando que buscar novos olhares e transitar por áreas de conhecimento, que não são do próprio domínio, e procurar a contextualização e a integração dos saberes fazem parte do trajeto de estudos interdisciplinares que propiciam melhores condições de compreender o objeto de estudo e dão oportunidade a novos desafios.
Em algumas de suas obras (A cabeça bem-feita e A natureza da Natureza), Morin (2012) colabora citando a relação do homem-sociedadenatureza. Para ele, a natureza física do homem, o ser humano, não é apenas físico pelo seu corpo, mas pelo seu ser, seu ser biológico, é um sistema físico. Ele considera o corpo do homem como um supersistema, isto é, nele se produzem incessantemente emergências, já que nenhum ser vivo tem mais necessidades, desejos e esperanças do que o homem. De acordo com o autor, “somos sistemas extremamente fechados, nenhum é tão fechado na sua singularidade incomunicável. Somos máquinas físicas. O nosso ser biológico é uma máquina térmica. Este ser-máquina é ele próprio, um momento numa megamáquina chamada sociedade, e um instante num ciclo maquinal chamado a espécie humana”. (MORIN, 2012).
Para Morin (2012), o homem sapiens é o ser organizador que transforma o eventual em organização, a desordem em ordem, o ruído em informação. O homem é démens no sentido em que está existencialmente atravessado por pulsões, desejos, delírios, êxtases, fervores, adorações, espasmos, ambições e esperanças, tendendo para o infinito. O termo sapiens/démens significa não só a relação instável, complementar, concorrente e antagônica entre a sabedoria e a loucura, mas também que existe sabedoria na loucura e loucura na sabedoria.
Todas essas citações que envolvem homem-sociedade-natureza trazem à tona a reflexão que se relaciona com o uso irracional dos bens naturais e o desperdício de alimentos em terra, onde ainda se morre de fome. Para Canesqui e Garcia (2005), é nas práticas alimentares que estão imersas a identidade cultural, a condição social, a memória familiar de um povo, expressa nos procedimentos relacionados à escolha e à preparação do alimento e ao seu consumo.
Ainda na obra A cabeça bem feita, Morin (2012) cita que o que há de mais biológico, como o sexo, o nascimento, a morte, o beber, o defecar, está estreitamente ligado a normas, proibições, símbolos, mitos, ritos, e o que há de mais natural, como o cantar, o falar, o dançar, o amar, põe em movimento os corpos, os órgãos e principalmente o cérebro. O autor observa que toda ação, uma vez iniciada, entra num jogo de interações e retroações no meio em que é efetuada, os quais podem desviá-la de seus fins e até levar a um resultado contrário ao esperado, o que leva à reflexão sobre o uso racional dos recursos naturais, o consumo de alimentos e a necessidade de educar a sociedade. Morin (2012) cita trechos de Durkheim, ressaltando o assunto educação, cujo principal objetivo não é o de transmitir conhecimentos sempre mais numerosos ao aluno, mas o de criar nele um estado interior e profundo, uma espécie de polaridade de espírito que o oriente em um sentido definido, não apenas durante a infância, mas por toda a vida.
Alternativas para minimizar o desperdício de alimentos no Brasil
Alguns estudos apontam soluções para o desperdício através da fruticultura brasileira. Entre eles temos os estudos de Zielinski et al. (2014), Albuquerque et al. (2015) e Tanska et al. (2016), apontando que, mesmo diante das dificuldades econômicas da diminuição dos recursos hídricos, enfrentadas pelo Brasil, a produção agrícola de frutas exporta anualmente cerca de 690 mil toneladas, obtendo uma receita de US$ 619 milhões, mantendo o país como o terceiro maior produtor mundial de frutas, superado apenas por China e Índia. (ANUÁRIO, 2015).
A reutilização dos subprodutos da fruticultura tem ganhado destaque nos últimos anos, devido ao seu alto potencial nutricional e por evitar os impactos ambientais causados pelo seu mau-descarte. Estudos sugerem a secagem de cascas, talos, sementes e bagaços, para a produção de farinhas e sua possível utilização na panificação e na produção de bolos, biscoitos e pães funcionais. (DAIUTO et al., 2014; LEONEL et al., 2014; SUDHA et al., 2016).
