1. INTRODUÇÃO
Nas duas últimas décadas, os chamados Estados-Nações têm sido, sob diversos aspectos, questionados em função das políticas globais e das realidades internacionais emergentes. Para compreender a crise desses estados, é preciso desvendar as relações, os processos e as estruturas que transcendem o Estado-Nação, desde os subalternos aos dominantes. A soberania do Estado-Nação, além de limitada, está, também, abalada em sua base, uma vez que o princípio da maximização da acumulação do capital enquanto modo de produção e processo civilizatório cria e recria o Estado-Nação, onde é o princípio da soberania que define sua essência no âmbito das configurações e movimentos da sociedade global.
Nesse contexto, a crise da democratização do Estado tornou-se tema central na teoria política contemporânea. O enfrentamento das contradições estruturais expressam-se na corrupção, no enfraquecimento da densidade eleitoral e no crescimento da violência e da pobreza. As contradições estruturais existentes nas formas de democracia contemporâneas fizeram surgir diferentes concepções de reformas do Estado. A literatura especializada sobre a crise do Estado-Nação apresenta, em seus debates, pontos de discordância quanto às características e nuances diferenciadas em várias regiões do planeta; entretanto, apresenta um ponto de interseção importante. A democratização do Estado-Nação demanda o aprofundamento da compreensão de modelos de gestão. Entre muitos apresentados e amplamente utilizado em diversos setores do mercado está o modelo denominado accountability entendido como a necessidade do Estado de prestar contas de suas ações à sociedade, criando mecanismos democráticos de participação (BROOKE, 2006).
A utilização do modelo de accountability como resultado dos modelos democráticos chega também ao campo educacional, porquanto a disputa entre os países por lugares competitivos no mercado global levou os governos a se preocuparem com os resultados dos seus sistemas escolares. A necessidade de mais informações sobre esses resultados tem sido respondida pela implementação de políticas de accountability, ou seja, de responsabilização "mediante as quais se tornam públicas as informações sobre o trabalho das escolas e consideram-se os gestores e outros membros da equipe escolar como corresponsáveis pelo nível de desempenho alcançado pela instituição" (BROOKE, 2006).
As políticas de avaliações que têm marcado o campo da educação, em especial nas instituições educativas públicas, são construídas a partir do discurso de que compete ao Estado oferecer uma educação de boa qualidade acompanhada do controle social e da responsabilização. A institucionalização da avaliação como política de Estado resultou de um extenso processo de estudos e de experiências desenvolvidas tanto no Brasil quanto em outros países. Os primeiros estudos internacionais que visavam a estabelecer comparações entre os resultados obtidos por estudantes de diversos países submetidos a um mesmo teste foram desenvolvidos através do Programme for International Student Assessment (PISA)1 e coordenados pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE)2 (HORTA NETO, 2007).
Assim, o artigo tem como objetivo analisar a experiência do modelo de accountability em Pernambuco para oferecer subsídios aos debates sobre modelos de gestão adequados à realidade da qualidade da escola brasileira. Registra, através de análise realizada em documentos oficiais a política educacional do estado. Sintetiza as estratégias de accountability implantadas na rede de ensino estadual de Pernambuco, e discute se esse modelo favorece mecanismos de gestão democrática que ampliem os espaços de participação e a institucionalização de experiências participativas e de empoderamento de todos os envolvidos no processo educativo.
2. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
O objetivo da pesquisa foi analisar se as estratégias de accountability implantadas no sistema de gestão da rede de ensino básico da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco-Brasil a partir do ano de 2007, e verificar se essas favoreceram mecanismos de gestão democrática, espaços de participação, experiências participativas e de empoderamento. O campo empírico foi constituído por Decretos, Leis, Boletins Técnicos, Cartilhas, Relatórios, Notas Técnicas e Programas publicados e acessíveis via internet, que sintetizam a Implantação da Política Estadual para a Educação Básica. A análise documental foi realizada tomando-se como matriz conceitual os mecanismos apontados pela literatura especializada sobre o modelo de accountability para verificar se os mesmos influenciaram o sistema de gestão de ensino das escolas da Educação Básica do estado de Pernambuco. O sistema é gerido pela Secretaria de Educação e Esporte desse Estado, que se subdivide em 16 Gerências Regionais de Educação - GREs – que aglutinam um grupo de escolas de determinada região geográfica do Estado.
