INTRODUÇÃO
A história do Ensino Superior em Angola está associada ao percurso histórico do continente africano, admitindo algumas particularidades. Assim sendo, Makosso (2009), atesta que a história do Ensino Superior em África passa por três fases: a primeira fundou-se na chamada período da universidade colonial, aquela instaurada pelo colonizador; a segunda é o período da universidade da independência, que consistia na salvaguarda da soberania das nações, por meio da autodeterminação do plano académico e finalmente o período da universidade de desenvolvimento, que materializam os intentos e os fins estratégicos que possa ajudar o país na rota do desenvolvimento sustentável através da ciência.
Nessa perspectiva, associada a essa estratificação, a UNESCO (1999) periodiza o Ensino Superior Africano em: Fase da universidade como símbolo de soberania, em que os países africanos colocam a educação como fonte de desenvolvimento econômico, social e cultural; a fase da Expansão, que replica a carência de formação de quadro para garantia de uma melhor qualidade de vida e, finalmente a fase de crise, em que o Ensino Superior constitui um peso excessivo em termos de custos, no rácio professor-estudante e o pessoal não docente.
Relacionado com isso, a periodização da UNESCO (1999) não foge da ideia de Makosso (2009), em que apresentava quatro momentos proeminentes do Ensino Superior em África. O primeiro consistia na africanização dos postos dos professores e investigadores; o segundo ressalta a expansão e multiplicação dos estabelecimentos de ensino; o terceiro trata da elaboração dos quadros estatutários e por último a criação de órgãos destinados a orientar às políticas nacionais.
Assim sendo, quer a Unesco (1999), quer Makosso (2009) apresentam a segunda fase como sendo a da Expansão ou massificação do Ensino Superior no continente africano e é sobre esta segunda fase que será o objeto de análise como uma política pública educacional. Segundo Mohamedbhai (2008), a massificação é um fenómeno global que resulta da democratização da educação e do advento da economia do conhecimento e da globalização.
Por conseguinte, a massificação dependeu muito do contexto de cada país ou continente, por exemplo no caso da Europa diferente de África, esse fenómeno deu-se na década de 80, onde se abriu a universidade para um vasto número de estudantes. Este processo, segundo Makosso (2009, p.48), deveu-se a três fatores importantes:
O primeiro consistiu no desenvolvimento económico, levou a procura de saberes técnicos e científicos aumentou exponencialmente; o segundo deveu-se o desenvolvimento da democracia levou uma parte crescente da sociedade a procurar a distinção social associado a um título universitário.
Neste sentido, o conceito massificação tem sido apanágio de discussão na perspectiva de vários autores, como é o caso de Mohamedbhai (2008) que afirma que consiste na adaptação de um fenómeno das suas características, ao passo que Scott (1995), compreende que este termo para o Ensino Superior descreve o rápido aumento no número de matrículas de estudantes. Contudo, Mohamedbhai (2008) considera que a matrícula é utilizada para definir a massificação a este nível nos países industrializados, e não nos países em desenvolvimento, como é o caso da maioria dos países Africanos, pois apresentam uma taxa de escolarização muito baixa, embora note-se um aumento substancial.
De igual maneira, o autor antes citado refere que a massificação nos países em desenvolvimento consiste na criação de condições para acolher um número significativo de estudante por meio de regimentos que levam ao aumento de estudantes matriculados. Na maioria dos países Africanos, a massificação institucional ocorreu sem ter em conta um planeamento adequado que conduzisse ao aumento gradual e proporcional de recursos humanos, financeiros e físicos para lidar com a nova realidade.
Não obstante a isso, o Ensino Superior foi sempre distinguido como um instrumento pertencente a um grupo de elite e que, ao longo do tempo, logo após a independência, as estruturas governamentais passaram a considerar como uma prioridade o processo de massificação para o desenvolvimento sustentável do país. Mas, independentemente do interesse na massificação, as Instituições de Ensino Superior (IES) representaram sempre intelectualidade devido à severidade da sua história.
