1 INTRODUÇÃO
Compreender a educação superior é uma tarefa complexa. E, planejar e prever o seu futuro, muito mais ainda. Um dos fatores que caracteriza tal complexidade são as relações não lineares, nem tampouco similares entre diversos níveis socioeconômicos, aqui sintetizados em global, regional, nacional, institucional, que impactam na educação superior. No concerto de um processo de globalização, a perspectiva global tem sido uma forte interferência (MOROSINI, 2018), mesmo que de forma indireta e sem força de lei para a sua consecução, na medida em que os estados são soberanos e os países, bem como as instituições, se caracterizam por diferenças marcantes.
As interferências da globalização na educação superior (MENTGES; MOROSINI, 2019) conferem uma importância marcada à internacionalização e nos levam a analisar propostas de organismos internacionais para esse nível de ensino. Essa compreensão se configura em um guarda-chuva com suas múltiplas varetas, por ora, congregadas na Agenda 2030. Talvez possamos, hoje, pensar essa metáfora como um abrigo para as intempéries de um mundo global que se defronta com modelos de universidade tradicional e modelos de universidade do século XXI e configurações quase invisíveis de contextos emergentes. (MOROSINI, 2014). Para dar conta desse guarda-chuva vamos analisar as perspectivas global e regional e levantar considerações para (re)pensar a Internacionalização da Educação Superior.
O texto, seguindo os princípios do Estado de Conhecimento (MOROSINI, 2015), tem um caráter predominante de identificação, seleção e de sistematização de proposições de organismos internacionais emblemáticos para a educação superior na contemporaneidade. Optamos por identificar concepções e proposições de ação mais do que o organismo multilateral, per se. Partimos da aceitação de que as declarações expõem concepções numa perspectiva filosófica, epistemológica, histórica, entre outras. Já as ações intituladas Marco de Ação, Plano de Ação, etc, são explicitadas em objetivos e metas, como forma de colocar em prática o pensado, a partir das concepções. No tocante à seleção desses organismos, os critérios foram a sua legitimidade representativa, que interfere no poder de abrangência de suas proposições para a educação superior, e a disponibilidade de documentos propositivos on-line. Complementarmente, interferiu nessas escolhas a extensão possível deste texto frente ao número de fontes a serem examinadas, direcionando a abordagem do paper à perspectiva global e à regional, essa última voltada à América Latina e Caribe - AL&C, por óbvias razões.
2 PERSPECTIVA GLOBAL DE ORGANISMOS INTERNACIONAIS E A EDUCAÇÃO SUPERIOR
A educação tem sido considerada um mote do desenvolvimento e os organismos internacionais, continuamente, colocam-na em seus planejamentos (MENTGES; MOROSINI, 2019). Ela está incluída na concepção de Sociedade do Conhecimento, fator de produção mais importante na economia das sociedades industriais avançadas e na consideração da tecnologia como seu recurso, o que leva à valoração da formação de recursos humanos de alto nível. Essa sociedade é permeada de culturas do conhecimento, “[...] todo o conjunto de estruturas e mecanismos que servem ao conhecimento e se desdobram com sua articulação.” (CETINA, 1997 apudGUILE, 2008, p. 8).
Nesse entender, podemos citar, de forma panorâmica, o movimento global Educação para Todos (2014), iniciado em Jomtien (1990) e reiterado em Dakar (2000), que desagua nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - ODM (2000-2015) para a erradicação da pobreza extrema e da fome. Tais metas se concretizaram em tendências “[...] de concentração geográfica da ajuda, onde os principais doadores do Norte dirigiram o grosso de sua ajuda à África [...] e de concentração setorial, [...] a satisfação de necessidades básicas.” (MEDINA, 2019, p. 17, tradução nossa).
