SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24 número80Madalena Freire: la pasión de conocer el mundo a través del placer de enseñar y aprenderInvestigadora y educadora Vera Placco: aportaciones y repercusiones para la investigación y formación de profesores/as índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Diálogo Educacional

versión impresa ISSN 1518-3483versión On-line ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.24 no.80 Curitiba ene./mar 2024  Epub 29-Abr-2024

https://doi.org/10.7213/1981-416x.24.080.ds07 

Dossiê

Trajetórias cruzadas de vida, profissão e militância: o legado de Vera Lúcia Bazzo na Educação e na Formação de Professores

Crossed trajectories of life, profession and activism: the legacy of Vera Lúcia Bazzo in Education and Teacher Training

Trayectorias cruzadas de vida, profesión y activismo: el legado de Vera Lúcia Bazzo en Educación y Formación Docente

Juliano Agapito, Doutor em Educação1 
http://orcid.org/0000-0003-1491-9408

Margareth Fadanelli Simionato, Doutor em Educação2 
http://orcid.org/0000-0001-6169-2424

Márcia de Souza Hobold, Doutor em Educação3 
http://orcid.org/0000-0002-4179-608X

1Associação Catarinense de Ensino / Rede Municipal de Educação de Joinville, Joinville, SC, Brasil

2Universidade La Salle (UNILASSALE), Porto Alegre, RS, Brasil

3Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil


Resumo

A formação de professores no Brasil historicamente tem sido perpassada por projetos de sociedade em disputa. Essa contenda propõe a formação de professores de acordo com seus princípios, ou seja, por um lado, um projeto pragmático voltado à preparação de mão de obra para o trabalho e, de outro, um projeto que busca o desenvolvimento omnilateral do ser humano, pautado em uma formação pelo trabalho como construtor e produtor da própria existência. Os pressupostos ideológicos e epistemológicos que sustentam a formação docente se alternam, por vezes, configurando contradições epistêmicas e ideológicas; por outras, convergindo em consensos e negociações. Nesse artigo, entrevistamos a Professora Doutora Vera Lúcia Bazzo, docente aposentada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), expoente da educação brasileira e atuante na luta por um projeto de sociedade que defende uma educação pública, laica e de qualidade social para todos e todas. Em sua fala potente, sua militância e veia de luta por uma sociedade democrática e uma educação para todos e todas perpassam sua história de vida pessoal, acadêmica e profissional, sendo a tônica de suas ações, politizações e reações aos momentos vividos e impostos em períodos de maior, menor ou total ausência de liberdade democrática. Nesse sentido, a constituição de sua trajetória profissional é enlaçada por uma curiosidade epistêmica constante e um senso de justiça social aguçado, que tem contribuído para o avanço da formação de professores no Brasil a partir de seu engajamento na promoção e defesa de políticas públicas para a formação docente - diretrizes curriculares e base comum nacional de formação - alinhadas aos ideias democráticos que permeiam suas trajetórias de vida, profissão e militância.

Palavras-chave: Formação de Professores; Educação Pública; Vera Lúcia Bazzo.

Abstract

Teacher training in Brazil has historically been permeated by disputed society projects. This dispute proposes the training of teachers in accordance with its principles, that is, on the one hand, a pragmatic project aimed at preparing the workforce for work and, on the other, a project that seeks the omnilateral development of the human being, guided by in training through work as a builder and producer of one’s own existence. The ideological and epistemological assumptions that support teacher training alternate, sometimes configuring epistemic and ideological contradictions; on others, converging in consensus and negotiations. In this article, we interviewed professor Vera Lúcia Bazzo, a retired professor from the Federal University of Santa Catarina (UFSC) and member of the National Association for the Training of Education Professionals (ANFOPE), an exponent of brazilian education and active in the fight for a society project that defends a public, secular and social quality education for everyone. In his powerful speech, his militancy and vein of struggle for a democratic society and education for all permeate his personal, academic and professional life story, being the tone of his actions, politicizations and reactions to moments lived and imposed in periods of greater, lesser or total absence of democratic freedom. In this sense, the constitution of his professional trajectory is linked by a constant epistemic curiosity and a keen sense of social justice, which has contributed to the advancement of teacher training in Brazil through his engagement in the promotion and defense of public policies for the teacher training - curricular guidelines and common national training base - aligned with the democratic ideas that permeate their life trajectories, profession and activism.

Keywords: Teacher Training; Public Education; Vera Lúcia Bazzo.