A contenda massificação do Ensino Superior não é um fenómeno isolado, ela acontece em todas as realidades, embora diferencie-se em função da época, do contexto e dos objetivos que preconizam. Dessa forma, esse nível de ensino foi sempre confrontado com consistências novas, em termos de expansão, diferenciação e revolução do conhecimento, inserindo modificações nos sistemas educativos e desafiando os decisores políticos no sentido de observarem esse subsistema como prioridade no desenvolvimento dos países.
Nesse contexto, o Ensino Superior em Angola vivenciou várias mudanças desde o período colonial em 1962 até os dias de hoje, com processos de descentralização e recentralização dependente do contexto histórico. Assim, tem-se observado, nos últimos 20 anos, muitas transformações na estrutura social e de classes dos Angolanos, o que levou o caminho para a massificação do Ensino Superior, suscitando o aumento considerável de instituições públicas e privadas. Desse modo, a massificação desse subsistema de ensino foi constituída como uma política pública com avanços e retrocessos, causando várias consequências negativas e positivas
Por tal razão, o presente artigo tem por finalidade analisar a massificação do Ensino Superior como política pública educacional, tendo em conta as suas implicações. Para tanto, foi necessário realizar um estudo de abordagem qualitativa, que se adequou no contexto do Ensino Superior em Angola. Desde esta perspectiva, tendo em conta os objetivos, enquadra-se numa pesquisa analítica e descritiva, e a partir dos procedimentos é bibliográfica e documental na busca de respostas de uma realidade social sobre o processo de massificação desde a sua génese até a atualidade.
Sendo assim, realizou-se uma análise com relação as etapas que conduziram à aplicação das principais políticas educacionais que influenciaram nesse processo, tendo em conta a acesso de um número maior de pessoas. Nesse sentido, para permitir um estudo mais detalhado do tema em questão, foi necessário ter em conta os seguintes indicadores:
Aplicação das principais políticas educacionais que influenciaram no processo de massificação do ensino superior em Angola;
Aumento do número de pessoas com acesso as IES;
Gestão das IES em relação à qualidade do processo de massificação.
Sendo consequente com os critérios acima expostos, deve-se entender e considerar como uma forma essencial na formação dos profissionais. Dessa maneira, consideram-se as possibilidades de um processo dinâmico de ensino-aprendizagem, que facilita trabalhar com definições flexíveis e amplas (mas não menos rigorosas) de qualidade, a partir a diversidade de instituições e estudantes que existem em correspondência com as demandas da sociedade angolana.
1. A MASSIFICAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR EM ANGOLA
A partir da periodização da história do Ensino Superior em Angola segundo Filho (2019), é possível descriminar as etapas da massificação que se constituem como focos de análise das causas e consequências, sendo a primeira etapa a tentativa de massificação do ensino superior no período colonial (1962-1975), a segunda o ensaio da massificação do Ensino superior através do ensino não presencial (1976-1991) e, por último, a massificação do ensino superior através da democratização das instituições (1992-2019).
1.1. TENTATIVA DE MASSIFICAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO PERÍODO COLONIAL (1962-1975)
O ano de 1962 corresponde ao marco da criação dos Estudos Gerais Universitários (EGU) a partir do Decreto-lei 44530, de 21 de Agosto, na chamada província ultramarina de Angola, em que se repartiu em três cidades nomeadamente, Luanda, Nova Lisboa (Huambo) e Sá da Bandeira (Lubango). Apesar disso, nesse período de 1962-1975, não se encontram registos documentais que indiquem massificação, porque nessa etapa o Ensino Superior era destinado particularmente à classe burguesa, tornando-o elitista. De acordo com Filho (2019), essa discriminação fez com que o Ensino Superior ficasse confinado às pessoas da zona litoral e dos grandes centros urbanos onde existia a maior concentração dos colonos.
A tabela 1, representa a análise comparativa dos professores e estudantes do ensino superior de 1964 a 1974 durante a etapa colonial. Deste modo, em 1964 a província ultramarina contava com 38 professores para uma matrícula de 531 estudantes, logo, 10 anos depois, passou a ter 274 docentes para 4176. Nesse sentido, percebe-se uma evolução tímida nos primeiros anos, ao passo que nos últimos anos nota-se um aumento significativo tanto de professores e estudantes.
