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Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação

versión impresa ISSN 0104-4036versión On-line ISSN 1809-4465

Ensaio: aval. pol. públ. educ. vol.32 no.123 Rio de Janeiro  2024  Epub 03-Mayo-2024

https://doi.org/10.1590/s0104-40362024003201231 

ARTIGO

Tecendo a manhã de um tempo novo

Sonia Martins de Almeida Nogueiraa 

Sonia Martins de Almeida Nogueira: Mestra e Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do corpo editorial da revista Ensaio e professora aposentada do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.

nogueira@uenf.br
http://orcid.org/0000-0002-9584-880X

a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil.


Temos estado a tecer. Tecendo a manhã que temos desejado ver nascer desde os questionamentos mais incisivos que nos inquietaram nos anos 1960, quando a crise em que se encontrava a Educação se desvelava nos erros e deficiências percebidos e a escola, já não sendo compreendida como oficina do saber desde muito, não respondia às questões do como, por que e para que a Educação Escolar. Dottrens identificou essa crise na contestação dos estudantes, que descreveu como: “manifestação de sua revolta contra um estado de fato e contra as condições de vida que julgam inaceitáveis, impostas pelo estado de crise que caracterizava a evolução do mundo contemporâneo” (1973, p. 15). O autor expôs um cenário de que tivemos notícia nas manifestações estudantis que agitaram os anos 1960 e que, de algum modo, provocaram as reformas dos sistemas de Ensino nas décadas 1960/1970, abrangendo o Ensino Fundamental, o Ensino Médio e o Ensino Superior, promovidas por países europeus, países do oriente, países da África e países das Américas, como sabemos.

Havia, então, uma crise e, no Brasil, as reformas do sistema de Ensino nas legislações de 1961, 1968, 1971, 1982 e 1996 e a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, trouxeram disposições para que fossem elaboradas mudanças que permitissem responder às questões levantadas desde os anos 1960. E lemos em Tragtenberg (1979) que o problema central era socioeconômico-político, ao qual o aspecto educacional se vincula estreitamente, possuindo um nível de autonomia relativa nesse conjunto.

Demo (1993) argumentou sobre o desenvolvimento inexpressivo da Educação Básica. Libâneo, Oliveira e Toschi, já no início do século XXI, assinalaram que a introdução de reformas educativas constituiu “uma tendência internacional decorrente de necessidades e exigências geradas pela reorganização produtiva no âmbito das instituições capitalistas” (2003, p. 35). Feldmann (2003), por sua vez, apontou que diferentes concepções, diversas abordagens e diversos olhares atuavam no momento histórico e social, exigindo a atenção para a complexidade, ambiguidade e diversidade presentes e desafiando o desenvolvimento de políticas educacionais, que não se instauram desarticuladas de interesses políticos e econômico-sociais, permitindo-nos identificar estratégias introduzidas pelos sistemas e pelas políticas educacionais, regidas por propostas que ainda permanecem.

Ainda segundo Libâneo (2003), descentralização, autonomia das escolas, reorganização curricular, novas formas de gestão e direção das escolas, novas tarefas e responsabilidades do professorado constituíram estratégias destacadas desde o Plano Decenal de Educação para Todos, de 1993 e, acrescentamos, permanecem consideradas no Plano Nacional de Educação (PNE) 2024–2034.

Por que neste número de “Ensaio”, já na terceira década do século XXI, retomamos brevemente a descrição do cenário da crise da Educação presente no final do século XX e adentrando este século? A primeira razão toma forma a partir do olhar atento aos problemas atuais revelados por dados oficiais, pela produção acadêmica e em múltiplos espaços de discussão acadêmico-científica. A segunda razão é despertada pela recente divulgação, em janeiro, do PNE 2024–2034, elaborado na Conferência Nacional de Educação (Conae), apresentado como articulador do Sistema Nacional de Educação (SNE), enunciando: o acesso à Educação Básica; a Educação de jovens e adultos; a Educação profissional e tecnológica; a Educação Superior; a formação e valorização dos profissionais da Educação Básica; a gestão democrática e o financiamento da Educação, considerando o nível de alcance e níveis de execução. De algum modo, sublinha a presença das mesmas questões apontadas desde os anos 1960, às quais precisamos responder de uma forma mais vigorosa. Podemos identificá-lo como III PNE, pois foi antecedido pelo PNE 2001–2010 e PNE 2014–2024, que mobilizaram ampla discussão nacional, regional e local.