Resumen

La formación docente en Brasil ha estado históricamente permeada por proyectos de sociedad en disputa. Esta disputa propone la formación de docentes de acuerdo con sus principios, es decir, por un lado, un proyecto pragmático dirigido a preparar la fuerza laboral para el trabajo y, por el otro, un proyecto que busca el desarrollo omnilateral del ser humano, guiado mediante la formación a través del trabajo como constructor y productor de la propia existencia. Los supuestos ideológicos y epistemológicos que sustentan la formación docente se alternan, configurando en ocasiones contradicciones epistémicas e ideológicas; sobre otros, convergiendo en consensos y negociaciones. En este artículo entrevistamos a la profesora Vera Lúcia Bazzo, profesora jubilada de la Universidad Federal de Santa Catarina (UFSC) y miembro de la Asociación Nacional para la Formación de Profesionales de la Educación (ANFOPE), exponente de la educación brasileña y activa en la lucha. por un proyecto de sociedad que defienda una educación pública, laica y social de calidad para todos. En su potente discurso, su militancia y vena de lucha por una sociedad democrática y por la educación para todos permean su historia de vida personal, académica y profesional, siendo el tono de sus acciones, politizaciones y reacciones ante momentos vividos e impuestos en periodos de mayor, menor o ausencia total de libertad democrática. En este sentido, la constitución de su trayectoria profesional está ligada por una constante curiosidad epistémica y un agudo sentido de justicia social, que ha contribuido al avance de la formación docente en Brasil a través de su compromiso en la promoción y defensa de políticas públicas para el docente. formación - directrices curriculares y base común de formación nacional - alineadas con las ideas democráticas que permean sus trayectorias de vida, profesión y activismo.

Palabras clave: Formación de Profesores; Educacion publica; Vera Lucía Bazzo.

Introdução

O campo da formação de professores no Brasil é permeado pelas distintas ideologias que têm obtido êxito na ocupação dos espaços de poder no decorrer da história. Além disso, também apresenta características decorrentes das lutas sociais em defesa da causa educacional, com ênfase para os coletivos docentes que, embora as suas proposições para a definição das políticas públicas na área não tenham sido completamente consideradas, sempre envidaram esforços para a promoção de uma educação pública, de qualidade e que demande atenção às reais necessidades do povo brasileiro.

Nessa esfera, o presente texto se propõe a destacar a participação efetiva da professora doutora Vera Lúcia Bazzo nesse movimento de luta por uma educação alinhada aos interesses públicos, tomando principalmente a formação de professores como fio condutor para o alcance de mudanças que sempre considerou necessárias à promoção de uma formação humanizada e política, visando à justiça social.

Nos mais de 50 anos dedicados ao magistério, além de expoente nacional no campo da formação de professores e das políticas voltadas à profissão docente, a professora Vera Bazzo se consolidou como referência na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na qual construiu uma história de luta e resistência em defesa da Educação pública, tanto na docência e na pesquisa quanto na gestão da instituição.

Em decorrência de seu vínculo com a UFSC, Vera Bazzo foi uma das docentes que serviram como inspiração para a criação do Grupo de Estudos e Pesquisas: Formação de Professores e Práticas de Ensino (FOPPE), em 2017; grupo esse que se dedica a estudar e pesquisar os campos da formação de professores e da didática, e que contou com a presença de Vera em seus primeiros encontros, no ano de 2018. Atualmente, sua produção continua servindo como referência para o grupo, que tem nos autores deste texto três representantes que expressam o propósito de reconhecer e valorizar suas contribuições.

No tocante ao método pelo qual Vera Bazzo socializou suas experiências para a produção deste texto, realizou-se uma entrevista (Agapito; Hobold; Simionato, 2021), baseada em um roteiro semiestruturado, contendo questões que versaram sobre sua biografia, trajetória acadêmica e profissional, bem como a militância política atrelada à profissão e seus contributos para a produção do conhecimento como legado para a formação de professores e para a valorização do magistério.

Outra fonte importante de material para discorrer sobre a trajetória de nossa entrevistada foi o Memorial de Atividades Acadêmicas (MAA): retratos de uma trajetória acadêmico-política (Bazzo, 2017), apresentado por Vera Bazzo à comissão especial de avaliação que, no ano de 2017, concedeu-lhe a promoção para a classe E de professora titular da carreira do magistério superior na UFSC. Além disso, foi possível contar também com sua produção acadêmica, na qual expressa os princípios que defendeu ao longo do percurso acadêmico e profissional (Bazzo, 2007; Scheibe; Bazzo, 2001a; 2001b; 2013; 2016a; 2016b; 2019).

Diante disso, este texto apresentará, na sequência, um primeiro tópico no qual serão abordados os percursos formativo e profissional de Vera Bazzo, cotejados por elementos de sua biografia pessoal. Como segundo tópico, sua visão sobre a militância junto aos movimentos sociais em defesa da formação e da profissão docente. E, por fim, algumas possíveis considerações que sintetizam o legado de sua “alma educadora e militante” (Bazzo, 2007, p. 200).