3. O BRASIL E A IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA
A discussão em torno da implantação de um sistema de avaliação em larga escala no contexto brasileiro ocorreu, inicialmente, na reforma empreendida na década de 30, sem mudanças significativas até a década de 80. O discurso de que o Brasil necessitava de uma política de garantia de acesso e permanência e uma escola de boa qualidade foi anunciado na Constituinte de 1988, cujos artigos 206 e 209 associam a “garantia de um padrão de qualidade" da educação a um Sistema de Avaliação e que a avaliação da qualidade pelo poder público aparece como condição da concessão do ensino livre à iniciativa privada.
A partir de 1990, o Sistema Brasileiro de Avaliação da Educação Básica (SAEB) propõe um conjunto de avaliações em larga escala, desenvolvido visando a criar mecanismos para formular, reformular e monitorar as políticas públicas no sentido de contribuir para a melhora da qualidade do ensino brasileiro. Até o ano de 1993, o SAEB apresentou sob a forma de amostragem composta pelas escolas que ofertavam a 1ª, a 3ª, a 5ª e a 7ª séries do Ensino Fundamental das escolas públicas da rede urbana as avaliações em larga escala mais importantes. Os estudantes também foram avaliados em Língua Portuguesa, Matemática e Ciências, e a 5ª e a 7ª séries foram avaliadas em redação. A partir do ano de 1995, a metodologia de construção do teste e da análise de resultados mudou e passou a ter como aporte teórico a Teoria de Resposta ao Item (TRI)3, metodologia por meio da qual se podem comparar os resultados das avaliações ao longo do tempo (BRASIL, 2015b).
No ano de 2005, o SAEB passou por uma reestruturação, através da Portaria Ministerial nº 931, de 21 de março de 2005, quando passou a compor-se por duas avaliações: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), conhecida como Prova Brasil. Em 2013, é criada a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) através da Portaria nº 482, de 7 de junho de 2013. A ANEB e a ANRESC - Prova Brasil - são realizadas bianualmente, enquanto a ANA, anualmente. A ANA é uma avaliação "censitária, que envolve os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas, com o objetivo principal de avaliar os níveis de alfabetização e de letramento em Língua Portuguesa, alfabetização matemática e as condições de oferta do Ciclo de Alfabetização das redes públicas”. Já em 2007, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), passa, também, a compor esse sistema de avaliação, com o objetivo de monitorar o andamento das políticas públicas pela análise combinada do desempenho dos alunos nos exames Prova Brasil e SAEB e das taxas de aprovação de cada escola (BRASIL, 2015a).
4. A REFORMA EDUCACIONAL NO ESTADO DE PERNAMBUCO
A globalização, como fenômeno multidimensional, obedece a decisões de natureza econômica e política, através das quais influencia direta ou indiretamente diversas nações. Sabe-se que a economia não se move mecanicamente, porque depende da complexa relação das forças políticas que se estruturam em âmbito internacional. Desse modo, alguns padrões e valores socioculturais característicos da ocidentalidade, principalmente a forma europeia e a norte-americana, passaram a influenciar as formas de sociedade em escala global. Isso expressa o vaivém do processo histórico-social da ocidentalização ou modernização do mundo. Ela está na base de muitos estudos, debates, prognósticos, práticas e ideais relativos à mundialização. As políticas de ‘modernização’ e ‘racionalização’, assim como as de ‘desregulação’, ‘desestatização’ e ‘liberalização, preconizadas pelo Fundo Monetário Internacional- FMI e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD, juntamente com as corporações transnacionais, em geral orientadas pelo neoliberalismo, podem criar condições de se realizar o excedente econômico. A expressão ‘planejamento’ nem sempre está explícita, mas as políticas e as diretrizes, ou os diagnósticos e os prognósticos das organizações multilaterais e das corporações, destinam-se a orientar e a disciplinar o uso de recursos, a modernização de instituições e a racionalização de mentalidades e de práticas, a fim de aperfeiçoar e dinamizar a produtividade e a lucratividade (IANNI, 2001).
