INTRODUÇÃO
Este artigo resulta de levantamento de dados no contexto da pesquisa interinstitucional, (GARCIA, ADRIÃO 2018) na qual se caracterizam e analisam dimensões da privatização em redes estaduais de ensino brasileiras e do Distrito Federal para a década compreendida entre os anos 2005 e 2015. A década selecionada abarca os dez primeiros anos de implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), considerando-se o prazo limite para a adaptação dos entes federados à nova legislação, Lei 101, de 4 de maio de 2000. (BRASIL, 2000)
A pesquisa mapeou a presença do setor privado nas redes estaduais e Distrito Federal em três dimensões: do currículo, da oferta e gestão educacional, e escolar. A primeira dimensão se refere às atividades fins escolares; a segunda aos subsídios públicos ao setor privado para oferta de vagas. Finalmente, gestão educacional e gestão escolar são abordadas tanto da perspectiva de implementação de programas e ações por agentes privados, com e sem fins lucrativos, quanto pela adoção por parte do gestor público de medidas gerenciais típicas do mercado (GARCIA, ADRIÃO, 2018)
O artigo debruça-se sobre esta última perspectiva: a administração gerencial, com foco na introdução de um instrumento específico de gestão: a contratualização de resultados.
A partir dos anos 1990, o Estado brasileiro passa por reformas, sobretudo após a eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1995, quando é produzido Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado - PDRAE (PERONI 2013; PERONI, OLIVEIRA; FERNANDES, 2009), que, segundo Bresser-Pereira, ministro a frente do Ministério de Reforma do Aparelho de Estado (MARE), fazia-se necessária devido a “uma crise fiscal do Estado (BRESSER- PEREIRA, 1998, p. 23). A orientação implicava a busca de superação da burocracia, tendo em vista a modernização da gestão pública, adotando-se os referenciais da Administração Gerencial, ou Nova Gestão Pública (BRESSER- PEREIRA, 1998, BRESSER-PEREIRA; SPINK, 1998). Altera-se a noção de propriedade, instituindo-se a ideia do público não estatal; instrumentos próprios à gestão privada também passaram a ser adotados como ferramentas para assegurar qualidade no setor público e atendimento eficiente ao cidadão consumidor (BRASIL, 1995).
A adoção da administração gerencial expressa como intencionalidade pelo PDRAE manteve-se como diretriz nas últimas duas décadas, aprofundando-se a política de aproximação com o setor privado e introdução de mecanismos legais para compartilhamento da gestão de políticas sociais com a sociedade civil. (ADRIÃO, PINHEIRO, 2012)
A despeito da propagada crise fiscal, entende-se que as reformas nos estados nacionais, a partir das últimas décadas do século XX, respondem à crise econômica vivida nos anos 1970 (PERONI, 2010, GARCIA; ADRIÃO; BORGHI, 2009, ADRIÃO, 2009, entre outros). Destaca-se o pioneirismo do Reino Unido sob o comando de Margareth Thatcher, que adotou o neoliberalismo e o livre mercado como solução para os problemas fiscais. O radicalismo conservador das reformas neoliberais, todavia, em função das evidências de incapacidade de se manterem as estratégias políticas, deu lugar a respostas que supostamente envolveriam a sociedade civil na solução dos problemas econômicos e sociais. Sem rupturas profundas com a orientação neoliberal, nos anos 1990, a chamada Terceira Via introduz o terceiro setor como protagonista nas políticas sociais, sem, no entanto, romper com o diagnóstico neoliberal. (ROBERTSON, VERGER, 2012). Concordando ainda com Vera Peroni:
Existe uma crise estrutural do capital e o neoliberalismo, a globalização, a reestruturação produtiva e a terceira via são estratégias do capital para a superação de sua crise de diminuição na taxa de lucro e são essas estratégias que redefinem o papel do Estado. Assim, a crise no Estado seria consequência e não causa. A globalização, principalmente a financeira, mas também a produtiva, com as mudanças nos mercados mundiais, redefine o papel do Estado. A reestruturação produtiva também, pois alterou em muito os postos de trabalho e as concepções de gestão. (PERONI, 2013, p.237)
No Brasil, as parcerias com o setor privado receberam suporte legal para se constituir a partir da aprovação da Lei Federal no 9.790, de 1999 (BRASIL, 1999a) e o Decreto 3.100, também de 1999 (BRASIL, 1999b), que regulamentaram as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). (ADRIÃO, et al, 2012)
A Lei de Responsabilidade Fiscal- Lei Complementar no 101, de 2000 (BRASIL, 2000) por sua vez, contribuiu para acelerar a busca de parceiros privados, pois ao limitar os gastos orçamentários com pessoal em 60% dos recursos previstos, induziu o gestor público a buscar no setor privado soluções para prestação de serviços. (ADRIÃO, et al, 2009).