Do percurso formativo ao desenvolvimento profissional docente

Nascida em Capinzal, cidade do meio-oeste de Santa Catarina, em 1949, Vera Lúcia Bazzo é filha de descendentes de italianos. Sua mãe, Wanda Nabor Faggion Bazzo, foi a primeira normalista de Capinzal, enquanto seu pai, o telegrafista Vitor José Bazzo, foi combatente na segunda guerra mundial ou, como menciona, um ‘herói de guerra’. Com sete filhos, vivendo na conjuntura pós-guerra, foi esse casal de classe média que proporcionou à Vera o contexto familiar e afetivo que a constituiu como pessoa e cidadã.

Dona Wanda, ou dona Wandinha, como era chamada sua mãe, teve influência significativa no caminho de Vera pela docência. Em Capinzal, sua mãe foi professora do Grupo Escolar Belisário Pena, modelo de escola pública que se expandiu por volta das décadas de 1940 e 1950, em Santa Catarina. Apesar disso, Vera ressalta que frequentou uma escola privada da cidade, o Colégio Mater Dolorum, conduzido pela congregação das freiras Servas de Maria Reparadora, instituição exclusiva para meninas, na qual concluiu o curso primário e o ginásio. À exceção de dois professores homens dos quais se lembra, Vera ressalta que seu mundo escolar, nesse período, era exclusivamente feminino, e que começou bem cedo em sua formação “a ideia de que ser professora nesses níveis de ensino era uma atividade, preferencialmente, feminina e talvez extensão da vocação para a maternidade” (Bazzo, 2017, p. 7).

Como continuidade de sua formação, no nível secundário, Vera estudou o Comercial noturno, curso de contabilidade que, segundo ela, fê-lo “no afã de aprender alguma coisa a mais sobre o mundo dito masculino” (Bazzo, 2017, p. 8). Porém, sem dúvidas, o carro chefe de sua formação continuou ocorrendo junto às Servas de Maria Reparadora, fazendo o Normal, o que significava seguir “o curso natural das coisas” da cultura na qual estava inserida. Nesse sentido, ela destaca que adquiriu uma formação muito sólida, visto que as freiras (suas professoras) estavam alinhadas aos ideais escolanovistas e acompanhavam as discussões mais recentes sobre a formação de professores no Brasil da época. Inclusive, pontua que essa formação teve importante contribuição para sua aprovação no vestibular da UFSC, mais adiante.

A passagem de estudante para professora ocorreu exatamente durante a realização do curso Normal, pois, uma vez que antes dos 15 anos, quando faltava alguma professora, Vera relata que já era colocada como substituta em alguma sala de aula pelas irmãs que coordenavam o colégio. Com 16 anos, cursando o 2º ano do curso Normal, recebeu um convite da madre superiora para assumir uma turma de 4º ano da escola primária, no próprio colégio onde estudava, e foi dessa época em diante que, oficialmente, a docência passou a fazer parte de sua vida.

Vera confessa que não foi fácil o período de iniciação à docência, marcado por insegurança, choro e dúvidas sobre sua capacidade para lecionar, mas que, aos poucos, mediante uma prática quase forçada, foi compreendendo melhor os elementos sobre o que deveria ensinar, como e em que tempo, indicando uma compreensão didática que se constituía pela prática articulada ao que estudava, ainda, no curso Normal. No 3º ano do curso, fez também os estágios obrigatórios e foi aprovada na prova final de docência, tópicos exigidos para sua conclusão.

Em pleno auge da ditadura militar, no ano em que ocorreu a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 1968, Vera fez seu primeiro concurso para o magistério estadual, e se dedicou exclusivamente à carreira docente, no interior do estado de Santa Catarina, “cheia de fantasias e ilusões sobre a grande tarefa de educar” (Bazzo, 2017, p. 10) que lhe competia realizar. Lecionou em diversas escolas e níveis de ensino nesse período: foi professora primária, ensinou Língua Portuguesa no ginásio masculino e para o ginásio noturno (com o registro de sua mãe), curso similar à Educação de Jovens e Adultos. Chegou a lecionar Geografia, Canto Orfeônico e Educação Física no ginásio feminino, tudo com os registros de sua mãe, conseguidos em cursos especiais realizados a partir de programas oficiais de complementação, haja vista a escassez de professores licenciados nas cidades do interior do país, naquele período (Bazzo, 2017).