Entretanto, os impactantes acontecimentos desse período dirigiram os olhares para o terrorismo e para a necessidade de pensar diretrizes para pós ODM. O pensamento converge para o Desenvolvimento Sustentável e para uma Agenda 2030. O ano de 2015 é emblemático para a Educação. A Agenda E2030 - uma nova visão de educação, eclode no Fórum Mundial de Educação - FME, realizado em Incheon, Coreia. São registrados, a partir daí, inúmeros eventos e/ou proposições como a Declaração de Incheon (maio, 2015), Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (setembro, 2015); Marco de Ação - ODS4 - Agenda Educação E2030, da UNESCO (dezembro, 2015), entre outros. A seguir alguns destaques sobre a perspectiva global.
2.1 Desenvolvimento sustentável para a paz - Agenda 2030, ONU
No concerto global dos organismos internacionais, o Desenvolvimento Sustentável - DS ocupa lugar central. Esse tem como inspiração o Relatório Brundtland (BRUNDTLAND et al., 1987) que destaca a preocupação com a satisfação das necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.
Os eixos basilares do DS são pessoas, planeta, parceria, prosperidade e paz, de tal forma que se possa atingir um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico. Para tal, busca erradicar a pobreza e a fome e garantir a dignidade e a igualdade; proteger os recursos naturais e o clima para as gerações futuras; implementar a agenda por meio de uma parceria global sólida; garantir vidas prósperas e plenas, em harmonia com a natureza, e promover sociedades pacíficas, justas e inclusivas. O DS se expressa em 17 objetivos (ODS) que orientam uma Agenda Global 2030.
A Educação, especificamente, está no ODS 4 - assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos . O ODS 4 propõe uma visão transformadora da educação como direito humano, atribuindo-lhe um enfoque humanista. Em outras palavras, compreende oportunidades de acesso de forma inclusiva e equitativa a uma educação de qualidade - não deixar ninguém fora; assegurar aprendizagens efetivas, relevantes e pertinentes - não deixar ninguém atrás. Na esfera coletiva busca garantir modalidades de consumo e produção sustentáveis. E, no sentido do global, considera a educação catalizador de outro modelo de desenvolvimento (SANCHÉZ VEGAS, 2018).
2.2 Educação para o Desenvolvimento Sustentável - Agenda E2030 - UNESCO
A UNESCO, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Banco Mundial (BM), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a ONU Mulheres e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiado (ACNUR) foram os organizadores do Fórum Mundial de Educação - FME. Participaram do Fórum mais de 1.600 representantes de 160 países, incluindo mais de 120 ministros, chefes e membros de delegações, líderes de agências e funcionários de organizações multilaterais e bilaterais, além de representantes da sociedade civil, da profissão docente, do movimento jovem e do setor privado. O FME foi inspirado
[...] por uma visão humanista da educação e do desenvolvimento, com base: nos direitos humanos e na dignidade; na justiça social; na inclusão; na proteção; na diversidade cultural, linguística e étnica; e responsabilidade e na prestação de contas compartilhadas. [...] a educação é um bem público, um direito humano fundamental e a base que garante a efetivação de outros direitos. Ela é essencial para a paz, a tolerância, a realização humana e o desenvolvimento sustentável. [...] a educação como elemento-chave para atingirmos o pleno emprego e a erradicação da pobreza. (UNESCO, 2016a, p. III)
É durante o FME que se propõe a Declaração de Incheon - RUMO A 2030 uma nova visão de educação , cujos pontos de destaque estão no Quadro 1.
