Introdução
O que move a discussão neste trabalho é a escrita da história da educação presente nos manuais de História da Educação (HE) que serviram de suporte para os processos de formação de professoras normalistas, a partir da década de 1930, no Brasil. Logo, a proposta de análise incide sobre os autores, contextos de produção e os diferentes manuais de História da Educação publicados primeiramente em outros países e depois, no Brasil, pela Companhia Editora Nacional (CEN).
Os manuais escolhidos para este trabalho tiveram larga tiragem no Brasil, sendo eles: “História da Educação” de Paul Monroe (1939); “História da Educação e da Pedagogia”, de Lorenzo Luzuriaga (1963); “História da Pedagogia” (1957), de René Hubert; pertencentes à “Coleção Atualidades Pedagógicas” (CAP), no âmbito do projeto editorial intitulado “Biblioteca Pedagógica Brasileira” da CEN, dirigido por Fernando de Azevedo de 1931 a 1945, e por Damasco Penna, de 1946 a 1978. Importante destacar que a CEN foi uma das maiores (senão a maior) editora a publicar manuais de HE, no Brasil, dando a ler publicações de títulos brasileiros e estrangeiros, de títulos novos e de reedições.
Ao privilegiar estes manuais, portanto, foi possível adentrar num universo de produção, divulgação e circulação das escritas sobre a HE. Optou-se por denominá-los manuais escolares, à medida que texto e forma correspondem aos temas previstos para o ensino de uma disciplina formadora pertencente aos currículos de formação docente.
Assim, considerando os manuais suportes privilegiados que marcam e que tornam possível repensar os contornos que o campo da HE possui, buscou-se discuti-la em seu itinerário internacional, priorizando os países de origem dos manuais elencados: França, Estados Unidos, Argentina1. Propôs-se percorrer este itinerário acreditando que há sempre uma nova ou diferente forma de olhar para essa história. Trata-se de, a partir do presente interrogar o passado valendo-nos da historiografia, a fim de perceber que é importante dirigir o olhar ao já visto.
A historiografia ajuda a (re)significar os escritos sobre os acontecimentos do passado, articulando os níveis de compreensão da produção do conhecimento histórico e rastreando (enquanto história da história) a construção da HE. Destaca-se, que o debate sobre a historiografia da HE levou intelectuais da área como Mirian J. Warde, Martha M. M. C. de Carvalho, Clarice Nunes, José G. Gondra, Carlos E. Vieira, entre outros, a compreender a produção, o itinerário e a construção da HE e suas escritas tanto em cenário nacional como internacional.
No rastro deste itinerário internacional, privilegiando os manuais, é possível observar que a História da Educação se constituiu sob a tutela de discursos enunciados por diferentes vozes que contribuíram para a formação de professores e a transformação do campo. E, estes mesmos discursos possibilitam engendrar a memória de constituição deste campo de pesquisa e ensino.
Resta esclarecer que no delineamento deste itinerário que é proposto neste trabalho, as disciplinas História da Educação (HE) e História da Pedagogia (HP) são propostas de forma equivalente, pois, a partir da análise dos manuais e da institucionalização da disciplina, verificamos uma linha que aproxima as duas disciplinas. Ou seja, em alguns contextos, tanto a HE como a HP (ou das doutrinas pedagógicas) abrangem o mesmo conjunto de ideias e teorias sobre a educação, ou ainda, em alguns casos HE e HP são propostas de forma combinada e complementar.
O itinerário internacional da história da educação e seus manuais
Como disciplina acadêmica, a HE nasceu na Alemanha, em meados do século XIX, graças à constituição da Pedagogia como disciplina universitária, à criação e difusão de seminários de formação docente e à conseguinte delimitação de um corpo de conhecimentos necessários à sua formação. Na sua constituição, tal como proposto por Herbart, fundador da pedagogia pautada na ética e na psicologia, a HE “poderia desempenhar um papel formativo de caráter geral ou cultural ou ser entendida [...] como uma disciplina antes prática e ilustrativa que reflexiva e teórica”- assim sendo, a história poderia proporcionar modelos de formação (VIÑAO, 2002, p. 224-225 [tradução nossa]).
A possível influência da historiografia alemã - da Escola Histórica Alemã - em outros países, como também o estabelecimento do ensino da HE nos programas de formação de professores, provavelmente são as características principais da sua consolidação nas últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX. Na Europa, a criação dos cursos de HE em Escolas Normais e Universidades ocorreria desde o final do século XIX, posteriormente sendo propagada em outros países, como o Brasil (ESCOLANO BENITO, 1984; VIÑAO, 2002; BASTOS, 2006). O modelo da historiografia alemã, em que pontificaram Humboldt e Ranke e, posteriormente Wilhelm Dilthey (1833-1911), constituiria uma primeira tendência, com forte repercussão na Europa e América.
Foi com Dilthey que a consciência histórica passaria a oferecer um saber acerca do homem “sem cair em um individualismo esgotante; salva o indivíduo, mas injetando-lhe na comunidade, é dizer, na história” sistema (SILVA, 2006, p. 53). Entre 1884 e 1894, seria o próprio Dilthey que passaria a ministrar na Universidade de Berlim Lições de História da Pedagogia (podendo ser considerada de HE), as quais seriam publicadas em 1934, na coleção organizada por “Otto F. Bolnow - Wilthelm Dilthey’s, Gesammelte Schriften [Obras Completas de Wilhelm Dilthey] -, no tomo IX com o título ‘Pädagogik. Geschichte und Grundlinien des Systems [Pedagogia. História e Linhas Básicas dos Sistemas]’” (BASTOS, 2006, p. 336).
Da mesma maneira, anteriormente, em 1874 na França, o professor da Faculdade de Letras de Toulouse, Gabriel Compayré, inauguraria o curso de Filosofia da Educação, cujo programa consagrou-se inteiramente à História das Doutrinas da Educação. Em 1888, Compayré publicaria a obra “Histoire de la Pédagogie” [História da Pedagogia].
