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Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.24 no.80 Curitiba ene./mar 2024  Epub 29-Abr-2024

https://doi.org/10.7213/1981-416x.24.080.ds05 

Dossiê

Iria Brzezinski: relações entre docência, militância e pesquisa

Iria Brzezinski: relations between teaching, activism, and research

Iria Brzezinski: relaciones entre docencia, activismo e investigación

Susana Soares Tozetto, Doutor em Educação1 
http://orcid.org/0000-0002-1696-677X

Camila Macenhan, Doutor em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-1843-948X

Elizabete Volkman, Doutoranda em Educação3 
http://orcid.org/0000-0003-2274-6260

1Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR, Brasil

2Instituto Federal do Paraná/Campus Palmas (IFPR), Palmas, PR, Brasil

3Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR, Brasil


Resumo

O presente artigo apresenta elementos da caminhada profissional da Profa. Dra. Iria Brzezinski, com o objetivo de revisitar a trajetória de vida e da obra da autora, enfatizando os aspectos biográficos como professora, pesquisadora e militante. A biografia da professora Iria Brzezinski é permeada pelo misto entre a carreira docente, a militância política em defesa da formação de professores e o contexto histórico vivenciado pela sociedade. Para o presente artigo, julgamos necessário escrever sobre a trajetória de vida e sobre as pesquisas da professora Iria Brzezinski, enfatizando três aspectos que se complementam: os eventos da vida da autora; a relação de sua história de vida com o contexto histórico em que iniciou suas pesquisas; e a relação entre suas pesquisas, sua militância política e a sua defesa pela formação dos profissionais da Educação. As pesquisas de Iria Brzezinski contribuíram de modo significativo para a área de formação de professores, tanto no debate para as diretrizes dos cursos de licenciatura, como nas reflexões sobre os conceitos de docência, de formação inicial, formação continuada, formação tecnocrata e, ainda, para as concepções de identidade do pedagogo e da Pedagogia. As contribuições da autora para a área educacional são inegáveis, Brzezinski formulou definições que contribuíram para a reformulação do curso de Pedagogia e, consequentemente, dos demais cursos de licenciatura, defendendo ideias e conceitos que marcaram a trajetória da Educação no Brasil.

Palavras-chave: Iria Brzezinski; Militância política; Docência; Pedagogia.

Abstract

This article presents elements of Prof. PhD Iria Brzezinski aiming at revisiting the trajectory of that author's life and work, emphasizing her biographical aspects as a teacher, researcher and activist. Professor Iria Brzezinsk's biography is permeated by the mixture between her teaching career, her political activism in defense of teacher’s education and the historical context experienced by society. For this article, we deem it necessary to write about professor Iria Brzezinski’s life trajectory and research, emphasizing three aspects that complement each other, namely, the author's life events, the relationship between her life story and the historical context in which she began her research; and the relationship between her research, her political activism and her work defending teachers’ professional education. Iria Brzezinski's research made a significant contribution to the teachers’ training area, both in the debate of guidelines for teaching undergraduate courses, and in reflections on the concepts of teaching, initial professional education and continuous development, and technocratic training, as well as to the conceptions of educators’ identity and education. That author's contributions to the educational area are undeniable, Brzezinski formulated definitions that contributed to the reformulation of the Education course and, consequently, of other teaching undergraduate courses, defending ideas and concepts that marked the trajectory of education in Brazil.

Keywords: Iria Brzezinski; Political activism; Teaching; Pedagogy.

Resumen

Este artículo presenta elementos de la trayectoria profesional de la profesora Dra. Iria Brzezinski, con el objetivo de reconocer la trayectoria de vida y obra de la autora, poniendo atención a los aspectos biográficos como profesora, investigadora y activista. La biografía de Iria Brzezinski es construida por la mezcla entre su carrera docente, su militancia política en defensa de la formación del profesorado y el contexto histórico vivido por la sociedad. Para el presente artículo, consideramos necesario escribir sobre la trayectoria de vida y las investigaciones de la profesora Iria Brzezinski, destacando en tres aspectos complementarios: los acontecimientos de la vida de la autora; la relación de su trayectoria de vida con el contexto histórico en el que inició sus investigaciones; y la relación entre sus investigaciones, su militancia política y su defensa de la formación de los profesionales de la educación. Las investigaciones de Iria Brzezinski han contribuido de forma significativa al área de la formación de profesores, tanto en el debate para las orientaciones de los cursos de grado, como en las reflexiones sobre los conceptos de enseñanza, formación inicial, formación continuada, formación tecnocrática, y también para las concepciones de la identidad del pedagogo y de la pedagogía. Las contribuciones de la autora para el área educacional son innegables, Brzezinski formuló definiciones que contribuyeron para la reformulación del curso de Pedagogía y, consecuentemente, de los demás cursos de grado, defendiendo ideas y conceptos que marcaron la trayectoria de la educación en Brasil.

Palabras clave: Militancia política; Enseñanza; Pedagogía.

Introdução

Escrever sobre uma pesquisadora da área da formação de professores se torna sempre um desafio, pois há o risco de deixar de lado pontos importantes e significativos de seu percurso acadêmico; inicialmente, porque envolve escolhas e, como não é possível escrevermos tudo sobre a vida e a obra de determinado autor, temos de selecionar o que julgamos mais importante de ser dito. Isso envolve o receio em reforçar ou dar maior ênfase a determinados acontecimentos e conceitos, em detrimento de outros. Externamos a trajetória de vida e da obra da autora, enfatizando seus aspectos biográficos como professora, pesquisadora e militante política.

O texto tem como objetivo, portanto, revisitar a história de Iria Brzezinski, olhando para seu caminhar de pesquisadora no campo educacional; a relação entre ser docente, ser investigadora e ser militante política fica em evidência. Percebemos essa interrelação a partir da expressão: “Minha história de pesquisadora se cruza cotidianamente com a militância política em movimentos de defesa da formação do professor” (Brzezinski, 2006a, p. 190).