No Brasil, essas reformas aconteceram por volta da década de 90, com a finalidade de transformar a administração burocrática em gerencial. Segundo Bresser Pereira (2006b, p. 21-22), essa reforma teria o objetivo de possibilitar "uma administração pública moderna e eficiente, compatível com o capitalismo competitivo [e seria, portanto], necessário flexibilizar o estatuto da estabilidade dos servidores públicos de modo a aproximar os mercados de trabalho público e privado". Podemos dizer, grosso modo, que a globalização é “um processo civilizatório que invade todo o globo, envolve o intercâmbio universal e cria as bases de um novo mundo, influenciando, destruindo ou recriando outras formas sociais de trabalho e vida, outras formas culturais e civilizatórias” (IANNI, 2001, p. 201).o contexto das preconizadas reformas, no ano de 2006, o Ministério da Educação (MEC), através do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), apresentou ao governo de Pernambuco o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), segundo o qual o Estado estava com o pior índice, na 5ª e na 8ª séries, em relação aos demais estados brasileiros. Apresentava um alto percentual de defasagem idade-série, elevados índices de evasão e de repetência e altas taxas de analfabetismo. Na tentativa de corrigir esses índices, em 2007, é implantado um modelo de gestão de educação baseada em resultados e se desenvolvem diretrizes, estratégias e planos operativos nas áreas de Saúde, Segurança Pública e Educação. Na área da Educação, foi implantado o Programa de Modernização da Gestão: metas para a Educação - PMGE-ME, apoiado pelo Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), órgão que presta consultoria à Gestão Empresarial no Brasil, que foi premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) Esse modelo de gestão tem como foco a política de responsabilização educacional, que estabelece responsabilidades no âmbito das escolas, das Gerências Regionais e da Secretaria de Educação. As estratégias de responsabilização se efetivam ao serem estabelecidas as metas anuais por escola, a partir do Índice de Desenvolvimento de Pernambuco (IDEP) e a implantação do bônus por desempenho educacional (BDE) (PERNAMBUCO, 2012a). O novo modelo gerencial em implantação requer mais responsabilidade dos serviços por parte dos gestores e, consequentemente, o uso de estratégias que envolvam mais participação dos cidadãos na cobrança por boa qualidade nos serviços públicos. Isso nos remete ao conceito de accountability que vem sendo amplamente utilizado na Inglaterra e nos Estados Unidos como forma de os cidadãos controlarem os serviços públicos (CASTRO, 2008).
Os documentos base sobre a reforma mostram claramente que a categoria 'reforma' se apresenta associada a 'melhoria'. Aparece relacionada à melhoria do processo ensino-aprendizagem, a partir dos indicadores educacionais, acompanhado de um discurso de promoção da qualidade social da educação e quando vem associada a 'mudança', apresenta-se nos documentos vinculadas ao modelo de gestão implantado pelo Estado (PERNAMBUCO, 2002, 2007, 2008, 2011?, 2012d, 2013, 2014, 2015a?, 2015b?, 2015c?)
Foi possível perceber, que a reforma empreendida no campo educacional no estado de Pernambuco vem fortalecer o discurso empreendido na década de 90 e defendido, principalmente, por Bresser Pereira (2002, 2005, 2006a, 2006b, 2006c, 2013a, 2013b) de que o Estado deveria adequar-se ao contexto globalizado, do qual deveria adotar um modelo de gestão gerencial baseado na descentralização, no controle de resultados, na competição e no controle social. Isso é evidenciado nos documentos (PERNAMBUCO, 2008a, 2012d, 2013, 2014) onde fica explícito que o Estado entende a melhoria do processo de ensino-aprendizagem como o alcance de indicadores de resultados pré-estabelecidos, o planejamento voltado para a avaliação, o resultado, o monitoramento e o controle são característicos da abordagem administrativa gerencial, o que indica uma adequação do sistema educacional para o atendimento às demandas criadas pelo acirramento do capital.