Compayré (1843-1913)22 tornou-se encarregado do Curso de Pedagogia da Escola Normal Superior de Professoras, em 1880, na França. Nas suas aulas, “dava ênfase à psicologia da infância e à história da educação”, considerando legítimo que a HP ocupasse lugar nos cursos de formação docente (BASTOS, 2009, p. 165). Para ele, a HP se configurava como “verdadeiramente uma escola de educação, uma das fontes da pedagogia definitiva” (COMPAYRÉ, 1911, p. 1.546). O professor Compayré desenvolvia a disciplina da seguinte maneira: pelas doutrinas pedagógicas e pelas instituições educacionais; pela história da educação geral e pela história da instrução pública; classificando certo número de sistemas, as opiniões e aplicações pedagógicas em todas as épocas e em todos os países. Segundo o autor na “ciência da educação, ao contrário, como em todas as ciências filosóficas, a história é a introdução necessária, a preparação para a própria ciência.” (COMPAYRÉ ,1911, p. 1.546 [tradução nossa]).
Ressalta-se, neste sentido, que Compayré creditava às doutrinas pedagógicas a formação do espírito, defendendo que a HE é a história do pensamento, “podendo substituir no ensino popular a difícil história da filosofia e da religião” (1911, p. 492). E, da vasta produção bibliográfica de Compayré33, várias obras podem ser consideradas modelo para as demais histórias da educação escritas e ensinadas nos séculos XIX e XX. As obras de Compayré obtiveram várias traduções, sendo que para o espanhol foram traduzidas no século XIX: “Curso de pedagogía teórica y práctica”; “Psicología Teórica y práctica aplicada à educación”; “Curso de moral teórica e prática”, “Historia de la Pedagogía”; e para outros países, como Portugal.
No Brasil, como destacou Damasco Penna (no prefácio do manual de HE de René Hubert, 1957, p.VII), as obras pedagógicas de Compayré foram vastamente conhecidas, particularmente: “Psychologie appliquée à l’éducation” [Psicologia aplicada à Educação]; “Cours de Pédagogie théorique et pratique” [Curso de Pedagogia teórica e prática]; além de “Histoire de la Pédagogie” [História da Pedagogia]. A finalidade do ensino da HP/HE para Compayré era mostrar por meio das civilizações, dos pensadores, a evolução e o progresso sempre contínuo das ideias educacionais. O autor defendia que as doutrinas pedagógicas não eram opiniões fortuitas, nem acontecimentos sem consequência e alcance. O professor Compayré, ao defender que as doutrinas pedagógicas têm as suas causas políticas, morais, religiosas, devendo ser estudadas dentro do seu contexto, procurou evitar uma história das ideias. Porém, a utilização do método cronológico, linear, e o programa que apresenta para o seu ensino (da Antiguidade clássica até ao século XIX), o levaria a cair naquilo que dizia evitar (FELGUEIRAS, 2008, p.492).
Sobre as doutrinas pedagógicas (HP), outro professor e autor francês Louis Riboulet44, descrevera que esta seria um elemento indispensável para a formação dos educadores (s/d, p. 18). Seu estudo dava ideias gerais sobre questões essenciais da educação, fazendo com que os futuros educadores conhecessem o desenvolvimento das instituições escolares, a evolução dos métodos e o valor das obras que deveriam ser consultadas posteriormente.
Para Riboulet, a HP estava intimamente ligada à HE, pois, ambas têm o mesmo domínio, se complementam e se “inspecionam mùtuamente”. O estudo histórico, nesta medida, não dispensa as doutrinas - é estimulante e guia, fornecendo termos de comparação para julgar o que se estabelece (s/d, p. 18). Segundo o autor, em seu manual “História da Pedagogia” foram privilegiados:
[...] sucessivamente a antiguidade, os primeiros séculos do cristianismo, a Idade Média, a Renascença e os tempos modernos, seguindo o desenvolvimento das instituições escolares e indagando, dos mestres eminentes de cada época, como êles conceberam o problema da educação. Assim unimos constantemente a história das instituições à análise das doutrinas; agir de outro modo seria isolar idéias e fatos que, na realidade, nunca tiveram separados. (s/d, p. 20).
Da mesma forma, porém adentrando a década de 1930, Claparède em seu livro “L’éducation fonctionnelle” [Educação Funcional] (1931), citado por Leif e Rustin, descreveria:
A história da pedagogia, cúmulo do tédio e da desolação enquanto não passa de um conjunto de lições que os infelizes alunos das escolas normais devem ingurgitar para o exame, transforma-se, ao contrário, em epopeia palpitante, considerada como o quadro das sucessivas revoltas desencadeadas, nos observadores esclarecidos, por um regime de educação contra a natureza, esmagador da vida, contrário ao propósito da educação, que é expandir a vida! (1960, p. VII).
Estes modelos de escrita, que tanto respondiam às finalidades didáticas e formativas como refletiam preocupação pragmática e moral do ensino histórico, estiveram presentes nos manuais nas primeiras décadas do século XX. Nestes termos, os textos procedentes de Dilthey, Compayré, também de outros autores como Riboulet, serviriam de inspiração para a escrita de manuais em outros países, como o Brasil.
A introdução da HE nas Escolas Normais Francesas se daria em 1881. Portanto, há mais de um século, além de Compayré, Émile Durkheim apresentaria seu curso de HE na França. A história se apresentou para Durkheim (1938) como fundamento - estudo do passado - para a teoria da educação. Segundo o autor, só estudando cuidadosamente o passado é que se podia chegar a antecipar o futuro e a compreender o presente, por isso, uma história do ensino é a melhor das escolas pedagógicas.
Na Inglaterra a disciplina se estabeleceria em 1890 nos Teacher’s Training Colleges, em especial para a formação de professores de ensino secundário. Na Bélgica, a HE esteve presente desde 1881, porém, seria a partir de 1890 que a disciplina seria incluída no currículo das Universidades, quando passam a formar professores para o ensino secundário. E, na Espanha em 1898.
Esta introdução da HE nas instituições de formação de professores acompanharia as mudanças que se desenvolveram no campo educacional, ocasionadas por alterações científicas, tecnológicas, políticas, econômicas, sociais e culturais das sociedades; como também, acompanharia as mudanças no campo filosófico e histórico que demonstravam novas visões de homem e sociedade.