Em março de 2017, o Executivo Nacional sancionou a Lei 13.429 (BRASIL, 2017) que regulamenta o Projeto de Lei 4.302/1998 (BRASIL, 1998b), “alterando dispositivos da Lei nº 6.019, de 1974 (BRASIL, 1974), que trata do trabalho temporário em empresas urbanas e dispõe sobre as relações de trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros.” (DIEESE, 2017, p.2). Em que pese haver algumas dúvidas sobre as possibilidades criadas pela legislação para o setor público, em Nota Técnica o Dieese informa entendimento de que a legislação não deixa claro se as regras se aplicam ou não ao setor público (Ibidem)), o que no mínimo permite a hipótese de que as atividades escolares, incluindo as atividades-fim, possam ser transferidas ao setor privado com fins lucrativos.
Entende-se, todavia, para efeito da análise realizada neste trabalho, que processos de privatização da educação implicam não somente a transferência da propriedade, mas a transferência de serviços e responsabilidades do poder público para o setor privado, materializando-se também na adoção de processos tipicamente privados de gestão e organização do trabalho no interior da administração pública. Stephen J. Ball e Deborah Youdell (2008) consideram a transferência para o setor privado como privatização exógena e a adoção da lógica privada no interior do poder público como privatização endógena.
Licínio Lima (2013) também destaca que a privatização, além da “erosão de responsabilidades estatais em benefício de privados”, pode ainda significar a adoção do que denomina como “cânone gerencialista”. Nas palavras do autor, a privatização:
Pode, ainda, significar a crescente introdução de modos de gestão considerados típicos das organizações privadas, ideologicamente consideradas mais bem geridas, em busca da “zero-burocracia”, mais ágeis e manejáveis em ambientes incertos e turbulentos, centradas na necessidade do cliente ou consumidor, induzindo a competitividade no seu interior através da adoção de mercados internos, ou seja, seguindo os princípios normativos e as prescrições técnico-instrumentais da chamada “Nova Gestão Pública”, que tenho associado ao que designo por “cânone gerencialista” (LIMA, 2013, p.178-9)
Pesquisas realizadas em contexto brasileiro (CAMINI, 2009, NETO; CASTRO, 2011, PERONI, 2013, entre outros) indicam que no mais das vezes, a transferência de serviços e responsabilidades educacionais para o setor privado, com ou sem fins lucrativos, é acompanhada de adoção, por parte do gestor público, do modelo administrativo gerencial, ou pelo menos de instrumentos gerenciais de gestão associados à Nova Gestão Pública.
Nas palavras de Dave Hill, há um Plano de Negócios do capitalismo para a educação que contribui para construir agenda de acordo com os interesses dos mercados educacionais, com a importação do modo de gestão do capital privado:
O “New Public Managerialism” - a importação para dentro dos velhos serviços públicos do estilo, linguajar e do modo de gestão do capital privado - substituiu a ética, linguagem, estilo e dever destes serviços públicos. A educação como uma instituição social está subordinada às metas do mercado internacional que incluem a linguagem e a autoconcepção dos próprios educadores (veja MULDERRIG, 2002, 2003; LEVIDOW, 2002). Mulderrig (na atual edição deste periódico) mostra como a educação está teoricamente posicionada em termos de sua relação com a economia e com as políticas do Estado em geral (aonde) uma racionalidade instrumental fundamenta os discursos de políticas educacionais, que se manifestam dentro de uma retórica influente e de valores de mercado em representações da educação pelos representantes e em sua prática” (HILL, 2003, p. 33)
No contexto da importação do modo de gestão privada, concentra-se, neste trabalho, a atenção no instrumento contratual. A partir da análise do acordo de resultados mineiro, objeto inicial de estudo, verificou-se que outras redes públicas adotaram os contratos de gestão ou acordos de resultados. Busca-se proceder à caracterização do instrumento, realizando-se inferências com a hipótese de ser a contratualização uma tendência na administração pública nos últimos anos, com decorrências para a gestão escolar e mais uma forma de aproximação entre o poder público e representantes do setor privado.