Itens | Descritores | Sentido |
---|---|---|
Preâmbulo | ||
1 | Redatores | Ministros, chefes e membros de delegações, chefes de agências e oficiais de organizações multilaterais e bilaterais e representantes da sociedade civil, dos docentes, da juventude e do setor privado. Reunião organizada pela UNESCO |
2 | Retomada histórica | EPT/Jomtien (1990) Dakar (2000) |
3 | Acordos anteriores | Acordo de Mascate, (Educação para Todos - EPT - 2014), e que guiou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). E conferências ministeriais regionais sobre educação pós-2015 e governos e de organizações regionais, intergovernamentais e não governamentais. |
4 | EPT/ODM | Adotam a Declaração |
Rumo a 2030 - uma nova visão de educação | ||
5 | ODS 4 | “Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. |
6 | Acesso | Educação primária e secundária gratuita, equitativa, de qualidade e com financiamento público por 12 anos, dos quais ao menos nove anos de educação obrigatória. |
7 | Inclusão e equidade | Nenhuma meta de educação deverá ser considerada cumprida a menos que tenha sido atingida por todos. |
8 | Igualdade de gênero | Apoio a políticas, planejamentos e ambientes de aprendizagem sensíveis ao gênero; incorporação de questões de gênero na formação de professores e no currículo. |
9 | Qualidade | A educação para o desenvolvimento sustentável (EDS) e a educação para a cidadania global (ECG). |
10 | Oportunidades de educação ao longo da vida | Acesso equitativo e mais amplo à educação e à formação técnica e profissional de qualidade, ao ensino superior e à pesquisa, com garantia de qualidade. |
11 | Outras questões | Desenvolvimento de sistemas educacionais mais inclusivos, com melhor capacidade de resposta e mais resilientes para atender às necessidades de crianças, jovens e adultos nesses contextos, inclusive de deslocados internos e refugiados. |
12 | Responsabilidade fundamental | Governos |
13 | Apelo | Colaboração, cooperação, coordenação e monitoramento, tanto global quanto regional, para a implementação da agenda de educação. |
14 | Sucesso E2030 | Políticas e planejamento sólidos, acordos de implementação eficientes, aumento significativo e bem orientado do financiamento, |
15 | Recursos | Aumento dos recursos para educação e apoio a implementação da agenda de acordo com as necessidades e as prioridades dos países |
16 | Coordenação global | UNESCO e coorganizadores FME2015 Assessoramento técnico, desenvolvimento da capacidade nacional e apoio financeiro. |
17 | Liderança | UNESCO - Defesa da manutenção do compromisso político; promoção do diálogo político, do compartilhamento de conhecimento e do estabelecimento de padrões; monitoramento do progresso para a realização das metas educacionais; convocação das partes interessadas no âmbito global, regional e nacional para orientar a implementação da agenda; e ponto central para educação na estrutura geral de coordenação dos ODS |
18 | Decisões | Desenvolvimento de sistemas de monitoramento e avaliação nacionais abrangentes para produzir evidências sólidas que orientem a formação de políticas e a gestão dos sistemas de educação, e também assegurem a prestação de contas. |
19 | Marco de Ação da Educação 2030. | Considera a Cúpula das Nações Unidas para a adoção da agenda de desenvolvimento pós-2015 e da Terceira Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (Adis Abeba, julho de 2015). Versão final na 38ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, novembro de 2015. |
20 | Declaração de Incheon | Compromisso histórico de todos nós com a transformação de vidas por meio de uma nova visão para a educação, com ações ousadas e inovadoras, para que alcancemos nossa ambiciosa meta até 2030. |
Fonte: Os autores a partir da Declaração de Incheon (UNESCO, 2015).
O Marco de Ação da Educação 2030/Unesco foi adotado por 184 Estados-membros, em 4 de novembro de 2015, em Paris. O Marco de Ação aponta como traduzir na prática e nos âmbitos nacional, regional e global o compromisso firmado em Incheon. Foi guiado pelo Comitê Diretivo da Educação para Todos (EPT), convocado pela UNESCO, e finalizado por meio do Grupo Redator para o Marco de Ação da Educação 2030. Sua elaboração envolveu diversos organismos internacionais3.
