Introdução
Associado aos ideais da Reforma Protestante, sobretudo do protestantismo norte-americano e sua ideia de Destino Manifesto, o protestantismo de caráter missionário se inseriu no Brasil por volta de meados do século XIX e se valeu da criação de escolas como um elemento de evangelização, assim como fizeram a Igreja Católica no país e os protestantes em geral nos países onde se instalaram (Muniz, 2020).
Em seu vínculo maior com os Estados Unidos, origem da maioria das missões que atuaram no país, o trabalho educacional protestante foi um meio de promoção religiosa e ainda, um instrumento de promoção dos valores e interesses norte-americanos, de seu ideal de sociedade e de sua política expansionista. Segundo Jane Soares de Almeida (2007, p. 327), “[...] significava uma concepção de vida que deveria também ser divulgada junto aos nativos, e que se traduzia por uma fé inquebrantável na educação como articuladora de valores sociais tais como liberdade, democracia, solidariedade e responsabilidade individual”.
Tratava-se de uma concepção religiosa e educacional fundamentada no pragmatismo norte-americano, em seu princípio liberal e inserida no movimento de renovação educacional ali em voga1. Destarte, a educação protestante se apresentou no Brasil como uma educação moderna, à frente da educação católica; propulsora de novos métodos e recursos didáticos, o que motivou aos poucos o apoio de alguns grupos mais progressistas da sociedade.
Embora exista um maior desconhecimento sobre a ação educacional protestante, esses religiososcriaram muitas instituições escolares no país, ao passo que rivalizaram com a educação católica eajudaram a pensar o processo de renovação do ensinopor meio de uma concepção de formação integral do indivíduo, em seus aspectos, físico, intelectual e moral,da ênfase à instrução científica, com a introdução de diversos recursos didáticos e a valorização do esporte, do trabalho e da coeducação dos sexos, contando com modernas instalaçõese intelectuais que ajudaram a pensar a reforma do ensino no país, conforme atestado por estudiosos como Almeida (2007), Azevedo (1976), Chamon (2008) e Warde (2000).
Considerando esses aspectos,bem como a maior centralização dos estudos na área nas regiões Sudeste e Sul do país (Muniz, 2020), e, por conseguinte, a importância de se estudar a educação protestante em Goiás, ainda pouco investigada, o presente artigo traz um mapeamento das primeiras escolas protestantes instaladas em Goiás e discute, de modo particular, o processo de criação dos institutos Samuel Graham e Granbery no início dos anos 1940, que estão entre estas primeiras escolas instaladas.Nessa perspectiva, o objetivo deste artigo é apresentar esses institutos e conhecer, ainda que brevemente, seus elementos fundantes, o contexto sócio-histórico que os envolveram, seus sujeitos, sua materialidade, suas finalidades e representações e estabelecer relações entre eles, de forma a pensar o sentido destes para a educação em Goiás.
As fontes constituem-se, sobretudo, de documentos escolares produzidos pelas duas instituições, tais como: regimentos internos, atas de reuniões escolares, livros de visita, livros e fichas de matrícula, programas curriculares, boletins estatísticos, prospectos e fotografias.
O artigo encontra-se organizado em três seções, além da introdução e considerações finais. A primeira seção apresenta uma leitura histórica sobre as relações entre educação e protestantismo em Goiás. A segunda seção discorre sobre o processo de criação do Instituto Samuel Graham e do Instituto Granbery, seguida, na terceira seção, pela análise da materialidade e das finalidades educacionais dessas instituições.
Protestantismo e educação em Goiás
O protestantismo começou a ser propagado em Goiás nas últimas décadas do século XIX, resultado da ação missionária e de seu projeto civilizador para o interior do Brasil, que conforme atesta Ester Nascimento (2005) se fundamentou em três eixos de ação: religião, educação e saúde. Ou seja, buscava-secriar instituições sociais nessas áreas de forma a atender a população e aproximá-la da fé protestante, apresentada como uma fé e uma concepção de vida e de sociedade superior.
O crescimento econômico e populacional experimentado por Goiás a partir do século XX, quando o estado foi se incorporando ao mercado capitalista por meio da produção e exportação agropecuária, acrescido da ‘Marcha para o Oeste’ e pela construção de Goiânia (Chaul, 2010), contribuíram para a expansão protestante, trazendo para o estado entre os migrantes e imigrantes, muitos desses religiosos e missionários de várias denominações.
Nesse contexto, se destacou o trabalho das missões presbiterianas, em particular da Missão Central do Brasil, criada segundo Nascimento (2008), em 1896, a partir de um reordenamento do trabalho missionário para atuar nos estadosda Bahia, Sergipe, Goiás, Mato Grosso e norte de Minas Gerais. Em Goiás, a missão estabeleceu sede em Rio Verde, região Sudoeste do estado. Outro destaque foi a criação em 1947 pelo missionário norte-americano Arthur Wesley Archibald, da Associação Educativa Evangélica (AEE), uma sociedade civil, de caráter interdenominacional2, sediada em Anápolis com o objetivo de criar e manter instituições de ensino de todos os níveis na região de Goiás (Abreu, 1997).
Essas duas frentes missionáriasforam as maiores responsáveis pela instalação de escolas confessionais protestantes em Goiás, como mostra a tabela a seguir:
Ano de criação | Instituição escolar | Vínculo religioso | Município |
---|---|---|---|
1926 | Escola Evangélica Planaltinense | Igreja Presbiteriana do Brasil | Planaltina |
- | Instituto Cristão Veadeirense | Igreja Presbiteriana do Brasil | Veadeiros (Alto Paraíso de Goiás) |
1932* | Colégio Couto Magalhães | Inter denominacional (AEE) | Anápolis |
1933* | Escola de Enfermagem Florence Nightingale | Igreja Presbiteriana do Brasil | Anápolis |
1942* | Escola Ev. de Jataí - IPSG | Igreja Presbiteriana do Brasil | Jataí |
1937 | Escola de Enfermagem Cruzeiro do Sul | Igreja Presbiteriana do Brasil | Rio Verde |
1943 | Instituto Granbery | Igreja Metodista | Pires do Rio |
1947* | Colégio Álvaro de Melo | Inter denominacional (AEE) | Ceres |
- | Educandário Ev. Nilza Risso | Inter denominacional (AEE) | Cristianópolis |
- | Escola Evangélica Luiz Fernandes Braga Júnior | Inter denominacional (AEE) | Itapaci |
1951* | Instituto Presbiteriano de Educação | Igreja Presbiteriana do Brasil | Goiânia |
1955-6 | Escola Bandeirante | Igreja Presbiteriana/Missão Sul dos EUA) | Ceres |
Fonte: Muniz (2020, p. 88). *Instituições que continuam em atividade.
