1 Introdução
Os jovens constituem uma parcela da população com alto risco de desenvolver problemas de saúde mental durante a pandemia do COVID-19 (AKKAYA-KALAYCI et al., 2020). Embora apresentem baixo risco de contrair complicações físicas graves em decorrência do COVID-19, eles podem manifestar respostas emocionais negativas diante das medidas sanitárias para contenção do vírus, como o lockdown, o distanciamento social e a crise econômica associada (SHANAHAN et al., 2020). O fechamento de escolas e universidades em 191 países foi uma das medidas adotadas, em função da necessidade de reduzir a aproximação das pessoas na comunidade, o que impactou diretamente os jovens, atingindo cerca de 91,3% dos alunos, em média 1,5 bilhões de pessoas no mundo (UNESCO, 2020). Tendo em conta que os jovens são aqueles que vivenciam o maior número de encontros sociais, essas medidas massivas de distanciamento social podem ser percebidas por eles como um aprisionamento, passando a ideia de confinamento domiciliar, deixando-os mais propensos a desenvolver sofrimento psicológico (LAL et al., 2020).
Desse modo, entre os jovens universitários foi identificada grande vulnerabilidade a problemas de saúde mental (SON et al., 2020). Nesse público, observou-se aumento e agravamento de sintomas depressivos, de ansiedade, sentimento de solidão e o abuso de álcool durante a pandemia (HORIGIAN; SCHMIDT; FEASTER, 2020). Estima-se que a interrupção das aulas teve impacto direto e negativo nas reações emocionais, ou seja, no estado de bem-estar, estresse e humor dos alunos (COPELAND et al., 2020). É relevante destacar, como evento estressor, a transformação abrupta da prática tradicional de sala de aula para o método de ensino remoto e digitalizado (IIVARI; SHARMA; VENTÄ-OLKKONEN, 2020). Nesse sentido, levando em consideração que problemas de saúde mental são considerados uma das principais barreiras para o bom desempenho acadêmico (BRUFFAERTS et al., 2018), as universidades devem estabelecer uma força-tarefa para planejar e lidar com a crise desencadeada pela pandemia (SAHU, 2020).
Salienta-se que os estudantes universitários representam importante potência para o futuro da sociedade, desta forma, a saúde mental deles precisa ser investigada com seriedade (ZHAO et al., 2020). Diante deste contexto, torna-se necessário o desenvolvimento de ações e intervenções nos campi universitários, visando à elaboração de estratégias para que os acadêmicos possam lidar com o estresse, a depressão e a ansiedade, especialmente em tempos de pandemia (DHAR; AYITTEY; SARKAR, 2020; ROGOWSKA et al., 2020). Para tanto, uma forma de entender como o sofrimento psicológico em tempos de pandemia afeta os universitários é por meio do conceito de salutogênese (ERIKSSON, 2018).
1.2 Salutogênese
A teoria da salutogênese busca identificar recursos e capacidades do indivíduo em promover saúde (ERIKSSON, 2018). O modelo salutogênico é baseado em dois conceitos: Recursos de Resistência (RR) e Senso de Coerência (SOC). Os Recursos de Resistência se configuram como a resposta ou as estratégias desenvolvidas ao longo da vida que auxiliam uma pessoa a evitar ou neutralizar uma grande variedade de eventos estressores, dentre os quais se incluem os recursos generalizados (GRRs) e específicos (SRRs) (VAANDRAGER et al., 2022). Já o Senso de Coerência (SOC) reflete a visão de vida e a capacidade de uma pessoa a reagir a situações estressantes, ou seja, se expressa na orientação global em que o indivíduo é capaz de ver o mundo compreensível, gerenciável e significativo (ERIKSSON, 2022). Assim, entende-se que os dois conceitos são interligados, pois pessoas que possuem um SOC forte, compreendem melhor os eventos ao seu redor, sendo mais capacitadas a gerenciá-los e ver sentido em suas ações (SZOVÁK et al., 2020), uma vez que elas conseguem identificar e utilizar os recursos de resistência (RR) para manter e desenvolver sua saúde frente a eventos estressores (ERIKSSON; LINDSTROM, 2007).
