INTRODUÇÃO
A evasão escolar refere-se ao insucesso do indivíduo em relação a uma determinada capacidade e/ou fracasso de seu comprometimento com metas educacionais predefinidas no momento da matrícula (Tinto, 1975). Na educação superior, não há um consenso sobre o conceito de evasão escolar (Vitelli & Fritsch, 2016). Todavia, esta pode ser entendida como a saída antecipada dos estudantes, sem concluir o curso no qual se matricularam (Castles, 2004), ou, em outros termos, diz respeito aos estudantes que não se matricularam novamente após o término do primeiro ano acadêmico (Lizarte Simón & Gijón Puerta, 2022; Pigliapoco & Bogliolo, 2008).
No modelo teórico que contempla o processo de evasão do ensino superior proposto por Tinto (1975), a universidade é composta de dois sistemas: o acadêmico e o social (Berka & Marek, 2021; Tinto, 1975). O primeiro ano universitário é o período crítico, em que o estudante precisa estar integrado em ambos os sistemas para concluir com sucesso seus estudos (Calderón Mayorga et al., 2020; Cerdà-Navarro et al., 2020; Gonzalez-Ramirez et al., 2018; Tinto, 1975; Warren, 2020), por conseguinte, as maiores taxas de evasão são observadas no primeiro ano da graduação (Calderón Mayorga et al., 2020; Casanova et al., 2021; González-Campos et al., 2020; Lizarte Simón & Gijón Puerta, 2022; Tinto, 1975; Warren, 2020; Wild & Heuling, 2020).
O fenômeno da evasão ainda é um problema mundial a ser administrado pelas instituições de ensino. Assim, identificar precocemente estudantes com potencial para evadir e planejar ações para minimizar as taxas de evasão constituem desafio constante do sistema educacional (Paksi et al., 2023; Song et al., 2023). Consequentemente, a instituição de ensino superior (IES) que identificar precocemente o estudante propenso a evadir pode atuar de forma preventiva e antecipar-se ao abandono, criando possibilidades que reduzam o problema (Berens et al., 2019).
O estudante propenso a evadir apresenta particularidades que evidenciam a etapa que antecede o abandono. A priori, trata-se de um conjunto de características individuais que não podem ser diretamente observadas, denominadas características latentes (Vincenzi et al., 2018), mas são reconhecidas por meio de instrumentos de autorrelato (Vasconcellos et al., 2018). Nesse estudo, aplicou-se um instrumento por meio do qual o respondente, no caso o estudante, expressa ou manifesta sua opinião, sentimentos e percepções pessoais sobre seu nível de integração social e acadêmico, consequentemente, sua satisfação com a universidade (Schmitt et al., 2020).
Evidentemente, instrumentos de autorrelato podem levar a distorções na avaliação das características latentes por meio de respostas viesadas (Vasconcellos et al., 2018). Estudantes de grupos distintos e com o mesmo traço latente, ao apresentarem probabilidades diferentes de responder a uma pergunta de um instrumento de autorrelato, revelam que aquela pergunta, ou item, está funcionando de forma distinta entre os grupos (Gómez-Benito et al., 2018; Lee et al., 2021; Valentini, 2019), indicando funcionamento diferencial para esse item, denominado DIF. Dessa forma, o conhecimento do comportamento do item para grupos diferentes é uma informação relevante e que pode contribuir para uma gestão personalizada e antecipada da IES diante dos desafios de prevenção à evasão.
Como exemplos de abordagem de DIF aplicado no contexto de gestão educacional, Fallon et al. (2021) sugerem o uso do DIF para orientar a tomada de decisões relacionadas às necessidades de desenvolvimento profissional em instituições de ensino. Bundsgaard (2019) explora o DIF entre dois sistemas de ensino de grupos distintos, no caso, dois países diferentes, e revela que as distinções dos dois sistemas educacionais detectadas nos DIF, em nível de conteúdo, fornecem informações úteis pedagogicamente para o aprimoramento de ambos os sistemas de ensino. Do mesmo modo, Lambert et al. (2018) empregam o DIF para identificar estudantes com problemas emocionais e comportamentais, permitindo à instituição de ensino atuar de forma antecipada perante essa questão. Logo, o DIF pode ser utilizado como ferramenta potencial para auxiliar gestores e instituições de ensino superior públicas e privadas na atuação preventiva da evasão.
Mediante a aplicação de um instrumento de autorrelato denominado WWH--dropout scale - when, why and how to measure propensity to drop out of undergraduate courses (Schmitt et al., 2020), a presente pesquisa tem como objetivo analisar a evasão no ensino superior presencial recorrendo à identificação de DIFs no contexto de duas IES - uma pública e a outra privada comunitária.1
METODOLOGIA
Descrição das amostras
A IES pública participante da pesquisa é denominada grupo referência e base para o desenvolvimento do instrumento WWH-dropout scale, de autoria de Schmitt et al. (2020), aplicado a uma amostra de 789 estudantes iniciantes da graduação em 19 cursos diferentes (12 bacharelados, três licenciaturas, quatro tecnológicos) do Instituto Federal Catarinense, Brasil. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob o Parecer n. 2.012.567.