Ele visa a mobilizar todos os países e parceiros em torno da ODS sobre educação e suas metas, além de propor formas de implementar, coordenar, financiar e monitorar a Educação 2030 [...]. Propõe estratégias indicativas, nas quais os países possam se basear para desenvolver planos e estratégias contextualizados, que levem em consideração realidades nacionais, capacidades e níveis de desenvolvimento diferentes e respeitem políticas e prioridades nacionais. (UNESCO, 2016b, p. 23)
As abordagens estratégicas do Marco de ação (Quadro 2) resumem-se em estabelecer parcerias eficazes e inclusivas; aprimorar políticas educacionais e a forma como elas funcionam em conjunto; garantir sistemas educacionais equitativos, inclusivos e de qualidade para todos; mobilizar recursos para um financiamento adequado da educação; e garantir monitoramento, acompanhamento e revisão de todas as metas.
As metas da ODS4 têm um especial cuidado com educação básica e setores das minorias como questões de gênero, pessoas com deficiências, populações indígenas e crianças em situação de vulnerabilidade. A Meta 4.7 faz uma síntese da prática. É também apontada a necessidade de instalações físicas, bolsas de estudos e professores qualificados.
Meta | Estratégias indicativas (até 2030) |
---|---|
Meta 4.1 | Garantir que todas as meninas e meninos completem uma educação primária e secundária gratuita, equitativa e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes. |
Meta 4.2 | Garantir que todas as meninas e meninos tenham acesso ao desenvolvimento de qualidade na primeira infância, cuidados e educação pré-primária, de modo que estejam preparados para a educação primária. |
Meta 4.3 | Assegurar a igualdade de acesso para todas as mulheres e homens a uma educação técnica, profissional e superior de qualidade, a preços acessíveis, inclusive a universidade. |
Meta 4.4 | Aumentar substancialmente o número de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e profissionais, para o emprego, o trabalho decente e o empreendedorismo. |
Meta 4.5 | Eliminar as disparidades de gênero na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiências, os povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade. |
Meta 4.6 | Garantir que todos os jovens e uma substancial proporção dos adultos, tanto homens como mulheres, estejam alfabetizados e tenham adquirido conhecimentos básicos em matemática. |
Meta 4.7 | Garantir que todos os alunos adquiram as habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável. |
Meios de implementação | |
Meta 4.a | Construir e melhorar instalações físicas para a educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros, não violentos, inclusivos e eficazes para todos. |
Meta 4.b | Até 2020, expandir consideravelmente no mundo o número de bolsas de estudo disponíveis para países em desenvolvimento, principalmente para os países de menor desenvolvimento relativo, pequenos Estados insulares em desenvolvimento e países africanos, para inscrição na educação superior, incluindo programas de formação profissional e programas de TIC, engenharia, ciências e áreas técnicas, em países desenvolvidos ou outros países em desenvolvimento. |
Meta 4.c | Aumentar substancialmente a oferta de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores nos países em desenvolvimento, principalmente os países de menor desenvolvimento relativo e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento. |
Fonte: Os autores a partir do Marco de Ação E2030 (UNESCO, 2016b).
Da mesma forma que as concepções, também os indicadores são analisados em diferentes níveis socioeconômicos. O Marco de Ação da Declaração de Incheon prevê indicadores avaliativos das metas propostas: no nível global, poucos indicadores desenvolvidos pela Comissão Estatística das Nações Unidas; no nível temático, indicadores propostos pela comunidade educacional para a comparabilidade entre países, no nível regional, indicadores para contextos regionais específicos e prioridades políticas; e no nível nacional, indicadores de sistemas educacionais, planos e agendas políticas nacionais (UNESCO, 2015).