É neste cenário de mudanças que a Sorbonne inaugurou o curso de Ciências da Educação ou de Pedagogia, na década de 1880, que viria a facilitar a introdução da história nas instituições superiores de ensino.
Neste processo de institucionalização da disciplina HE/HP nas Universidades ou nas Instituições de Ensino Secundário, ainda que em tempos e espaços diferentes, observa-se, assim como fez Warde ao analisar a HE sob a ótica da História das Disciplinas, que embora não se deva afirmar que uma disciplina acadêmica repercuta no comportamento de uma disciplina escolar, é importante pensar e trabalhar com a hipótese destas mantendo “algum grau de influência recíproca” (2000, p. 89). Isto porque não há na gênese da HE elementos que a configurem exclusivamente como disciplina acadêmica55. Logo, a questão que se impõe diz respeito ao conteúdo de HE presente nos cursos de formação de professores, independentemente do nível de ensino.
Apesar deste trabalho não privilegiar a história da disciplina, compreende-se que ocorre, tanto nas universidades como nas Instituições de Ensino Secundário, um movimento de disseminação de conhecimentos elaborados no interior da disciplina de HE, propagados principalmente por meio dos manuais. Neste sentido, obviamente, os manuais não são materiais produzidos isolados da relação que se estabelece entre currículos, programas e a disciplina de HE.
Ao tomar, nesta perspectiva, os manuais como instâncias de produção e circulação de saberes, torna-se possível identificar as marcas que definem a disciplina de HE, pois a estrutura e conteúdo dos manuais sinalizam “para uma tradição disciplinar” criada e adotada ao longo do século XX (BASTOS, 2009, p. 160).
Muitos pesquisadores como Bastos (2009), Alarcón e Ciordia (2002) e Escolano Benito (1997), descrevem que o início da publicação de obras que versavam sobre HE iniciaria com a do alemão A. H. Niemeyer: “Compêndio de história geral da educação e do ensino” (1799). Contudo, no livro do ex-aluno de Paul Monroe, Henry Suzzalo (de Teachers College, Columbia University) em parceria com o professor William H. Burnham (de Clark University), intitulado: “History of Education as a professional subject”66 [História da Educação como uma disciplina profissional], publicado em 1908, observa-se que obras de HE - Educational History - teriam sido produzidas anteriormente: a primeira tentativa teria sido provavelmente de “Mangelsdorf em 1779, seguida por Geschichte Ruhkopf em 1794”, para depois ocorrer o levantamento histórico de Niemeyer em 1799, e de Schwarz, em 1813 (p. 5 [tradução nossa]).
Também podem ser considerados manuais de HE/HP a obra de T. Fritz: “Esquisse d'un système complet d'instruction et d'éducation et de leurhistoire” (Strasbourg, 1843); e de Karl Schmidt (1819-1864): “Geschichte der Pädagogik, dargestellt in wettgeschichtlicher. Entwicklung undin organischem Zuzammenhang mit dem Kulturleben” (1860-62), publicação em quatro volumes. Ressalta-se ainda a publicação de dicionários como o de Buisson, intitulado “Dictionnaire de pédagogie et instruction primaire” [Dicionário de pedagogia e da instrução primária], na França (1879-1887). Somem-se a estes manuais, outros como os escritos por Karl Von Raumer (1843-1854): “German Educational Reformers” [Reformadores Educacionais Alemães] na Alemanha, em 1863, que centrava seus escritos na vida dos grandes pedagogos, na história das instituições educativas mais relevantes e nas considerações específicas da HE de seus países.
Os manuais estrangeiros de História da Educação publicados no Brasil
A HE nos cursos de formação de professores e de pedagogos guarda peculiaridades em diferentes países e contextos. Na Europa, a disciplina de HE nasce na segunda metade do século XIX, vinculada à formação de professores. Simultaneamente, se iniciou o processo de publicação das primeiras obras que versavam sobre HE. No Brasil, a disciplina figuraria nos currículos de formação de professores no final da década de 1920 (Escola Normal) e na década de 1930 (Cursos de Pedagogia), não com status acadêmico e científico para compor o quadro das ciências auxiliares da educação, como a Sociologia e Psicologia, mas como disciplina formativa. Na acepção de Warde,
[...] a história da educação é filha tardia de aportes múltiplos à educação; não é incluída, entre as ciências auxiliares, com o mesmo escopo das matriciais; se não tem nada a oferecer para que o presente seja objeto de controle, a sua utilidade é pensada como de natureza disciplinar. (1990, p. 8).
A HE percorreria um caminho inverso da historiografia de ofício. Ou seja, “enquanto, contemporaneamente, a história no Brasil dava passos largos para a construção da ciência da história, a nossa história da educação fazia o caminho inverso” (WARDE, 1990, p. 9). A disciplina de HE surgiria no Brasil num contexto de reformas, que “pretendiam modificar a educação nacional, introduzindo princípios da escola ativa”, e buscando elevar a formação docente por meio da especialização das escolas normais (VIDAL; FILHO, 2003, p. 46). Seu surgimento não ocorreu logo que os renovadores da educação disseminaram a ideia de que a Educação, pelas suas singularidades “teóricas” e “práticas”, demanda o concurso de várias ciências (WARDE, 1998, p. 72).
Com a reforma proposta por Fernando de Azevedo, ao assumir a Diretoria Geral da Instrução Pública, em 1927, a HE passa a integrar os currículos de formação docente. Nesta perspectiva, a Escola Normal do Distrito Federal passou a contar com um quadro curricular que tratou com distinção (pela reforma de 1928) a formação propedêutica e profissional. O Curso Profissional abrangia as seguintes matérias, conforme o Regulamento de Ensino (Decreto 2.940, de 22/11/1928, Art. 156, p. 191-193): 4º ano: Física, Química, História Natural, Psicologia Experimental, Pedagogia, Didática, Desenho, Educação Física; e no 5º ano: Sociologia, História da Educação, Higiene e Puericultura, Pedagogia, Didática, Desenho, Educação Física.