Escrevermos sobre a trajetória profissional de Iria Brzezinski é discorrer sobre uma parte da história e da luta dos educadores em defesa da profissão e da formação docente. Como afirma a autora: “[...] me atrevo a revelar minha identidade profissional, uma identidade desenhada, construída e forjada de dentro para fora da categoria profissional, com participação intensa nos movimentos sociais de educadores em defesa da profissão docente” (Brzezinski, 2006a, p. 193). A identidade profissional de Iria Brzezinski é pautada na luta em defesa da Educação e da formação crítica do professor no Brasil.

Conhecer a história de vida da autora como professora, pesquisadora e militante nos leva a compreender a perspectiva histórica dos movimentos epistemológicos, culturais e políticos que contribuíram para a definição de conceitos, de lutas e de embates, no campo da formação de professores. As contribuições da autora para a área da Educação são evidentes. Iria Brzezinski formulou definições, como o conceito de docência, que contribuíram para a reformulação do curso de Pedagogia e, consequentemente, dos demais cursos de licenciatura; e defendeu ideias e conceitos que marcaram a trajetória da Educação no Brasil. Assim sendo, neste artigo, procuramos descrever conceitos e contribuições para a área da formação dos professores.

Ademais, julgamos necessário escrever sobre a trajetória de vida e sobre as pesquisas da professora Iria Brzezinski, enfatizando três aspectos que se complementam: os eventos da vida da autora; a relação de sua história de vida com o contexto histórico em que iniciou suas pesquisas; e a relação entre suas pesquisas, sua militância política e sua defesa pela formação dos profissionais da Educação.

Trajetória de vida da docente e contexto histórico da carreira como pesquisadora e como militante política

Iria Brzezinski nasceu em 21 de outubro de 1945, na cidade de Mallet, no estado do Paraná, Brasil. Em 1967, graduou-se em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atuou como professora no Complexo de Ensino de 1º e 2º Graus do Colégio Estadual do Paraná. Brzezinski (2006a) relembra, em autobiografia que, nessa época, a sociedade brasileira sofria com a repressão militar, pois, “[...] com o Golpe de 1964, calavam as vozes dos cidadãos, entre esses, os estudantes e, notadamente, daqueles que se preparavam para atuar como cientistas sociais e sociólogos” (Brzezinski, 2006a, p. 193). Foi nesse contexto que Iria Brzezinski deu seus primeiros passos como pesquisadora, atuando como bolsista de iniciação científica.

Nas décadas de repressão militar, “[...] marcada pela hegemonia do conservadorismo” (Brzezinski, 2006a, p. 195), a autora relembra que a UFPR “[...] tolhia qualquer iniciativa de pesquisadores filiados ao movimento de transição dos paradigmas da lógica formal para a lógica dialética e da pesquisa quantitativa para a pesquisa qualitativa” (Brzezinski, 2006a, p. 195). Em contraposição a essas normas, ela afirma que começou “[...] a se fortalecer um grupo de resistência ao instituído” (Brzezinski, 2006a, p. 194). O grupo, ainda que clandestinamente e ameaçado pelo regime, atuava para defender as ciências humanas como “[...] fenômeno humano tão sui generis que necessitava de método próprio”, em relação às ciências naturais (Brzezinski, 2006a, p. 194). Importante destacarmos que foi nesse contexto que Iria Brzezinski iniciou suas pesquisas, que começou “[...]a tatear o labirinto da Ciência” e a interiorizar a necessidade de resistência e de luta (Brzezinski, 2006a, p. 195).

Entre 1972 e 1974, Iria Brzezinski cursou Graduação em Pedagogia - Orientação Educacional, também na UFPR. Em 1979, a autora realizou uma Especialização em Educação, pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Em 1984, deu um grande passo como pesquisadora, ao ingressar no Mestrado em Planejamento Educacional pela Universidade de Brasília (UnB), sob orientação de Valmir Chagas. Ele foi um dos principais autores da Reforma Universitária de 1968 e um dos fundadores da UnB. A dissertação de Mestrado de Iria Brzezinski foi intitulada: Formação do professor para as séries iniciais de escolarização. A pesquisadora auferiu o título de mestre em 1986.

Em 1991, Iria Brzezinski iniciou o Doutorado em Administração Escolar na Universidade de São Paulo (USP). A tese de doutoramento recebeu o título de: Pedagogia, pedagogos e formação de professores: busca e movimento. A tese, mais tarde, foi transformada em livro e é considerada uma das principais obras da pesquisadora. Iria Brzezinski cursou Pós-Doutorado na Universidade de Aveiro, em Portugal (2000-2002).

A trajetória profissional de Iria Brzezinski é marcada pela defesa da Educação e sempre esteve vinculada aos movimentos sociais. No campo dos movimentos sociais, foi Presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), nos períodos de 1996-1998; 2008-2012; e 2014-2016. Ao longo da formação e da construção de sua carreira como pesquisadora, lutou em defesa dos profissionais da Educação.

Além disso, ela assumiu diversas funções importantes, como membro de comitês e entidades científicas no campo da Educação: Membro do Comitê Científico do GT - Formação de Professores da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd); Vice-Coordenadora do Comitê Científico da 38ª Reunião Anual ANPEd, em 2017; Membro do Corpo Editorial e Consultora ad hoc de diversas revistas/periódicos científicos nacionais e estrangeiros; Cientista visitante na Universidade de Aveiro; Consultora Integrante da Comissão Assessora de Avaliação da Área de Pedagogia do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - Enade (2008-2014). Também atua como Coordenadora do Grupo de Pesquisa registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de Políticas Educacionais e Gestão Escolar; e como pesquisadora Bolsista Produtividade CNPq.

A autora atuou como docente e pesquisadora na área de Educação e Sociologia, com ênfase em Políticas e Gestão Educacional, Planejamento e Avaliação Institucional, Formação de Profissionais da Educação, Movimentos Sociais e Currículo, exercendo seu papel social como professora, pesquisadora e militante do movimento dos educadores. Com mais de 200 obras publicadas, entre livros, artigos e capítulos de livros, Iria Brzezinski se destaca pela coerência entre as ideias defendidas nas suas pesquisas e na sua atuação política militante. Os escritos da pesquisadora são direcionados para os seguintes temas: políticas da formação de professores; condições salariais; avaliação de programas da formação de professores; e diretrizes curriculares nacionais da formação docente.