Ano | 1964 | 1965 | 1966 | 1967 | 1968 | 1969 | 1970 | 1971 | 1972 | 1973 | 1974 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Professores | 38 | 38 | 38 | 77 | 84 | 123 | 160 | 232 | 273 | 274 | 274 |
Estudantes | 531 | 584 | 706 | 989 | 1252 | 1784 | 2369 | 2668 | - | - | 4176 |
Fonte: Anuário Estatístico Ultramarino (1961-1974)
Assim sendo, foi já no governo de transição constituído pela potência colonial e os três movimentos de libertação na véspera da descolonização de Angola em 1975 que houve a tentativa de massificação em que a então Universidade de Luanda, a única na altura, dá lugar às três universidades com autonomia própria, nomeadamente Universidade de Luanda, Universidade do Huambo e Universidade do Lubango. Esse projeto infelizmente não vincou, devido a diversas dificuldades de ordens infraestrutural, da insuficiência de quadro técnico, de condições materiais e fundamentalmente pela situação política que o país atravessou logo após a proclamação da independência no dia 11de Novembro de 1975.
Tendo em conta o objetivo do processo de massificação do Ensino Superior a partir da análise dos resultados desta primeira etapa em função dos indicadores determinados, percebeu-se que, além da Universidade de Luanda dar lugar às três universidades com autonomia própria, considerou-se só como tentativa do processo de massificação, porque, de igual forma, não se encontraram registos documentais que indiquem a presença dele, pois o Ensino Superior era destinado particularmente à classe burguesa, tornando-o elitista.
Não obstante, o processo de ensino-aprendizagem foi caracterizado exclusivamente pelo verbalismo intelectualista, deixando apenas a repetição, fixação, memorização para o estudante. A maioria dos cursos não possuíam estágios como parte de seus currículos, limitando-se às aulas teóricas, impossibilitando o desenvolvimento técnico, industrial e profissional mais completo do país.
Dessa forma, a gestão das IES em relação à qualidade do processo tinha limitações, pois os objetivos não foram determinados levando em consideração a derivação gradual dos requisitos dos programas, eram enquadrados na definição de objetivos políticos e na orientação e instrução do professor.
Contudo, existiam conteúdos descontextualizados e marcadamente teóricos, dados pelos conhecimentos e valores acumulados pela sociedade, ensinados como verdades absolutas separadas das experiências e realidades dos estudantes e do seu contexto. Esses conteúdos tinham caráter académico e eram representados em partes isoladas, com o consequente desenvolvimento de um pensamento empírico, descritivo, mas não teórico. Os métodos de ensino foram transferidos literalmente para as palavras do professor.
Finalmente, afirma-se que nesta etapa apenas foi uma tentativa de massificação, devido a um conjunto de restrições que o sistema colonial impunha relativamente ao acesso ao Ensino Superior, bem com a falta de legislação documental que apoia essa etapa.
1.2. ENSAIO DA MASSIFICAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR ATRAVÉS DO ENSINO NÃO PRESENCIAL (1976-1991).
Com a descolonização de Angola, o número de estudantes diminuiu de forma radical de 4176 estudantes em 1974 para 1109 em 1977. Esse fato deve-se ao êxodo de professores e outros funcionários administrativos para Portugal, criando, assim, uma grande debilidade do Ensino Superior, pois Angola não estava preparada para assumir o nível de ensino devido à falta de quadros qualificados.
Nessa etapa, as três universidades que tinham sido criada na véspera da independência no governo de transição unificam-se e passam a ser chamada Universidade de Angola, em 1976 criada pelo do Decreto n.º 60/76, de 19 de Junho, que vigorou até 1985, cujo reitor foi o Dr. António Agostinho Neto, então Presidente da República Popular de Angola e que tinha como missão a restruturação de todo o sistema de Ensino Superior, afetado pelas transformações impostas pelo momento.
Foi nesse período de gestão que se aprovaram dois instrumentos fundamentais para o funcionamento da Universidade, o Decreto n.º 37/80, de 17 de Abril, o Estatuto orgânico da Universidade de Angola e o Estatuto da carreira Docente o Decreto n.º 31/80, de 10 de Abril, o que permitiu a criação de parcerias com indústrias petrolífera e diamantífera para colmatarem as dificuldades orçamentais que a Universidade tinha e levar avante a massificação do Ensino Superior.