2.2.1 Educação para a Cidadania Global - ECG/UNESCO
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO - congrega 193 países e busca garantir a paz por meio da cooperação intelectual entre as nações, acompanhando o desenvolvimento mundial e auxiliando os Estados-Membros. A UNESCO vem capitaneando a Agenda E2030, da área da Educação, integrada aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Nessa perspectiva um dos seus carros-chefe é a consolidação da proposição da Educação para a Cidadania Global - ECG, movimento fomentado no Primeiro Fórum da UNESCO sobre a Educação para a Cidadania Global em Bangkok, em 2013. A ECG
[...] Capacita estudantes de todas as idades com valores, conhecimentos e habilidades que, ao mesmo tempo, baseiam-se em e incutem o respeito por direitos humanos, justiça social, diversidade, igualdade de gênero e sustentabilidade ambiental, além de empoderar os aprendizes para que se tornem cidadãos globais responsáveis (UNESCO, [201-]).
A Cidadania Global é um conceito complexo, cerne de uma vivência de paz mundial com o reconhecimento e respeito à diversidade e às diferentes culturas do planeta. Pode ser entendido como cidadania sem fronteiras, cidadania além do Estado-nação e cidadania planetária, com o fito de construir o bem-estar global, além das fronteiras nacionais, e que influencia o bem-estar nacional e local (UNESCO, 2015).
Os princípios da ECG (Figura 1) destacam a visão holística, o pensamento crítico, o diálogo e a formação de valores.
Seguindo os moldes da forma de expressão dos organismos internacionais, após a concepção é estabelecido um Plano de Ação. A UNESCO (2016) divulga um Guia para a implantação da Educação para Cidadania Global - ECG. O Guia postula que a ECG, com base nos atributos do aluno e nas dimensões conceituais e nos resultados da aprendizagem, deve atender a três grandes eixos e seus respectivos tópicos:
1. Ser informado e capaz de pensar criticamente, considerando os sistemas e estruturas locais, nacionais e globais, via questões que afetam a interação e a conexão entre comunidades nos níveis local, nacional e global e pressupostos e dinâmicas de poder; 2. Estar socialmente conectado e ter respeito pela diversidade, considerando diferentes níveis de identidade, diferentes comunidades às quais as pessoas pertencem e como elas estão conectadas e diferenças e respeito pela diversidade; e 3. Ser eticamente responsável e engajado, considerando ações que podem ser tomadas individual e coletivamente, através de um comportamento eticamente responsável e da promoção de engajamento e de ações (UNESCO, 2016c, p. 29).
O conceito de educação para a cidadania global e as suas proposições de prática vêm sendo disseminados em diversos fóruns com ampla aceitação, mas o que se questiona é: qual a concepção de cidadania? Qual ética? É consenso que muito ainda deve ser construído para que a paz almejada pela UNESCO seja alcançada via ECG.
2.3. Desenvolvimento Sustentável para o bem estar - OECD
Nesse contexto de 2015 e da busca do Desenvolvimento Sustentável, inúmeros organismos internacionais propõem a sua visão para uma agenda 2030. A OCDE, Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, reúne 36 países de produto interno bruto (PIB) alto e busca promover políticas que favoreçam a prosperidade, a igualdade, as oportunidades e o bem-estar para todas as pessoas. A OECD dirige sua atenção para a perspectiva de bem-estar e para o modo como a formação educacional deve ser concretizada para atingir seu proposto. Nessa tarefa, elabora a correspondência entre os itens que compõem o conceito de bem-estar e os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) (Quadro 3).
Fatores de bem estar - OECD | ODS - objetivos do desenvolvimento sustentável |
---|---|
1. Emprego | 8. Trabalho decente e crescimento econômico 9. Indústria, inovação e infraestrutura |
2. Renda | 1. Sem pobreza - 2. Fome zero - 10. Desigualdades reduzidas |
3. Residência | 1. Sem pobreza - 3. Boa saúde e bem estar |
4. Equilíbrio vida - trabalho | 3. Boa saúde e bem-estar - 5. Igualdade de gênero - 8. Trabalho Decente - 10. Desigualdades reduzidas |
5. Segurança | 16. Paz, justiça e instituições fortes |
6. Satisfação na vida | Relacionada a todos os objetivos |
7. Saúde | 3. Boa saúde e bem estar |
8. Engajamento cívico | 5. Igualdade de gênero |
9. Ambiente | 6. Água limpa e saneamento - 7. Energia limpa e acessível - 12. Produção e consumo responsável - 13. Ação climática - 14. Vida na água - 15. Vida na terra |
10. Educação | 3. Boa saúde e bem-estar - 4. Educação de Qualidade 5. Igualdade de Gênero |
11. Comunidade | 11. Cidades e comunidades sustentáveis - 17. Parceria para os objetivos |
Fonte: Os autores (2019) a partir da OECD (2015).