O SOC tem um importante papel como moderador ou medidor de saúde, visto que ele é capaz de prever a saúde (ERIKSSON, 2006). Deste modo, o SOC pode ser considerado um poderoso fator de proteção para os universitários e utilizado para amortecer os impactos dos estressores na saúde mental causados pela pandemia, além de promover o bem-estar (BARNI et al., 2020). Assim, seria apropriado considerá-lo na elaboração das estratégias de intervenção nos campi universitários (REVERTÉ‐VILLARROYA et al., 2021). Nesse sentido, este estudo teve como objetivo analisar a prevalência de sintomas depressivos e os recursos de enfrentamento (senso de coerência) em estudantes universitários durante o distanciamento social, decorrente da pandemia de COVID-19. Além disso, buscou-se verificar a influência dos fatores sociodemográficos, dos recursos individuais e do suporte social e ambiental nas reações emocionais dos universitários. Possibilitando, desta forma, uma perspectiva de como está a saúde mental desses alunos, tal como avaliar a capacidade deles em identificar recursos de enfrentamento no contexto de pandemia.
2 Metodologia
Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa, descritivo-exploratório e transversal. Tendo em vista a crise sanitária vivenciada em decorrência da pandemia causada pelo COVID-19, no ano de 2020 e 2021, foi estipulado pelo Congresso Nacional, em conjunto com o Ministério da Educação, a realização de aulas e atividades pedagógicas não presenciais nas Instituições de Ensino Superior (IES) em todo o país (BRASIL, 2020). Logo, foram convidados para compor a amostra desta pesquisa universitários de graduação e pós-graduação, que receberam aulas remotas emergenciais. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Cesumar, respeitando os princípios éticos da pesquisa com seres humanos, proposto pelas Resoluções nº 466/2012 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
2.1 Participantes
O estudo contou com a participação de 242 estudantes de graduação e pós-graduação, maiores de 18 anos, que vivenciaram a experiência do regime emergencial de aulas não presenciais. A amostra caracterizou-se como não-probabilística, com a divulgação do link dos questionários pelas mídias sociais on-line. Desse modo, qualquer universitário, independente do curso, instituição de ensino ou localidade, poderia acessar o questionário e respondê-lo. Na composição da amostra predominou o sexo feminino (82,2%), jovens com idade de 18 a 24 anos (61,2%), solteiros (77.3%), com renda familiar de 1 a 3 salários-mínimos (31,8%), praticantes de alguma religião (71,5%), matriculados em cursos de graduação (76,3%) em psicologia (37%) e pedagogia (9,5%), em instituições de ensino superior privada (69,8%), predominantemente da região Sul do Brasil (76%), conforme apresentado na tabela 01.
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 199 | 82,2 |
Masculino | 43 | 17,8 |
Idade | ||
18-24 anos | 148 | 61,2 |
25-34 anos | 60 | 24,8 |
35-44 anos | 22 | 9,1 |
45 anos ou mais | 12 | 5,0 |
Estado Civil | ||
Solteiro | 187 | 77,3 |
União Estável | 14 | 5,8 |
Casado | 35 | 14,5 |
Divorciado | 6 | 2,5 |
Renda Familiar | ||
Nenhuma renda | 5 | 2,1 |
Até 1 salário-mínimo | 14 | 5,8 |
1 a 3 | 77 | 31,8 |
4 a 6 | 64 | 26,4 |
7 a 9 | 38 | 15,7 |
10 a 14 | 30 | 12,4 |
15 a 19 | 6 | 2,5 |
20 salários-mínimos ou mais | 8 | 3,3 |
Religião | ||
Sem religião | 68 | 28,5 |
Com alguma religião | 171 | 71,5 |
Modalidade do curso | ||
Graduação | 183 | 76,3 |
Pós-Graduação | 57 | 23,5 |
Universidade | ||
Privada | 169 | 69,8 |
Pública | 73 | 30,2 |
2.2 Coleta de dados
Inicialmente, por meio da metodologia bola de neve virtual (SnowBall), foi disponibilizado um link de acesso para o questionário, via Google Forms, entre os dias 16 de julho e 16 de agosto de 2020. Utilizaram-se as mídias sociais Facebook, Instagram e WhatsApp para divulgação do link do questionário. Esse método de encaminhamento corresponde à estratégia viral, visto que, no corpo da mensagem, além da apresentação da pesquisa, foi encaminhado um pedido para compartilhá-la com a rede de contatos de quem a recebeu. Para a coleta de dados, foram aplicados os seguintes instrumentos: Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9), Questionário de Senso de Coerência de Antonovsky (SOC-13), Questionário Semiestruturado de Perfil Sociodemográfico e Experiência com o Distanciamento Social.