Apesar desse financiamento, a crise na universidade não abrandou, devido à instabilidade política, social e económica. Nesta conformidade, fez-se uma avaliação externa e, como saída, extinguiu-se a Universidade de Angola e criou-se a Universidade Agostinho Neto (UAN), pela Resolução n.º 1/85, de 28 de Janeiro de 1985, cuja missão era de dar continuidade à massificação do Ensino Superior através da estratégia do ensino não presencial em regime experimental nas áreas de Ciências da Educação, Economia e Direito, com a finalidade de congregar estudantes em Luanda, Lubango e Huambo, onde funcionavam núcleos de ensino universitário.
Essa estratégia levou a repartição de responsabilidades entre a Universidade, que tinha de garantir filosofia e políticas de ensino, com as questões científicas e metodológicas, a supervisão do cumprimento dos programas e das avaliações, do material didático, bem como a disponibilização dos docentes de forma periódica, ao passo que os governos províncias tinham o encargo da criação das condições matérias de subsistências e a transportação dos estudantes das suas províncias (SILVA, 2004).
Com o ensino não presencial na UAN, foi obrigada a aprovação do seu estatuto orgânico, o Decreto n.º 55/89, de 20 de Setembro, do Conselho de Ministros, possibilitando, assim, a formação de Unidades Orgânicas em várias províncias do país, divido por Centros, Polos e Núcleos Universitários.
As Unidades Orgânicas podem ser Faculdades, Instituto Universitários, Escolas Superiores e Instituto de Investigação Científica (Relatório da UAN, 2002-2004). Os “Centros Universitários” subordinavam-se diretamente à Reitoria da UAN, dirigidos por um Vice-reitor ou por um coordenador nomeado pelo Reitor, ao passo que os Polos Universitários eram um embrião de um futuro centro universitário, estando subordinado a um deles, que pode conter Unidades Orgânicas e Núcleos Universitários ainda não autónomos sob o ponto de vista pedagógico e científico (Relatório da UAN, 2002).
A UAN era constituída por 6 (seis) Centros Universitários formado por duas ou três províncias e 6 (seis) polos compostos por apenas uma província como podemos observar na tabela abaixo:
N.º | Centro Universitários | Província |
---|---|---|
01 | Centro Universitário de Luanda | Luanda e Bengo |
02 | Centro Universitário de Cabinda | Cabinda e Zaire |
03 | Centro Universitário do Uíge | Uíge, Cuanza-Norte e Malange |
04 | Centro Universitário do Huambo | Huambo e Bié |
05 | Centro Universitário de Benguela | Benguela e Cuanza-Sul |
06 | Centro Universitário da Huíla | Namibe, Huíla, Cunene e C.-Cubango |
Fonte: Relatório da UAN (2002-2004), p. 28
Os Polos universitários dependiam hierarquicamente dos centros universitários de acordo a localização geográfica. Assim sendo, o Polo Universitário do Cuanza-Sul dependia de Benguela, Polo Universitário do Bié (Huambo), Polo Universitário do Namibe (Lubango), Polos Universitários das Lunda-Sul e Norte em Luanda e finalmente o Polo Universitário de Malange (Uíge).
Sendo assim, o surgimento dos centros universitários e Polos permitiu a expansão da universidade e, como consequência, o aumento do número de estudantes nesse período. Desse modo, foram diminuídas as dificuldades de acesso ao Ensino Superior, exigindo um grande sacrifício em termos de gestão universitária, devido às assimetrias que existiam entre as províncias e os exíguos recursos financeiros e humanos para dar resposta à gritante necessidade de formação de quadros superiores.
Nesse sentido, tendo como referência os indicadores de análise nesta segunda etapa, os resultados mostram que, no ensaio do processo de massificação começa a apresentar mudanças notáveis com a realização da Reforma do Ensino Superior através da estratégia do ensino não presencial. Como consequência, essa Reforma permitiu o aumento substancial de Instituições de Ensino Superior, de cursos e de estudantes.