Conforme levantamento apresentado na tabela 1, foram quatro instituições escolares vinculadas a AEE, sete criadas pela Igreja Presbiteriana e uma vinculada àIgreja Metodista. Tais números apontam que havia tanto por parte da AEE quanto da Igreja Presbiteriana do Brasil um projeto maior de evangelização em Goiás, que tinha na criação de escolas, um importante instrumento e viés ideológico. Essas escolas foram instaladas majoritariamente nas regiões Sul e Central do estado, que eram regiões mais desenvolvidas economicamente e com maior contingente populacional.
Ainda, conforme dados apresentados por Nascimento (2008), é provável que as primeiras instituições de ensino criadas pelos protestantes em Goiás foram de iniciativa presbiteriana, a saber: a Escola Evangélica de Planaltina, fundada em 1926 pela missionária educadora Jean Porter Graham, que funcionou até 1948 numa fazenda e o Instituto Cristão Veadeirense em Veadeiros, atual município de Alto Paraíso de Goiás, cuja data de fundação não foi possível precisar, mas aconteceu nesse mesmo contexto.
Na sequência, em 1932, foi criado pelo grupo interdenominacional que deu origem a AEE, sob liderança dos médicos e missionários Carlos Magalhães e James Fanstone, o Colégio Couto Magalhães, em Anápolis, para educar os filhos de protestantes. Em seguida, em 1933, esse mesmo grupo interdenominacional, com o apoioda Missão Central do Brasil, criou a Escola de Enfermagem Florence Nightingale, também em Anápolis, com o objetivo de formar mão de obra especializada para o hospital evangélico ali criado.Em trabalho semelhante ao verificado em Anápolis, a Missão Central do Brasil criou, na cidade de Rio Verde, o Hospital Evangélico de Rio Verdee a Escola de Enfermagem Cruzeiro do Sul, em 1937, que, segundo Dias (2020), formou, de sua criação até o ano de 1961, alunas em nível superior,profissionalizando enfermeiras para todo o país.
Com a criação desses hospitais e escolas de enfermagem, o protestantismo demarcava seu espaço de atuação na área da saúde e educação, eixos fundamentais para seu projeto de evangelização como citado por Nascimento (2005), ao passo que investia no estado, fomentando o serviço e a profissionalização nessas áreas.
A criação da AEE em muito colaborou para a expansão das escolas protestantes em Goiás. Por meio dessa associaçãoforam criados o Colégio Álvaro de Melo, o Educandário Nilza Risso, a Escola Luiz Fernandes Braga Júnior, o Normal Regional e o Sítio de Orientação Agrícola, estes últimos, posteriormente, desativados e integrados ao Colégio Couto Magalhães (Muniz, 2020).
Não obstante o investimento protestante no campo educacional goiano, cumpre dizer que o ensino escolar em Goiás nasceu regulamentado oficialmente pelopoder público, mas sob a orientação da Igreja Católica, que por muito tempo assumiu a responsabilidade do estado na criação e manutenção de escolas, passando, a partir da segunda década do século XX, “[...] à vanguarda da instrução com a disseminação de estabelecimentos de ensino” (Silva, 1975, p. 48), principalmente, no ensino secundário. De acordo com Ana Maria Gonçalves (2017, p. 11), em 1945, havia 15instituições que ofereciam ensino secundário em Goiás, sendo que “[...] 3 (três) eram públicas e 12 (doze) particulares, todas confessionais, sendo 10 (dez) católicas [...]” e duas protestantes, a saber o Colégio Couto Magalhães e o Instituto Granbery3.
Logo, em seus limites e potencialidades, a criação dos institutos Samuel Graham e Granbery se insere nesse contexto histórico de Goiás e contribuiu para a oferta educacional no período, preenchendo parte da ausência do estado na oferta do ensino secundário, rivalizando com a hegemonia católica e se colocando como uma opção de escola confessional, assentada, igualmente, na doutrina cristã, mas no seu vínculo com as Igrejas Protestantes e seu espelho norte-americano, que conforme Mirian Warde (2000), se tornou o espelho para o Brasil a partir de meados do século XIX, vindo a se constituir como referência maior de modernização e progresso e suporte para essas escolas.
Em suas origens, esses institutos apresentam aproximações e singularidades que se inscrevem no espaço e tempo em que foram criados, nas relações de poder e interesse envolvidas e nas características próprias, religiosas e educacionais, relacionadas ao projeto missionário, evangelístico e social das igrejas e missões a que estavam vinculados, como passamos a discutir.
A criação dos Institutos Samuel Graham e do Instituto Granbery
A criação dos Institutos Samuel Graham e Granbery, no início dos anos 1940, ocorreu no contexto de desenvolvimento econômico do estado de Goiás e de sua integração nacional, no bojo da política varguista e dos ideais de progresso, modernização e civilização. Com uma forte vocação agrícola e pecuária, Jataí e Pires do Rio experimentavam esse processo de desenvolvimento, de modo que essas instituições se apropriaram desse contexto e passaram a fazer parte dele, colocando-se, também, como elementos de modernização nesses espaços.
O presbiterianismo chegou a Jataí, município criado em 1882 na região Sudoeste por volta de 1924 por meio das primeiras famílias pertencentes a essa denominação, que vindas de outras regiões, fixaram residência no município. Como visto, o trabalho presbiteriano já se encontrava em desenvolvimento no estado de Goiás nesse momento, inclusive na região Sudoeste, contando com uma estação missionária no município próximo de Rio Verde e instituições sociais nas áreas de saúde e educação e trabalhos religiosos em outras regiões do estado.