Durante décadas, a pesquisadora dedicou suas investigações sobre o curso de Pedagogia, que foi, mais tarde, sua tese de doutoramento. No entanto, é importante a descoberta do objeto de estudo sobre formação de professores que coincidiu com o ingresso de Iria Brzezinski como militante nos movimentos sociais de educadores. Isso mudou a sua história e a colocou como protagonista de muitas modificações que contribuíram para o campo da formação de professores no Brasil. As pesquisas, as ideias e os conceitos defendidos por Iria Brzezinski exerceram um papel primordial nas alterações conceituais que atingiram a formação de professores.

A seguir, abordaremos os acontecimentos que marcam a trajetória de vida e da obra da autora e, consequentemente, da formação de professores no Brasil.

As descobertas como pesquisadora e o movimento dos educadores

Iria Brzezinski iniciou sua caminhada como pesquisadora ainda na Graduação. Atuou na iniciação científica, no curso de Ciências Sociais da UFPR, em meados de 1967, e vivenciou suas primeiras experiências na pesquisa. Brzezinski (2006a) destaca dois estudos que ocorreram nessa época: o primeiro deles consistiu em identificar lugares na zona rural do Norte do estado do Paraná que mais necessitavam de classes de alfabetização; o outro tratou de um estudo comparativo entre o salário de professores que atuavam na rede pública e o salário alcançado por trabalhadores informais. A autora repassa o impacto causado por ambas as pesquisas. A partir da primeira, houve a possibilidade de identificar os locais com maior necessidade de implantação de classes de alfabetização. O segundo estudo demonstrou que “[...] o valor/mês recebido pelos trabalhadores da economia informal era em torno de 50% maior do que o salário dos professores ‘primários’” (Brzezinski, 2006a, p. 196).

Nas décadas de 1980 e 1990, Iria Brzezinski iniciou suas pesquisas sobre o curso de Pedagogia. Para seus estudos sobre a Cadeira Pedagógica, desenvolveu uma investigação sobre a formação de professores primários na Escola Normal de nível médio. Nesse estudo, a autora analisou a trajetória do Instituto da Educação de Goiás, como escola-modelo na formação de professores primários. Foi com essa pesquisa que a autora desvelou “[...] uma multiplicidade de níveis de formação do professor para o início da escolarização, determinada, notadamente, pelas disparidades do desenvolvimento socioeconômico e cultural brasileiro e goiano” (Brzezinski, 2006a, p. 199). O estudo constituiu, segundo a autora, a primeira etapa de pesquisas posteriores sobre o curso de Pedagogia, que revelou a gênese do curso no Brasil.

A investigação sobre o curso de Pedagogia culminou na pesquisa sobre a “[...] controvertida identidade do curso de Pedagogia e do pedagogo” (Brzezinski, 2006a, p. 199), que gerou sua obra mais conhecida: Pedagogia, pedagogos e formação de professores. Nessa obra, a autora defende ideias e conceitos sobre a Pedagogia que se tornaram referência na área da formação de professores e que serão discutidos e analisados na próxima seção. O livro em questão retrata e analisa a trajetória do curso de Pedagogia com seus retrocessos e avanços. Além disso, discute sobre o movimento dos educadores na busca da identidade do pedagogo e da Pedagogia, e defende ideias e conceitos, inclusive o conceito de docência como a base da formação do pedagogo.

Desde o início de sua caminhada como professora e pesquisadora, nunca se afastou dos movimentos sociais e das entidades científicas do campo da Educação, o que a levou a “[...] conhecer, debater e analisar as decisões que foram delineando as tendências nacionais para a formação dos profissionais da educação” (Brzezinski, 2006a, p. 199). A participação nesses segmentos instigou a autora a desenvolver um estudo histórico e documental para identificar as abordagens referentes à formação do pedagogo. O estudo revelou que as definições curriculares no curso de Pedagogia seguiam orientações diversas e regionais.

A participação da pesquisadora em entidades como a Anfope e a ANPEd possibilitou o desenvolvimento de várias pesquisas no âmbito nacional, como a produção de pesquisadores que apresentam trabalhos no GT8 da formação de professores da ANPEd, e a produção discente em teses, dissertações e artigos e periódicos científicos na área da Educação. As discussões de Iria Brzezinski foram cruciais para se conhecer e analisar a produção científica na área da formação de professores no Brasil. As pesquisas revelaram dados surpreendentes, como as temáticas mais estudadas no campo da formação de professores, a tipificação das metodologias de pesquisas utilizadas e a complexidade dos aspectos que envolvem a pesquisa educacional no Brasil (Brzezinski, 2006a).

Pesquisas publicadas

As publicações realizadas pela pesquisadora investigam: políticas, avaliação de programas e diretrizes curriculares nacionais referentes à formação de professores; condições salariais dos profissionais da Educação; e apresentação do estado do conhecimento sobre a formação dos profissionais da área. No ano de 2020, em participações em eventos, a autora focou suas discussões sobre o Plano Nacional da Formação de Professores, as políticas da formação de professores e a gestão democrática nas escolas públicas.

As produções científicas redigidas em artigos contemplaram, nos dois últimos anos, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Educação Profissional para o século XXI, analisando a informalidade e a flexibilização como horizontes para a formação do trabalhador. O Programa Residência Pedagógica também é contemplado em suas reflexões sobre a formação de professores e o acompanhamento de egressos da primeira e da segunda licenciatura do Plano Nacional da Formação de Professores.

Conforme dados extraídos do Currículo Lattes de Iria Brzezinski1, dentre seus livros recentemente publicados estão:

  1. BRZEZINSKI, I. Pedagogia, pedagogos e formação de professores. Campinas: Papirus, 2020.

  2. BRZEZINSKI, I.; BELLE, H. B. de M. Escola de civismo e cidadania: ethos do Colégio Beta da Política Militar de Goiás. Goiânia: Espaço Acadêmico, 2019.