Percebemos que os artigos deste número de “Ensaio” não tratam diretamente sobre a questão do planejamento da Educação no Brasil em planos decenais, mas nos trazem questões que permanecem como temáticas relacionadas ao conjunto de objetivos definidos nesse planejamento. Os artigos se diversificam em suas teorias e metodologias e nos apresentam o cenário de questões inquietantes levantadas mais incisivamente desde os anos 1960 e que ainda estão presentes e nos desafiam, exigindo continuarmos a enfrentar cada uma delas, questões essas enunciadas no amplo spectrum do PNE.

O texto “Escolas no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes: análise bibliográfica de ações preventivas”, de Rafaela Maria Rodrigues e Roseli Rodrigues de Mello, traz um tema que continua provocando desconforto nos agentes escolares no Brasil, dando visibilidade ao problema da violência sexual e ao investimento na sua prevenção, como propõem as autoras, acentuando que já há produção nacional e internacional para fundamentar a formação continuada desses agentes.

“Estado democrático de direito, políticas de avaliação e Educação pública no Brasil” é um trabalho elaborado por Luciana Terra dos Santos Garcia e Evelyne Alzebaile com o objetivo de analisar as políticas de avaliação educacional no Brasil, pondo em foco as disposições da Constituição Federal de 1988 e as implicações do Estado Democrático de Direito na questão da Educação pública democrática. À luz das políticas de avaliação educacional praticadas, das possibilidades de democratização e de realização de uma efetiva qualidade da Educação Escolar são problematizadas as possibilidades de democratização e de realização de uma efetiva qualidade da Educação Escolar no Brasil.

Em continuidade, o texto de Álvaro Chrispino, Thiago Brañas de Melo e Renata Pereira Chrispino se acrescenta na seção de artigos desta edição. “Violências escolares: uma revisão de literatura baseada na Análise de Redes Sociais” apresenta a pesquisa realizada pelos autores, classificada como revisão de literatura, utilizando-se de análise das redes sociais. O artigo que segue reúne pesquisadores do Brasil, Portugal e Rússia, abordando a questão da reação de homens e mulheres à Educação a Distância durante a pandemia: “How did women and men react to remote education during the pandemic? The cases of Portugal and Russia”. Aleksander Veraksa, Susana Emília Oliveira e Sá, Cândido Alberto Gomes e Carlos Ângelo de Meneses Sousa conduziram uma pesquisa comparativa sobre a experiência de alunos de Educação Superior em curso de Educação a Distância. O trabalho se deteve nos resultados em relação ao gênero, em Portugal e na Rússia.

No artigo “Avaliação de Políticas Públicas: uma análise de artigos acadêmicos armazenados na base e-Aval”, Ligia Silva Leite, Lucia Regina Goulart Vilarinho, Sandra Maria Martins Redoyslio Ferreira e Sonia Regina Natal de Freitas consideram a interseção da área da avaliação com a Educação. Em sequência, está o texto de Andressa Maria Rezende Oliveira e José Rubens Lima Jardilino, que se detêm na discussão de “Os efeitos dos programas de formação de professores Obeduc e Pibid no desenvolvimento profissional dos docentes do Ensino Superior”, programas implementados que se destacam, como afirmam os autores, por serem programas que trazem elementos para a reflexão sobre teoria e prática, a proposição de temas de pesquisa e a aproximação entre escola e universidade, o que colabora para a constituição da identidade docente.

No estudo “Schooling inequality on standardized test scores and extended journey: an analysis of Pernambuco (Brazil) high school public system”, Hugo Augusto Vasconcelos Medeiros e Ruy de Deus e Mello Neto analisam a relação entre jornadas em tempo integral e desigualdade escolar, testando a hipótese da curva em U invertido. A pesquisa desenvolvida permitiu inferir que a equidade do resultado está mais ligada aos efeitos da diversidade da tipologia escolar, da localização das escolas e da forma como a região é desenvolvida e, num primeiro momento, descobrir que a relação segue a forma de U regular, com uma diminuição inicial e um aumento da desigualdade após o ponto crítico.

Permanecendo com a atenção voltada para a questão da Educação e das práticas docentes, o texto de Juliana Maciel de Souza, Ramona Fernanda Ceriotti Toassi e Maria Beatriz Luce, “Democratização do acesso à Educação Superior brasileira: o curso noturno de Odontologia na perspectiva da justiça social”, analisa a oferta de vagas no curso noturno de uma universidade federal, na perspectiva da democratização da Educação Superior com justiça social, trazendo à luz o cenário em que o curso noturno tem menor número de concluintes pretos e pardos e de egressos de escolas públicas do que os ingressados, o que as autoras apontam como indicador da fragilidade desses grupos na permanência e conclusão da Educação Superior, mas, assinalando a contribuição do curso para a justiça social na Educação Superior. Por sua vez, Amanda Franco e Maria Figueiredo, de Portugal, nos apresentam o tema “Investigando as próprias práticas docentes no Ensino Superior: A investigação em prol da docência”, oferecendo uma reflexão sobre as práticas docentes no Ensino Superior e formatos para a investigação dessas práticas.