2.3 Patient health questionnaire-9 (PHQ-9)
Para analisar os sintomas depressivos foi utilizado o instrumento PHQ-9 (KEUM; MILLER; INKELAS, 2018), que possui validação no Brasil (SANTOS et al., 2013) e avalia a existência de sintomas depressivos característicos da depressão maior, e a gravidade deles. O instrumento é composto por uma Escala Likert de 0 a 3, avaliando a frequência que a pessoa experienciou cada um dos sintomas nas duas últimas semanas, sendo que o instrumento possui uma décima pergunta que avalia a interferência desses sintomas no desempenho diário do sujeito. Nesse sentido, os escores são somados e podem variar de 0 a 27 pontos, considerando-se que quanto maior for a pontuação, maior a gravidade dos sintomas. Esse escore foi analisado a partir da proposição de Santos (2013), relativa à nota de ponto de corte (escore ≥ 13), como indicativa da presença de sintomas depressivos. Nosso estudo obteve o coeficiente alfa de Cronbach alto (α de Cronbach = 0,89), o que foi ao encontro do estudo de validação inicial que relatou um α de Cronbach de 0,89 (KROENKE; SPITZER; WILLIAMS, 2001).
2.4 Questionário de senso de coerência de Antonovsky (SOC-13)
Para verificar as estratégias de enfrentamento foi aplicado o instrumento SOC - 13 (ANTONOVSKY, 1993), que apresenta validação brasileira (DANTAS, 2007), tendo como objetivo avaliar como os estudantes se orientam em relação às questões da vida. O instrumento é composto por 13 itens, constituído por Escala Likert de 1 a 7, os escores são somados e podem variar de 13 a 91 pontos, quanto maior for a pontuação, mais forte é o senso de coerência. O estudo de validação obteve α de Cronbach de 0,78 (DANTAS, 2007), assim como observado em nosso estudo (α de Cronbach = 0,78).
2.5 Questionário semiestruturado de perfil sociodemográfico e experiência com o distanciamento social
Para identificar o perfil sociodemográfico foi desenvolvido um questionário semiestruturado contendo 13 questões, das quais oito eram fechadas e cinco abertas. As perguntas objetivaram caracterizar a amostra, à medida que coletaram informações gerais sobre a vida dos participantes, como idade, sexo e religião, bem como abordaram assuntos relacionados à vida acadêmica e à realidade dos estudantes durante o distanciamento social.
2.6 Análise de dados
Os resultados de sintomas depressivos (PHQ-9) e senso de coerência (SOC-13) foram apresentados por média e desvio padrão. As comparações dos níveis de PHQ-9 e SOC-13, conforme as características sociodemográficas e experiência acadêmica, durante o distanciamento social, foram realizadas por Teste t não pareado (comparação entre dois grupos) ou ANOVA de uma via com pós teste de Tukey (comparação entre três grupos ou mais). Para determinar a associação entre sintomas depressivos e senso de coerência foi empregada a correlação de Pearson. Já para as comparações entre variáveis categóricas optou-se pelo Teste de Qui-quadrado (para dois grupos) ou Teste de Fisher (para três grupos ou mais). As análises foram realizadas com nível de significância de 95% (p<0,05), utilizando o software GraphPad Prism 8.4.