  3. BRZEZINSKI, I. Políticas de formação do magistério: Anfope em movimento. Goiânia: Espaço Acadêmico, 2018.

  4. BRZEZINSKI, I. LDB/1996 vinte anos depois: projetos educacionais em disputa. São Paulo: Cortez, 2018.

  5. BRZEZINSKI, I.; RODRIGUES, R. M. A captura da educação pelo capital: movimento social de professores e intelectuais orgânicos em ação. Curitiba: Appris, 2018.

  6. BRZEZINSKI, I.; MENEZES JUNIOR, A. S. Educação médica e políticas curriculares. Curitiba: Appris, 2018.

  7. BRZEZINSKI, I.; MENEZES JUNIOR, A. S.; LIMA, L. C. E. S. (org.). A pluralidade nas políticas educacionais: da educação básica à educação superior. Goiânia: Espaço Acadêmico, 2018.

Vários estudos foram desenvolvidos pela pesquisadora e causaram impactos na área da formação de professores no Brasil. Os mais citados são:

  1. BRZEZINSKI, I. Princípios da carta de Goiânia/IV CBE na Constituição Federal “cidadã” (CF/1988): participação da sociedade civil nas políticas educacionais. Formação em Movimento, Seropédica, v. 1, n. 1, p. 109-128, 2019.

  2. BRZEZINSKI, I.; MENEZES JUNIOR, A. S. Uma ponte para o futuro e o encontro com o futuro: a persistente tensão entre a normatividade e o mundo vivido Habermasiano. Fronteiras: Journal of Social, Technologicaland Environmental Science, Anápolis, v. 8, n. 1, p. 131-150, 22 fev. 2019.

  3. ALMEIDA, G. C. F.; BRZEZINSKI, I. Unesco e a Educação Profissional para o século XXI: informalidade e flexibilização como horizontes para a formação do trabalhador. Educativa, Goiânia, v. 23, p. 1-23, 2020.

  4. ARAÚJO, D. S.; BRZEZINSKI, I.; SÁ, H. G. M. Políticas públicas para formação de professores: entre conquistas, retrocessos e resistências. Revista de Educação Pública, Cuiabá, v. 29, p. 1-26, jan./dez. 2020.

  5. BRZEZINSKI, I.; FERREIRA, A. M. Parfor e formação de professores para educação básica: obstáculos e potencialidades. Linhas Críticas, Brasília, v. 26, p. 1-18, 2020.

  6. LIMA, M. E.; BRZEZINSKI, I.; MENEZES JUNIOR, A. da S. Militarizar para educar? Educar para a cidadania? Educação e Sociedade, Campinas, v. 41, p. 1-16, 2020.

  7. LEAL, M. M.; BRZEZINSKI, I. A constituição da profissionalidade e do profissionalismo docente - percepções dos egressos do curso de pedagogia - CCSEH - UEG. In: CONGRESSO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS, 4., 2017, Anápolis. Anais eletrônicos [...]. Anápolis: UEG, 2017. Disponível em: https://www.anais.ueg.br/index.php/cepe/article/view/10150/7547. Acesso em: 10 mar. 2022.

As pesquisas de Iria Brzezinski contribuíram de modo significativo para a área da formação de professores, tanto no debate para as diretrizes para os cursos de licenciatura como nas reflexões sobre os conceitos da docência, da formação inicial, da formação continuada, sobre formação tecnocrata e, ainda, para a compreensão da identidade do pedagogo e da Pedagogia, conceitos que detalharemos na sequência.

Em consulta ao Google Acadêmico, obtivemos os índices de impacto das pesquisas da autora. Como podemos observar na Figura 1, Iria Brzezinski mantém-se, nos últimos 20, anos como uma referência nos estudos sobre formação de professores e políticas educacionais. Evidenciamos que, no ano de 2012, houve um maior número de citações de suas obras. A publicação mais citada é Pedagogia, pedagogos e formação de professores, lançada em 1996, pela editora Papirus. De acordo com o levantamento, o livro alcançou o número de 600 citações.

Fonte: Extraída de Google Acadêmico em 20222.

Figura 1 Citações das produções de iria Brzezinski 

A segunda obra mais utilizada como referência é Estado da arte da formação de professores no Brasil, a qual se trata de uma publicação de 1999, realizada em parceria com outros autores: Marli André, Regina Simões e Janete M. Carvalho. Esse trabalho foi citado 559 vezes e aborda uma síntese do conhecimento sobre a temática da formação de professores, tendo como alicerce a análise de dissertações e de teses defendidas nos Programas de Pós-Graduação em Educação do país (de 1990 a 1996), os artigos publicados em periódicos da área (entre 1990 e 1997), além de pesquisas apresentadas no Grupo de Trabalho Formação de Professores, da ANPEd, nos anos de 1992 até 1998.

Conceitos que perpassam os estudos sobre formação de professores e docência

A produção intelectual da pesquisadora articula pesquisas no âmbito da Graduação e Pós-Graduação em Educação, em diferentes instituições de ensino pelo país e fora dele, sempre com uma intervenção crítica, comprometida e politizada. A compreensão da indissociabilidade entre contexto interno e externo da carreira profissional é assim apresentada por Iria Brzezinski: “[...] uma identidade desenhada, construída e forjada de dentro para fora da categoria profissional, com participação intensa nos movimentos sociais de educadores em defesa da profissão professor” (BRZEZINSKI, 2006a, p. 193). Fica explícita a indissociabilidade entre o atuar no campo educacional e sua relação recíproca com o contexto macrossociológico dos estudos da autora.

Nesse sentido, a concepção de profissional fundamenta-se na intensa atuação política para a formação docente, que resulta em disputas político-ideológicas nas orientações legais dos modelos de Educação, de escola, de formação e de valorização do professor. Para Brzezinski (2008), é aparente a tensão entre dois projetos em disputa de poder nas políticas da formação de professores. De um lado, está o projeto de sociedade defendido pelos tecnocratas; de outro, encontra-se o projeto defendido pelo movimento nacional dos professores.