Esse trabalho se desenvolveu e se afirmou a partir de 1942, momento em que foram criados o templo e a escola evangélica. No contexto de criação da igreja, em 1940, Jataí possuía 22.793 habitantes, sendo 76% de sua população intitulada católica, seguido por 20% de espíritas e 2,15% de protestantes, o que correspondia a 489 habitantes (IBGE, 1940). O percentual de protestantes era pequeno, mas significativamente maior que o percentual do estado que era de 1,16%.
A Escola Evangélica surgiu para atender aos filhos das famílias evangélicas e de outras famílias que se sentiam constrangidos na escola católica. Em 10 de julho de 1942, sob o trabalho pastoral de Robert Lodwick4, essa instituição foi registrada na Diretoria Geral de Educação do Estado de Goiás, recebendo o nome de Escola Evangélica de Jataí, destinada a ministrar o ensino primário (Goiás, 1942).
A escola funcionou inicialmente de forma precária e improvisada, mas com um crescente número de alunos já nos primeiros anos. De acordo com Pires (1997), para atender a demanda, em 1947, uma comissão da Missão Central do Brasil veio a Jataí para analisar a ampliação da escola e construção de seu prédio próprio, reunindo-se com as lideranças políticas do município. A missão decidiu por criar primeiro o prédio da escola primária e o curso normal para formar seus próprios professores para atuar no interior, a despeito do interesse local pelo curso ginasial que se encontrava inativo no município, demonstrando assim, certo planejamento e poder de decisão.
A aquisição do terreno para construir o novo prédio contou com a resistência católica, proprietária de muitas áreas na cidade, juntamente com seus membros, o que mobilizou as lideranças políticas locais e até mesmo o governo do Estado, que sob ameaça de instalarem a escola em outra cidade, lograram à Missão um terreno de seu interesse com 12 alqueires, em lugar centralizado (Instituto Samuel Graham, n.d.; Pires, 1997).
Segundo Pires (1997), um vereador evangélicocomprou esse terreno e doou para a Missão. Por vez, segundo a lei municipal, n. 42, de 26 de maio de 1950, a prefeitura adquiriu o terreno da Igreja Católica e o vendeu à Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América do Norte. Em todo caso, a atuação política - de atores sociais externos ao campo religioso, foi fundamental para essa aquisição e para o desenvolvimento do trabalho educacional presbiteriano em Jataí.O tamanho do terreno apontava para uma pretensão futura de ampliarem suas instalações, a infraestrutura da escola e, possivelmente, desenvolverdiferentes atividades ligadas ao campo educacional e mesmo religioso em conformidade com o projeto protestante, o que assinalava seu planejamento e aspecto visionário.
Nesse curso, o casal de missionário norte-americanoligado à Missão Central do Brasil, Samuel e Ruth Graham5, com larga experiência no campo educacional brasileiro, assumiu a administração da escola. Em 1952, com duas salas prontas, uma parte da escola se transferiu para as novas instalações e foi solicitado o pedido junto ao estado para o início do curso normal regional, previsto para iniciar no ano seguinte. Samuel Graham, por sua vez, veio a falecer pouco tempo depois em um acidente aéreo.
Com a morte de Samuel, Ruth Graham assumiu a direção escolar, momento em que foi instalado o curso normal em 1953, autorizado pelo decreto estadual 175, de 1º de outubro de 1952, denominado Curso Normal Regional Evangélico, o que evidenciava sua vinculação religiosa. Em 1954, o nome de Samuel foi dado à escola que passou a se chamar Instituto Samuel Graham (Instituto Samuel Graham, n.d.).
Em 1956 foi construído o prédio próprio para o internato feminino e instalado o internato masculino. O prédio destinado ao internato feminino foi a expressão maior da arquitetura da instituição e de sua concepção de modernidade. A imagem seguinte apresenta a fachada do prédio (Figura 1).
Tratava-se de um prédio imponente para os padrões da cidade de Jataí6, com traços da arquitetura residencial norte-americana, possuía dois pisos, inúmeras e grandes janelas, sendo sua área construída de 711,00m² (Instituto Samuel Graham, 1977, 2015). O espaço desse prédio apontava para uma preocupação com a educação feminina e o interesse em formar normalistas.
Para a construção do prédio secundário, a instituição contou com financiamento do governo federal destinado ao Curso Normal, liberado na época por Anísio Teixeira, responsável pelo departamento de educação, que esteve com o casal Graham em viagem aos Estados Unidos e já conhecia o trabalho presbiteriano por meio do Instituto Ponte Nova, na Bahia, instituição em queo casal Graham também atuou. De acordo com Ruth, Anísio disponibilizou para o instituto a quantia regular que era destinada pelo Fundo a cada escola e, posteriormente, destinou outra verba que teria sobrado em caixa7 (Instituto Samuel Graham, n.d.), o que assinalava mais uma vez, o investimento público na instituição e seus arranjos, fato inerente à história da educação brasileira.
Com as novas instalações, a escola passou a funcionar em período integral, em regime de semi-internato e internato, o que foi considerado uma inovação para a época na cidade (Dias, 2016). No bojo dessas construções, em 1957 foi inaugurada a sede própria que contou com a presença do governador do estado, José Ludovico de Almeida, indicando a notoriedade que o Instituto passou a desfrutar no município e região, e, ainda, as relações políticas que o envolveram.
Finalmente, em 1959 foi criado o curso ginasial, momento em que Jataí já contava com o ginásio católico Nossa Senhora do Bom Conselho, iniciado em 1948, e com o Ginásio Nestório Ribeiro, instalado em 1950, de caráter público/comunitário, sendo, portanto, a terceira instituição a ofertar o curso ginasial no município nesse período, que se viu, até então, marcado pela irregularidade na oferta desse nível de ensino. Não obstante esse cenário de concorrência, no colégio católico, o curso ginasial era ofertado apenas para o sexo feminino e o ginásio público foi marcado por muitas precariedades, o que potencializou esse curso no Samuel Graham (Pires, 1997).
Nesse tempo, o Instituto alcançou estabilidade, se afirmando no campo educacional jataiense e goiano e contribuindo com o mesmo, ao passo que contribuiu também com a propagação do presbiterianismo no município, principalmente, com a educação protestante em Goiás, disseminando muitos de seus valores e ideais e ao mesmo tempo participando da relação educação, religião e estado.