A IES privada, denominada grupo focal nesta pesquisa, está situada no oeste de Santa Catarina. Participaram 14 cursos presenciais (13 bacharelados e 1 licenciatura), totalizando 217 acadêmicos que frequentavam o primeiro semestre da graduação. A aplicação do instrumento WWH-dropout scale para esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da UFSC, sob o Parecer n. 2.825.208.
Em ambos os grupos, referência e focal, o instrumento WWH-dropout scale foi aplicado na oitava semana do início da graduação, de forma presencial, impresso, tendo como critério de inclusão dos participantes estudantes matriculados e frequentando o ensino superior presencial da universidade, de diversos cursos, turnos, períodos, com carga horária total ou parcial, com bolsa ou não, que aceitaram o convite para participar. Foram excluídos da pesquisa os acadêmicos que nega- ram o convite para participar e aqueles ausentes no momento da coleta dos dados.
Entre as principais diferenças entre as IES participantes, está o pagamento de mensalidade na instituição privada. O valor médio por crédito no momento da coleta de dados (2019) era de R$ 59,31, com desvio padrão de R$ 9,47. O acadêmico cursava, em média, 24 créditos por semestre (mensalidade média R$ 1.423,60), com 80% dos cursos no período noturno, sendo que 70,6% dos estudantes que participaram da pesquisa trabalhavam no período diurno. Na IES pública não há mensalidades, 71% dos cursos são ofertados no período diurno e somente 11% dos entrevistados trabalhavam no período diurno.
Modelo teórico
O modelo teórico de Tinto (1975) é considerado referência para explicar o abandono/evasão (Ambiel, 2015; Cocoradă et al., 2021; Gómez Gallego et al., 2021; Schmitt et al., 2020), especialmente na área educacional (Gómez Gallego et al., 2021). Similarmente, esse aspecto foi referenciado para a evasão durante o isolamento decorrente da pandemia de covid-19 (Teuber et al., 2021), período em que o estudante apresentou redução significativa na satisfação com o estudo devido à restrição da integração social (Marczuk et al., 2021).
Atualmente, a integração social dos estudantes ganha relevância, fato que contribui para elucidar a percepção do egresso e do evadido (Piepenburg & Beckmann, 2021; Santos et al., 2021), corrobora para identificar as atuais necessidades de adaptação institucional (Rochin Berumen, 2021) e é utilizado para avaliar a qualidade da formação universitária (Perchinunno et al., 2021). Portanto, justifica-se o modelo teórico de Tinto (1975) como base referencial atual e sua evolução para predizer a evasão.
Tinto (1975) baseou-se nas ideias de Durkheim a respeito do suicídio, ação que seria produto de uma integração insuficiente à sociedade, seja do ponto de vista moral, seja pela falha de afiliação coletiva. A partir dessas ideias, Tinto propôs um modelo explicativo do processo de evasão do ensino superior com foco na integração e no engajamento acadêmico e social do estudante à instituição de uma forma geral (Ambiel, 2015; Schmitt et al., 2020). Fatores pessoais, como a falta de integração acadêmica ou social, são mais influentes na evasão durante o primeiro ano acadêmico, enquanto fatores institucionais, como qualidade do ensino e da equipe e interações entre estudantes, são mais cruciais para determinar o abandono nos anos posteriores (Schmitt et al., 2020; Willcoxson et al., 2011). O modelo conceitual deste estudo é apresentado na Figura 1.
O modelo conceitual para predizer a evasão (Figura 1) considera a integração acadêmica e social, determinada por meio da vivência na instituição após ingresso e observada por quatro aspectos: curso e conteúdo (A), fatores pessoais (B), estrutura e suporte (C) e ambiente escolar (D).
O aspecto curso e conteúdo (A) inclui os seguintes elementos: afinidade e escolha do curso; relação do curso com os objetivos pessoais; importância dos conteúdos para a formação; relação teoria e prática nas disciplinas; atendimento das expectativas no curso; contribuição do curso para a formação profissional; sistema de avaliação; desempenho acadêmico; e carga horária semanal do curso. Para fatores pessoais (B), os seguintes elementos são considerados: tempo disponível para realizar atividades extraclasse; possibilidade de conciliar trabalho e estudo; motivação com os estudos; transporte para ir e vir para a instituição; base de conhecimentos prévios adquiridos nos níveis anteriores; e incentivo e apoio da família ou de pessoas importantes para o estudante. O aspecto estrutura e suporte (C) comporta: apoio pedagógico; estrutura física em geral (laboratórios, salas de aula, biblioteca, entre outros espaços); metodologias de ensino adotadas pelos professores; interesse dos professores pela aprendizagem; orientação da coordenação de curso; e informações sobre o funcionamento do curso e/ou da instituição. Por fim, para ambiente escolar (D), são incluídos: sentimento de bem-estar como estudante na instituição; relacionamento com os professores e colegas; integração; e acolhimento no ambiente escolar.
Seguindo a ideia de Spady (1970) e Tinto (1975), a hipótese é que a interação do estudante com os elementos desses quatro aspectos irá influenciar seu nível de satisfação com o ambiente acadêmico. Finalizando, a decisão do estudante em permanecer no curso ou evadir-se é influenciada por sua satisfação nesse ambiente. Espera-se que, quanto mais satisfação se tenha com o curso e com a IES (II), maior seja a integração social e acadêmica (I), e, consequentemente, torna-se menor a probabilidade de abandonar o curso (III).