Quatro pesquisadoras, que atuam em instituições situadas em Honduras, Costa Rica, Guatemala e Espanha, desenvolveram um estudo sobre “Inclusión educativa del alumnado en situación de discapacidad en las universidades públicas de Centroamérica y el Caribe. Perspectiva de diversos profesionales. Temos o texto de Eddy Paz-Maldonado, Zarelli Zibaja Trejos, Viviana Berrocal Carvajal e Ligia Oviedo Gasparico, que realizaram uma investigação em universidades públicas da região centro-americana e Caribe, investigação que faz parte de um projeto mais amplo que busca gerar apoio a esse alunado, identificando que os principais obstáculos para criar ambientes educativos inclusivos são: a falta de recursos econômicos, o escasso número de pessoal capacitado e a pouca formação dos docentes concernente a essa temática.

Rosilene Costa Vieira, Manolita Correia Lima e Danilo de Melo Costa desenvolveram uma investigação de caráter exploratório utilizando-se de pesquisa bibliográfica e de campo, buscando compreender de que modo a relação entre Estado, universidade e empresa tem contribuido para o recente desenvolvimento econômico da China: “State, university and industry: the evaluation of their contributions to China’s recent economic growth”.

Seguindo, o texto de Carolina Jeniffer e Valenzuela Bezerra nos traz do Chile uma abordagem da gestão educacional: “Políticas gerencialistas na gestão educacional em um contexto de quase-mercado educacional: gerenciar a mudança ou gestão da mudança?”, propondo-se a contribuir para o debate teórico sobre as políticas gerencialistas e seu papel no fortalecimento de uma visão instrumental da Educação que se baseia nos resultados académicos, estes como sinônimos de qualidade, e suas implicações no fazer docente. Diana Amber e Natália Alves, em seu artigo “Estudio biográfico-narrativo de experiencias universitarias en la madurez”, pretenderam comprender os fatores profissionais, sociais e pessoais envolvidos na experiência universitária dos estudantes adultos da Universidade de Lisboa realizando um estudo de vários casos através de uma análise narrativa biográfica da experiência académica de nove estudantes com mais de vinte e três anos de idade. Suas conclusões sublinham o valor da idade nos processos formativos como catalisador da aprendizagem experimental.

Claudio Moura Castro nos traz, na seção “Página Aberta”, seu estudo “Education Reform and the Law: An elusive partnership”, explorando os meandros da parceria entre reforma educacional e a lei, considerando que a interação entre Educação e a legislação é indescritível, cheia de perplexidades e desapontamentos.

Como podemos observar, este número da Ensaio traz a contribuição da Educação internacional, sustentando seu valor para difusão do conhecimento relativo aos países alvo dos estudos desenvolvidos e para a reflexão da Educação em nosso país. Também estão presentes as realidades nacionais e, em seu conjunto, o número traz questões que são de permanente atenção na realidade contemporânea.

Uma vez mais, percebemos que estamos ainda a tecer a manhã de um tempo novo na Educação, mas, como nos ensinou João Cabral de Melo Neto (2008), um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos para que a manhã se vá tecendo, cada um “que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro”. Assim, os textos que compõem este número participam desse despertar, tecendo a manhã que se elevará por si num tempo novo da Educação.

Referências

DEMO, P. Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes, 1993. [ Links ]

DOTTRENS, R. A crise da Educação e seus remédios. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. p. 15. [ Links ]

FELDMANN, M. G. Questões contemporâneas: mundo do trabalho e democratização do conhecimento. In: SEVERINO, A. J.; FAZENDA, I. C. A. (orgs.). Políticas educacionais: o ensino nacional em questão. Campinas: Papirus, 2003. p. 127-150. [ Links ]

LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003. p. 35. [ Links ]

MELO NETO, J. C. Tecendo a manhã. In: A Educação pela pedra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2008. [ Links ]

TRAGTENBERG, M. Educação brasileira: diagnóstico e perspectivas. In: RATTNER, H. (org.). Brasil 1990 caminhos alternativos do desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1979. p. 189-205. [ Links ]

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