Nas questões orientadoras da busca do bem-estar a OCDE (2019) pergunta: A Educação Superior tem um papel a desempenhar na preparação de nossas sociedades para uma era de inteligência artificial? Essa questão vem no contexto das mudanças impulsionadas pela revolução das tecnologias digitais e da Revolução 4.0 e se reflete em um momento de transformação de um contexto simples e fragmental/cognitivo analógico para um contexto complexo/metacognitivo digital4.
A OECD, para orientar a resposta a essa questão, estabelece um projeto sobre as Habilidades e o futuro da educação 2030 que tem a metáfora de uma bússola “[...] adotada para enfatizar a necessidade de alunos aprenderem a navegar sozinhos por contextos desconhecidos [...]” para um “[...] futuro que nós queremos: o bem-estar individual e coletivo.” (OECD, 2015).
A Bússola da aprendizagem 2030 (Figura 2) enfoca o redesenho do currículo e o desenvolvimento de uma estrutura conceitual para a aprendizagem. Complementa a Bússola da aprendizagem, a bússola do ensino, ambas orientadas para a identificação dos perfis/competências dos professores (conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) necessários para ajudar os alunos a aprender e melhorar seu bem-estar.
A Bússola de aprendizagem tem como base competências, compreendidas como capacidade de atender com êxito demandas complexas em um contexto particular através da mobilização do conhecimento (cognitivo, metacognitivo, socioemocional e prático), habilidades, atitudes e valores (RYCHEN, 2016). São modelos de competência de ação5 publicados no DESECO, Definition and Selection of Competencies, de 1998, e (re) conceitualizados para 2030 em três grandes níveis: 1. Navegando no tempo (passado, hoje, futuro) e no espaço (família, comunidade, região, nação, terra e universo) com conceitos guias para reformas educacionais orientadas para a competência em resposta aos desafios e tendências do século XXI; 2. Ciclo de desenvolvimento de competências: Reflexão-antecipação-ação. À luz de demandas complexas, permite que os indivíduos ajam de maneira competente e responsável; e 3. Competências transversais, que refletem as tendências globais e os desafios futuros que afetam as demandas impostas aos indivíduos (Lidar com trade-offs, dilemas, contradições e ambiguidades, assumir responsabilidades e criar novos valores/novas narrativas.
Estudos e pesquisas sobre Competências têm ocupado um largo espaço nas discussões da busca de qualidade para a educação; entretanto, apesar dessa consolidada produção, um dos maiores desafios é a tradução do conhecimento obtido em políticas e práticas difundidas. “[...] Tais esforços podem ajudar a construir os processos e estruturas necessários para promover a implementação de alta qualidade e promover a sustentabilidade.” (YOUNG et al., 2016, p. 6, tradução nossa).
3 PERSPECTIVA REGIONAL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS E A EDUCAÇÃO SUPERIOR
A perspectiva global é complementada pelas perspectivas regionais. Neste texto vamos dar prioridade de estudo ao sul global. Não é apenas a uma perspectiva territorial, mas é uma perspectiva geográfica, epistemológica mais ampla (SANTOS; MENESES, 2010). O sul global inclui os países de baixa e média renda, noção essa acelerada com o processo de globalização.