Outras propostas de modelos teóricos são encontradas na literatura. Por exemplo, Song et al. (2023) apresentam o modelo preditivo para evasão com três dimensões: fatores pessoais, fatores familiares e fatores escolares. Ambiel (2015) também relaciona diferentes fatores - estrutura e funcionamento institucional, vivências pessoais e familiares, falta de suporte financeiro, carreira, desempenho acadêmico, relacionamentos interpessoais e autonomia pessoal - ajustados em modelo unidimensional pela Teoria da Resposta ao Item (TRI). No entanto, o modelo teórico de Ambiel (2015) difere do modelo teórico desta pesquisa (Schmitt et al., 2020) apresentado na Figura 1, pois Ambiel (2015) aborda também os aspectos socioeconômicos e familiares, sendo que sua escala foi planejada para ser aplicada no término do primeiro ano de graduação, entre de novembro e dezembro. O estudo citado é coerente com Willcoxson et al. (2011), para quem fatores institucionais, como a qualidade de ensino, são determinantes nos anos posteriores. Entende-se que, ao identificar precocemente o estudante propenso a evadir, a IES pode atuar de forma preventiva, se antecipando ao abandono. Nesse contexto, o instrumento WWH-dropout scale (Tabela 5) (Schmitt et al., 2020) foi planejado para ser aplicado no início da graduação, aproximadamente oito semanas após o início das aulas. Portanto, os instrumentos de Schmitt et al. (2020) e Ambiel (2015) se consolidam como estratégias para as IES diante do problema da evasão e são adaptados para momentos diferentes da vida acadêmica.
Descrição do instrumento
O instrumento utilizado neste estudo de caso, denominado WWH-dropout scale (Schmitt et al., 2020), foi elaborado a partir dos potenciais preditores pertencentes ao modelo teórico de Tinto (1975) e sua evolução. É composto de 29 itens (Tabela 5) que apreciam as percepções pessoais do estudante no convívio na IES, sua afinidade com o curso escolhido, a relação com os interesses pessoais, carga horária semanal e a possibilidade de conciliá-la com trabalho e/ou família, suporte pedagógico, relação dos conteúdos aprendidos com o mercado de trabalho escolhido, sistema de avaliação e desempenho do estudante, bem-estar e acolhimento do estudante na IES, com colegas e professores, tempo e motivação para estudar e realizar as tarefas, e apoio familiar. Consiste em um instrumento de autorrelato, em que o estudante expressa ou manifesta sua opinião, sentimentos e percepções pessoais sobre seu nível de integração social e acadêmica, com resposta gradual em três níveis: 0. Insatisfeito; 1. Satisfeito; 2. Muito satisfeito. Por conseguinte, quanto menor seu nível de integração social e acadêmica, mais insatisfeito se mostra o estudante e maior é a probabilidade de evasão. Conquanto o modelo conceitual seja composto de quatro aspectos - curso e conteúdo (A), fatores pessoais (B), estrutura e suporte (C) e ambiente escolar (D), o que condiz com o caráter multifacetário do fenômeno evasão (Paksi et al., 2023), e possa ser observado na estrutura interna, deseja-se testar a hipótese de que há um fator dominante no fenômeno, podendo assumir o pressuposto da unidimensionalidade. O ajuste para um modelo unidimensional está vinculado a esse fator dominante que explica a propensão à evasão, com, pelo menos, 20% da variância explicada no primeiro fator (Reckase, 1979), adicionalmente observando-se os indicadores de qualidade de ajuste do modelo, como RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation), CFI (Comparative Fit Index) e TLI (Tucker-Lewis Index) (Brown, 2015) e demais indícios de ajustes. A análise estatística está descrita a seguir.
Análise estatística
A análise estatística foi organizada em quatro etapas: análise fatorial exploratória e confirmatória; Alfa de Cronbach (Cronbach, 1951); método de regressão logística (RL) (Swaminathan & Rogers, 1990); e máxima verossimilhança marginal para escala gradual (Samejima, 1968). O processamento estatístico dos dados para cada etapa da análise foi realizado no Programa R® versão 4.1.1 (R Core Team, 2018). Os parâmetros dos itens e os escores de propensão à evasão foram estimados com o pacote Mirt (Chalmers, 2012), com média zero e desvio padrão um (0,1).
O modelo de Samejima (1968) utilizado para respostas graduais (Andrade et al., 2000) é apresentado pela equação (1):
Em que i = 1,2,...I (I é o número total de itens); j = 1, 2, ... n (n é o número total de respondentes); k
i
= 0, 1, ... m
i
(m
i
é o número de categorias -1 do i-ésimo item); b
i,k
é o parâmetro de dificuldade da k-ésima categoria do item i; a
i
é o parâmetro de discriminação do item i;
Para a análise do funcionamento diferencial do item, foi utilizado o modelo de regressão logística (RL) conforme descrito por Swaminathan e Rogers (1990), por apresentar maior robustez em modelos TRI (Lee et al., 2021).