Assim, ficam claros os sinais de que ocorreu e/ou está a ocorrer, a partir da implantação da "reforma" da gestão educacional em Pernambuco, uma modificação na orientação das tarefas do Estado e no reconhecimento de que a burocracia estatal está a caminhar para o modelo gerencial de gestão orientado para o atendimento dos cidadãos-clientes. Diante disso, coube-nos examinar a categoria 'Estado', visto que a reforma se deu na estrutura estatal visando a melhorar o serviço público, no caso aqui estudado. De acordo com Afonso (2009c)"o Estado não pode deixar de ser integrado como um elemento chave na análise das políticas educativas, [pois][...]o Estado e o modo como esse funciona não é condição indispensável para problematizar a função da escola e da educação" (p. 95-98), No exame dos documentos, a categoria 'Estado' aparece nos achados como forma organizacional, como entidade que tem poder soberano para governar um povo em uma área territorial delimitada. Neles, seu papel é apresentado como garantidor do bem-estar social. No entanto, todo o planejamento educacional pauta-se na eficiência e eficácia, com vistas às necessidades do mundo globalizado que são características do Estado Neoliberal.
Em 2007, o estado de Pernambuco vivia uma crise de racionalidade administrativa, evidenciada pelo fato de seu sistema de ensino encontrar-se com os piores resultados do IDEB no Brasil. Isso provocou um questionamento sobre a qualidade da escola pública pernambucana o que obrigou a redefinição dos propósitos da educação no Estado. É colocada em pauta uma 'modernização' do modelo de gestão educacional, apoiado, fundamentalmente, em estratégias administrativas, a fim de se expandir e reorganizar o sistema educativo, com a preocupação de elaborar uma política educacional voltada para o atendimento dos interesses econômicos, quando foi implantado um sistema de gerenciamento da educação que tem como base a avaliação, o monitoramento e a pactuação de metas.
A descrença no sistema educativo vivenciada naquele momento reflete a crise de legitimidade, que teve como foco o discurso de uma educação de boa qualidade social pontuada como acesso, permanência e formação plena do aluno e pautada nos princípios de inclusão e cidadania. Esse discurso veio na tentativa de restabelecer a legitimidade do Estado para atender aos propósitos pretendidos pela sociedade e as instituições educacionais. Desse modo, evidencia-se a crise de motivação anunciada por Habermas (1980), a qual tende a estimular mudanças nas políticas educativas e, sobretudo, as voltadas a introduzir formas de avaliar a partir de matrizes curriculares previamente estabelecidas nos sistemas de ensino. Essas avaliações são consideradas como forma de promover a motivação dos alunos e o desenvolvimento do Estado. Isso, mais uma vez, caracteriza a estreita ligação entre as reformas educacionais e os interesses econômicos internacionais, além de ser um equívoco o entendimento de que a motivação independe das discussões (legitimidade) sobre como os conteúdos estudados podem promover a aprendizagem significativa para o aluno.
É nesse contexto que surge o Estado-avaliador que, segundo Afonso (2001, 2009c, 2012), expressa o ethos competitivo que admite a lógica de mercado, através da importação do modelo de gestão do setor privado que dá ênfase a resultados. Assim, a avaliação aparece como pré-requisito para a implantação desses mecanismos de gestão. Isso se justifica porque, conforme estamos vivenciando no acompanhamento dos níveis da educação nacional, é necessário criar e manter altos padrões de inovação científica e tecnológica para enfrentar a competitividade internacional e estabelecer objetivos claros e bem definidos por meio dos quais se possam medir os indicadores e as performances dos sistemas educacionais. Como se verifica nessas argumentações, as crises educacionais e, consequentemente, as reformas educacionais para sanar essa crise, mantêm ligação direta com as condições e as consequências do funcionamento do sistema econômico.
5. O MODELO DE ACCOUNTABILITY NO SISTEMA EDUCACIONAL DE PERNAMBUCO
A análise documental permitiu perceber que os objetivos educacionais propostos para o estado de Pernambuco, foram traçados para desenvolver atividades, com o fim de formar cidadãos capazes de responder às necessidades do sistema econômico, distanciando-se de sua função primordial que é a de formar sujeitos autodeterminados. A escola se constitui em um espaço de construção dos saberes capazes de contribuir para a democratização da sociedade. A realidade vivida por seus integrantes deve ser exposta à crítica, para que, através de argumentações fundamentadas, deem significado ao papel da educação na formação de sujeitos críticos e argumentativamente competentes. Ações elaboradas a partir do entendimento e do consenso podem transformar a escola em um espaço competente na formação de sujeitos autônomos e socialmente responsáveis. Para isso, é imprescindível que sejam construídas práticas de gestão articuladas pelo entendimento e pelo consenso, a fim de promover um ambiente favorável à participação e à democratização. Com base nesse pensamento, foi oportuno analisar a categoria 'gestão', no sentido de se compreender o modelo implantado. Na exploração dos documentos base, constatamos que o sistema educacional de Pernambuco adota o modelo de gestão por resultados, tendo como base o "planejamento estratégico, a responsabilização e o monitoramento - controle" (PERNAMBUCO, 2002, 2007, 2008a, 2012d, 2013, 2014) Não há evidências claras de que esse modelo tenha sido debatido nem com a população nem com atores escolares. O Estado ainda entende que a cultura democrática e de participação pode ser consolidada a partir de diagnóstico, planejamento e gestão. Nesse sentido, Habermas (1997b) assevera que somente através da institucionalização de esferas públicas competentes e capazes de provocar deliberações e tomadas de decisões pautadas pelo agir comunicativo é que se constituem processos democráticos e, portanto, uma gestão democrática da educação.