A perspectiva para a América Latina e Caribe, AL&C, é orientada pela UNESCO/IESALC, Instituto Internacional da UNESCO para a Educação Superior na América Latina e Caribe6, com sede em Caracas, que através das conferências regionais da educação superior (CRES) propõe concepção e ações para a integração da região (MOROSINI, 2017). A CRES 2008, em Cartagena de las Índias, concebeu a Educação Superior como bem público e social, um direito humano e universal.
Apesar da dificuldade na colocação em prática das concepções defendidas, a região:
[...] se organizou a partir do questionamento dos problemas estruturais da América Latina enraizando-se em sua tradição reformista revisitada para gerar respostas que os perturbaram substantivamente; [nessa caminhada] incorporou atores e movimentos não universitários, com luzes e sombras, avançando na democratização do conhecimento. (PERROTTA, 2018, p. 173, tradução nossa)
e propõe concepções e perspectivas de ação para o desenvolvimento da AL&C.
3.1 Educação Superior para a Equidade - IESALC/UNESCO
A CRES2018 (UNESCO, 2018a), realizada na Cidade de Córdoba, identificou que a região está frente ao desafio da transformação e avanço democrático de nossas sociedades, encontra seu espaço em uma região caracterizada por inequidades sociais, crises de institucionalidade e novas responsabilidades políticas da sociedade. Frente a tais indicadores a UNESCO postula que “[...] A educação superior é um bem público e social, um direito humano e um dever do Estado.” (UNESCO, 2018a, p. 11, tradução nossa).
Como os outros organismos internacionais abordados neste texto, a IESALC/UNESCO elabora um Plano de Ação da CRES 2018-2028, que considera a perspectiva mundial e segue a linha da Agenda E2030. (UNESCO, 2018b).
Como os outros organismos internacionais abordados neste texto, a IESALC/UNESCO elabora um Plano de Ação da CRES 2018-2028, que considera a perspectiva mundial e segue a linha da Agenda E2030.
ITENS | Princípios do Plano de Ação CRES2018-2028 |
---|---|
1 | Educação superior como um bem público social-estratégico, um dever do Estado, um espaço de conhecimento, um direito humano e universal, e seu exercício aprofunda a democracia e possibilita a superação das inequidades; |
2 | Pertinente e com garantias públicas de processos de garantia da qualidade; |
3 | Construtora do conhecimento como direito humano universal e direito coletivo dos povos, como bens públicos sociais e comuns para a soberania, bem viver e emancipação de nossas sociedades, e para o cimento da integração da AL&C; |
4 | Define em seu compromisso social, baseado na Responsabilidade Social Universitária (RSU), a Responsabilidade Social Territorial (RST) e a Responsabilidade Social Territorial Transformadora (RST2); |
5 | Se fortalece na diversidade cultural e na interculturalidade em condições equitativas e mutuamente respeitosas dos povos indígenas, afrodescendentes e grupos de populações frequentemente discriminados; |
6 | E autônoma como uma condição imprescindível para que as instituições exerçam um papel crítico e propositivo na sociedade; |
7 | Responde aos objetivos de desenvolvimento sustentável de forma integrada dada a complexidade social, económica, política, educativa, cultural, linguística, biológica e geográfica da região de AL&C; |
8 | Inclusiva ao considerar nos sistemas e Instituições de educação superior gênero, idade, situação socioeconômica, orientação sexual, incapacidade, religião, e situações de deslocamento forçado. |
Fonte: Os autores (2019) a partir de UNESCO (2018b, p. 9).
Para a implementação desse plano, Sánchez Vegas (2018) afirma ser necessária a regionalização do ODS 4-E2030 através de Inclusão e equidade, da qualidade dos Docentes e trabalhadores/as de educação, e da aprendizagem ao largo da vida, da articulação e otimização de recursos e atores e da avaliação das capacidades de implementação. Soriano (2018) destaca a necessidade de uma nova forma de cooperação, Sul-Sul (CSS), que possibilitaria a construção de um Espaço de Educação Superior latino-americano e caribenho.