Concorre para essa assertiva a publicação da Lei municipal nº 515, de 17 de setembro de 1963 que considerou o Instituto Samuel Graham como ‘propriedade nacional’8 e o reconheceu como “[...] entidade de utilidade pública, principalmente pelos seus inestimáveis e eficientes serviços pedagógicos prestados à mocidade do interior brasileiro [...]”, promovendo as relações de interesses entre o poder municipal e o Instituto e, por conseguinte, deste primeiro com o campo evangélico, demonstrando ainda que o espaço para as ações religiosas no campo educacional mantinha-se aberto.
Diferente dos presbiterianos e de sua ação educacional em Jataí, os metodistas não contavam com um trabalho missionário em Pires do Rio quando da criação do instituto escolar, e tão pouco com um amparo institucional sólido no estado, por meio de igrejas e instituições sociais. Logo, a criação do Granbery, em Pires do Rio, foi inicialmente resultado mais de uma ação externa ao campo educacional, formada pela maçonaria, políticos e pessoas influentes da sociedade do que religiosa.
Criada em 1922, a partir da construção da estação ferroviária, que traçou o projeto urbano da cidade, Pires do Rio se desenvolveu rapidamente “[...] em forma de comércio e pequenas indústrias. Devido também à boa posição geográfica da cidade, com terras férteis, amplas e pastagens propícias, deu-se início a criação de gado [...]” e uma agricultura mais extensiva que foi produzindo excedente exportável e demandando novas indústrias, assim como setores de serviço, transporte e comércio (Silva & Barbosa, 2017, p. 209).
No campo educacional, o início dos anos 1930 marcou a criação das primeiras escolas públicas em Pires do Rio, a saber o Grupo Escolar Martins Borges para o ensino primário e a Escola Normal Joaquim Bonifácio, ambos criados em 1932 e instalados em prédio próprio a partir de 1938, junto com outros prédios públicos, o que assinalava o processo de desenvolvimento e modernização do município.
Não obstante, Pires do Rio carecia de uma instituição de nível secundário. Conforme Jacy Siqueira (2006, p. 163), concluído o curso primário restava ao jovem piresino “[...] ingressar na Escola Normal ou, sendo filho de família abastada, ir interno no Colégio Diocesano (Uberaba, MG), no Regina Pacis (Araguari, MG), no Anchieta de Bonfim (Silvânia) ou ainda, se propícia a sorte, se transferir a outro centro (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia) [...]” ou se não, abandonar os estudos.
Em função dessa realidade, um grupo de maçons começou a se articular para conseguir a instalação de um curso ginasial em Pires do Rio. Segundo Siqueira (2006), a primeira solicitação foi feita junto ao bispo dom Emanuel Gomes de Oliveira, que negou o pedido, justificando que as escolas católicas próximas já recebiam os estudantes de Pires do Rio. Embora não tenha sido tratado pelo autor, é possível que a solicitação primeira junto ao bispo se explique pelo predomínio da cultura católica e sua maior tradição na criação de escolas pelo país. Por sua vez, a maçonaria9 que estava à frente de tal pedido, era marginalizada pela Igreja Católica, o que tornava pouco provável qualquer associação entre elas.
Nesse curso, por meio de algumas indicações e de movimentos externos ao campo educacional, foi construído um diálogo via maçonaria com os metodistas do Instituto Granbery de Juiz de Fora-MG, com vistas à instalação de uma unidade desse instituto em Pires do Rio10. Criado em 1889 por missionários vinculados à Igreja Metodista do Sul dos Estados Unidos, o Granbery era um instituto já renomado e dispunha de grande infraestrutura na cidade mineira, o que despertou o interesse da maçonaria, que tomou a iniciativa de propor sua construção em Pires do Rio e envidou esforços para conquistar apoio político e outros recursos necessários para tanto, e a conseguinte aceitação por parte dos dirigentes do colégio (Muniz, 2020).
Segundo Albano Neto (2007), no livro sobre a Loja Maçônica Amor e Luz IV, essa entidade pediu a intercessão das mais altas instâncias da instituição no país para que o Granbery viesse para Pires do Rio. Nesse momento foi formada uma aliança entre o prefeitode Pires do Rio, Taciano Gomes de Melo, a maçonaria, liderada por um de seus fundadores na cidade, Saulo de Tarso Paranhos Romeiro e outros nomes considerados influentes no município que resultou na criação de uma comissão para tratar da possível instalação de uma filial do Granbery na cidade. Em seus primeiros trabalhos, essa comissão conseguiu que o diretor do Colégio, Irineu Guimarães, viesse aPires do Rio e se reuniu com ele no dia 1° de janeiro de 1943 na própria residência de Paranhos, para apresentar-lhe a proposta de criação da unidade piresina do colégio. A proposta feita constava das seguintes ofertas:
a- de um terreno para construção de um predio, do tamanho que a direção do Granbery julgar satisfatorio;
b- de um predio adaptado para o funcionamento provisorio da Filial, sem onus para o Granbery;
c- do pagamento, por (2) anos, das taxas de inspeção que o Governo venha cobrar;
d- da importancia de Cr$ 100.000.000 (cem mil cruzeiros), para a construção de um predioproprio (Instituto Granbery, 1943a).
A presente proposta, expressão da política partidária e da ausência de autonomia do campo educacional e público frente a essa, em muito viabilizava a instalação do instituto em Pires do Rio, uma vez que as despesas maiores relacionadas a sua infraestrutura seriam assumidas pela comissão piresina, o que foi logo aprovada pelo Conselho Superior do Instituto Granbery (Instituto Granbery, 1943b).
O interesse da maçonaria em apoiar a vinda do Granbery para Pires do Rio se inscrevenas relações estabelecidas entre essa instituição e o protestantismo no Brasil nesse período. Para Vieira (1980), o caráter liberal do protestantismo e o seu ideal de modernidade vinha ao encontro da maçonaria, que sofria, outrossim, com a resistência e o conservadorismo católico.