Realizou-se levantamento de informações nas páginas oficiais das secretarias de estado da educação e em documentos legais. Buscou-se também a legislação que implanta os acordos/contratos. Exclusivamente para produção deste trabalho, extrapolou-se a década considerada no escopo da pesquisa originária do estudo, a fim de serem abarcados documentos produzidos após o penúltimo processo eleitoral para governadores de estado que ocorreu em 2014, com posse em 2015.
Os documentos localizados foram produzidos no contexto de reformas no âmbito da administração pública, com foco na gestão por resultados. As especificidades dizem respeito às autonomias, premiações, formas de negociação, mas com pontos em comum, sobretudo o foco no desempenho.
A literatura informa que o pioneirismo na implementação de reformas com contratualização de resultados coube ao estado de Minas Gerais, que já tinha vivenciado reformas anteriormente, inclusive no campo educacional. (OLIVEIRA; DUARTE, 1997, QUEIROZ, 2009, TRIPODI, 2012 entre outros)
O artigo é organizado em três itens além desta introdução: a seguir, é feita breve incursão sobre o tema contratualização de resultados na gestão pública; na sequência apresentam-se os dados sobre as redes estaduais, destacando-se inicialmente o pioneirismo de Minas Gerais. Ao final, como último item, esboçam-se algumas considerações sobre o tema.
GESTÃO EDUCACIONAL E CONTRATUALIZAÇÃO DE RESULTADOS
A contratualização na gestão pública foi introduzida na constituição brasileira pela Emenda Constitucional nº19 de 1998 (BRASIL, 1998), que, entre outras mudanças, alterou o artigo constitucional de número 37, ao introduzir o parágrafo8º, possibilitando o firmamento de contratos no âmbito da administração direta e indireta com vistas à fixação de metas por desempenho:
§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: [...] I - o prazo de duração do contrato; [...] II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; [...] III - a remuneração do pessoal. (BRASIL, 1998)
Ricardo Carneiro e Lúcio Otávio Seixas Barbosa, ao analisarem os contratos de gestão denominados acordos de resultados no estado de Minas Gerais, observam que a contratualização na gestão pública ainda é tema recente, embora seu surgimento date da década de 1960 na França. Segundo os autores, o tema “somente ganhou maior saliência nas duas últimas décadas, no âmbito do movimento reformista associado à Nova Gestão Pública. (CARNEIRO; BARBOSA, 2007, p.2)
No Brasil, a Emenda Constitucional nº 19 de 1998 é bem melhor entendida quando se trata de estabelecimento de relações entre o setor público e representantes do setor privado ou administração indireta. No âmbito da contratualização entre esferas da administração direta, há polêmica em relação à verdadeira natureza dos acordos firmados. Zélia Di Pietro, por exemplo, compreende que na administração direta não se encontram presentes as características que levariam ao firmamento de um contrato, pois não há personalidades jurídicas distintas. Na administração direta, “contratante” e “contratado” representam a mesma pessoa jurídica. Diz-nos a autora:
Esses contratos correspondem, na realidade, quando muito, a termos de compromissos assumidos por dirigentes de órgãos, para lograrem maior autonomia e se obrigarem a cumprir metas. Além disso, correspondem àquelas que estão obrigadas a cumprir por força da própria lei que define as atribuições do órgão público; a outorga de maior autonomia é um incentivo ou um instrumento que facilita a consecução das metas legais. (DI PIETRO, 2002, p. 290)
Na década de 1990, a mesma autora observara que no direito francês o contrato de gestão já fora previsto no âmbito da administração direta. A designação ‘contrato’ para a relação estabelecida na administração direta ocorria, em sua análise, por falta de termo melhor, pois não se tratava de verdadeiros contratos. (DI PIETRO, 1996).