A partir desse entendimento, podemos inferir que, no contexto educacional pernambucano, utilizam-se questionários, para traçar o perfil de estudantes e de servidores bem como avaliações, para 'medir' a aprendizagem dos alunos. Para conceber a gestão como um agir comunicativo, é necessário que a coordenação da ação comunicativa dentro da instituição ocorra de modo a possibilitar que os envolvidos se coloquem através do diálogo e do entendimento. Foi constatado nos documentos que todos os gestores escolares de Pernambuco assinam, no início do ano escolar, um termo de compromisso em que se comprometem a alcançar metas preestabelecidas para suas escolas (PERNAMBUCO, 2012d,2013, 2014). Desse modo, anulam-se as características próprias da esfera pública, onde a comunicação de temas, as tomadas de decisão, as opiniões, a sistematização e a condensação dos fluxos comunicacionais se convertem em opiniões públicas organizadas em temas específicos. Nesse sentido, “vislumbramos um modelo de gestão educacional que considera as potencialidades inerentes ao ser humano, voltadas para a comunicação e para a integração, criando oportunidades para que todos tenham direito de exercitar a fala, a crítica, a argumentação e de decidir sobre o projeto educativo institucional” (BRENNAND; BIZERRA, 2012, p, p. 22).
Nos documentos assinalados no item 2, buscamos identificar o modelo de democracia orientado para a gestão. Observamos que o modelo de democracia que prevalece nos achados é o liberal, porém de modo implícito, porque vimos, até aqui, que todos os processos de reforma educacional que houve em diversos países, inclusive no Brasil, foram influenciados pelos organismos internacionais característicos do contexto globalizado. E essas reformas surgiram para atender às necessidades do Estado Liberal. De acordo com a concepção liberal, o processo democrático tem a responsabilidade de projetar o Estado para atender aos interesses da sociedade. "De um lado, está o Estado como aparato da administração pública e, de outro lado, a sociedade organizada segundo as determinações do mercado" (BIZERRA, 2008, p. 120-121). De acordo com Habermas, o centro do modelo liberal não é a autodeterminação democrática de cidadãos deliberantes, mas sim, a normatização jurídico-estatal de uma sociedade econômica cuja tarefa é garantir um bem comum entendido de forma apolítica, pela satisfação das expectativas de felicidade de cidadãos produtivamente ativos. (HABERMAS, 2006b).
6. O MODELO DE ACCOUNTABILITY IMPLANTADO
De todos os grupos de documentos analisados, a categoria 'accountability' apresenta apenas uma ocorrência. Aparece com tradução literal como 'responsabilização'. Entretanto os mecanismos de controle apontados mostram claramente os mesmos do modelo e as diretrizes fazem referências às medidas tomadas pelo governo federal e pelos modelos já implantados em outros países e em estados brasileiros. Reforçam as palavras de Afonso (2009c, p. 64) de que a utilização de testes estandardizados, a crescente dependência das agências governamentais em relação à recolha e à análise de dados sobre o desempenho da escolas, a intensificação dos esforços para ligar a educação escolar às necessidades da indústria e a alteração nas expectativas em relação a avaliação educacional, são os resultados previsíveis desse movimento de globalização. Consta dos documentos que a escola deve voltar-se para atingir os objetivos do sistema de ensino. Parece ser levada a agir em mão dupla, pois, ao mesmo tempo em que elabora e põe em prática uma proposta pedagógica orientada para o desenvolvimento de cidadãos autodeterminados, atende aos interesses do Estado liberal em atingir resultados preestabelecidos. Essas constatações reforçam o pensamento de Afonso (2009c), quando afirma que modelos de responsabilização transformam-se em modelos tecnocráticos mais preocupados com os meios do que com os fins da educação. Partindo do entendimento de Afonso (2001, 2009a, 2009b, , 2009a, 2009b, 2009b, 2010a, 2010b, 2010c, 2012) entendemos que o modelo de accountability, está associado às três dimensões - avaliação, responsabilização e prestação de contas.