Foram identificados os itens âncoras para fazer a inferência da distribuição de características latentes adaptadas para a realidade pertinente ao grupo em análise (Chen et al., 2023), a fim de recalibrar o item portador de DIF a partir da metodologia da TRI (Ma et al., 2021), ou seja, o DIF está sendo analisado com evidências de validade com base na estrutura interna (Gómez-Benito et al., 2018). A probabilidade marginal do vetor de resposta x
j
em relação aos parâmetros dos itens e à distribuição a priori das habilidades
A apresentação da localização dos itens na escala de propensão à evasão empregou a metodologia Wrigth Map (Irribarra & Freund, 2020) do software R, item-person maps, a partir de parâmetros de itens para modelo politômico gradual.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pressupostos para verificação da presença de DIF
A adequação da amostra foi verificada pela análise fatorial, juntamente com a consistência geral dos dados, pelo teste KMO (Kaiser Meyer Olkin) (Tabela 1).
GRUPO REFERÊNCIA1 | GRUPO FOCAL2 | |
---|---|---|
KMO (Kaiser Meyer Olkin) | 0,92 | 0,82 |
Fonte: (1) Schmitt et al. (2020); (2) dados desta pesquisa.
Ambos os grupos, referência e focal (Tabela 1), apresentam KMO superiores a 0,6 (Kaiser, 1974) e também a 0,8 (Reckase, 1979), ou seja, nas amostras, a proporção da variância entre as variáveis do teste é adequada à aplicação da aná- lise fatorial.
A qualidade do ajuste para o modelo unidimensional (Tabela 2) foi verificada com os índices de ajuste da análise fatorial confirmatória, RMSEA, CFI e TLI, classificados por Brown (2015) como satisfatórios para ambos os grupos.
GRUPO REFERÊNCIA1 | GRUPO FOCAL2 | |
---|---|---|
RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation) | 0,08 | 0,06 |
CFI (Comparative Fit Index) | 0,93 | 0,95 |
TLI (Tucker-Lewis Index) | 0,92 | 0,94 |
Fonte: (1) Schmitt et al. (2020); (2) dados desta pesquisa.
Na observação da dimensionalidade para o grupo focal, a matriz de correlação policórica revela que a primeira dimensão explica 26,23% da variabilidade, enquanto a segunda apenas 18,4%, a terceira 13,3%, a quarta 11,8% e a quinta 2%, podendo-se concluir que há um fator dominante na estrutura. No grupo referência, a variância explicada no primeiro fator foi superior a 40% (Schmitt et al., 2020). Ambos os grupos atendem ao critério de, pelo menos, 20% de variância no primeiro fator (Reckase, 1979).
O resultado da análise da estrutura empírica é condizente com os quatro aspectos considerados no modelo teórico do instrumento (Figura 1): curso e conteúdo; fatores pessoais; estrutura e apoio da instituição; e ambiente escolar. De fato, a evasão é reconhecida como um “fenômeno multifacetado e multicausal, atrelado a fatores pessoais, sociais e institucionais” (Dore et al., 2014, p. 386). Contudo, foi possível ajustar um modelo unidimensional, pois identificou-se a presença de um fator dominante na estrutura que atendeu aos limites dos índices de ajuste do modelo unidimensional. Uma vez que a unidimensionalidade consiste em investigar se o conjunto de itens do instrumento está medindo um único traço latente (Andrade et al., 2000; Reckase, 1979), fundamentando-se no modelo teórico apresentado, na validação do conteúdo por experts e na validade baseada na estrutura interna o fator dominante que se destacou foi denominado propensão à evasão.
Acrescentando sustentação à hipótese de unidimensionalidade, conforme Hair et al. (2019) - cargas fatoriais dos itens entre 0,30 e 0,50 mediano, acima de 0,5 desejável -, todos os itens do instrumento apresentam carga fatorial superior a 0,30 para o grupo focal, exceto o item 29, que se refere ao incentivo aos estudos pela minha família ou pessoas importantes para mim. Quanto às comunalidades, que indicam a quantidade de variância explicada pela carga fatorial para cada variável - desejável acima de 0,20 (Tezza et al., 2018), ou 0,30 (Hair et al., 2019) -, o item 29 foi o único com resultado de comunalidade baixa (0,0309).
Para o item 29, incentivo aos estudos pela minha família ou por outras pessoas importantes para mim, há evidências de que os dados do grupo focal não contêm informações paramétricas suficientes para análise do DIF (Drasgow et al., 2018). Isso ocorre porque, na amostra do grupo focal, no item 29, os respondentes se posicionaram da seguinte forma: 72% na categoria 2 (totalmente satisfeito); 27% na categoria 1 (parcialmente satisfeito) e 1% na categoria zero (insatisfeito). O número reduzido de respondentes que assinalaram a categoria insatisfeito com o incentivo aos estudos pela minha família revela a dependência emocional e financeira da transição do ensino médio para o ensino superior no momento da coleta de dados, aproximadamente oito semanas após o início da graduação. Portanto, a identificação do DIF pode estar com viés (Drasgow et al., 2018; Spenassato, 2017).
Os resultados do grupo referência para o item 29 foram similares: 68% na categoria 2 (totalmente satisfeito); 28% na categoria 1 (parcialmente satisfeito); e 4% na categoria zero (insatisfeito). A identificação de alguns respondentes a mais posicionados na categoria insatisfeito (Schmitt et al. 2020) possibilita inferir os parâmetros do item 29.