3 Resultados
A tabela 2 apresenta os resultados referentes à presença de sintomas depressivos (PHQ-9) e aos recursos de enfrentamento (SOC-13). Considerando o ponto de corte da escala PHQ-9, foi observada a pontuação média e mediana dos participantes de 15,4 e 16 pontos, respectivamente. Conforme a pontuação de corte proposta no estudo de Santos (2013), esse escore foi sugestivo para a presença de sintomas depressivos. Já em relação à dispersão, obteve-se um desvio padrão de 7,56 pontos, com respectivo coeficiente de variação de 49.09%, indicando uma dispersão moderada dos dados em torno da média. Para o SOC-13, a pontuação média e mediana foi de 49,6 e 49 pontos, respectivamente, no tocante à dispersão, atingiu o desvio padrão de 8,39 pontos, apresentando coeficiente de variação de 14,77%, o que indica uma baixa dispersão dos dados em torno da média. Além disso, houve associação significativa entre SOC-13 e PHQ-9, tanto na pontuação total quando na classificação 1-5, ou seja, entre as duas escalas foi observada uma associação forte inversa (R=-0,627) significativa (<0,0001), demonstrando que quanto maior o escore de sintomas depressivos, menor a pontuação de senso de coerência
Variáveis | PHQ-9 | SOC -13 |
---|---|---|
Média | 15,4 | 49,6 |
Desvio padrão | 7,56 | 11,72 |
Pontuação mínima | 0 | 24 |
25% | 9 | 41 |
50% (mediana) | 16 | 49 |
75% | 22 | 58 |
Pontuação máxima | 30 | 84 |
Alfa de Cronbach | 0,890 | 0,783 |
Correlação de Pearson | ||
Valor de r | -0,627 | |
Valor de p | <0,0001 |
Procurou-se compreender a realidade desses estudantes durante o distanciamento social. Assim, a maioria dos participantes relatou ter vivenciado o distanciamento social acompanhado (91,7%) com 3 a 4 pessoas (52,5%). Mais da metade afirmou morar com os pais (56,6%) e ter permanecido com eles durante o distanciamento (59,9%). Além disso, grande parte dos alunos estavam há mais de 15 dias em distanciamento social (73,6%). Referente à atuação profissional durante o distanciamento, percebeu-se que mais da metade dos participantes trabalharam ou exerceram alguma função remunerada (66,9%), na modalidade home office (54,1%) e com carga horária menor que 10 horas semanais (35,3%). Já sobre o tipo de moradia, observou-se que os participantes moravam em casa (73%), que continha algum espaço com ambientes naturais (93,6%) e permaneceram a maior parte do tempo dentro do quarto (66,1%).
3.1 Influência dos fatores sociodemográficos na presença de sintomas depressivos e recursos de enfrentamento (senso de coerência)
Conforme apresentado na tabela 3, observou-se, em relação ao sexo dos participantes, que houve associação significativa entre os sexos para o SOC, na qual as mulheres apresentaram um senso de coerência levemente inferior quando comparado aos homens. Além disso, apesar de não haver associação significativa entre a idade e a presença de sintomas depressivos, quando analisadas as pontuações médias, percebe-se que existe uma tendência de queda nos escores do PHQ-9 conforme a idade avança, quanto mais jovem, maior foi a pontuação de sintomas depressivos. Já o senso de coerência apresentou associação significativa com a idade, portanto quanto mais jovem o participante, menor é sua pontuação no senso de coerência.
PHQ-9 | SOC-13 | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis | média | DP | t/F | valor de p | média | DP | t/F | valor de p | |
Sexo | |||||||||
Feminino | 15,8 | 7,35 | 1,870 | 0,0627 | 48,6 | 11,41 | 2,978 | 0,0030 | |
Masculino | 13,4 | 8,27 | 54,4 | 12,10 | |||||
Idade | |||||||||
18-24 anos | 16,2 | 7,35 | 2,451 | 0,0642 | 47,1 | 10,76 | 11,352 | 0,0001 | |
25-34 anos | 15,0 | 7,99 | 51,0 | 11,65 | |||||