A avaliação pode ser utilizada para diversos objetivos e funções. Nesse sentido, é condição sine qua non para o desenvolvimento de processos de prestação de contas e responsabilização (accountability). No entanto, deve-se verificar a que interesses serve e como é representada, pois é influenciada por forças políticas e tem efeitos políticos (AFONSO, 2009a, 2009c). A partir dos achados e tendo como referência o pensamento de Afonso (2009c) e Horta Neto (2010), podemos afirmar que o estado de Pernambuco tem um sistema próprio de avaliação - o SAEPE - e que o tipo de avaliação implantado é criterial ou somativo, com base em testes estardinandizados, porque a avaliação é vista como um indicador que pode ser aferido através de resultados quantificáveis, com matrizes curriculares pré-estabelecidas. Entendemos, também, que essas avaliações servem ao objetivo de coleta de informação sobre o sistema educativo do estado. Assim, através da avaliação criterial, podem estar sendo introduzidos efeitos de mercado no sistema educativo, utilizados como mecanismo de controle do Estado “[...] [e], por conseguinte [...] a centralização curricular” (AFONSO, 2009c, p. 36). Na tentativa de evitar essa situação, o estado de Pernambuco parece desenvolver ações voltadas àquelas escolas que por não atingirem as metas previstas "receberão reforço técnico, pedagógico e estrutural" (PERNAMBUCO, 2012d), com o objetivo de se reenquadrarem nos critérios pré-estabelecidos. Além das avaliações, aplica questionários aos alunos, aos professores e aos gestores a fim de traçar seu perfil socioeconômico. Horta Neto (2010) adverte que os fatores levantados nesses testes não influenciam os resultados dos estudantes, mas podem servir como fonte de informação para que o governo desenvolva ações voltadas à intervenção nas áreas prioritárias, visando a promover melhorias no ensino.
O modelo de accountability (responsabilização) implantado no sistema de gestão da rede obedece a parâmetros idealizados em outros países, como Portugal e EUA. Esse modelo é baseado em objetivos educacionais com metas pré-estabelecidas, sistema próprio de avaliação, política de incentivos e sistema de monitoramento. Outra inferência possibilitada pelos achados é que a responsabilização é feita depois de assinado o termo de compromisso, que coloca professores, gestores, alunos e suas famílias como responsáveis pelos resultados educacionais. Porém, esse termo é firmado e assinado apenas entre a Secretaria de Educação e os(as) diretores(as) escolares (Afonso, 2001, 2009a, 2009b, 2009c, 2010a, 2010b, 2010c, 2012). O diretor e/ou a escola são apontados como os principais responsáveis pelos resultados, enquanto o Estado apresenta-se como corresponsável. Isso mostra uma inversão de papéis, pois o Estado, como provedor ou garantidor do bem-estar social, é que deveria ser o principal responsável, e não, as escolas. É notório que o modelo de responsabilização (accountability) implantado ocorreu de forma impositiva através de leis e decretos.
Com base nos achados depreendemos que o modelo apresenta o pilar da prestação de contas tendo como base a transparência e a informação, porquanto são divulgados periodicamente boletins com informações sobre o sistema. Isso atesta o pensamento de Afonso (1999, 2001, 2009a, 2009b, 2009c, 2010a, 2010b, 2010c, 2012) e Shedler; Diamond; Platiner (1999), quando afirmam que a accountability é formada por três pilares: a responsabilização, a prestação de contas – em que a produção de informações, argumentações e justificações tem papel estruturante - e a avaliação, feita durante o processo de autoavaliação (ou avaliação ex-ante) e durante o processo de avaliação externa (ou avaliação ex-post).