Evidências da importância do apoio familiar na decisão de evasão justificam a permanência do item 29, considerando os parâmetros fixos provenientes do grupo referência. Segundo Piepenburg e Beckmann (2021), a decisão de evadir é influenciada pela falta de suporte financeiro, psicológico e vivência familiar. Ainda, para Ambiel et al. (2016), o apoio familiar é importante na prevenção à evasão, estando relacionado com as condições financeiras para se manter no curso escolhido. De acordo com Tinto (2006), a transição do ensino médio para a educação superior é um momento crítico que demanda apoio da IES e da família. Contudo, as expectativas da família em relação ao futuro do estudante podem interferir ou retardar a decisão de evadir, por receio do estudante em desapontar a família.
Ao verificar as estimativas dos parâmetros dos itens para grupo focal pelo modelo de resposta gradual de Samejima (1968) na escala (0,1), contendo a discriminação (parâmetro a), a dificuldade (parâmetro b) e seus respectivos erros de estimativa (EP), confirma-se que o grupo focal não dispõe de informação paramétrica suficiente para calibrar o item 29, com parâmetro a (0,304) menor que 1 e elevado erro de estimativa (EP = -10,80). Excluído o item 29, a precisão do instrumento com os dados do grupo focal foi analisada pelo coeficiente de Alfa de Cronbach (α) (Tabela 3), classificada quase perfeita se maior que 0,80 e substancial de 0,61 a 0,80 (Cronbach, 1951) para ambos os grupos, ou indicando excelente precisão (Hair et al., 2019).
GRUPO REFERÊNCIA1 | GRUPO FOCAL2 | |
---|---|---|
Alfa de Cronbach (α) | 0,920 | 0,901 |
Fonte: (1) Schmitt et al. (2020); (2) dados desta pesquisa.
Para o grupo focal, com exceção do 29, os demais itens possuem informação para verificação da presença do funcionamento diferencial do item.
Funcionamento diferencial do item para grupo referência e grupo focal
As diferenças entre as proporções de respostas coincidentes entre os grupos referência e focal foram consideradas discrepantes, acima de 0,15 (Fung, 2010). Na Tabela 4 são expostos os itens que apresentaram DIF.
ITEM | CONJUNTO DE FATORES | DIF |
---|---|---|
10 - Sistema de avaliação | C1 - Curso e conteúdos | 0,195 |
11 - Desempenho no curso até o momento | C1 - Curso e conteúdos | 0,159 |
Fonte: Grupo referência: Schmitt et al. (2020); grupo focal: dados desta pesquisa. Item = parte integrante do instrumento de propensão à evasão; conjunto de fatores = agrupamento de fatores que contribuem para a evasão no instrumento WWH-dropout scale (Schmitt et al., 2020).
No conjunto de fatores que contribui para a evasão no aspecto do curso, os itens 10 e 11 apresentaram funcionamento diferencial.
O item 10 contempla o sistema de avaliação de desempenho dos estudantes realizado pela IES e tem como objetivo preparar o estudante concluinte para o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e para o mercado de trabalho em consonância com o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), as diretrizes específicas para cada curso, entre outros. Nesse contexto, pequenas variações no sistema de avaliação da própria IES, como a média ou as oportunidades de recuperação da nota, podem interferir na opinião do estudante sobre o próprio desempenho para o sistema vigente de avaliação, além do curto período de vivência do estudante com o sistema de avaliação no momento de aplicação do instrumento, tanto no grupo referência como no grupo focal. Portanto, o item 10 configura a percepção/impressão do estudante. Nesse caso, o DIF pode representar as diferentes formas ou contexto em que o sistema de avaliação foi apresentado ao estudante (e suas variações), seja por meio dos professores, da coordenação, seja por outros estudantes com maior vivência na IES.
O item 11, referente ao desempenho do estudante no curso até o momento (Tabela 5), consiste na opinião do estudante sobre o seu desempenho nas atividades ofertadas até o momento da coleta de dados e não representa uma avaliação oficial ou uma observação do professor. Devido ao curto período do início das aulas até o momento da coleta de dados em ambas as amostras, o conhecimento prévio do estudante pode ter influenciado nessa percepção, ou seja, estudantes com melhor desempenho no ensino médio tendem a acessar cursos de maior concorrência, geralmente ofertados por instituições públicas (grupo referência). As habilidades, como cálculos, interpretação de texto e solução de situações-problema, observadas no término do ensino médio, são a base para o início da vida acadêmica. Acrescenta- -se a esse resultado a influência da opinião do próprio estudante sobre o sistema de avaliação observada no item 10, demonstrando relação entre a percepção do sistema de avaliação e o desempenho (Bielschowsky, 2019).
Estudantes de IES públicas apresentam um desempenho médio superior se comparado ao de estudantes de IES privada (Duarte et al., 2021; Rocha et al., 2019). Tais diferenças iniciam-se nos processos seletivos (Hossler et al., 2019) mais concorridos nas IES públicas, que resultam na seleção de estudantes mais bem preparados nas etapas anteriores ao ensino superior (Costa et al., 2018), o que contribui para o melhor desempenho do estudante da IES pública. O desempenho do estudante (item 11), descrito por Duarte et al. (2021), Von Hippel e Hofflinger (2020) e Rocha et al. (2019), e o sistema de avaliação acadêmica (item 10), descrito por Von Hippel e Hofflinger (2020), são importantes preditores da evasão estudantil, apontados por Davoglio et al. (2016) como fatores motivadores da permanência em casos de sucesso e indicativo de necessidade de assistência estudantil. Portanto, o funcionamento diferencial dos itens 10 e 11 é indício da robustez preditora do instrumento utilizado - WWH-dropout scale (Schmitt et al., 2020).