35-44 anos | 12,4 | 7,12 | 56,2 | 12,47 | |||||
45 anos ou mais | 12,3 | 7,32 | 62,9 | 7,86 | |||||
Estado Civil | |||||||||
Solteiro | 16,1 | 7,70 | 3,238 | 0,0435 | 48,0 | 11,44 | 6,322 | 0,0001 | |
União Estável | 14,4 | 6,94 | 51,6 | 9,02 | |||||
Casado | 12,3 | 6,57 | 56,9 | 11,34 | |||||
Divorciado | 13,2 | 6,31 | 53,0 | 13,58 | |||||
Renda Familiar | |||||||||
Nenhuma renda | 14,0 | 10,70 | 3,125 | 0,0011 | 52,6 | 11,17 | 2,093 | 0,0450 | |
Até 1 salário-mínimo | 20,9 | 5,55 | 41,9 | 8,75 | |||||
De 1 a 3 | 14,7 | 7,75 | 49,0 | 12,49 | |||||
De 4 a 6 | 17,0 | 6,80 | 49,9 | 9,90 | |||||
De 7 a 9 | 12,0 | 6,72 | 50,7 | 11,01 | |||||
De 10 a 14 | 15,9 | 7,63 | 48,6 | 13,01 | |||||
De 15 a 19 | 7,8 | 4,40 | 58,5 | 5,01 | |||||
20 salários-mínimos ou mais | 19,5 | 7,98 | 57,4 | 17,43 | |||||
Religião | |||||||||
Sem religião | 17,7 | 7,67 | 3,078 | 0,0023 | 1,8 | 0,43 | 2,549 | 0,0110 | |
Com alguma religião | 14,4 | 7,36 | 1,6 | 0,50 | |||||
Atividade profissional | |||||||||
Sim | 14,4 | 7,52 | 2,746 | 0,0065 | 50,9 | 11,86 | 2,408 | 0,0170 | |
Não | 17,2 | 7,33 | 47,1 | 11,07 |
T=teste t. F=ANOVA de uma via.
Quanto ao estado civil, foi possível verificar associação significativa (p<0,05), constatando-se que os solteiros apresentaram maior pontuação no PHQ-9 e menor escore no senso de coerência quando comparados aos casados. Além disso, houve associação significativa (p<0,05) entre sintomas depressivos e renda familiar. Deste modo, os participantes que apresentaram maior escore de sintomas depressivos foram dos grupos de até um salário-mínimo e de vinte salários-mínimos ou mais. Houve ainda associação significativa entre ter uma religião e a presença de sintomas depressivos e senso de coerência, visto que os participantes que alegaram ter algum tipo de religião apresentaram menor escore de sintomas depressivos e maior pontuação no senso de coerência do que os que relataram não ter religião. Ademais, percebeu-se associação significativa entre os escores mais elevados de sintomas depressivos e não dispor de uma atividade remunerada durante o distanciamento social, ou seja, alunos que trabalharam durante o distanciamento social apresentaram menores pontuações no PHQ-9 do que os que não trabalharam.
4 Discussão
O estudo teve como objetivo analisar a prevalência de sintomas depressivos e os recursos de enfrentamento em estudantes universitários durante o distanciamento social, decorrente da pandemia de COVID-19. Assim, foi possível observar que a pontuação média dos participantes no PHQ-9 indicou maior risco de episódio depressivo (SANTOS, 2013). Esses dados estão em consonância com a literatura, visto que as prevalências de sintomas depressivos moderados e graves em universitários no período da pandemia de COVID-19 foram identificadas em estudos realizados na Índia (BALHARA et al., 2020), EUA (MECHILI et al., 2020; SHERMAN et al., 2020) e Grécia (KAPAROUNAKI et al., 2020). Além disso, observou-se como causa desses impactos na saúde mental, a preocupação com a pandemia, enfatizando características como a instabilidade e a baixa previsibilidade causadas pela crise (GERMANI et al., 2020), a preocupação com a possibilidade de familiares adoecerem e a repercussão da interrupção das universidades em suas carreiras (HAWKE et al., 2020), bem como o risco dos impactos nos meios de subsistência (MIMOUN et al., 2020). Dessa forma, podemos compreender que os resultados do nosso estudo seguem as tendências mundiais, e que as medidas sanitárias impostas para controle de disseminação do vírus são capazes de influenciar na manifestação de sintomas depressivos em universitários e impactar sua saúde mental.