Portanto, dentre as novas disciplinas introduzidas pela reforma de 1928, no currículo da Escola Normal do Rio de Janeiro, promovida por Azevedo, estavam a Sociologia e a HE. Sua introdução ao currículo da Escola Normal, talvez tenha se dado, impulsionada:
[...] pela onda de artigos avaliativos da instrução pública, editados nos vários jornais brasileiros, em outubro de 1927, por ocasião do centenário da Lei do Ensino Primário no Brasil, numa vaga comemorativa iniciada em 1922, por ocasião dos anos da Independência, aglutinando um conjunto de ações de cunho diverso, realizadas na capital brasileira, como o arrasamento do morro do Castelo e a Exposição Internacional. (VIDAL; FILHO, 2003, p. 47).
A partir de 1930 a HE passaria a ser incluída nos currículos dos cursos de formação de professores nos Institutos de Educação e nas Escolas Normais. Provavelmente, neste período, a HE tenha sido incorporada com maior intensidade nos cursos de formação de professores, porque passou a atender as finalidades das escolas normais propagadas por Anísio Teixeira.
Um novo conceito de formação de professores nascia. Se, para Fernando de Azevedo, o ensino normal deveria integrar a cultura utilitária e os estudos desinteressados, as necessidades de cultura geral e do preparo especializado, para Anísio Teixeira, formar professores era desenvolver neles a atitude científica, os munindo de saber técnico e específico. Na reorganização curricular da Escola de Professores do Instituto de Educação, promulgada por Anísio Teixeira, a HE passa a integrar o primeiro ano do curso em conjunto com a Biologia Educacional, Psicologia Educacional, Sociologia Educacional, Música, Desenho e Educação Física, Recreação e Jogos.
Nesta trajetória que se inicia, será a filosofia da educação que acompanhará a HE, no Brasil. Essa associação marcará os contornos da HE, que não a consolidará como uma disciplina autônoma, mas uma irmã siamesa da Filosofia da Educação (WARDE, 1998). Provavelmente esta aproximação tenha sido sustentada pela HE que havia se desenvolvido na Europa, onde há várias décadas, em países como a França, filósofos como Compayré nutriam esta convergência entre a Filosofia e HP (como visto anteriormente): da Filosofia, teríamos o pensamento e pensadores pedagógicos, e da HP/HE a história das civilizações e suas instituições educativas.
Anos mais tarde, com a lei orgânica para o ensino normal de 1946, a HE e Filosofia da Educação passam a ser ofertadas como disciplina única nos currículos de formação de professores de todo o Brasil, ministrada na terceira série. Até 1960 não será nítida uma distinção entre a Filosofia da Educação e a História da Educação, que em alguns cursos chegaram a se chamar Fundamentos da Educação:
Enquanto a História ocupava-se sobretudo da história da organização dos sistemas de ensino ao longo do tempo, a Filosofia falava do pensamento pedagógico. Muitos manuais de História Geral da Educação, ainda bastante utilizados nos cursos de formação de professores, trazem esta marca. Exemplos destes manuais são as obras, já bastante antigas, de Paul Monroe (1949), L. Luzuriaga (1951), F. Larroyo (1944), R. Hubert (1949), W. Dilthey (1934) ou Abbagnano (1957). Mesmo quando se separaram institucionalmente, sobretudo a partir da década de 1970, as duas áreas continuaram bastante relacionadas. (LOPES; GALVÃO, 2001, p. 27-8).
Na década de 1930, para que se tenha uma ideia, a HE, juntamente com Música, Desenho e Educação Física, Recreação e Jogos era ministrada no curso normal durante o ano todo, diferentemente das demais matérias de ensino, como: Biologia Educacional, ministrada no primeiro trimestre; Psicologia Educacional, no segundo trimestre; e Sociologia Educacional, no terceiro trimestre.
Não nos esqueçamos de que a HE também passaria a fazer parte dos currículos de formação de professores no ensino superior, como na Universidade de São Paulo, que em 1938, na Seção de Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências e Letras (FFCL), seguiria com o seguinte currículo: 1ª Seção - Educação: Psicologia, Pedagogia, Prática de Ensino e História da Educação; 2ª Seção - Biologia Aplicada à Educação: Fisiologia e Higiene da Criança, Estudo do Crescimento da Criança, Higiene da Escola; 3ª Seção - Sociologia: Fundamentos da Sociologia, Sociologia educacional, Investigações Sociais em nosso meio.
Com a criação do Curso de Pedagogia, em 1939, na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (Distrito Federal), ocorreria também a implantação de um modelo de formação de professores que incorporou nos três primeiros anos do curso os fundamentos da educação - do qual a HE faria parte.
Não por acaso, fez-se um acervo maior e diversificado de livros para os cursos de formação docente. Não por acaso, os manuais de HE passaram a ser produzidos e distribuídos neste cenário educacional. Não por acaso, foram publicados onze manuais nacionais e internacionais de História da Educação na CAP que durou, sob o selo da CEN, 47 anos. Importante destacar que o primeiro manual de HE publicado pela CAP, para subsidiar a formação docente, seria “Noções de História da Educação” (1933), resultante do curso de HE ministrado pelo professor Afrânio Peixoto, um importante intelectual brasileiro. Uma década mais tarde, Theobaldo Miranda Santos também publicaria seu manual “Noções de História da Educação”, pela CAP. As duas obras obteriam importante tiragem, sendo que o manual de Peixoto teve três edições publicadas (1933, 1936, 1942), e a obra de Miranda Santos teve a primeira edição publicada em 1945, a segunda edição em 1948, e as demais reedições (1951, 1952, 1954, 1955, 1957, 1958, 1960) na coleção do próprio autor: “Curso de Psicologia e Pedagogia”, que agrupava diferentes obras deste professor.
Logo, por meio da produção destes manuais, percebe-se que os livros são importantes materiais para desvelar o itinerário histórico da HE, no que tange aos processos de profissionalização docente e história de suas escritas.