De acordo com Brzezinski (2008), a ideologia tecnocrática tem como base o economicismo monetarista, com o comprometimento no desenvolvimento econômico. Os princípios de racionalidade, de produtividade e de eficiência foram resgatados da teoria economicista e adaptados à Educação (Brzezinski, 2006a). Nessa perspectiva, a Educação passa a ser um elemento imprescindível para atender ao mercado de trabalho e ao processo de urbanização.

Para a formação do professor, a ideologia tecnocrata enfatiza a qualidade social, com base nos princípios da qualidade total. O entendimento de qualidade encontra-se vinculado aos aspectos produtivos, em que se acentua a Educação para a formação do trabalhador orientado por princípios mercadológicos. Fica claro o privilégio da capacitação em serviço e as modalidades a distância, em detrimento da formação inicial no sistema superior de ensino, em universidades. Assim, o projeto dos tecnocratas destina-se a uma formação de professor medíocre, acrítico, que favorece o processo de alienação (Brzezinski, 2008).

O modelo de produção capitalista exige maior qualificação de mão de obra e de produção de lucro, o que tem gerado um saber fragmentado e visando atingir, cada vez mais, apenas a produtividade. A formação do professor, nesse contexto, transformou-se em treinamento, emergindo um projeto pragmático com uma ideologia tecnocrata, elaborado pelos técnicos do Ministério da Educação e definido, de modo global, atendendo aos interesses econômicos: “Os princípios de racionalidade, eficiência e produtividade foram transplantados da teoria econômica e adaptados à educação” (BRZEZINSKI, 1996, p. 64). Assim sendo, o currículo dos cursos da formação de professores acaba por atrofiar os conteúdos e valorizar as técnicas, promovendo um intenso retrocesso nas políticas da formação, e impedindo a sólida formação teórica defendida por Iria Brzezinski.

A visão neotecnicista da Educação e a teoria do neocapital humano mantêm, portanto, pousos das competências e passam a fazer parte do eixo da formação inicial e continuada de professores. Por isso, trazem à tona o desenvolvimento de conhecimentos e de saberes práticos, assumindo um viés menos teórico e entendendo a aprendizagem da docência com um fundamento utilitário, pragmático, como um conjunto de capacidades que permite ao docente resolver rapidamente as dificuldades do cotidiano da escola. A formação do professor, em uma perspectiva crítica, não entra em debate, mas fica ausente das discussões dos currículos dos cursos de Pedagogia, pois o docente assume a função de aplicador de métodos e de técnicas, uma vez que perde a identidade do profissional emancipado e reflexivo que Iria Brzezinski apregoa.

Contrário ao modelo ideológico tecnocrata e/ou neotecnocrata, o projeto de formação defendido pelo movimento dos professores realiza esforços históricos de valorizar o processo da formação docente nos espaços universitários, na perspectiva de reconhecer o estatuto epistemológico de ciência da Educação. Essa é uma luta constante, visto que as reformas políticas vêm descaracterizando o profissional da Educação, reduzindo seus saberes a uma dimensão técnica e tarefeira.

Nesse contexto, o movimento de configuração da(s) identidade(s) do pedagogo acompanha as incertezas ainda existentes sobre a convivência com dois projetos: concepção histórico-social e concepção de economia de mercado, visto que o estatuto epistemológico da Pedagogia como ciência, está em jogo. A luta pela formação do educador de caráter socio-histórico e a concepção da docência como base da sua formação indicam a necessidade de superação tanto da fragmentação na formação, não separando a formação do professor da formação dos especialistas, quanto para a superação da dicotomia entre formação do licenciado e do bacharel, construindo a concepção da formação do professor e do especialista no educador (ANFOPE, 1996). Nessa perspectiva, apresentamos os princípios norteadores da formação de professores, conforme a Anfope (2021), os quais Iria Brzezinski também defende:

1º a formação inicial, presencial e em nível superior, e a continuada devem ser examinadas de forma contextualizada na sociedade brasileira ainda marcada pela permanência de desigualdades sociais; 2º a transformação do sistema educacional exige e pressupõe sua articulação com a mudança estrutural e conjuntural visando à construção de uma sociedade democrática, justa e igualitária; 3º a gestão democrática da educação deve ser presente na escola e demais instituições educativas, em todos os níveis, como parte integrante da democratização da sociedade brasileira; 4º a autonomia universitária como expressão da afirmação da liberdade acadêmica, científica e administrativa nos diversos espaços institucionais; 5º a reformulação dos cursos de formação de professores como processo constante e contínuo, próprio ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos e tecnológicos e das demandas socioculturais; 6º a defesa da Universidade e de suas faculdades de Educação como lócus prioritários para a formação dos profissionais da educação que atuam na educação básica; 7º a formação de professores para a educação básica nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia deve compor o sistema nacional de formação e valorização dos profissionais da educação no interior do Sistema Nacional de Educação; 8º a superação do caráter fragmentado e dicotômico da formação do pedagogo e dos demais licenciados, que se materializa na organização curricular, reafirmando a docência como a base da identidade de todos os profissionais da educação; 9º a extinção gradativa da formação de professores em nível médio; 10º os princípios da base nacional que dão a coragem epistemológica e prática aos currículos de formação de professores (Anfope, 2021, p. 25) .

A formação do pedagogo é abrangente e complexa; entretanto, é necessário assegurá-la continuada, crítica, reflexiva e calcada na Pedagogia como ciência. Exige-se, inegavelmente, a ressignificação de muitos conceitos e práticas no processo formativo do professor, que ainda repousam na racionalidade instrumental da idade moderna, com total neutralidade social e política, sendo necessária a reconfiguração da formação docente (Brzezinski, 2007).

Considerando os conceitos anfopianos arraigados pela professora Iria Brzezinski, há, também, a formação continuada, que deve ser articulada à formação inicial, à valorização e à profissionalização dos professores, sendo um requisito para o desenvolvimento profissional docente, partindo do pressuposto de que a “[...] formação do professor é uma prática pedagógica, na qual se articulam teoria e prática e, por isso, é práxis” (Brzezinski, 2008, p. 1141).