Ademais, no início dos anos 1940, Pires do Rio possuía a maior população protestante de Goiás. Com uma população estimada de 14.728 habitantes, 752se declaravam protestantes, correspondendo a um percentual de 5,10% desses religiosos (IBGE, 1940), o que assinala também uma abertura religiosa para a construção dessa instituição em Pires do Rio.
Os trabalhos para a instalação desse instituto se deram em regime de urgência. Em abril de 1943, o professor Luiz Angelo Milazzo e sua esposa, professora Hercília Milazzo11, então diretores da Ala feminina do Instituto Granbery, em Juiz de Fora, vieram para Pires do Rio e Luiz Milazzo assumiu a direção do instituto, iniciando as aulas meses depois, com o curso de admissão com vistas a preparar os alunos e formar a clientela para o curso ginasial, que veio a ser criado em 1944 (Instituto Granbery, 1943b).
Em 1945, o Granbery se instalou no prédio próprio e entre 1944 e 1948 implantou as quatro séries do curso ginasial, contando em média, com mais de 90 alunos e passou a funcionar também em regime de internato feminino e masculino. Ainda em 1948 foi implantada a Escola Normal, ministrando em alguns anos os dois ciclos do curso, o Curso Normal de Regentes (1º ciclo) e o Curso Normal de Formação de Professores Primários (2º ciclo). O instituto veio ofertar ainda os cursos técnicos de contabilidade e comércio e depois o ensino primário em meados dos anos de 1950, o que sinaliza ainda o aspecto expansionista, mercantil e pragmático da instituição, tal como visto na experiência presbiteriana. Em todos esses cursos, o Granbery implementou o regime seriado e de coeducação dos sexos, em muito promovido no país pelas escolas protestantes e presentes também no Samuel Graham.
Como visto em Gonçalves (2017), em 1945, o Granbery era uma das 15 instituições que ofereciam ensino secundário em Goiás, de forma que o mesmo ajudou a preencher a lacuna do estado nesse nível de ensino, e, por isso mesmo, representava um privilégio no contexto goiano, que, certamente alimentava o poder político e econômico local. Ademais, em 1951, Goiás contava apenas com seisunidades escolares que ofereciam o curso de contabilidade, sendo uma dessas, o Granbery piresino e em 1954, eram 11cursos de contabilidade e três de comércio de nível técnico (IBGE, 1958), o que acentua o pioneirismo e a importância dessa instituição, colocando-a, inclusive, à frente do Instituto Samuel Graham na oferta inicial de cursos de grau médio, visto que esse priorizou em seus primeiros anos os cursos primário e normal.
Importante destacar que ambas as instituições se envolveram em tramas políticas e contaram com financiamento público, fato que expõe a intricada relação entre público e privado no Brasile aponta, de modo particular, para a ineficiência do estado naquele momento na oferta escolar, sobretudo, no curso secundário, o que em muito abriu espaço para as escolas privadas, principalmente, confessionais.
O processo de construção e permanência dessas instituições escolares revela que estas, como postula José Carlos Araújo (2007, p. 96), são “[...] co-partícipes de projetos históricos”. Para além dos interesses e esforços internos, da questão religiosa, a constituição dos dois institutos foi forjada em meio a relações de poder e interesse que extrapolam o campo religioso e se inscrevem também no campo social e político. Travestida da ideia de modernização do ensino e desenvolvimento local, essas alianças realizadas assinalam a natureza reguladora da religião e o interesse político no campo religioso que remonta à relação entre estado e igreja no Brasil, que fora também apropriada pelo protestantismo no país.
Ademais, as condições vistas em Jataí e Pires do Rio, para a criação dessas instituições, revelam muitas das condições visualizadas para a implantação do trabalho protestante, especialmente, o investimento das missões. Na época, as duas cidades possuíam uma significativa população protestante no estado12, apresentavam condições geográficas favoráveis, boa infraestrutura e se encontravam em desenvolvimento, em crescimento econômico e populacional, corroborando a assertiva de Nascimento (2005, p. 122), de que o investimento missionário em uma dada região/cidade levava em conta alguns critérios, tais como “[...] densidade populacional protestante, condições higiênicas, água potável, fertilidade do solo, facilidade de transporte, acesso aos materiais de construção e condições políticas”.
A preocupação com o tamanho e a localização do terreno foi também recorrente nas duas instituições, que se instalaram na parte central das cidades e dispunham de grande espaço, de forma a se destacarem na cena urbana, compor seu cenário e se promover junto ao mesmo, o que aponta para a assertiva de Faria Filho (2005, p. 33) de que “[...] ao inscrever-se na cena da cidade, a escola o faz como experiência complexa e polissêmica”. Nessa direção, passamos a analisar o espaço e a instalação escolar de cada instituição e suas finalidades educacionais.
Os espaços e as instalações escolares e suas finalidades educacionais
À semelhança das escolas confessionais católicas que se instalaram no Brasil, as escolas protestantes também demonstraram, de forma geral, preocupação com o espaço escolar e a arquitetura de seus prédios, fato que se observa nos institutos analisados. Uma preocupação que aponta para a própria compreensão de educação dessas instituições religiosas que a associavam à qualidade da educação que pretendiam oferecer, e guarda ainda relação com a cultura norte-americana e sua preocupação com o ambiente material das escolas, como atestado por Teixeira (2006) em viagem aos Estados Unidos.
O tamanho dos terrenos era também representativo do ideal educacional de promover a formação do cidadão, uma educação integral que oferecesse diversas atividades, cursos e níveis de ensino e pudesse também acolher os alunos e alunas por meio do regime de internato, o que sugere ainda maior controle dos sujeitos ali inseridos e de sua educação.
Em sua materialidade, o instituto presbiteriano dispôs de grande infraestrutura que fez jus ao tamanho do terreno adquirido, composta dos prédios citados para o curso primário, curso secundário, internato feminino e masculino e, ainda, auditório, prédio de trabalhos manuais, escola de música, biblioteca, laboratório de ciências e salas temáticas, residências para funcionários, quadras esportivas e áreas verdes. Esses espaços eram muito bem equipados com máquinas, aparelhos, mobiliário e materiais pedagógicos diversos conforme a demanda de cada área do conhecimento. Tratava-se de uma infraestrutura e arquitetura escolar associada à ideia de modernização e renovação educacional preconizada nas primeiras décadas do século XX (Nunes, 2000).