Nos pressupostos para verificação do DIF, os itens 10 e 11 apresentaram evidências de que os dados do grupo focal contêm informações paramétricas suficientes para análise do DIF, bem como para recalibrar tais itens. Nesse contexto, é possível ajustar a régua para a realidade de cada grupo (Midkiff et al., 2018). Assim, após identificar os itens livres de DIF que mantêm os parâmetros fixos (Ma et al., 2021; Valentini, 2019) e aplicação da equalização, foi possível predizer o escore adaptado para a realidade de cada grupo (Lee et al., 2021).
Os parâmetros dos itens 1 a 9 e 12 a 29 são invariantes para as duas populações (grupo referência - GR e grupo focal - GF) (Tabela 5), pois não apresentaram DIF e já foram estimados por Schmitt et al. (2020) como pré-requisito de escore não viesado (Lee et al., 2021). Para este estudo, a diferença nas realidades estruturais das IES públicas e privadas resultou na variância dos parâmetros para apenas dois itens, 10 e 11, reposicionados no instrumento WWH-dropout scale. Foi realizada a estimação dos parâmetros dos itens por máxima verossimilhança marginal, sendo a discriminação o parâmetro a; o parâmetro dificuldade, nessa pesquisa, refere-se ao nível de satisfação representado por parâmetro b para o modelo gradual com três níveis, ou seja, b 1 = parcialmente satisfeito e b 2 = totalmente satisfeito e seus respectivos erros de estimativa (EP) (Tabela 5).
ITENS | VIVÊNCIA NO CURSO/INSTITUIÇÃO | A | EP(A) | B 1 | EP(B 1 ) | B 2 | EP(B 2 ) | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
01 | Curso e conteúdo | Afinidade com o curso escolhido | 1,464 | 0,12 | -2,747 | 0,21 | 0,287 | 0,07 |
02 | Relação do meu curso com meus interesses pessoais | 1,249 | 0,11 | -2,867 | 0,24 | 0,058 | 0,08 | |
03 | Carga horária semanal do curso | 1,222 | 0,11 | -2,481 | 0,20 | 0,149 | 0,08 | |
04 | Esclarecimento de dúvidas quanto ao conteúdo das disciplinas | 1,677 | 0,13 | -1,885 | 0,13 | 0,411 | 0,07 | |
05 | Importância dos conteúdos que aprendo | 1,439 | 0,12 | -2,79 | 0,22 | -0,101 | 0,07 | |
06 | Compreensão dos conteúdos das disciplinas | 1,531 | 0,12 | -2,008 | 0,14 | 0,948 | 0,09 | |
07 | Relação entre teoria e prática nas disciplinas | 1,804 | 0,13 | -1,596 | 0,11 | 0,902 | 0,08 | |
08 | Atendimento de minhas expectativas no curso | 2,278 | 0,17 | -2,021 | 0,12 | 0,504 | 0,06 | |
09 | Contribuição do curso para minha formação profissional | 1,953 | 0,16 | -3,004 | 0,23 | -0,24 | 0,06 | |
10GR | Sistema de avaliação utilizado no curso | 1,840 | 0,14 | -2,290 | 0,15 | 0,450 | 0,07 | |
10GF | 1,6568 | 0,13 | -2,4740 | 0,16 | 0,3513 | 0,08 | ||
11GR | Desempenho no curso até o momento | 1,220 | 0,11 | -1,840 | 0,15 | 1,220 | 0,12 | |
11GF | 1,2070 | 0,12 | -2,0138 | 0,14 | 1,1136 | 0,13 | ||
12 | Estrutura e apoio da instituição | Apoio pedagógico (monitoria, atendimento dos professores, aulas de reforço, etc.) | 1,902 | 0,15 | -2,184 | 0,14 | 0,199 | 0,06 |
13 | Estrutura física em geral: sala de aula, biblioteca, laboratório, etc. | 1,045 | 0,10 | -2,655 | 0,24 | -0,007 | 0,08 | |
14 | Metodologias de ensino adotadas pelos professores | 2,028 | 0,15 | -1,775 | 0,11 | 0,563 | 0,07 | |
15 | Interesse dos professores pela minha aprendizagem | 1,945 | 0,15 | -2,045 | 0,13 | 0,142 | 0,06 | |
16 | Obtenção de orientações da coordenação do curso quando solicitadas | 1,756 | 0,14 | -2,495 | 0,17 | 0,025 | 0,06 | |
17 | Disponibilidade de informações sobre o funcionamento do curso e/ou da instituição | 1,573 | 0,13 | -2,704 | 0,20 | 0,021 | 0,07 | |
18 | Ambiente escolar | Bem-estar como estudante nesta instituição | 1,571 | 0,13 | -2,653 | 0,20 | -0,358 | 0,07 |
19 | Relacionamento com os professores | 2,214 | 0,18 | -3,097 | 0,24 | -0,266 | 0,06 | |
20 | Relacionamento com os colegas de sala | 1,556 | 0,13 | -3,164 | 0,26 | -0,535 | 0,07 | |
21 | Integração e acolhimento do estudante no ambiente escolar | 1,828 | 0,15 | -3,056 | 0,24 | -0,292 | 0,06 | |
22 | Interação com os professores fora do espaço das aulas | 1,479 | 0,12 | -2,798 | 0,22 | 0,469 | 0,08 | |
23 | Fatores pessoais | Tempo disponível para realizar as atividades extraclasse | 1,011 | 0,09 | -1,271 | 0,13 | 1,626 | 0,15 |
24 | Possibilidade para conciliar as atividades do curso com atividades de lazer ou familiar | 1,019 | 0,09 | -1,076 | 0,12 | 1,661 | 0,16 | |
25 | Motivação com os estudos | 1,988 | 0,15 | -1,811 | 0,11 | 0,36 | 0,06 | |
26 | Possibilidade de conciliar o trabalho e o estudo | 0,942 | 0,09 | -1,134 | 0,13 | 1,837 | 0,19 | |
29 | Incentivo aos estudos pela minha família ou por outras pessoas importantes para mim | 1,080 | 0,11 | -3,403 | 0,33 | -0,867 | 0,10 |
Fonte: Instrumento e parâmetros fixos: grupo referência (GR) - Schmitt et al. (2020), itens 1 a 9 e 12 a 29; parâmetros novos: dados desta pesquisa, grupo focal (GF), itens 10 e 11.