Os documentos examinados neste artigo, embora não se tratem de contratos entre distintas personalidades jurídicas, estabelecem distribuição de responsabilidades entre as partes, cabendo aos gestores a responsabilidade pelo alcance de metas a serem atingidas pelas unidades escolares e pela Secretaria de Educação; explicitam instrumentos de monitoramento e controle; e introduzem autonomias financeiras e orçamentárias, além de formas diversas de premiação e sanções.
Destaca-se que as medidas de contratualização são integradas às proposições de gestão por resultados, uma das principais orientações da Nova Gestão Pública (GOMES,2009). Catarina Segatto e Fernando Abrúcio registram ser a partir dos anos 1990 no Brasil que mecanismos de gestão por resultados passam as ser adotados com maior intensidade. Para os autores, as avaliações foram os primeiros instrumentos. “E, assim como na experiência internacional, foram adotados mecanismos de incentivo, premiação e sanção.” (SEGATTO; ABRÚCIO, 2017, p.87)
Os autores, estudando quatro casos de reformas educacionais em quatro estados brasileiros até o ano de 2010, identificaram que, no âmbito da gestão por resultados, há recurso a instrumentos diferenciados em sua implementação (SEGATTO, ABRÚCIO, 2017) implicando ou não a contratualização formal com gestores educacionais. De toda forma, as marcas das reformas são: foco nos resultados; responsabilização ou accountability; produção de mecanismos de monitoramento; introdução de indicadores de desempenho; avaliação em larga escala; e bonificação. (SEGATTO, ABRÚCIO, 2017)
Os instrumentos de contratualização, pode-se inferir, configuram-se em medidas específicas na introdução de reformas com foco em resultados. Como veremos na sequência, há também em relação aos contratos diferentes possibilidades de organização.
ACORDOS DE RESULTADO, CONTRATOS DE GESTÃO, TERMOS DE COMPROMISSO E PACTUAÇÃO: O PIONEIRISMO DE MINAS GERAIS E A CONTRATUALIZAÇÃO EM OUTRAS REDES ESTADUAIS DE ENSINO
Neste item apresentam-se dados obtidos por meio de consulta a fontes primárias de pesquisa. Todavia, em relação ao estado de Minas Gerais, devido a seu pioneirismo e à significativa produção de análises, recorre-se também a fontes secundárias. Observa-se a nomenclatura diferenciada nas legislações locais. São utilizados termos como “Acordo de Resultados”, “Termos de Compromisso” e mesmo “Contrato de Gestão”.
O Acordo de Resultados em Minas Gerais foi introduzido no contexto da reforma administrativa denominada “Programa Choque de Gestão”, implementada pelo governador Aécio Neves, do Partido da Social Democracia, no ano de 2003.1 (QUEIROZ, 2009)
Maria do Rosário Tripodi, ao analisar a implementação do Acordo de Resultados mineiro observa que a permanência na orientação ideológica da política pública mineira teria favorecido a “implementação do modelo de Estado Contratual como forma de regulação do sistema educacional, com todos os seus desdobramentos” (TRIPODI, M.R. F., 2012, p. 38). A mesma autora assim sintetiza os objetivos declarados do Programa: “imprimir modernidade, transparência, agilidade e eficiência na gestão, adequando-a aos novos tempos” (Idem, p. 39).
Os Acordos de Resultados foram introduzidos como parte do Programa Choque de Gestão pela Lei 14.694, de 30 de julho de 2003, prevendo políticas de bonificação por produtividade para os servidores públicos. A Lei disciplinava a avaliação de desempenho, Acordo de Resultados, autonomias gerencial, orçamentária e financeira e a aplicação de recursos (MINAS GERAIS, 2003).
O disciplinamento do Acordo foi dado pela Lei 17.600 de 2008, juntamente com os prêmios por produtividade atribuídos a partir do alcance de metas acordadas para as secretarias e, no caso da educação, também para as unidades escolares. A Lei definia o significado de acordo:
I - Acordo de Resultados: o instrumento de contratualização de resultados celebrado entre dirigentes de órgãos e entidades do Poder Executivo e as autoridades que sobre eles tenham poder hierárquico ou de supervisão (MINAS GERAIS, 2008, artigo 1º).