A imagem a seguir apresenta o laboratório de ciências da instituição (Figura 2).
Conforme Azevedo (1976) e Ramalho (1976), a pedagogia utilizada nos colégios protestantes era altamente investida do espírito experimental, de caráter pragmático que se preocupava com a ação concreta e eficaz, com a praticidade e utilidade do ensino. Destarte, o laboratório de ciências apresentado e todo o seu aparato de mobiliário, instrumentos e produtos diversos era um elemento que materializava essa concepção de ensino, por meio do qual os alunos poderiam visualizar e realizar experiências dentro do conteúdo trabalhado, tornando o conhecimento mais acessível e prático e guarda relação com a proposta escolanovista que, como pontuado por Vidal (2000, p. 498),defendia que a escola deveria “[...] oferecer situações em que o aluno, a partir da visão (observação), mas também da ação (experimentação) pudesse elaborar seu próprio saber [...]”, sinalizando assim, a concepção já em curso no país, embora não houvesse uma relação direta entre essas duas concepções educacionais.
O Instituto Granbery dispôs de semelhantes instalações, comointernato feminino e masculino, duas quadras de esporte, um campo de futebol, dois vestiários, biblioteca, auditório e laboratório de ciências, mas com um padrão, terreno e área de construção menor que o do Instituto Samuel Graham, mas ainda assim significativo para os padrões de Pires do Rio, uma cidade recém-criada do interior de Goiás, carente de uma instituição de nível secundário e de internatos escolares.
O terreno do Granbery possuía aproximadamente 200 mil metros quadrados (20 hectares). Ainda em suas dependências foi construído o templo da Igreja Metodista na cidade, onde se realizavam de forma mais particular as atividades religiosas do instituto e se prestava atendimento religioso à população piresina, fundamentando o trabalho metodista na cidade e assinalando a identidade religiosa da instituição, o espaço da religião no espaço escolar.
A imagem abaixo apresenta a fachada do prédio principal da instituição (Figura 3).
Segundo Constâncio Lôbo (n.d.) em sua forma retangular alongada, o prédio foi construído no estilo inglês, “[...] com paredes externas de tijolinhos expostos, uma entrada social central bastante larga e uma entrada em cada extremidade”. Esse prédio abrigava cinco salas de aula, com 63 m² cada, a parte administrativa, um laboratório de ciências e o auditório, denominadode salão nobre, que tinha capacidade para comportar aproximadamente 200 pessoas (Instituto Granbery, 1962).
Esses aspectos que forjaram a materialidade do Samuel Graham e do Granbery, aproximavam esses institutos da política de edificações escolares desenhada nos anos 1930, que, segundo Faria Filho e Vidal (2000, p. 30), pretendia “[...] um ensino em tempo integral, oferecendo oportunidade para que a escola realizasse um dos ideais caros aos educadores renovados: a escola-laboratório”. Para Nunes (2000, p. 388, grifo do autor), essa “[...] nova arquitetura promoveu a expansão regulada das atividades corporais ao incorporar às salas de aula os anfiteatros, a biblioteca, as salas de leitura, o refeitório, os jardins, as ‘áreas verdes’”.
Essas construções se aproximavam ainda dos registros realizados por Teixeira (2006, p. 18-9) sobre os edifícios das escolas americanas, “[...] ressaltando aspectos como da ventilação, luminosidade e tranqüilidade [...]” e sua arquitetura, com “[...] aspectos materiais prósperos e modernos”. A modernidade materializada nos prédios escolares era um meio de apresentar a nova religião e a concepção de sociedade que buscavam imprimir e, desse modo, fazer frente às outras instituições escolares da época, principalmente, as católicas e, assim, conseguirem público, se inserirem no mercado, uma vezque setratava de escolas privadas e, como tais, precisavam se manter, a despeito das ajudas recebidas por parte das missões e/ou igrejas e religiosos e mesmo do poder público.
Chama atenção a área destinada pelas duas instituições ao esporte e sua infraestrutura, o que aponta para a importância dada à prática do mesmo, que de acordo com Ramalho (1976), estava associado à ideia de uma educação integral, bem como àsideias de rendimento, eficiência, individualismo e sucesso advindas do pragmatismo norte-americano.
Conforme o Estatuto do Granbery, “[...] os esportes fazem parte integrante da educação física dos alunos, sendo por isso, obrigatório o comparecimento aos jogos escalados, jogos escolhidos, pelos próprios alunos de acordo com o parecer dos pais ou médico do Instituto” (Instituto Granbery, n.d.).
Em ambos os institutos, os esportes foram praticados por meninos e meninas em todas as modalidades, com destaque para o basquete e vôlei, e a realização de campeonatos diversos com vista à promoção institucional. Eventos culturais como gincanas, teatros, apresentações musicais e a formação de bandas também foram uma prática recorrente nas duas instituições, símbolos do pragmatismo ali engendrado e de seu caráter liberal. Muitos desses eventos eram organizados diretamente pelos alunos por meio de associações estudantis. O grêmio literário constituiu-se na principal forma de organização discente de ambosos institutos.
O Granbery foi o primeiro a contar com um grêmio literário. Já no início da instituição, em 15 de dezembro de 1945, foi criado o Grêmio Literário Castro Alves. Conforme as atas, as reuniões do grêmio literário eram marcadas por momentos culturais tais como declamação de poesias, anedotas, apresentações musicais, discursos e discussão de livros clássicos da literatura. Os alunos gremistas participavam ainda da organização de atividades culturais e esportivas do instituto (Instituto Granbery, 1945-1946).
Em 27 de setembro de 1956, foi criado o grêmio do Instituto Samuel Graham com o nome de ‘Grêmio Literário Rui Barbosa’. Na esteira do observado no grêmio metodista, essa associação fomentou as práticas escolares e sociais e o espírito de democracia da instituição, contando inclusive com a eleição anual de sua diretoria e tomando parte em assuntos e decisões referentes ao instituto (Instituto Samuel Graham, 1956-1961).