Assim, os laços de dependência do Ensino Superior com os modelos portugueses são quebrados, adquirindo um maior compromisso com a sociedade angolana. O desenvolvimento da ciência começa a ter maior importância na nova maneira de ver a IES com base nas características socioeconômicas do país. Os documentos de orientação aparecem nos planos de estudo, onde os objetivos se tornam mais relevantes, embora o conteúdo continue sendo enciclopédico e teórico.
Portanto, nessa etapa, através do ensino não presencial, houve uma expansão do Ensino Superior em muitas regiões do país, permitindo o incremento de estudantes matriculados, o que é um dos indicadores de massificação, mas não existiu um suporte legal, razão pela qual considera-se essa etapa apenas como um ensaio do processo de massificação, devido à falta de normativos e legislação.
1.3. MASSIFICAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR ATRAVÉS DA DEMOCRATIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES (1992-2019).
Nos finais de 1990, verificaram-se transformações na vida política do país com a saída de um regime de monopartidarismo para multipartidarismo, através da assinatura dos Acordos de paz em Bicesse, em 13 de Maio de 1991, entre o governo do MPLA e a UNITA, e realização posterior das primeiras eleições multipartidárias em 1992.
Essas mudanças políticas e a adoção da economia do mercado, dando espaço à iniciativa privada, também influenciaram o Ensino Superior, o que permitiu o surgimento da Universidade Privada em Angola, a Universidade Católica de Angola, com o Decreto n.º 38-A/92, de 7 de Agosto, o que levou a UAN a fazer uma revisão no seu estatuto, bem como estimular a aprovação de um Estatuto da Carreira Docente diferente do vigente na altura – Decretos n.º 2/95 e 3/95, de 24 de Março.
Nessa etapa a forma da gestão da universidade sofreu transformações substanciais, distanciando-se do partido e encetando, assim, a democratização interna, num contexto plural de cultura e corporativismo profissional académico, promovendo assim, a autonomia e a liberdade académica, permitindo a criação do sindicato e a eleição dos órgãos de gestão em 19971 à luz do Estatuto Orgânico de 1995.
A década de 90 foi um período muito conturbado, devido à explosão da guerra civil, inviabilizando assim o processo da massificação que havia começado na etapa anterior. Com a instauração da segunda Reforma Educativa em 2001, através da Lei n.º 13/0, de 31 de Dezembro (Lei de Base do Sistema de Educação), e consequentemente a aprovação dos Decreto-Lei n.º 2/01, de 22 de Junho, que estabelece as normas gerais reguladoras do subsistema do Ensino Superior, o Decreto n.º 35/01, de 8 de Junho, que regulava o processo de criação, funcionamento, desenvolvimento e extinção das Instituições de Ensino Superior, públicas e privadas, coadjuvado com o advento da paz em 2002, tornou-se possível o início de um processo de massificação.
Dessa forma, começou uma reforma no Ensino Superior, que consistia no fomento do surgimento de instituições privadas,2 a extensão da UAN nas diversas províncias, o aumento do pessoal docente e técnico, revisão curricular, cuja finalidade era a de estruturar um sistema educativo que se responde à época, como pode-se observar na tabela abaixo..
Ano | 1997 | 1998 | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2008 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Professores | - | - | 839 | 869 | 988 | 1169 | 1239 | 1329 | 3128 |
Estudantes | 7916 | 8536 | - | 9129 | 12566 | 17866 | 24620 | 32173 | 87196 |
Fonte: Relatório da UAN, 2006, MESCT, 2012.
No período de 2002 a 2008, houve um aumento significativo de instituições públicas e privadas devido ao advento da paz, passando de 5 IES para 13, de 988 professores a 3128 e de 12566 estudantes a 87196.
Nesse contexto, era um imperativo repensar o serviço prestado como um bem público, que podia contribuir para o progresso e o bem-estar da vida das populações e desempenhar igualmente um papel estratégico na realização dos objetivos relacionados com o desenvolvimento, dotando o país de recursos humanos com capacidade e competência para participar da economia global baseada no conhecimento.