A Lei 17.600 de 2008 regulamentava a concessão das autonomias orçamentárias, financeiras e administrativas para órgãos e unidades acordados (art.18). Também determinava a constituição de Comissão de Acompanhamento e Avaliação, com responsabilidade de proceder à avaliação institucional (art. 11, III) ao final do ciclo avaliatório. Do resultado desta avaliação dependia o pagamento do prêmio por produtividade (Artigo 23), ao qual só faziam jus os servidores que atuam em instâncias nas quais vigora o Acordo.
O primeiro Acordo de Resultados firmado entre a Secretaria de Educação e o governo do Estado foi em 2007 (TRIPODI, 2012, ARAÚJO, 2016), com renovações anuais. A partir do primeiro acordo, as renovações passaram a ocorrer em duas etapas: na primeira etapa, o gestor à frente da Pasta da Educação firmava o acordo, estabelecendo metas junto ao governador do Estado e na segunda etapa os superintendentes regionais de ensino assinavam o acordo com a secretaria de educação (TRIPODI, 2012). Também todas as escolas estaduais assinavam o compromisso de obter os índices de desempenho previstos pelo Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Básica - SIMAVE/PROEB. (AUGUSTO, 2012).
Abelardo Bento Araújo, em pesquisa de doutoramento, entrevista docentes e gestores da rede estadual de Minas Gerais. Apesar da suposta autonomia legal, ocorre a determinação das práticas pedagógicas orientadas em torno das avaliações externas. A pressuposta autonomia, assim, não se expressava em sua plenitude no cotidiano das escolas, restringindo-se a benefícios de ordem financeira individual (ARAÚJO, 2016)2.
A contratualização de resultados em outras redes estaduais de ensino e no Distrito Federal
Por meio de consulta às páginas oficiais das secretarias estaduais de educação e às legislações estaduais, obtiveram-se informações sobre a existência de acordos/contratos entre os governos dos estados e as secretarias de educação e, em alguns casos, entre as secretarias e o(a) diretor (a) eleito, como ocorre no Estado do Maranhão. Os descritores utilizados para proceder à seleção de informações foram: ‘contrato de gestão’, ‘acordo de resultados’, ‘termo de compromisso’. O levantamento de informações para este trabalho privilegiou a produção de legislação normalizadora dos contratos, buscando caracterizar seus principais conteúdos.
Inicialmente, convém observar que a tônica nas reformas administrativas estaduais, com o impulso do PNAGE, conforme já observado, é a modernização da Gestão Pública na perspectiva da Gestão por Resultados. Com ou sem contratos ou acordos de resultados, destacam-se dois aspectos importantes:
- a administração gerencial como modelo para a administração pública e introdução de instrumentos de gestão próprios ao mercado;
-a presença de representantes do setor privado como colaboradores das reformas. Este é o caso da organização não governamental Movimento Brasil Competitivo (MBC), que assim se apresenta:
Desde 2001, o Movimento Brasil Competitivo aproxima os setores público e privado, investe na cultura de governança, promove a gestão de excelência com o objetivo de ampliar a competividade nacional, o aumento da capacidade de investimento do Estado e a melhora dos serviços públicos essenciais oferecidos aos brasileiros (MBC, s. d.)
O MBC, movimento que representa o setor empresarial, com os objetivos acima, apresenta-se como aliado de vários governos estaduais. Uma das ações do grupo é voltada à constituição do “Pacto pela Reforma do Estado”, que segundo a página oficial da OSCIP “representa a coalização público-privada que tem a missão de propor uma agenda de transformações compartilhadas entre União e estados”. (MBC, s. d.) O MBC anuncia que participam do Pacto 19 estados e o Distrito Federal. Em outra iniciativa, o Programa Mais Gestão Pública, o MBC oferece soluções e apoio técnico para reformas administrativas, revisões de planos plurianuais de governo, criação de núcleos de assessoramento público-privado, redução de gastos e aumento de receitas, governança para resultados.