Outro resultado encontrado foi a associação observada para os grupos com renda familiar de até um salário-mínimo e renda de vinte salários-mínimos ou mais, em que ambos demostraram maior vulnerabilidade a apresentar sintomas depressivos. No estudo de Guo et al. (2020), esses grupos que pertencem a camadas sociais altas e baixas mostraram maior predisposição ao desenvolvimento de problemas de saúde mental, visto que as dificuldades de ordem financeira, geradas pela pandemia, impactaram sobremaneira na saúde mental dessa população. Nesse quadro, um estudo francês realizado com universitários constatou que os participantes que sentiram insegurança financeira durante a pandemia obtiveram maior escore para depressão, ansiedade e angústia (ESSADEK; RABEYRON, 2020). Em contrapartida, participantes que conseguiram manter atividades profissionais remuneradas, isto é, trabalharam durante o distanciamento social, apresentaram menor prevalência de sintomas depressivos. Vivenciar, portanto, o desemprego no contexto da pandemia foi apontado como um evento estressor, pois tende a despertar a sensação de incerteza e da possibilidade de viver uma crise econômica, causando efeitos negativos na saúde mental dos jovens (ACHDUT; REFAELI, 2020). Por outro lado, os universitários que mantiveram seus empregos apresentaram redução do estresse. De tal modo, pertencer a camadas socioeconômicas baixas ou altas durante o distanciamento social pode ser apontado como um fator de risco para o desenvolvimento de sintomas depressivos, em contrapartida, estar empregado durante a crise pode representar um fator de proteção para o desenvolvimento desses sintomas.
Os participantes da pesquisa também demonstraram médio senso de coerência, variável essa que, até a realização deste estudo, não tinha sido discutida na literatura em universitários que vivenciaram o distanciamento social. Entretanto, quando comparado com um estudo realizado pré-pandemia, observaram-se pontuações semelhantes em estudantes (MATO; TSUKASAKI, 2019). Já dentro da realidade pandêmica, foi possível identificar estudos que buscaram compreender o senso de coerência durante o distanciamento social em pacientes com esclerose múltipla, que também indicou um escore médio de senso de coerência (REGUERA-GARCÍA et al., 2020). Assim como, um estudo alemão realizado com a população geral que demonstrou escores mais baixos de SOC nas mulheres, apontando como causa a dedicação de seu tempo predominantemente às tarefas domésticas, além da má distribuição no cuidado com os filhos e as mudanças reais nos locais de trabalho com a pandemia (JUNG; KNEER; KRÜGER, 2020). Diante disso, considerando que existem evidências de que o SOC pode variar em certas circunstâncias ao longo da vida (FELDT et al., 2011), há necessidade de mais estudos avaliando o senso de coerência em universitários, haja vista que um fraco senso de coerência está associado a maior probabilidade do desenvolvimento de depressão e outros transtornos mentais (GÉNÉREUX et al., 2020).
Identificamos também que universitários mais jovens foram associados a menor escore de senso de coerência. Nesse sentido, considerando que o senso de coerência se desenvolve ao longo da vida (NILSSON et al., 2010), e que mais da metade dos universitários participantes da pesquisa pertencem à faixa etária entre 18 e 24 anos, pode-se considerar que o senso de coerência deles ainda está em formação (ANTONOVSKY, 1987). Portanto, estão mais suscetíveis ao meio social, que pode funcionar como Recurso de Resistência Generalizada (MATO; TSUKASAKI, 2019). Entretanto, como nos jovens as relações sociais ainda estão em construção, é possível entender que a falta desse recurso pode estar relacionada com escores médio e baixo de senso de coerência nessa população.
Os resultados ainda demonstraram que estar solteiro durante o distanciamento social foi associado a maior prevalência de sintomas depressivos e menor escore de senso de coerência. Efeito esse que também foi observado na população chinesa. Lá identificou-se que os solteiros apresentaram maiores níveis de sofrimento psíquico e grande dificuldade de controle emocional durante o distanciamento social. Essa população fez uso, em sua maioria, de estilos de enfretamento negativos por falta do apoio social (WANG et al., 2020). Já na população libanesa observou-se que o risco de desenvolver depressão caiu 63% entre os participantes que relataram alto suporte social (GREY et al., 2020). Por isso, o suporte social entre os universitários vem sendo proposto como um recurso de resistência generalizada (PEKER; BERMEK; UYSAL, 2012), positivamente relacionado com o senso de coerência e a saúde mental mais fortes (CHU et al., 2016; KASE; ENDO; OISHI, 2016). Portanto, pode-se considerar que estar acompanhado ou casado durante o distanciamento social se caracteriza como um fator de proteção para o desenvolvimento de sintomas depressivos. Entretanto, é necessário ter cautela ao fazer essa afirmação, posto que a qualidade do relacionamento também influencia nesses resultados (PIEH et al., 2020).