Dentre as frutas mais utilizadas para produção de farinhas alimentícias, destacam-se o maracujá, a goiaba, a manga, a laranja, o umbu, entre outras. Vários autores realizaram análises químicas das farinhas de diversas frutas desidratadas e comprovaram que estes produtos são ricos em nutrientes, tais como: compostos antioxidantes, fibras, proteínas e minerais com alto potencial de aproveitamento. Contudo, são poucos os estudos que analisaram o consumo dos derivados dessas farinhas e os impactos sobre a saúde das pessoas. (ANUÁRIO, 2015; ALBUQUERQUE et al., 2015). As farinhas das frutas, ao serem adicionadas às preparações alimentares, enriquecem esses produtos, denominando-os como alimentos funcionais. (TANSKA et al., 2016).
Os alimentos funcionais estão presentes em dietas convencionais e demonstram capacidade de regular funções corporais. Vários estudos produziram tácnicas de produção de farinhas de cascas de resíduos de frutas encontraram quantidades significativas de fibras totais e outros nutrientes, agregando valor aos resíduos de frutas. (BAJERSKA et al., 2015; SUDHA et al., 2016).
Estudos mostram ainda que as fibras possuem grande potencial funcional, devido à relação existente entre seu baixo consumo e aumento das doenças e agravos não transmissíveis, controle dos níveis séricos de glicose e colesterol total e aumento da saciedade. Seu consumo diário varia de acordo com a idade e sexo, sendo de 20 a 30g por dia a média para adultos. (COSTA; OLIVEIRA, 2016; BAJERSKA et al., 2015; SUDHA et al., 2016).
O Brasil é privilegiado pela sua boa localidade territorial, que favorece a produção de frutas. Como citou Castro (1952), no seu livro Geografia da fome, o Nordeste é uma das regiões que mais sofre com a fome no Brasil. E é no Nordeste, mais precisamente na Bahia, que uma fruta merece destaque: o umbu, conhecido como umbuzeiro. Essa planta apresenta grande potencial econômico e nutricional, por seu fruto ser fonte de vitaminas e minerais, além de poder ser usado como base para a produção de alimentos ricos em proteínas de origem vegetal, compostos antioxidantes, fibras, entre outros. (ZIELINSKI et al., 2014; ALBUQUERQUE et al., 2015).
De acordo com dados da Campanha Nacional de Abastecimento - Conab (2014), o estado da Bahia mantém a liderança na produção nacional do umbu, com 86,28%, contando com a participação de 192 municípios baianos, principalmente na época da safra, entre dezembro e março. Dentre os demais estados, destacam-se Pernambuco, com 5,12%, com a participação de 73 municípios, e o Rio Grande do Norte, com 3,47% e participação de 33 municípios. Esses estados comercializam o fruto com um preço médio por quilo de R$ 1,16.
O umbuzeiro pode ser aproveitado de diversas maneiras. As folhas podem ser utilizadas para produção de ração animal e na fitoterapia; contudo a maior fonte de renda ainda está concentrada no fruto. A comercialização do fruto, na maioria das vezes, acontece de maneira informal, pelos grandes e pequenos agricultores, principalmente para a produção de polpas de frutas e suco, e suas cascas são desprezadas sem nenhum aproveitamento (ALBUQUERQUE et al., 2015; SIQUEIRA, 2016), o que sugere o seu uso local para minimizar impactos ambientais e, principalmente, a fome, gerando emprego nas comunidades locais e acesso à alimentação segura.
Considerações finais
Educar e conscientizar uma sociedade são tarefas amplamente complexas, principalmente quando partem do pressuposto de consumir menos. Entende-se que estudiosos e filósofos, principalmente os contemporâneos, insistem em seus escritos, teorias e reflexões sobre o uso racional dos recursos naturais e no combate à fome. Morin (2012), ainda ressalta sobre o conflituoso homem perante a natureza, já que o homem não possui meios de sobrevivência sem ela. Latouche (2009) insiste em não consumir para se viver melhor e Castro (1952), vivenciou momentos de miséria ao ver um país que tanto produz alimentos perder crianças vítimas de má-nutrição causada pela fome. Logo, é necessário reaproveitar, reciclar e reutilizar em tempos como os atuais. Grande sugestão é o uso de cascas, sementes, talos e demais subprodutos da indústria frutícola, para a produção de alimentos alternativos seguros para o consumo.