No estado do Mato Grosso do Sul (2015-2016), o MBC indica apoio na implantação do Acordo de Resultados. Em quatro estados da federação, o Movimento declara ter atuação na educação pública estadual: em Rondônia (2011), na modernização da gestão educacional; em Pernambuco (entre 2007 e 2015, atuou na melhoria dos indicadores educacionais, assim como no estado da Bahia (2008-2010) e no Rio de Janeiro, apoiou a implantação de software para sistematização do programa de remuneração variável. O MBC também declara ter oferecido solução ao Distrito Federal (2007-2009) para redução de gastos educacionais. 3
O setor privado com fins lucrativos também se beneficia das reformas gerenciais do que é exemplo a atuação da Consultoria Falconi. Na área pública, a consultoria oferece seus serviços no que denomina como “quatro iniciativas”: equilíbrio fiscal; educação; segurança; e saúde. (FALCONI, s. d.). A consultoria declara ter como diferenciais no campo educacional o desenvolvimento da cultura de resultados; expertise em gestão; aprendizagem pelo fazer; e compromisso como o alcance de metas. Anuncia o desenvolvimento de projetos junto às secretarias estaduais de educação de Rondônia (2013-2014); Pará (2016); Ceará (2001-2007); Pernambuco (2007-2010); Sergipe (2005-2006); Bahia (2009); Rio de Janeiro (2010-2012) e São Paulo (2008 e 2016). As atividades desenvolvidas citadas na página oficial da consultoria são: reestruturação da secretaria de educação (Rondônia); implementação de modelos de gestão por resultados em unidades escolares (São Paulo; Ceará; Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro); definição de metas globais, desdobradas para as unidades escolares; e desenvolvimento de instrumentos de acompanhamento com vistas a elevação do IDEB (Pará, Pernambuco, Bahia); elevação das taxas de aprovação (Sergipe). (FALCONI, EDUCAÇÃO. s.d.).
A adoção de modelos privados de gestão pela administração pública e a presença de representantes do setor privado indica, considerados os exemplos acima e a literatura produzida na área, caráter crescente. Observemos agora os estados nos quais a gestão educacional foi contratualizada.
Destaca-, inicialmente, que todos os acordos localizados são posteriores ao “Choque de Gestão” mineiro. Neste levantamento inicial, foram identificados11 estados e o Distrito Federal com legislações normalizando a contratualização. Foram pesquisados para este artigo exclusivamente os textos legais, buscando-se compreender: os termos de contratualização; os envolvidos; objetos de contratualização; objetivos. Embora em vários estados a contratualização tenha sido regulamentada posteriormente à sua lei de criação (caso de Minas Gerais), optou-se por indicar a primeira legislação encontrada, a fim de se registrar o início de adoção da política. O quadro 1 sintetiza as informações.
Estado | Termo para a contratualização de resultados | Lei/Decreto | ano | Secretaria de Educação | Partido no governo na implantação |
---|---|---|---|---|---|
Ceará | Acordo de resultados | Lei 13.875 | 2007 | Sim | PSDB |
Distrito Federal | Acordo de Resultados | Decreto 37.573 | 2016 | Sim | PSB |
Goiás | Acordo de Resultados | Decreto nº 8.170, | 2014 | Sim | PSDB |
Maranhão | Contrato de Gestão | Lei 9.965 | 2011 | Sim | PMDB |
Mato Grosso | Acordo de Resultados | Decreto 16 | 2015 | Sim | PSDB |
Mato Grosso do Sul | Contrato de Gestão | Lei 4640 | 2014 | Sim | PSDB |
Minas Gerais | Acordo de Resultados | Lei 14.694 | 2003 | Sim | PSDB |
Pará | Acordo de Resultados | Decreto 352 | 2012 | Sim | PSDB |
Paraná | Acordo de Resultados | Decreto 3505 | 2011 | Sim | PSDB |
Pernambuco | Pacto de Resultados do gestor escolar | Decreto 39.336 | 2013 | Sim | PSB |
Rio Grande do. Norte | Contrato de Gestão | 26.090 | 2016 | Sim | PSD |
Rio Grande do Sul | Contrato de Gestão | Lei 12.237 | 2005 | Sim | PMDB |
Tocantins | Compromisso por resultados | Lei 2.663 | 2012 | Sim | PSDB |
Os estados constantes do quadro 1, com os descritores selecionados, foram os entes federados para os quais se localizaram legislações sobre a contratualização. Balanço dos documentos legais pesquisados permite considerar um padrão nos conteúdos dos termos contratualidades, conforme síntese a seguir:
a) Metas estabelecidas com base em avaliações de larga escala, com perspectivas de elevação dos índices de rendimento;
b) Presença de metas relacionadas à economia de recursos materiais;
c) Perspectivas de premiação por produtividade (desempenho dos estudantes) e assiduidade do profissional;