Neste itinerário, os manuais franceses estiveram presentes na formação de professores brasileiros. Como demonstrado, no período de 1880 a 1900 ocorreria uma vasta produção em HE na França, sendo escritas monografias, obras coletivas e grandes sínteses dirigidas principalmente por Gréard, Liard, Buisson e Compayré, resultantes em sua maioria dos cursos ministrados por esses mesmos autores em Escolas Normais ou Universidades Francesas, no início da III República. Portanto, a França oferece uma importante referência tanto com relação à implantação de cursos de HE/HP, quanto à produção e circulação de manuais (em cenário nacional e internacional).
Foram traduzidos e publicados no Brasil vários manuais de HE franceses, provavelmente devido à sua significativa circulação e seus importantes autores. Dentre estas obras, localizadas em bibliotecas brasileiras, destacam-se: “Histoire Universelle de la Pédagogie” (1867), de Jules Paroz; “Histoire Critique des Doctrines de l’Éducation en France”(1879); “Histoire de la Pédagogie (1883), de Gabriel Compayré”; “La Pédagogie: son évolution et son histoire” (1886), de C. Issaurat; “Pédagogie Historique” (1891), de Paul Rousselot; “L’Évolution de l’éducation” (1898), de Charles Letourneau; “Histoire de l’Instruction et de l’Éducation” (1906), de François Guex; “Histoire de la Pédagogie” (1927), de L. Riboulet; “L’évolution Pédagogique en France” (1938), de E. Durkheim; e “Histoire de l’éducation” (1948), de R. Gal.
Além destes manuais, seria publicado no Brasil um conjunto de obras de HE francesas editadas pela CEN, como menciodo anteriormente: “Histoire de la Pédagogie” (1949), de René Hubert; “Pédagogie Générale - par l’étude des doctrines pédagogiques” (1953), de J. Leif e G. Rustin; “Histoire de la Pédagogie”, de M. Debesse e G. Mialaret.
O manual “História da Pedagogia”, de René Hubert, foi publicado primeiramente pela Presses Universitaires de France, Paris, em 1949, décadas após a institucionalização da disciplina, com a finalidade de subsidiar os cursos de formação de professores. No Brasil, este manual obteve larga tiragem (aproximadamente 30.000 exemplares). René Hubert (1885-1954) foi sociólogo, Reitor da Universidade de Strasbourg, e autor de várias obras, como: “Les Sciences Sociales dans L’Encyclopédie” (1923), “Manuel de Sociologie” (1935) e “Contribution à l’étude sociologique de la notion de droit naturel” (1933).
Hubert, em seu manual “História da Pedagogia”, descreve que a sociedade visa salvaguardar, por meio da educação dos jovens, as tradições, as aspirações projetadas no futuro. Uma educação renovada necessitaria que as ciências da natureza dessem lugar às ciências do homem: “ciência psicológica que dá o conhecimento mental da criança, ciência social que permite discernir as condições de equilíbrio, [...], de funcionamento e de evolução dos grupos humanos.” (1957, p. 38). Sugere ainda, uma HP enquanto história do espírito humano, porque esta é a descrição das formações sucessivas que “ele [o homem] recebeu, como das que, nas diversas épocas, os grandes pensadores desejaram que recebesse” (1957, p. VIII).
Segundo Hubert (1957) não há doutrina pedagógica concebível sem conhecimento geral dos fatos e das teorias do passado. Nesta perspectiva, qualifica sua obra como pioneira no gênero e declara ser a obra de Compayré (“Histoire critique des doctrines de l’éducation en France depuis Le XVI siècle”, Paris, 1881) obsoleta e limitada à pedagogia francesa. E, ao demonstrar sua predileção pela ciência sociológica e psicológica, Hubert colabora para a análise sobre os processos que constituíram e delimitaram o que deveria ser ensinado em HE na França.
É necessário asseverar que a consolidação da HE ocorre neste país concomitante ao desenvolvimento das chamadas Ciências da Educação. O curso de Pedagogia ou Ciências da Educação, inaugurado em 1883 na Sorbonne, discorre Meumann (1947)88 em sua obra “Pedagogia Experimental”, absorve a Pedagogia enquanto a ciência que trata da educação das crianças e adolescentes, e que se difere dos demais ramos científicos porque sua finalidade investigativa recai sobre o que é educacional.
Destarte, desde os anos de 1880, seriam os filósofos como Compayré que reduziriam a Pedagogia à Psicologia da Educação, já que esta começaria a ganhar espaço e autonomia (em 1889 é fundada na l’École des hautes études à Paris o laboratório de Psicologia)99. E, seriam estes mesmos filósofos que se colocariam como especialistas da Pedagogia, tornando-se professores de Ciência da Educação e Pedagogia - inscrevendo-se institucionalmente nos cursos de formação de professores.
Para os filósofos de 1880, “a ciência da educação é dada como o apogeu da filosofia da educação por intermédio da psicologia científica”. (HOUSSAYE, 2009, p. 169 [tradução nossa]). A Pedagogia se decompôs e se dissolveu em saber psicológico aplicado, sendo a Filosofia a alimentar a Psicologia e efetivamente a Pedagogia experimental de Binet, Claparède, Buyse e Aurélien Fabre.
A inclinação pela ciência psicológica alimentada pela Filosofia será entoada por vários autores de manuais de HE franceses. Neste sentido, Baudrillart1010, no prefácio do manual de Riboulet: “História da Pedagogia” (s/d), destacou que a HP/HE é uma ciência e uma arte. Ciência porque supõe o conhecimento da psicologia e até uma parte da fisiologia; arte, pela adaptação, flexibilidade, habilidade e até mesmo “dons naturais” que ela exige. (BAUDRILLART, s/d, p. 7).