Medina (2019) constata que a CSS vem sendo postulada como uma ferramenta de política exterior e de desenvolvimento dos países com claros objetivos geopolíticos. Entre esses aponta a visibilização da dívida social das políticas neoliberais, por um lado, e, por outro, a legitimação das políticas nacionais de desenvolvimento e do processo de mudança político regional, como também o fortalecimento dos apoios internacionais e a melhoria dos países no cenário internacional. Acresce ainda a necessidade de impulsionar políticas de corte auto-afirmativo ou soberano. O autor destaca um alinhamento aos ODS e um reforço à cooperação triangular entre norte e sul. Entretanto, identifica um desvio de atenção “[...] dos debates centrais sobre questões epistemológicas e políticas de fundo, sobre a transformação estrutural do sistema sobre as fórmulas operativas de convivência de todas as modalidades de cooperação.” (MEDINA, 2019, p. 18, tradução nossa).
4 (RE)PENSANDO A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CONTEXTO DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS
Esse artigo buscou abordar as proposições de organismos internacionais para a educação superior. Assim, identificou organismos emblemáticos, selecionando-os a partir de sua legitimidade na perspectiva da abrangência e do poder de suas interferências. Partimos das proposições da ONU e de seu braço temático em educação, a UNESCO e, posteriormente, da sua perspectiva regional para a América Latina e o Caribe, via IESALC/UNESCO. A esses foi anexada a OECD, representativa de países desenvolvidos, pela influência que exerce nas políticas de educação superior como modelo a ser copiado. Temos a certeza de que tais OIs não dão conta da perspectiva global/regional da Educação Superior, o que nos leva a recomendar uma nova reflexão sobre a perspectiva dos BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, um arranjo contra-hegemônico que reúne países em desenvolvimento.
Os estudos realizados apontam para uma forte influência de OIs sobre a Educação Superior tendo como ano marcante 2015. Essas proposições estão concentradas na busca do Desenvolvimento Sustentável, expresso na Agenda 2030 e operacionalizado nos 17 ODS - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. A UNESCO adota essas proposições e elabora a Agenda E2030, detendo-se no ODS4 - que busca assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.
A concepção de uma educação humanista se dissemina entre os organismos e a IESALC, em suas proposições, com reflexo nas CRES 2008 e 2018, concebe a educação superior com responsabilidades políticas frente às desigualdades sociais da América Latina. Para consubstanciar tal proposição, estabelece um Plano de Ação 2018-2028 que tem como foco a cooperação sul-sul e as redes acadêmicas.
Paralelamente, a OECD, com foco na educação superior para a consecução do bem-estar individual e coletivo, propõe a Bússola da Aprendizagem e do Ensino 2030. A simbologia escolhida tem foco na qualificação do aluno em competências que o habilitem a navegar sozinho num mundo ambíguo. O concerto global da educação superior e os OIs, no bojo da Agenda 2030, estão sintetizados, na figura 3, em um guarda-chuva com múltiplas varetas interconectadas.
A figura do guarda-chuva não consegue dar conta da complexidade da Educação Superior. O concerto internacional no qual o conhecimento apresenta perspectivas diversas, resultado de pontos de vista ideológicos diferentes que se projetam em modelos universitários também diferentes, nos leva ao questionamento: as proposições das OIs, seguidas de marcos de ação, se concretizam no plano institucional de uma forma única? É provável que, na maioria das vezes a resposta seja não.
Contribui para essa resposta considerar que as IES, além das influências advindas do global/regional, sofrem forte pressão para copiar modelos exitosos já consolidados e tenham imersas, em seu cotidiano, configurações práticas que, via de regra, são invisíveis a tais pressões. Em grandes linhas identificamos o modelo tradicional e o de uma instituição voltada ao século XXI, mas optamos por defender proposições e práticas de uma instituição construída em contextos emergentes (MOROSINI, 2019) que consideram o ethos social inserido nas inter-relações globais (MOROSINI, 2014).