EP: erro padrão da estimativa; a: parâmetro de discriminação; b 1 : parcialmente satisfeito; b 2 : totalmente satisfeito.
Na disposição dos itens do instrumento WWH-dropout scale para item-person map (Figura 2), os parâmetros de dificuldade para os itens 10 e 11 foram reposicionados para baixo, na direção de alta propensão à evasão. Com o novo posicionamento desses itens, há evidências de que o sistema de avaliação de aprendizagem do estudante no grupo focal (IES privada), quando comparado com o grupo referência (IES pública), contribui mais para a evasão discente.
A contribuição do sistema de avaliação de aprendizagem do estudante ao processo de evasão (itens 10 e 11) remete às dificuldades de integração acadêmica identificadas por Tinto (1975). O autor afirma que a integração dos estudantes ao sistema acadêmico pode ser medida em termos de desempenho, nota e/ou conceito, e desenvolvimento intelectual durante o período em que o estudante permanece na universidade, sendo que o desempenho pertinente à nota do estudante relaciona-se de maneira mais direta com a incidência de alguns padrões explícitos do sistema acadêmico, enquanto o desenvolvimento intelectual aborda a identificação pessoal com as normas desse sistema. O momento da coleta de dados desta pesquisa, que contempla as primeiras semanas de aula do primeiro semestre de graduação, representa um importante período de adaptação ao meio acadêmico, quando o estudante se encontra deslumbrado por ingressar no ensino superior, movido pela esperança em conquistar o futuro profissional e envolto por desafios e superações pessoais. A diferença da influência na evasão para o desempenho na avaliação de aprendizagem dos estudantes entre as IES pública e privada tem relação com o processo seletivo para ingresso na IES pública, que exige mais dedicação ao estudo, quando comparado com a IES privada. O estudante sente-se mais preparado para as primeiras avaliações de aprendizagem da IES pública e tende a sentir-se mais satisfeito por ter sido aprovado em um processo mais concorrido (Soares et al., 2019). Tinto (1975) afirma, ainda, que os indivíduos cujas ações resultam em evasões espontâneas ou voluntárias apresentam, de maneira geral, índices de desempenho melhores, ao passo que os estudantes motivados a desligamentos institucionais registram notas mais baixas.
A interpretação do instrumento WWH-dropout scale permanece inalterada, conforme apresentada na Tabela 6 e elaborada conforme grupo referência (Schmitt et al., 2020).
PROPENSÃO À EVASÃO | INTERPRETAÇÃO |
---|---|
ALTO Escore < -1,5 |
O aluno neste nível sente-se insatisfeito em relação a todos os aspectos avaliados no instrumento. |
MODERADO Escore -1,5 até 0 |
As características do aluno do nível moderado de propensão à evasão são: • sente-se parcialmente satisfeito em todos os itens do aspecto de estrutura e apoio da instituição; • ambiente escolar: parcialmente satisfeito na interação com os professores fora do horário das aulas e totalmente satisfeito em relação aos demais itens; • no aspecto de curso e conteúdo sente-se parcialmente satisfeito com os seguintes itens: carga horária, afinidade, relação com interesses pessoais, atendimento das expectativas, esclarecimento de dúvidas do conteúdo, motivação, compreensão dos conteúdos, relação teoria e prática, sistema de avaliação e desempenho no curso até o momento; e totalmente satisfeito em relação à importância dos conteúdos e contribuição do curso para a formação profissional; • nos fatores pessoais, em relação ao incentivo da família, sente-se totalmente satisfeito e parcialmente satisfeito nos elementos tempo disponível para realizar atividades extraclasse, conciliar trabalho e estudo e atividades do curso com atividades de lazer ou outros compromissos e motivação. |
BAIXO Escore 0 até 2,0 |
No item conciliar trabalho e estudo, o aluno neste nível demonstra-se ainda parcialmente satisfeito e sente-se totalmente satisfeito nos demais aspectos avaliados no instrumento. |
MUITO BAIXO Escore > 2,0 |
O aluno neste nível sente-se totalmente satisfeito em relação a todos os aspectos avaliados no instrumento. |
Fonte: Adaptado de Schmitt et al. (2020).