A HE que a princípio havia nascido com a finalidade do domínio do conhecimento histórico - criada nos moldes da historiografia alemã -, com o passar do tempo fora perdendo parte deste sentido, a partir do momento que a Pedagogia passou a definir-se numa perspectiva aplicada com base nos “critérios científicos da psicologia experimental e da sociologia positiva” (NÓVOA, 1991, p. 12). Nesta perspectiva, a escrita de manuais elaborada pelos professores (filósofos) responsáveis pelas Ciências da Educação passaria a atender tais critérios práticos (aplicados) impostos pela Pedagogia, tornando-se utilitarista/prática. Manuais que evocavam por meio de lições sobre o passado, a descrição de fatos, ideias e práticas educativas para o consumo dos futuros professores. Décadas mais tarde, os professores de Filosofia continuariam (em 1940) responsáveis por ensinar nas escolas normais, ao mesmo tempo, as disciplinas: pedagogia geral, filosofia da educação, psicologia infantil e antropologia social. Em outras palavras, os filósofos instalaram-se como especialistas da formação dos professores primários centrados na psychopédagogie. E, da mesma forma, consagrando-o à história das doutrinas da educação, alguns filósofos na década de 1950, continuariam esse legado, tornando-se autores de manuais de HE.
Da Argentina, é importante destacar que as primeiras obras que versavam sobre a HE foram escritas no começo do século XX, sendo resultantes de iniciativas institucionais e de autores ligados a sistemas educativos, de modo que “sua aparição e circulação estiveram restritas a circuitos oficiais”, estando demasiadamente ligadas a ambientes universitários e a círculos limitados de professores secundários e de escolas normais (ASCOLANI, 2001, p. 190).
Seria em 1920, devido à ampliação do mercado editorial voltado a publicações educativas, que se intensificou a produção de obras histórico-educacionais e político-educacionais, de autores como: Juan María Gutiérrez, Amancio Alcorta e Carlos Octavio Bunge. Porém, a escrita de manuais de HE destinados à formação de professores, durante este período, não encontrou um vasto mercado nas editoras argentinas, persistindo o uso de manuais de origem espanhola.
Apenas na década de 1940 se multiplicariam os manuais de HE, devido à demanda institucional advinda das mudanças ocorridas nos currículos e programas de formação de professores. A ligação que se estreita entre a produção de manuais e a institucionalização da disciplina torna-se visível na Argentina, ocorrendo principalmente devido à mudança curricular da formação de professores das escolas primárias - formação de mestre normal nacional - após 1941, que passaria a agregar a HE no 5º ano de estudos na matéria de Pedagogia. Entre 1948 e 1949, a HE chegou a dispor de seis horas de aulas semanais, ao contrário de outras matérias pedagógicas que dispunham apenas de três horas.
Entre os manuais de HE de maior circulação neste período, está o consagrado “Historia de la Educación General y Argentina”, utilizado na formação do magistério até a década de 1990, escrito por Ethei e Violeta Bregazzi - pedagogas formadas pela Facultad de Filosofía de la Universidad de Buenos Aires e professoras de escolas normais. O propósito do livro destas autoras foi de “fazer uma síntese bibliográfica que contivesse algumas orientações pedagógicas apropriadas para a Argentina, noções sobre ideias filosóficas e sobre diferentes contextos históricos-culturais.” (ASCOLANI; GONDRA, 2009, p. 65). Uma tendência bastante comum (que persistiria) na escrita de manuais HE.
Destaque também para os manuais escritos por Luzuriaga, posteriormente publicados pela CAP, no Brasil: “La pedagogia contemporánea”, 1942 (3ª edição de 1947), publicado pela Editorial Losada, Buenos Aires; “Historia de la educación pública”, 1946 (2ª edição de 1950), publicado na Biblioteca Del Maestro (publicação da Revista de Pedagogía) da Editorial Losada; “Historia de la educación y de la pedagogia”, 1951 (a 3ª edição é base da edição em língua portuguesa), publicado na Biblioteca Pedagógica (publicação da Revista de Pedagogía) da Editorial Losada; “Pedagogía Social y Política”, 1954 (2ª edição de 1958), também publicado na Biblioteca Pedagógica (publicação da Revista de Pedagogía) da Editorial Losada. O manual “História da Educação e da Pedagogia” foi publicado em: 1955, 1963, 1967, 1969, 1971, 1972, 1973, 1975, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1982, 1983, 1984, 1985, 1987, com uma tiragem de aproximadamente 80.000 exemplares.
Pesquisadores como Warde (1998), Gatti Júnior (2011, 2012), Carvalho e Toledo (2004) e o Roballo (2012), dedicaram-se a estudar as obras do educador espanhol Lorenzo Luzuriaga, por ser um autor cujos manuais estavam entre as mais recorrentes indicações para leitura nos programas da disciplina de HE nos currículos de formação de professores no Brasil.
Lorenzo Luzuriaga, importante pedagogo espanhol, publicou seus manuais de HE, entre eles “História da Educação e da Pedagogia”, na Argentina devido ao exílio. Socialista, ele abandonou a Espanha quando iniciou a guerra civil em 1936, devido à perseguição política. Em 1939, chegou à Argentina com sua família, ficando exilado durante 23 anos11. Neste país, foi professor de Pedagogia, HE e Psicologia Pedagógica na Universidade Nacional de Tucuman, entre 1939 e 1945. Seria nesta universidade, segundo Damasco Penna, que se daria o curso que originou o livro “Pedagogia Contemporânea”. Dentre as principais obras de Luzuriaga publicadas na Argentina, destacam-se: “La enseñanza primaria en España” (1915), “La preparación de los maestros” (1918), “Escuelas activas” (1925), “La educación nueva” (1927), “Bases para un anteproyecto de Ley de Instrucción Pública inspiradas en la idea de la escuela única” (1931), “Ideas para una reforma constitucional de la educación pública” (1931), “La escuela única” (1931), “La nueva escuela pública” (1931), “Reforma de la educación” (1945), “Antología pedagógica” (1956), “La Institución Libre de Enseñanza y la educación en España” (1957).
Os manuais de HE escritos por Luzuriaga, durante o exílio na Argentina, editados e adotados nos cursos de formação de professores do Brasil, agregaram sua defesa ao método ativo e ao movimento pela Escola Nova iniciado na Espanha. Para este autor a HE não estuda o passado pelo passado, “tal coisa morta, por pura erudição”, mas como explicação do “estágio atual”. A educação presente é fase do passado e preparação para o futuro (1963, p. 9). E, citando Dewey em sua obra “Democracia e Educação” (1957), complementou:
O passado como passado - diz DEWEY - não é nosso objetivo. Se fôsse completamente passado, não haveria mais que uma atitude razoável: deixar que os mortos enterrassem os mortos. Mas o conhecimento do passado é a chave para entender o presente. (1963, p. 9).