Apesar do aumento do número de instituições privadas e a extensão da UAN na maioria das províncias, e concomitantemente o aumento massivo de estudantes, não se considerava de forma oficial uma massificação devido à falta de legislação oficial que suportasse essa expansão. Foi nessa perspectiva, com todo o ambiente favorável, encetou-se a aplicação das políticas educacionais que influenciaram no processo de massificação do Ensino Superior em Angola em 2009, com a aprovação de três instrumentos jurídicos fundamentais para garantirem o funcionamento e desenvolvimento desse subsistema de ensino, marcando, assim, o início desse processo e contribuindo para a promoção da qualidade dos serviços prestados, a nível do ensino, investigação, gestão e extensão.
Esses três instrumentos legais foram: O Decreto nº 7/09, de 12 de Maio, que estabelece a Reorganização da Rede de Instituições de Ensino Superior Públicas, com a Criação de novas Instituições de Ensino Superior e o Redimensionamento da UAN; o Decreto nº 5/09, de 7 de Abril, que cria as Regiões Académicas, que delimitam o âmbito territorial de atuação e expansão das Instituições de Ensino Superior; e o Decreto nº 90/09, de 15 de Dezembro, que estabelece as Normas Gerais Reguladoras do Subsistema de Ensino Superior.
O redimensionamento da UAN permitiu o surgimento de sete novas universidades públicas, uma academia, 18 Institutos e Escolas públicas autónomas. Nessa conformidade, com o processo de massificação, notou-se uma evolução significativa de facilitação de acesso ao Ensino Superior.
Com a regulamentação do processo de massificação, notou-se um aumento considerável, quer a nível de instituições públicas e privadas, quer o número de professores e de estudantes como se pode observar na tabela abaixo.
Ano | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Professores | 3.741 | 4.652 | 5.499 | - | - | 4. 129 | 8.666 | 8.758 | 10.198 | 10.441 |
Estudantes | 98.777 | 107.099 | 140.016 | 150.000 | 218.678 | 146.001 | 221.037 | 241.284 | 254.816 | 261.214 |
Fonte: MESCT, 2012, e Anuários Estatísticos de 2014 a 2018
Com a massificação, houve um crescimento global tanto em número de instituições como de professores e de estudantes em todo o território nacional. Por tal razão, foi possível perceber como desde o ano 2009, com 3.741 professores a razão de 98.777 estudantes, existiu um aumento considerável de 10.441 professores por 261.214 estudantes em instituições públicas e privadas. No entanto, nesse período, assinalou-se um decréscimo de 218.678 de estudantes matriculados em 2013, comparativamente com os 146.001 em 2014. Tal diminuição justifica-se pela crise económica e financeira que assolou o país e concomitantemente as IES e a população em geral.
Deste modo, em 2018, contou-se com 72 Instituições de Ensino Superior, sendo 25 públicas e 47 privadas das quais, 1 Academia, 4 Escolas Superiores Públicas, 49 Institutos Superiores (12 públicas e 37 privadas) e 18 Universidades (8 públicas e 10 privadas).
Nessa perspectiva, a partir dos indicadores de análise, pode-se considerar que, na terceira etapa, como consequência das premissas históricas acima mencionadas, apesar do aumento de número de instituições privadas e a extensão da UAN desde 2002 a 2008 aproximadamente, na maioria das províncias e concomitantemente o aumento massivo de estudantes, não considerava-se de forma oficial uma massificação devido à falta de legislação que suportava essa expansão. Deste modo, a existência da legislação foi apenas decretada em 2009, ano no qual o processo de massificação é desenvolvido, a partir das próprias concepções e ideias da sociedade, de maneira abrangente e transcendente, que permite o desenvolvimento das IES a partir da sociedade.
Assim, já nessa etapa, há uma transição para um nível qualitativamente superior, o que implicou maior gestão da qualidade do processo de ensino e aprendizagem partindo da reconceitualização baseada em pesquisa teórico-prática, que incorpora várias alternativas de modelos universitários que respondem não apenas a uma concepção universal, mas também ao seu contexto mais próximo. O maior desafio foi garantir que os estudantes pudessem se inserir nos estudos universitários com responsabilidade e compromisso social, o que devia se expressar em uma maior dedicação sistemática ao estudo.
Do mesmo modo, essa concepção de trazer a universidade para a sociedade sem alterar seus pressupostos essenciais, como na etapa anterior, em que não existia democratização no ensino, consistia em uma constituição de unidades de ensino e outras formas, mas sem transformar a concepção das IES.