Assim, como o suporte social apresenta-se como um fator de proteção, ter religião também foi associado a menor prevalência de sintomas depressivos e maior senso de coerência. Esses dados estão condizentes com a literatura, pois, na população brasileira a presença de espiritualidade e a religiosidade foram correlacionadas a melhor qualidade de vida e felicidade (VITORINO et al., 2018). Além disso, identificou-se que a religiosidade estava inversamente associada a sintomas depressivos em universitários (GWIN et al., 2020), bem como a alto senso de coerência (MERAKOU; XEFTERI; BARBOUNI, 2017).
Conclui-se que a pandemia ocasionou muitas mudanças no contexto educacional e os achados deste estudo apontam para a necessidade de se desenvolver intervenções em promoção da saúde a fim de minimizar os impactos à saúde mental. Assim, foram encontrados na literatura alguns estudos promissores utilizando metodologias online com estudantes universitários em tempos de pandemia, por exemplo: técnicas de mindfulness (GONZÁLEZ-GARCÍA et al., 2021), estratégias para promoção do estilo de vida saudável (PARKER et al., 2021) e redução do sofrimento psicológico (RIZVI et al., 2022), e técnicas de Yoga (CHANG et al., 2022). Além dessas técnicas, os estudos apontam para a utilização de estratégias mais simples, disponíveis no nosso dia a dia, como: a utilização de espaços verdes e parques ao ar livre (LARSON et al., 2022), a interação com animais de estimação (XIN et al., 2021) ou, até mesmo, a utilização de aplicativos móveis de saúde mental (MARSHALL; DUNSTAN; BARTIK, 2021).
Por fim, esta pesquisa apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, o estudo utilizou-se de um desenho transversal, impedindo assim a inferência de relações de causa e efeito. Em segundo lugar, baseou-se em uma amostra não representativa e o uso de amostragem em bola de neve on-line que não permitiu avaliar a taxa de resposta. Entretanto, apesar dessa abordagem de coleta de dados ser não-probabilística e apresentar limitações, esse método é amplamente aceito nas ciências da saúde e sociais quando a população é de difícil acesso (BRICK, 2014). Além do que, o número de participantes do sexo masculino foi menor do que o sexo feminino, fazendo com que esse grupo seja sub-representado. Isso mostra que as mulheres são mais propensas a responderem e participarem de pesquisas (PORTER; WHITCOMB, 2005), sendo observado em outros estudos que realizaram coleta de dados on-line (FORTE et al., 2020; GONZÁLEZ-SANGUINO et al., 2020). Nesse sentido, mais pesquisas são necessárias para acompanhar as mudanças desses resultados ao longo do tempo, diante da evolução das taxas de infecção, as medidas restritivas de contenção do vírus e a crise econômica subsequente. Além disso, seria ideal a realização de um estudo generalizável e com dados longitudinais, a fim de examinar a causalidade e as interrelações entre as variáveis, bem como aumentar o tamanho da amostra.
5 Considerações finais
Este estudo teve como objetivo analisar a prevalência de sintomas depressivos e os recursos de enfrentamento (senso de coerência) em estudantes universitários durante o distanciamento social, decorrente da pandemia de COVID-19. Além disso, buscou-se verificar a influência dos fatores sociodemográficos, dos recursos individuais e do suporte social e ambiental nas reações emocionais dos universitários. Conclui-se que há evidências de problemas de saúde mental presentes entre os universitários durante a pandemia de COVID-19, visto que os participantes apresentaram escores sugestivos para a presença de sintomas depressivos e escores médios de senso de coerência, o que sinaliza sua vulnerabilidade psicológica. Como também, observou-se que os fatores sociodemográficos, como sexo, idade, estado civil, renda e religião, podem influenciar nas reações emocionais. Diante disso, torna-se necessário o desenvolvimento de ações e intervenções do setor público, bem como os campi universitários, visando à elaboração de estratégias para os universitários lidarem com o estresse e a depressão decorrentes da pandemia.