Em consonância com a interpretação da escala de propensão à evasão (Tabela 6) que permanece inalterada para os grupos referência (IES pública) e focal (IES privada), observa-se que, no grupo focal, 5,53% dos estudantes que participaram da amostra possuem a pontuação do escore menor que -1,5 ponto (Figura 2) e são classificados com alta propensão à evasão. Esse resultado é levemente superior ao percentual (5%) apresentado pelo grupo referência (Schmitt et al., 2020), enfatizando a similaridade das taxas de propensão à evasão em ambos os grupos, e representa os estudantes que estão insatisfeitos com todos os aspectos avaliados no instrumento. Tal percentual está em concordância com o Censo de Educação Superior, que divulgou índice de evasão levemente superior em IES privada, quando comparado com IES pública (Inep, 2022).
Os estudantes com escore entre -1,5 e 0 pontos, valores apresentados na escala da Figura 2, são classificados com moderada propensão à evasão (Tabela 6) e representam 43,34% do grupo focal e 48,8% do grupo referência. Esses estudantes sentem-se parcialmente satisfeitos com a estrutura e o apoio da IES, interação com os professores, carga horária, afinidade, relação com interesses pessoais, atendimento das expectativas, esclarecimento de dúvidas e motivação, tempo disponível para a realização das atividades extraclasse, conciliar trabalho e estudo, atividades do curso com atividades de lazer ou outros compromissos. Os mesmos estudantes estão totalmente satisfeitos em relação aos demais itens.
Os estudantes com escore entre 0 e 2,0 pontos apresentados na escala da Figura 2 são classificados com baixa propensão à evasão (Tabela 6) e representam 50,69% do grupo focal. Esse percentual é 5,69% superior se comparado com o do grupo referência (45%). São os estudantes que estão parcialmente satisfeitos com a possibilidade de conciliar o trabalho com o estudo e totalmente satisfeitos com os demais itens avaliados no instrumento.
Os estudantes com escore superior a 2,0 pontos (Figura 2), classificados com propensão à evasão muito baixa (Tabela 6), representam apenas 0,5% do grupo focal e 1,2% do grupo de referência.
Ou seja, comparando os escores dos estudantes do grupo referência com os do grupo focal, neste há uma concentração maior de estudantes classificados com propensão à evasão baixa, compensando a redução na categoria propensão à evasão muito baixa.
Portanto, a distribuição dos escores para o grupo focal (Figura 2) apresenta uma leve concentração entre os estudantes com alta propensão à evasão, consequentemente, a atuação preventiva à evasão se faz necessária, independentemente da categoria administrativa da IES (pública ou privada).
Vale ressaltar aos gestores das IES que a finalidade da WWH-dropout scale é a prevenção da evasão efetiva e não a sua quantificação. Todavia, há uma estreita relação entre os escores no WWH-dropout scale e a evasão efetiva que pode ser explorada mediante o acompanhamento do estudante com alta propensão a evadir (escore < -1,5). A permanência desse estudante é um indício de sucesso das ações adotadas pela IES no contexto de prevenção à evasão. Como resultado, verifica-se a redução nos indicadores de evasão efetiva. No entanto, para o acompanhamento do estudante propenso a evadir, outros indicadores e escalas são necessários, haja vista que a WWH-dropout scale é apropriada apenas para o período inicial do curso.
CONCLUSÕES
O presente estudo aplicou o instrumento WWH-dropout scale (Schmitt et al., 2020), construído com base no modelo teórico de Tinto (1975), e sua evolução, fundamentado na ideia de integração acadêmica e social. O instrumento se mostrou consistente e aplicável ao período inicial da graduação presencial e possibilitou alcançar o objetivo de analisar a propensão à evasão no contexto das IES pública e privada comunitária recorrendo à identificação de DIFs. Com robustas evidências de validade, os resultados demonstram que itens que abordam o sistema de avaliação e desempenho do estudante foram identificados com influência superior na evasão da IES privada em comparação à IES pública, o que pode cooperar com a gestão personalizada e antecipada da IES ante os desafios de prevenção à evasão.
Como limitações desta pesquisa, não foram contemplados no modelo teórico os aspectos socioeconômicos e background do estudante e da família, fatores que possibilitam estudos futuros sobre DIF com questões relacionadas à dificuldade financeira. Para pesquisas futuras, sugere-se o estudo da relação entre os escores do estudante propenso a evadir, WWH-dropout scale e a evasão efetiva, que pode ser explorada mediante o acompanhamento do estudante identificado com alta propensão de evadir (escore < -1,5) durante toda a sua vida acadêmica. Outras escalas e indicadores são necessários para efetivar o acompanhamento desse estudante, sendo sua permanência um indício de sucesso das ações adotadas pela IES no contexto de prevenção à evasão. Ainda, pode-se desenvolver o estudo de um modelo multidimensional que expresse com detalhes o poder preditivo das dimensões envolvidas na evasão.