Práxis

A formação docente na perspectiva da práxis, sendo esta capaz de transformar a realidade com a postura emancipadora, envolve planejamento para que a unidade entre teoria e prática esteja presente na atuação do professor. No posicionamento de Iria Brzezinski, fica nítido o questionamento sobre a formação que ocorre de modo tecnicista, na qual teoria e prática estão distanciadas. A formação dos professores a partir da perspectiva da práxis é, portanto, aquela que se volta para a compreensão crítico-emancipadora. A essência dessa concepção para formação é a unidade teórica e prática.

Quando defendemos a presença do conceito de práxis na concepção do que é tornar-se professor, associamos o conhecer (atividade teórica) com o transformar (atividade prática), uma vez que o processo é caracterizado pela indissociabilidade entre as duas atividades citadas. Somente o ser humano é capaz de realizar a práxis e, nela, a atividade materializa-se sem deixar de produzir conhecimentos, sendo estes característicos da atividade teórica. A práxis, por sua vez, possibilita o conhecer a realidade e o ato de estabelecer finalidades para que sua transformação aconteça. Desse modo, fica expressa a indissociabilidade entre as atividades práticas e teóricas. Ressaltamos que toda a práxis é considerada uma atividade, mas nem toda atividade ou prática adquire a amplitude da práxis.

Ao defender a formação docente que ultrapassa a dimensão meramente instrumental e que não apenas se focaliza na prática, quer dizer, no fazer e no executar tarefas, a configuração dos cursos da formação docente é indagada para que o alicerce não seja o neotecnicismo. Quando a formação para a docência é atrelada somente ao domínio dos conteúdos da Educação Básica e com forte ênfase na resolução de questões provenientes do cotidiano escolar, ocorre a fragmentação entre teoria e prática, impossibilitando condições para a realização da práxis, e, assim, oferta-se formação apenas instrumental.

Perante a defesa por uma formação consistente e coerente com a realidade, sem aderir a um caráter estritamente utilitário e pragmatista, Iria Brzezinski corrobora com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) da formação dos professores - Resolução Nº 2, de 1º de julho de 2015 (BRASIL, 2015) -, que apontam a escola e os centros de formação estaduais e municipais como lócus da formação continuada. Sob esse olhar, as escolas são vistas como espaços de formação, de investigação e de reflexão, articuladas às instituições formadoras de professores.

Nesse sentido, a formação continuada é pautada em cinco teses:

[…] a) alimentar-se de perspectiva inovadoras; b) valorizar as atividades de autoformação participada e de formação mútua; c) alicerçar-se a uma reflexão na prática e sobre a prática; d) incentivar a participação de todos os professores em programas e em redes de colaboração; capitalizar as experiências inovadoras e as de rede de cooperação existentes nos sistemas (Brzezinski, 2008, p. 1149).

Opondo-se a uma visão tecnicista com foco em resultados quantitativos e dentro de uma métrica neoliberal, a formação continuada não pode ser vista como treinamento, tampouco como reciclagem, mas, sim, em uma perspectiva coletiva e de cooperação entre os sistemas de ensino. Trata-se de uma oportunidade de promover uma reflexão contextualizada sobre o conhecimento produzido, “[...] visando ao aprimoramento do desempenho profissional aliado ao atendimento das demandas da escola” (Anfope, 2021, p. 25). Brzezinski defende, assim, uma formação denominada como construtivista, com a participação docente em vez de depositários de técnicas e de práticas de ensino, em um movimento dialético para formar o eu professor e transformar o sujeito coletivo em uma perspectiva de reflexividade, isto é, com capacidade de reflexão, como papel emancipatório de despertar a consciência e de recuperar significações persistentes atuantes em nós, partindo sempre de uma cultura da reflexão.

Reflexividade

A reflexividade provoca um esforço de desvendamento de modalidades ideologicamente mascaradas de dominação e de exploração que levam à inteligibilidade do mundo. O processo formativo do professor deve contribuir para a desnaturalização das relações de dominação, arbitrariedades históricas falsamente tidas como ordenamentos naturais das coisas. Assim, busca-se promover um comportamento racionalmente controlado no nível da consciência, com capacidades operativas formadoras da sensibilidade e do entendimento dos agentes.

Para Brzezinski (2001, p. 69), desenvolver uma cultura reflexiva requer momentos processuais e coletivos de avaliações e de formação dos agentes envolvidos no processo educacional, “[...] de modo que todos conheçam, vivam, critiquem e assumam essa cultura”. De acordo com a autora, as instituições escolares vivem um cotidiano contraditório, conflituoso e permeado por lutas pautadas no domínio do poder e do saber. Brzezinski (2001) aponta, ainda, que a escola é dinâmica e dela são exigidas respostas. Disso decorre a importância de os processos reflexivos irem além da individualidade dos docentes, pois é necessário que haja uma consciência coletiva para a luta de interesses convergentes.

Brzezinski (2001) menciona a criação da consciência coletiva nas instituições, para que as transformações sejam possíveis, em um processo de reflexão-ação-criação. Entretanto, a pesquisadora enfatiza que a mudança de instituições historicamente conservadoras e racionais em escolas reflexivas e emancipadoras ocorre a partir de um processo com rupturas, pois “[...] não é tarefa fácil romper com a ordem estabelecida, tampouco é fácil ultrapassar as molduras imóveis do definitivo e acabado” (BRZEZINSKI, 2001, p. 79). Apesar disso, os agentes reflexivos necessitam acreditar nas possíveis transformações que são resultados dos esforços contínuos, científicos, éticos, solidários, coletivos e, sobretudo, constantes.