A valorizaçãodos grêmios estudantis por parte dessas instituições atesta, conforme Ramalho (1976, p. 155, grifo do autor), que para os educadores protestantes, “[...] a escola deve ser um ‘treinamento para a democracia’”. Tal concepção estava amparada em Dewey (2007), para quem a educação é uma necessidade e uma função social e deveria formar no indivíduo o sentimento democrático, de modo a assegurar a democracia na sociedade. Ou seja, tratava-se de mais uma forma de apropriação da educação norte-americana, num momento em que, conforme Costa (2016), esses grêmios estudantis se afirmavam na educação brasileira com a organização da escola secundária no país, os ideais escolanovistas e a política nacionalista de Vargas.
O corpo discente foi marcado pelo predomínio de alunos não evangélicos, entre estes, muitos católicos e espíritas. Segundo o Boletim estatístico do Instituto Samuel Graham (1961), de um total de 448 alunos matriculados, 266 alunos, ou seja, 59% destes não professavam a fé protestante, enquanto 182 ou 41% destes se declararam evangélicos (Muniz, 2020). Eram, sobretudo, alunos do sexo masculino, brancos e pertencentes às famílias mais abastadas, que podiam custear as mensalidades do curso e do internato, o que evidencia o caráter privado e mais elitista da instituição, embora ela trabalhasse também com bolsas de estudos, à semelhança do verificado nas instituições protestantes instaladas no país nesse período.
A abertura religiosa dessas instituições no atendimento aos alunos não se verificou de modo igual em relação ao corpo docente, que se constituiu nosdois institutos por uma maioria de professores evangélicos. No instituto presbiteriano, de um total de 29 professores que serviam a instituição em 1961, 27 se declaravam evangélicos e dois não evangélicos, ou seja, 93% dos professores confessavam a mesma fé da instituição (Missão Brasil Central, 1961). Portanto, um dado que concorre também para o caráter confessional da instituição e sugere ainda uma reserva de mercado para os docentes que professassem os mesmos princípios religiosos.
A despeito do discurso de modernidade e das reservas em relação ao proselitismo religioso, a finalidade religiosa constituiu a finalidade primeira dessas instituições, permeando o currículo e a vida escolar sob a ideia de uma educação integral e de formação moral do educando, à semelhança da concepção católica, mas sob um proselitismo mais velado que, segundo Ramalho (1976), atendia aos princípios liberais e democráticos da educação protestante.
Nessa direção, o Instituto Samuel Graham dispôs em seu Regimento Interno que “[...] a vida escolar é baseada nos princípios que regem a família cristã [...]”, e que “[...] serão ministradas aulas de História Sagrada para as quais a Bíblia é o livro texto, pois o Instituto considera que o conhecimento da fé cristã é indispensável a todo o homem culto” (Instituto Samuel Graham, 1963). Ainda, segundo esse instituto, “[...] os seus ensinamentos são baseados nos princípios vitais do Evangelho de Jesus Cristo, o único e perfeito modelo para um nobre caráter [...]” (Instituto Samuel Graham, 1962a).
O Granbery dispôs em seu Estatuto (Instituto Granbery, n.d.) sobre a ministração de disciplinas semelhantes, mas, curiosamente, não verificamos nenhuma prescrição das mesmas nos currículos analisados, o que aponta para maior zelo em salvaguardar seu caráter liberal, não-proselitista e mesmo de priorizar o currículo base prescrito na legislação. Contudo, o ensino religioso permeou o cotidiano escolar da instituição, inclusive, por meio de assembleias diárias de presença obrigatória, onde se faziam preleções aos alunos “[...] sobre os seus deveres escolares, cívicos e religiosos [...]”, eram realizadas leituras bíblicas, orações e entoadas músicas religiosas.
Em meio à essa finalidade religiosa primeira, observou-se nos dois institutos uma finalidade socioeconômica e política, via um discurso de modernização, que apresentou essas escolas como portadoras de um ensino inovador, promotoras do progresso, que conforme visto, se materializou logo na construção dos prédios, na arquitetura dessas instituições e nos recursos físicos oferecidos.
Conforme anunciado ao público, o Granbery se colocava aberto “[...] a todos aqueles que desejam, sinceramente, o progresso de Pires do Rio e de Goiaz e a elevação inadiável do nível intelectual da nossa juventude” (Instituto Granbery, 1947) e defendia tornar Pires do Rio “[...] numa das cidades mais ativas e mais adiantadas do Estado” (Instituto Granbery, 1943c).De modo semelhante, o Samuel Graham dizia apresentar “[...] bons frutos e resultados benfazejos não só para os nossos alunos como também para o crescente progresso de nossa região” (Instituto Samuel Graham, 1962b) e que possuía um “[...] ensino aprimorado; ambiente salutar; localização ampla e saudável; professores dedicados; excelente laboratório para demonstrações de Ciências, Química e Física” (Instituto Samuel Graham, n.d.).
Desta feita, esses institutos, assim como as escolas protestantes de forma geral, se colocaram como instituição superior, capaz de promover o ‘progresso’ social, fato que, possivelmente, alimentou, a princípio, o apoio e a procura pelos mesmos e caminhava também no sentido de assegurar espaço no mercado e na sociedade, marcado pela cultura e educação católica.
Como corrobora Ramalho (1976, p. 75), era de interesse dos grupos protestantes “[...] o estabelecimento de instituições de ensino eficientes, bem organizadas, com modernas instalações, e que fossem altamente consideradas pelas pessoas importantes da comunidade [...] e correspondia de certa forma à concepção que tinha de estruturação da sociedade [...]”, a norte-americana, considerada superior e, por conseguinte de promoção religiosa.
Como um elemento de concorrência ao trabalho educacional metodista e de evangelização, foi criada em 1946, a Escola Paroquial Sagrado Coração de Jesus, em Pires do Rio, que foi conduzida pelas irmãs franciscanas de Allegany. Em 1948 foi fundado o ginásio na instituição, dividindo espaço com o Granbery, que até então, ofertava sozinho esse nível de ensino. Tais fatores associados ao conflito religioso, à estagnação econômica enfrentada por Pires do Rio e, sobretudo, à estagnação do trabalho metodista no município e região levaram ao fechamento do Instituto Granbery em 1963.