CONSEQUÊNCIAS DA MASSIFICAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR EM ANGOLA
De forma geral, o processo da massificação do Ensino Superior, por um lado, implicou consequências positivas como: a existência de pelo menos uma instituição pública em cada província, aumento do número de ingressos e de saídas nas IES, aumento de instituições privada e de número de cursos ministrados. De igual forma, fez-se a implementação de cursos de pós-graduação no país, inversão da pirâmide de formação em graduação para o exterior em relação a Angola, incremento do número de docentes Mestres e Doutores, aprovação de vários diplomas legais, surgimento de alguns centros de estudos e investigações, entre outros.
Mas, por outro lado, esse processo também teve consequências negativas nomeadamente: falta de prioridade em termos de abertura de cursos, pouca oferta de cursos na área de ciências e engenharia, um número substancial de professores colaboradores e com grau de licenciados sem experiência pedagógica, infraestruturas adaptadas para o funcionamento de instituições de Ensino Superior, diminuição da qualidade do perfil de entrada dos candidatos ao ingresso no subsistema do Ensino Superior, defeituoso apetrechamento e funcionamento das bibliotecas, existências de poucos laboratórios, excessiva carga horária dos docentes, fomentando a turbo-docência, pouca produção científica, entre outras.
Contudo, pode-se afirmar que esse processo esteve também associado a um pendor político para o cumprimento de metas em termos de quantificação estatística aceitáveis e poder mostrar avanços a caminho de um desenvolvimento internacionalmente aceitável. Dessa forma, a massificação muitas vezes descorou às questões académicas e científicas como sustentáculo da qualidade de ensino, investigação, gestão e extensão.
A massificação do Ensino Superior foi considerada como um processo necessário, mas é fundamental que doravante se tenha em conta os objetivos reais do subsistema de Ensino Superior, que estão voltados ao ensino, investigação científica, gestão democrática e extensão universitária. Assim sendo, é importante a articulação desses processos, desde a formação pedagógica e científica do docente, a introdução da avaliação interna e externa das instituições de Ensino Superior, promoção da investigação científica por meio de projetos de pesquisa, estimular a extensão universitária através de criação de projetos comunitários, aumentos de professores com o grau de doutor, melhoria do estatuto remuneratório, massificação das tecnologias de comunicação e informação, criação de revistas científicas e centros de investigação científica e tecnológica, realização e promoção de cursos no domínio da organização e gestão da IES e aumentar o funcionamento dos cursos de pós-graduação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em Angola, com a independência e a paz aumentaram o número de ofertas de escolas a nível do ensino primário e secundário, o que criou uma quantidade de estudantes com o nível médio e que almejavam a frequentar o Ensino Superior, permitindo assim o fomento do surgimento de instituições públicas e privadas em todo país.
Ao longo das etapas estudadas, foram revelados os vínculos entre as IES e a sociedade, e em particular no contexto mais próximo. Com a reforma, as portas dessas instituições são abertas à comunidade, o que se tornava uma possibilidade limitada pela realidade das pessoas que poderiam ter acesso ao Ensino Superior.
O processo de massificação do Ensino Superior passou por várias etapas históricas, o que significa uma abordagem cada vez mais próxima da sociedade, mas mesmo na concepção atual, ainda existem limitações na contextualização do processo, que implica uma flexibilidade que se torna um dinamizador das motivações dos próprios estudantes para o estudo.
A massificação do Ensino Superior proporcionou o acesso de muitos jovens a esse subsistema sem necessidade de se deslocarem de uma província para a outra, diminuindo o êxodo rural. Todavia surgiram alguns constrangimentos, no domínio jurídico-legal na primeira e segunda etapa, dificuldade de gestão na autonomia e liderança, pouca produção científica em todas as etapas, criação de cursos desfasados da realidade contextual, pouco incentivo à elaboração de projetos de investigação e de extensão que atendam às necessidades reais do país.
Contudo, a massificação por um lado, contribuiu com o aumento significativo das IES, de professores e estudantes, mas não cumpriu com algumas expectativas na melhoria da qualidade do ensino- aprendizagem.