É necessário reafirmarmos que a concepção da formação de professores, sob o escrutínio crítico de disposições e de esquemas interpretativos que levam os atores a perceberem como legítimas a sua própria dominação, está balizada em ferramentas críticas e emancipatórias. Trata-se de um modelo com base na docência a partir dos cursos de formação, à luz do trabalho coletivo e interdisciplinar. Assim, vinculamos a proposta da formação inicial e/ou continuada do professor para a garantia de aprendizagens da docência em uma perspectiva crítica, pois, conforme Brzezinski (2007), a docência constitui a base da identidade do pedagogo. Assim, a docência como ação educativa, amplamente ancorada em conhecimentos científicos e culturais, em valores éticos e estéticos, torna-se aspecto fundante da formação dos profissionais da Educação e constitui a identidade do pedagogo.

Identidade do Pedagogo

A identidade do pedagogo também se alicerça nos saberes específicos, pedagógicos, culturais, políticos e transversais, sendo o conhecimento e a cultura os eixos epistemológicos fundamentais da formação do docente. Tendo o conhecimento como regulador e promotor da emancipação, a pesquisa passa a ser um atributo indiscutível, como componente para garantir o exercício da docência de modo autônomo. Na materialidade das instituições da formação de professores, é importante destacarmos que, para a efetivação da pesquisa de qualidade, faz-se necessária a formação em universidades, com modelos decorrentes de uma instituição com caráter científico, ancorada no ensino, na pesquisa e na extensão.

Frente a esse contexto, repudiam-se o aligeiramento e o reducionismo da formação às competências e às habilidades, expressando uma indisfarçável visão tecnicista para formar pedagogos. Convém destacarmos a preferência por cursos presenciais e em instituições públicas, com ações voltadas à investigação científica.

Iria Brzezinski faz críticas aos modelos da formação aligeirada que reduzem a complexa formação docente a um modelo de treinamento. A autora reluta em aceitar que

[…] as atuais práticas de formação que, por preceito da LDB/1996, têm retomado procedimentos de “reciclagem” e de “treinamento em serviço”, tão usados nos anos de 1970. Agora seu maior foco tem sido a educação a distância (EaD). Esses procedimentos são utilizados não para complementar os processos formativos dos professores, mas sim para substituir a formação inicial (BRZEZINSKI, 2008, p. 1146).

A pesquisadora destaca a aceleração da formação docente por meio de instituições que não possuem responsabilidade sobre a realização de pesquisas, e cita como exemplo a Escola Normal Superior. De acordo com Iria Brzezinski, instituições como essas se preocupam em fornecer uma formação pouco sólida e em treinar professores para que sejam capazes de transmitir conhecimentos em sala de aula, o que julga ser insuficiente diante da complexidade da profissão docente. Entretanto, para Brzezinski (1986, p. 12):

[…] é necessário que o professor: […] tenha domínio do conteúdo e a compreensão crítica daquilo que ensina e faz […], conheça as novas tecnologias e que as utilize de acordo com o projeto político de emancipação das classes menos privilegiadas; de um educador que tenha na sua formação, uma especificidade que contribui para o trabalho coletivo e interdisciplinar na escola; que tenha a compreensão das relações entre a escola e a sociedade […].

A docência é entendida de maneira abrangente e isso acarreta alguns desafios como a formação de, no mínimo, quatro anos e de modo presencial. As práticas docentes “[...] definem-se e realizam-se mediadas pelas relações socioculturais, políticas e econômicas do contexto em que se constroem e reconstroem” (Brzezinski, 2006b, p. 830), assim, são complexas e demandam tempo e aprofundamento. O que Brzezinski (2006b) propõe para os cursos de Pedagogia é que propiciem uma formação que possibilite a percepção da complexidade do trabalho docente e da instituição escolar, que oportunize a pesquisa no campo educacional, incluindo a gestão educacional em todos os níveis de ensino.

A formação proposta para o profissional da educação do curso de pedagogia é abrangente e exigirá uma nova concepção de educação, da escola, da pedagogia, da docência, da licenciatura. Uma nova compreensão que situe a educação, a escola, a pedagogia, a docência, a licenciatura no contexto mais amplo das práticas sociais constituídas no processo de vida real dos homens com o fim de demarcar o caráter sócio-histórico desses elementos (Brzezinski, 2006b, p. 832).

Percebemos a posição de Brzezinski (2006b) sobre um modelo da formação de professores que contemple em seu cerne a complexidade social e os múltiplos contextos de atuação do pedagogo. Sendo assim, para analisarmos a política voltada à formação de professores atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental, Brzezinski (1999) traz duas terminologias que proporcionam reflexões a respeito desse cenário. O primeiro termo enunciado pela pesquisadora é o mundo do sistema, que representa as decisões do âmbito oficial, simbolizando, portanto, o mundo ideal. O segundo termo é o mundo vivido e, nesse caso, ele é representado pelos profissionais da Educação Básica. Por ser o espaço em que as ações concretas dos profissionais do campo educacional acontecem, esse último viés carrega, em sua gênese, o status de mundo real. Ressaltamos, ainda, que a singularidade é elemento central desse segundo espaço, conforme a autora destaca, a partir das particularidades e das originalidades advindas dos saberes que são próprios dos profissionais da Educação.

Os embates do mundo ideal redimensionam constantemente o mundo vivido quando a defesa é de que o mundo real seja o centro das decisões. A perspectiva defendida em cada um dos mundos (ideal x real) gera um jogo de interações, sendo recheado de dicotomias. A sociedade política, pertencente ao mundo ideal, e a sociedade civil, integrante do mundo real, fazem parte de uma dinâmica alicerçada na coerção, com luta densa entre o ato de colocar em prática um sistema (atribui padrões) e o de exercer a cidadania. Entretanto, o que temos visto, atualmente, são frequentes ameaças a esse ideal da formação, bem como propostas retrógradas que pressionam o campo educacional, colocando-o em situações que vêm sendo problematizadas pela autora, como é o caso da militarização das escolas.