O estudo da HE, segundo Luzuriaga, constituía um meio para melhorar a educação atual porque informava sobre as reformas educacionais, sobre o perigo das ideias utópicas e as resistências anacrônicas, reacionárias que a educação tem experimentado. E, citando Dilthey na obra “Historia da Pedagogia”, ressaltou que o passado com seus intentos felizes e seus malogros, “ensina tanto a pedagogistas como a políticos.” (1963, p. 9).
Sob o título “História da Educação”1212, o manual de Paul Monroe, professor de HE do Teachers College da Columbia University - Nova York, foi publicado no Brasil pela CAP, sendo elaborado em 1907 para satisfazer a necessidade das escolas de formação de professores sobre a então chamada “matéria”: História da Educação (p. VI). Segundo Monroe, o grande problema no estudo da HE estava na coordenação de suficiente material histórico para dar corpo ao assunto a ser estudado nas Escolas Normais e em outras escolas que não dispunham de tempo para ensinar um conteúdo mais extenso, e de indicar a afinidade entre a história e a educação (p. V).
Autor de um dos manuais mais reeditados no Brasil1313, Monroe foi um dos pioneiros em estudos graduados sobre educação nos Estados Unidos. Em 1897, foi nomeado professor de História na escola de formação docente - Teachers College, da Universidade de Columbia. Em 1899, assumiu o lugar de professor adjunto de história da educação e, três anos mais tarde, assumiu a cátedra de história da educação até sua aposentadoria, em 1938. Além de professor, foi diretor da School of Education of Teachers College (1915 a 1923). Em 1923, tornou-se diretor do International Institute of Teachers College.
Nos Estados Unidos, o surgimento da HE como disciplina profissionalizante do magistério ocorreu na década de 1840, devido à constatação da necessidade da formação de professores qualificados para atender a expansão do ensino fundamental público na primeira metade do século. A presença da HE no ensino normal norte americano receberia impulso de organizações profissionais nas décadas de 1860 e 1870. Na primeira conferência realizada pela Associação Americana de Escolas Normais, em 1859 na cidade de Trenton, New Jersey, alguns especialistas defenderiam a inclusão da HE (LORENZ, 2009, p. 135).
A credibilidade concedida a HE a tornaria uma das disciplinas mais valorizadas nos cursos de formação de professores americanos. É o que revela uma (entre tantas) pesquisa, realizada pela Sociedade de professores Universitários de Educação [Society of College Teachers of Education - SCTE], analisada e publicada no livro de Henry Suzzalo (1908). Foram pesquisadas trinta e uma universidades, por Suzzalo, durante o ano acadêmico de 1905-1906. Os dados apontavam para a crescente posição ocupada pela HE nas instituições de formação de professores, indicando que entre as principais disciplinas, a HE se apresentou como a mais ofertada nas instituições (das trinta e uma instituições, vinte e sete a ofertavam), tendo o maior número de alunos matriculados - 1996 em sua totalidade.
A HE ocupou, portanto, um lugar favorável nos estudos sobre educação nos Estados Unidos, pois, desde a criação da primeira cátedra em “ciência e arte de ensinar” na Universidade de Michigan em 1879, a disciplina tornou-se parte importante de um dos dois cursos profissionais oferecidos. No ano de 1902, quase “duas centenas de instituições ofereceram alguma oportunidade de estudo nessa área [HE]”. (SUZALLO; BURNHAM, 1908, p. 33-4, [tradução nossa]).
Vinte anos mais tarde, L. Drayer analisaria catálogos de vinte e cinco universidades particulares e públicas no país, no período de 1890 a 1920, confirmando a anterior análise de Suzallo de que a HE se “transformou num campo de estudo abrangente e diversificado”, nos diferentes cursos de Pedagogia, Licenciatura e Pós-Graduação (LORENZ, 2009, p. 144). Este aumento significativo de oferta da disciplina de HE nas instituições universitárias de formação de professores, nos Estados Unidos, seria acompanhado de uma significativa renovação metodológica e científica dos manuais.
A publicação crescente de manuais para a formação de professores seria um dos traços marcantes da constituição da “matéria de ensino” nas primeiras décadas do século XX, nos Estados Unidos. Destacam-se livros como o de Charles Oliver Hoyt, professor de HE da State Normal College de Ypsilanti, Michigan, intitulado: “History of Modern Education” [História da Educação Moderna], publicado em 1908; e a obra de Ellwood P. Cubberley, professor de educação da Leland Stanford Junior University, California: “History of Education with selected bibliographies and suggested readings” [História da Educação com bibliografias selecionadas e leituras sugeridas] (1902).
Entre os anos dez e quarenta do século XX, ocorre a ampliação significativa dos manuais de HE americanos, destacando-se principalmente obras de Paul Monroe, como: “Encyclopedia of Education” [Enciclopédia de Educação] (1911) em cinco volumes e “Syllabusof a course of study on the history and principles of education” [Currículo de um curso de estudo sobre a história e princípios da educação] (1911).
Esta crescente produção de manuais daria visibilidade à HE americana, ascendendo sua circulação em outros países, como é o caso dos manuais de Paul Monroe: “Text-Book in the Histoty of Education” (1905), publicado em vários países, como a Espanha, entre 1918-1919; e “A brief Course in the History of Education” (1907), publicado no Brasil a partir de 1930, sendo reeditado e publicado até os últimos anos de 1980. O manual de Monroe atingiria dezenove edições publicadas pela CAP, com larga tiragem de aproximadamente 90.000 exemplares, como apontam vários estudos sobre a sua significativa circulação nos espaços de formação de professores no Brasil (BASTOS, 2006; GONDRA; SILVA, 2011; ROBALLO, 2007, 2012; TOLEDO, 2011; VIEIRA, 2011).