d) Concessão de autonomias administrativas orçamentárias no âmbito das secretarias de educação, envolvendo a possibilidade de estabelecimento de convênios, mobilização de pessoal e, em alguns casos, também no âmbito das unidades escolares;
e) Criação de comissões ou comitês de fiscalização e controle sobre os termos do acordo;
f) Possibilidade de rescisão do acordo a qualquer momento por parte do acordante;
g) Gestores escolares são os responsáveis nas unidades de ensino pelo alcance das metas que cabem à escola e se encontram estabelecidas no contrato/acordo;
Em alguns casos, os gestores assinam os termos do contrato, responsabilizando-se pelo alcance das metas firmadas frente ao governo do estado. No caso do estado do Maranhão, as medidas anunciadas na legislação são rigorosas para o não cumprimento de metas estabelecidas: o governo do estado, em Decreto que regulamentou a escolha dos diretores escolares no ano de 2015, estabelecia que a última etapa para contratação dos mesmos se constituiria por: ‘Assinatura do contrato de gestão, visando ao cumprimento das diretrizes e planos governamentais que orientam o processo e estabelecem mecanismos de monitoramento e controle do desempenho gerencial.” (DECRETO 30. 619, art. 2º, Inc. IV, 2015). O contrato de gestão estabeleceria as metas qualitativas e quantitativas para a unidade escolar (Art. 28) pelas quais se responsabilizava o diretor. O mesmo decreto previa a possibilidade de exoneração da função gestora por “decisão motivada do Governador do Estado ou diante do descumprimento imotivado das metas estipuladas no contrato de gestão. (Decreto 30. 619 Art. 29, 2015).
Em outros estados, as medidas e sanções se referem muito mais à perda das autonomias e não pagamento da bonificação para as equipes, ou seja, perda da premiação.
Em que pesem as possíveis peculiaridades na construção dos contratos em cada um dos entes federados, destacam-se as funções decorrentes da gestão por resultados. Os acordos/contratos funcionam, assim, como instrumentos para articular as formas de gestão, responsabilizando os gestores e profissionais no interior da escola pelo considerado sucesso da política educacional dos governos.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Tripodi ( 2012), em seu estudo sobre o acordo de resultados em Minas Gerais, elencou três aspectos a serem observados criticamente quando se trata se considerar um legítimo processo de negociação que envolveria um contrato: o primeiro deles seria o estabelecimento de metas, ou seja, resultados fechados que limitam a autonomia concedida no processo e induzem a “enquadramentos” pedagógicos com vistas ao alcance das metas; o segundo aspecto seria a possibilidade sempre presente de cessação da autonomia; por fim, a autora destaca a perspectiva da rigidez contratual implicada no próprio processo que induz ao cumprimento de metas. Tal rigidez contaria a flexibilização, em tese, suposta na contratualização, na qual as partes negociam. (TRIPODI, 2012)
As considerações da autora contribuem para refletir sobre a possível tendência de controle do trabalho nas escolas por meio de contratualização de resultados. Os riscos de conformação do processo pedagógico a um esforço contínuo para cumprimento de metas “pactuadas” reduzem o próprio sentido do processo educativo como atualização histórico-cultural humana (PARO, 2012). Há que se considerar, entretanto, que não apenas a assinatura de contratos entre secretários de educação e governos ou envolvendo gestores escolares e demais profissionais na escola propicia essa redução. Conforme autores mencionados neste texto, a gestão por resultados e a remuneração por produtividade não dependem exclusivamente de contratualizações formais, como é o caso do estado de São Paulo (SEGATTO; ABRÚCIO, 2017). Tais medidas, ao instaurarem a competividade no interior das escolas e entre unidades e direcionarem as atenções exclusivamente para resultados mensuráveis, concorrem para a redução das práticas pedagógicas.
Os contratos, entretanto, parecem ser instrumentos que fortemente aproximam do setor privado a educação pública, quer por meio da linguagem, quer por meio da lógica adotada ou, ainda, pela própria participação do setor privado na configuração da política pública, tal como sugerem os dois exemplos de atores privados mencionados neste texto; com ou sem fins lucrativos imediatos, atuando na implementação da gestão por resultados em administrações públicas estaduais brasileiras, não apenas assessoram, mas fazem a política, penetrando na gestão escolar.