Em artigo recente, Iria Brzezinski, em parceria com Maria Eliene Lima e Antônio da Silva Menezes Junior, expõe a difusão de Colégios Militares em Goiânia. No estudo, os autores relembram situações que foram vivenciadas pelos profissionais da Educação no governo do presidente Jair Messias Bolsonaro:

[...] a administração do Presidente Bolsonaro suscita instabilidade na educação, visto que há cortes de verbas, valorização do setor primário em detrimento da escola pública, desvalorização da carreira do magistério e desprezo às disciplinas alimentadas da criatividade e do senso crítico, as quais auxiliam na formação cidadã e participativa, necessária para uma sociedade mais justa (Lima; Brzezinski; Menezes Junior, 2020, p. 06).

Os autores relembram que o referido presidente defendia a ideologia militar e isso tem levado à expansão do número de colégios militares no Brasil. De acordo com Lima, Brzezinski e Menezes Junior (2020, p. 8), esse modelo de Educação gera o “[...] aprisionamento intelectual de sujeitos que se tornarão passivos diante do capitalismo e das mazelas existentes no sistema não democrático atual. Incapazes de pensar, o agir virá apenas sob ordens expressas”.

Destarte, a militarização do sistema público de ensino é apontada por Lima, Brzezinski e Menezes Junior (2020) como uma maneira autoritária e hierárquica que acaba simplificando as realidades sociais dos sujeitos, como se os problemas da Educação pudessem ser sanados por meio de regras que visam à disciplina mediante punições. Para Lima, Brzezinski e Menezes Junior (2020, p. 8), o maior dos problemas vai além da imposição de comportamentos, em razão de que há, ainda, o “[...] aprisionamento intelectual de sujeitos que se tornarão passivos diante do capitalismo e das mazelas existentes no sistema não democrático atual”.

Identificamos, assim, que a pesquisadora Iria Brzezinski se faz presente nos debates mais atuais da Educação brasileira. Militando, estudando e demonstrando, em suas publicações, os problemas e as ameaças ao campo, pois, entende que “[...] somente de forma coletiva, solidária e crítica será possível enfrentar aqueles desafios que ainda não estão ao nosso alcance e na esfera de nossa decisão” (Brzezinski, 2006b, p. 836).

Nesse contexto, a autora posiciona-se contrária às atuais DCNs para a formação de professores - Resolução no 2, de 20 de dezembro de 2019 (Brasil, 2019), uma vez que tal proposta não foi amplamente debatida com os pares, e problematiza as implicações dessas DCNs para o curso de Pedagogia. Além disso, questiona as concepções e os fundamentos teóricos e práticos, bem como epistemológicos, que perpassam a legislação, a qual propõe a organização dos cursos da formação de professores. Desse modo, há uma defesa por uma concepção de Educação e de formação crítico-emancipatória, mas percebemos que as DCNs atuais (Brasil, 2019) vão na contramão dessa proposta.

Assim sendo, a docência deve ser concebida como a base da identidade dos profissionais da Educação, bem como a unidade da teoria com a prática deve estar presente em todo processo formativo do docente. Há, também, a necessidade de promover-se o sentido unitário, organicamente articulado com a concepção democrática e emancipadora da Educação. Desse modo, reafirmamos a necessidade da construção coletiva do projeto societário para formar os educadores no Brasil e, principalmente, considerar o cotidiano da escola pública.

Considerações finais

Escrever sobre a trajetória profissional de Iria Brzezinski é discorrer sobre uma parte da história e da luta dos educadores em defesa da profissão e da formação docente. A identidade profissional de Iria é pautada na luta em defesa da Educação. Conhecer a história de vida da autora como professora, pesquisadora e militante nos leva a compreender a perspectiva histórica dos movimentos epistemológicos, culturais e políticos que contribuíram para a definição de conceitos, das lutas e de embates no campo da formação de professores.

As relações entre docência, militância e pesquisa emergem continuamente no decorrer da biografia da professora Iria Brzezinski. Na análise sobre tais vínculos, fica evidente a ocorrência da aproximação entre formação inicial e continuada para a carreira docente, considerando uma visão praxiológica. Em tal perspectiva, a dimensão interna e externa aos agentes estão sempre em interação. O movimento que ocorre, a partir de um intercâmbio individual com o campo que o agente faz parte, fica explícito na afirmação realizada por Iria Brzezinski:

Ao longo da formação e construção da carreira de pesquisadora tive a rara experiência de viver minha condição humana dedicando-me aos estudos individualmente, ao mesmo tempo em que aceitei e respeitei a marcante presença do coletivo de pesquisadores, mais experientes, que me auxiliaram descobrir pistas da investigação (Brzezinski, 2006a, p. 190).

A professora ressalta características da relação entre visão individual e desenvolvimento das ações coletivas. O sentimento de solidão também é expresso, da mesma forma que a fase da presença de um grupo de pesquisadores experientes, em uma espécie de misto entre os períodos na caminhada da pesquisadora aqui analisada.

A trajetória apresentada de Iria Brzezinski está prenhe de densos conceitos, como a formação na perspectiva da emancipação, a influência da reflexividade na identidade do pedagogo e a compreensão sobre a práxis na formação docente. Tais conceitos são basilares para a contextualização histórica do curso de Pedagogia e a compreensão dos princípios defendidos pelas entidades como a Anfope e a ANPEd.

Assim sendo, realizar os escritos sobre a caminhada da docente, militante e pesquisadora do campo educacional, a professora Iria Brzezinski oportuniza às escritoras e aos leitores deste texto o contato com conceitos fundantes da docência e a compreensão histórica sobre processos de lutas e de resistências que perpassam nossa profissão. Esse é um modo de fortalecer os princípios a serem percorridos e defendidos em nossa categoria profissional.

Como citar: Tozetto, S. S.; Volkman, E. Iria Brzezinski: relações entre docência, militância e pesquisa. Revista Diálogo Educacional, v. 24, n. 80, p. 74-89, 2024. https://doi.org/10.7213/1981-416X.24.080.DS05

1Disponível em: http://lattes.cnpq.br/6603959142820263. Acesso em: 10 mar. 2022.

2Disponível em: https://scholar.google.pt/citations?user=csQKXuUAAAAJ&hl=pt-PT. Acesso em:11 mar. 2022.

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Recebido: 23 de Março de 2023; Aceito: 25 de Maio de 2023

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