Sobre essa questão, cabem algumas observações, já que o estado de Pernambuco afirma estar promovendo transparência e prestação de contas, ao informar à comunidade escolar e à sociedade em geral os resultados escolares. No entanto, essa atitude é questionável, pois não se promovem ações democráticas de gestão apenas com a publicização de resultados. É necessária a participação dessa comunidade nos momentos de deliberações e tomadas de decisões a respeito de seus anseios e suas necessidades e na elaboração dos objetivos educacionais, do currículo, da proposta pedagógica, enfim, do modelo de escola e, consequentemente, de educação que essa comunidade almeja. O Estado, através da Secretaria de Educação, coloca-se na posição de monitorar, o que, mais uma vez, fortalece o paradigma burocrático administrativo de Estado-regulador. Verificamos que, no sistema, são imputadas sansões ou recompensas para as escolas - e, consequentemente, para seus servidores - a partir dos resultados nas avaliações externas. Os servidores das escolas que alcançarem a partir de 50% das metas previstas são compensados com bônus salarial. Além dessa premiação, são elaborados rankings escolares, em que são expostos os resultados das escolas a partir dos testes realizados. Afonso (2010b) chama atenção para a divulgação e os efeitos dos rankings escolares, pois, se eles podem ser interpretados no âmbito das escolas para fins pedagógicos, no sentido de melhorar o ensino, também entanto pressionam e reconfiguram as funções dos professores, visto que seu desempenho está associado aos resultados e às performances dos alunos.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reforma empreendida no campo educacional desse estado tem como modelo as reformas empreendidas na década de 90 e defendidas, principalmente, por Bresser Pereira (2002, 2005, 2006a, 2006b, 2006c, 2007, 2013), de que o Estado deveria modificar, a burocracia estatal e adotar um modelo gerencial orientado para o atendimento dos cidadãos (clientes). A gestão da rede de ensino básico adota o modelo de gestão por resultados, tendo como base o planejamento estratégico, a responsabilização e o monitoramento (controle), evidenciando a quase ausência do entendimento de que a escola é uma esfera pública formal, capaz de produzir espaços de fala e construção de consensos pela via do entendimento.
O modelo de democracia que prevalece no sistema é o liberal, apesar de ser possível registrar uma preocupação com a implantação de processos democráticos, no entanto, eles ainda são insuficientes e estão restritos ao ambiente escolar. A rede de ensino tem um sistema próprio de avaliação - Sistema de Informações de Educação em Pernambuco (SAEPE) - e o tipo de avaliação implantado em seu sistema educacional é o criterial ou somativo, com base em testes estandardizados. A avaliação também é vista como um indicador que pode ser aferido mediante resultados quantificáveis, através de matrizes curriculares pré-estabelecidas, e serve ao objetivo de coletar informações sobre o sistema educativo do Estado. O modelo de responsabilização (accountability) implantado no sistema da rede apresenta o pilar da prestação de contas, cuja base são a transparência e a informação, pois periodicamente são divulgados boletins com informações sobre o sistema educacional e os rankings escolares em que são expostos os resultados das escolas a partir dos testes realizados. Nesse sistema, são imputadas sansões ou oferecidas recompensas às escolas – e, consequentemente, a seus servidores – de acordo com os resultados nas avaliações externas.
Por fim, alertamos, para a forma e o conteúdo das reformas empreendidas na gestão educacional no geral. Pois, de acordo Diane Ravitch (2011) as atuais reformas colocam a educação pública em perigo. A autora, ao rever suas posições quanto às reformas educacionais admite que as soluções de mercado não estão alcançando as melhorias esperadas no desempenho dos alunos. O foco das atuais reformas restringe-se à responsabilização baseada em testes, ignorando preocupações essenciais sobre qual educação se espera e como fazer para melhorar as escolas públicas que enfrentam dificuldades. Ao invés de lidar com esses problemas espinhosos, parece mais fácil entregar a administração das escolas à iniciativa privada, sob o argumento de que ela fará melhor do que a administração pública, engessada e ineficaz.
É importante assinalar que o estudo apresenta achados que precisam de aprofundamento que podem ser realizados em estudos futuros. Apresenta limitações em função da necessidade de abarcar outras análises de dimensões a serem exploradas, da grande quantidade de documentos disponíveis e do tempo necessário para analisá-los.