Conclusão
Ao (re)construir a história doa manuais HE, procuramos reunir diferentes manuais, autores e contextos de produção, considerando os vários elementos que delimitam (ou não) esta história. E, diante do itinerário, a HE nascida na Alemanha do século XIX, tendo em Dilthey um dos seus principais precursores, não seria maior (exceto pela precedência) que a HE desenvolvida na França de Compayré nos idos de 1880 e de Durkheim na virada do século XIX para o XX.
Na faixa que delimita as diferenças políticas, culturais, sociais e educacionais dos países analisados, os cursos de formação de professores foram organizados, assim como seus currículos, de acordo com suas necessidades. Tanto na Europa como nos Estados Unidos, de Hubert e Monroe, o surgimento da HE ocorreu em meados do século XIX. Por sua vez, na Argentina do exílio de Luzuriaga, a HE foi introduzida nas escolas normais e universidades no início do século XX. No Brasil, a introdução da HE se deu no final dos anos de 1920, estando associada exclusivamente à formação de professores em nível secundário.
Este contexto demonstra que no Brasil e Argentina a disciplina de HE nasceu quando experiências anteriores haviam sido desenvolvidas. Disso não se segue que ocorreu uma reprodução de modelos europeus e americanos nos países sul-americanos. Entendemos que as disciplinas são resultado de um processo complexo que envolve conflitos, diferenças de mediação entre sujeitos e instituições, reformas educativas específicas, definições de currículos e programas, que as diferenciam em cada época e sociedade.
O que aproxima, portanto, estas histórias das educações?
A linha (imaginária) que determina as extensões dos países, que separam as fronteiras, consequentemente, se impôs sobre os cursos de formação de professores e sobre a constituição e consolidação da disciplina de HE. Contudo, essas fronteiras não existiram com relação à circulação dos manuais de HE. Lembremos, com Chartier (1999), que os manuais são objetos em circulação - circulação de ideias. Assim sendo, da Europa alcançariam visibilidade em cenário internacional os manuais de Dilthey, Compayré, Durkheim, Riboulet, e anos mais tarde de Hubert. Estes manuais seriam irradiados como subsídio para cursos de formação docente e como fonte de inspiração à escrita de outras histórias da educação. Da mesma forma, dos Estados Unidos, a escrita de várias obras como o “Brief Course in the History of Education”, de Monroe, ocasionaria a sua ampla utilização em outros países, e inspiraria a escrita de outras histórias. Não seria diferente com os manuais escritos por Luzuriaga, utilizados no Brasil.
Muitos destes manuais, portanto, circulariam para além das fronteiras de seus países de origem e de seus célebres autores, numa espécie de coadjuvação (de intercâmbio de ideais em comum), e de intertextualidade (de utilização de textos completos ou de partes que se tornariam modelares para a elaboração de novos manuais de HE).
Destarte, acolher a palavra estrangeira não se configurou, portanto, como um problema para os países, como o Brasil, que receberam os manuais de HE. Pelo contrário, significou a possibilidade de ampliar o conjunto de materiais para subsidiar a disciplina de HE e ampliar o mercado editorial voltado à formação docente, bem como colaborou na divulgação das especificidades da HE devido ao intercruzamento de saberes, legitimando modelos exemplares de escrita. E significou também a ampliação da inter-relação entre diferentes culturas e a divulgação de célebres professores-autores. Por mais que os manuais, ao adentrar em outros países, passassem por processos de traduções que não eram “perfeitas”, nem eram absolutos linguísticos que aboliam as diferenças entre o próprio e o estrangeiro, emprestando as considerações elaboradas por Ricouer (2011, p. 27), seriam bem acolhidos, configurando um diálogo entre culturas. Logo, ao atravessar as fronteiras, estas escritas se conformavam à realidade em que penetravam, sendo adequadas aos novos contextos, àquilo que se fazia necessário para a formação docente. Porém, elas não perderiam a essencialidade de apresentar as grandes linhas da história das educações.
Neste sentido, a finalidade da HE voltada à formação docente foi construída mediante o passado das civilizações, dos pensadores, das escolas, das doutrinas pedagógicas que demonstravam a evolução contínua da educação, implicando, consequentemente, no desenvolvimento dos homens.
Diante do exposto, somos levados a refletir sobre como os textos dos manuais foram escritos: sob a égide do modelo da História da Filosofia, da História das Ideias, da História Universal e das Civilizações, como também das relações entre a Psicologia, a Filosofia e a Pedagogia. Destarte, mediante a coadjuvação e intertextualidade ocasionada pela circularidade além das fronteiras, os manuais de Hubert, Monroe e Luzuriaga, reprisariam e resignificariam as lições propostas anteriormente por outros manuais de HE/HP. É possível assim observar que há, nos manuais de HE pesquisados, a permanência e a não variabilidade de ideias sobre as grandes lições do passado.
Passadas várias décadas, inclusive adentrando os idos de 1990, ainda era possível identificar a produção e circulação de manuais de HE em cursos de formação de professores, como é o caso do livro “História da Educação” de Maria Lúcia de Arruda Aranha. Certo ou errado? Não cabe julgar, porém, os manuais de HE atendiam às expectativas de currículos e programas que primavam por um conjunto de saberes entendidos como práticos e de efeito moral. Provavelmente este uso contínuo dos manuais de HE ocorria porque nas escolas e nas faculdades de educação havia um movimento que, ao mesmo tempo em que inovava seus fazeres pedagógicos, mantinha alguns mecanismos de seleção cognitiva e cultural.
Podemos concluir que os manuais de HE, ao longo das décadas, preservaram em sua estrutura a fundamentação histórico-universal e a função prática e utilitária. Fundamentados nessa concepção histórico-universal, seus conteúdos pautavam-se em breves estudos dos períodos históricos, relacionando-os a um passado educativo. E, numa função prática e utilitarista porque ensinavam aos futuros professores saberes úteis sobre a história da escola, das doutrinas pedagógicas, do ensino, considerados importantes à formação e à atuação profissional.
Pode-se afirmar, portanto, que não houve fronteiras que limitassem o uso dos manuais de HE nos cursos de formação de professores em diferentes países, porque acima de tudo, o passado se fez (faz) exemplar.