O Instituto Samuel Graham, por sua vez, segue em atividade até os dias atuais, inclusive em convênio com a secretaria estadual de educação, a despeito da concorrência educacional católica enfrentada desde o início, o que, consideramos ser resultado de seu maior investimento material e, sobretudo, de seu aporte religioso, marcado por um maior trabalho assistencialista e de evangelização financiado pela Missão Central do Brasil que não se verificou no caso metodista.
Considerações finais
A criação dos institutos Samuel Graham e Granbery se inscreve no processo de desenvolvimento do protestantismo em Goiás e acompanhou o trabalho missionário norte-americano, que manifestava preocupação com a educação, utilizando-a como uma estratégia missionária e instrumento para promover o progresso social perseguido pela nova fé.Esses institutos foram criados ainda no início dos anos 1940, momento em que Jataí e Pires do Rio experimentavam um processo de desenvolvimento, de modo que essas instituições se apropriaram desse contexto e passaram a fazer parte dele, colocando-se, também, como elementos de modernização nesses espaços.
Nessa direção, ambas as instituições se preocuparam com o espaço escolar, com a localização e o tamanho do terreno; as propriedades instalaram-se na parte central das cidades e dispunham de grande espaço e infraestrutura, o que concorria com a preocupação protestante de se destacar na cidade e fazer parte de sua paisagem urbana, marcar espaço, bem como desenvolver um amplo trabalho educacional, que tinha na materialidade escolar, na arquitetura dos prédios e nas suas salas temáticas, um elemento de modernização que representava uma marca dessas instituições, um diferencial que poderia lhes garantir espaço no mercado.
Em Jataí, o trabalho presbiteriano se realizou diretamente vinculado ao trabalho missionário, inclusive às missões norte-americanas e resultou ao mesmo tempo na criação da escola e na criação do templo e organização da igreja, sendo que esta última veio a administrar e apoiar a primeira, como era comum no trabalho protestante. Já em Pires do Rio, observamos uma atuação mais externa ao campo religioso, forjada pelo campo político local, que manifestou primeiro o interesse na instalação da escola protestante na cidade. Diferente do caso presbiteriano e protestante em geral, não havia em Pires do Rio e região um trabalho missionário metodista organizado; foi a vinda da escola confessional, financiada pelo poder público que resultou na instalação da igreja local.
Consideramos que tal singularidade contribuiu para o fechamento da escola metodista, em função da fragilidade de seu campo religioso, da ausência de um plano de trabalho estruturado, visto que o amparo político foi pontual, no momento de criação do instituto, deixando de oferecer uma sustentação nos anos seguintes e de investir mais na materialidade da instituição, como fizera a missão presbiteriana, que expandiu também o trabalho religioso no município e região.
Ressaltamos que aconstituição dos dois institutos foi forjada em meio a relações de poder e interesse que extrapolaram o campo religioso e se inscreveram também no campo social e político. Justificadaspelo discurso de modernização do ensino (concretizado em sua materialidade) e progresso social, essas alianças realizadas assinalam o poder da religião e sua influência no campo educacional, bem como o interesse político pelo mesmo, sobretudo, nesse caso, o investimento público no campo educacional privado e confessional.
Em sua identidade religiosa, essas instituições estavam direta ou indiretamente ligadas à finalidade religiosa de promover a fé e os valores protestantes. Portanto, são “[...] expressões de visões de mundo. [...] A instituição escolar está comprometida, dialeticamente, com a cultura a produzir-se e a reproduzir-se entre os educandos” (Araújo, 2007, p. 96). Logo, é importante também pensar a identidade e a finalidade religiosa dessas instituições e confrontá-las com a ideia de modernidade, de ‘progresso’ que propagavam.
Sob o manto estadunidense e de modernização educacional e na esteira de muitas escolas protestantes criadas no país, as instituições analisadas apresentaram caráter pragmático e liberal, observados na valorização do trabalho, na prática da oratória, no incentivo à formação de associações escolares, na ênfase no esporte, nas gincanas, no investimento na formação docente e na relação destes com os alunos, nos rituais religiosos e cívicos, nas excursões escolares, nos métodos de ensino, e nas competências prescritas com vistas à valorização do indivíduo, à sua autonomia, à formação de cidadãos capazes de bem servir a sociedade, apresentando, conforme Warde (2000), uma abertura para o ‘novo’, apropriando e fazendo circular padrões norte-americanos. Tais elementos, acrescido do discurso assertivo de modernidade e de ênfase na materialidade escolar por parte dos dois institutos, foi o diferencial dos mesmos.
A materialidade presente na arquitetura dos prédios e nos laboratórios e/ou salas temáticas foi expressão dessa modernidade e, possivelmente, seu maior elemento promocional, embora, entendamos que essa materialidade e mesmo as práticas formalizadas, não configuram essas instituições como modernas, mas sim como um verniz de modernidade.
O elemento religioso foi o que deu significado maior a essas instituições, às prescrições e práticas vistas, às ideias recorrentes de trabalho, eficiência e sucesso, mas sem se constituir num elemento rígido, de obrigatoriedade e exclusão como visualizado nas escolas católicas e foi, sim, um elemento preponderante na estabilidade alcançada pela instituição presbiteriana.
A despeito da tradição em que estavam assentados, de sua finalidade religiosa e de se inserirem num estado e contexto marcado pela influência cultural católica e pelo seu legado educacional, com um quantitativo em muito superior de instituições escolares, a experiência desses dois institutos se revelou importante para a educação em Goiás, ocupando parte do vazio educacional verificado no estado neste período, principalmente, por meio da oferta do curso secundário e de cursos técnicos, ao passo que circularam padrões culturais norte-americanos, apresentaram elementos de caráter inovador e propostas alinhadas com o movimento de renovação educacional em voga, que, possivelmente, ajudaram a pensar o ensino no estado, aspectos até então caros, como a coeducação dos sexos e a funcionalidade das instituições escolares, a ideia de um ensino integral.
Entendemos, portanto, que é preciso avançar nesses estudos, por vezes, pospostos em função de um privilégio cultural católico e regional e, assim, ampliarmos o nosso olhar para os feitos desses religiosos, que vêm em um movimento mais fundamentalista, expandindo sua influência na sociedade, especialmente, no campo político e educacional, sem, contudo, precisarem investir na criação de escolas.