Nesse movimento, Vera ressalta que se viu, aos 19 anos, a professora Dona Vera, que daquele ponto em diante tinha tudo para dar continuidade à sua vida em Capinzal, lecionando e cumprindo o papel de esposa e mãe, muito comum para as moças da época, principalmente as que passavam pela formação religiosa pela qual passou. Sobre esse aspecto da religião, explica que acabou ficando meio “carola”, mas que sua precoce tendência à secularidade a salvou de ter se tornado uma das Servas de Maria Reparadora.

Destaca, também, que no período no qual morou em Curitiba com seus avós maternos, ainda enquanto cursava o curso primário, por conta de um tratamento de saúde que precisou fazer, acabou tendo uma vivência diferente dos seus irmãos, mais cosmopolita. Embora lá também tenha estudado em uma escola religiosa, agora de uma irmandade de freiras francesas, Curitiba já era uma cidade grande e, quando retornou para Capinzal, passou a considerá-la uma cidade muito pequena para suas aspirações de crescimento.

Sobre o momento no qual decidiu sair de Capinzal e alçar novos voos profissionais e acadêmicos na capital do estado, conta que teve um “instante de iluminação”. Em um Dia dos Professores, quando descia o morro da escola cheia de presentes que havia ganhado das crianças, questionou-se sobre o que gostaria de fazer realmente da sua vida, pois tinha 19 anos e, há três, já era conhecida como a Dona Vera. Quer dizer, sentia-se muito mais velha do que a idade que tinha. Havia recebido, inclusive, um honroso convite para dirigir a escola primária do Colégio Mater Dolorum. Sabia que se permanecesse lá, se aceitasse o convite, certamente faria um bom casamento e lecionaria naqueles mesmos lugares pelo resto de sua vida. Foi com esse pensamento que recusou o convite das irmãs, “fugiu do casamento como quem foge da cruz”, e decidiu ir para Florianópolis, com a aprovação no vestibular da UFSC.

O vestibular que Vera prestou ocorreu em 1970, o primeiro “único e unificado” da universidade. Ficou muito bem classificada na área das Ciências Sociais, na qual tinha a intenção de cursar Direito, porém, a veia de professora falou mais alto e acabou solicitando transferência para a área das comunicações, escolhendo o curso de Letras Português-Inglês. Com a aptidão para o estudo da Língua Portuguesa, já adquirida nos anos em que havia lecionado essa disciplina antes de ingressar na universidade, o Inglês se configurou como seu grande desafio nesse período, mas, por ironia do destino, foi como professora de Inglês que ingressou na carreira do magistério federal, em 1974, no Colégio de Aplicação. Conta que esse fato se tornou ainda mais irônico por, à época, sentir uma certa “bronca” do Inglês, devido à ideia do imperialismo e de toda a questão política que isso envolvia, mas pensou: “bom, eu vou conhecer a língua do inimigo para, quem sabe, poder lutar melhor”.

Sobre sua experiência universitária na UFSC, Bazzo (2017) conta que a universidade, na década de 1970, ainda era pequena e provinciana, mas que mesmo assim participou de muitas atividades extraclasse, cursos de aperfeiçoamento promovidos por instituições do país e do exterior e, muitas vezes, pelos próprios diretórios estudantis. Comenta que aproveitou ao máximo todos esses momentos, muito envolvida pela universidade e pelo estudo, apesar da militância e do trabalho que sempre caminharam lado a lado com os estudos. É relevante perceber o quanto Vera relata um contexto universitário voltado para uma vida científica expandida, conceito defendido por Severino (2012), no qual o autor destaca a necessidade de que os estudantes tenham condições para ampliar seus espaços de produção de conhecimento, indo além de suas atividades curriculares básicas. Tal fato destaca que a vocação para a oferta de uma formação expandida dos estudantes está na gênese da Universidade Federal de Santa Catarina.

Já sobre a trajetória profissional, foi deste ponto em diante que sua história passou a se entrelaçar com a da UFSC, ambiente no qual desenvolveu a maior e mais intensa parcela de sua vida na docência e na militância. Depois de dois anos lecionando no Colégio de Aplicação, e paralelamente no Instituto Estadual de Educação e em cursos pré-vestibulares privados, em 1976 foi aprovada no “último grande concurso para provimento de vagas de expansão das universidades sob o regime militar ditatorial” (Bazzo, 2017, p. 16). Passou, então, a integrar os quadros do Centro de Educação (CED) da UFSC como professora auxiliar de ensino na disciplina de Práticas de Ensino de Inglês no curso de Letras. E, assim, iniciou sua atuação na docência da Educação Superior.

Os anos que se seguiram foram, acadêmica e pessoalmente, marcantes para Vera. Em 1977, foi aprovada no processo para uma bolsa de mestrado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), com a intenção de fazer o curso de Linguística Aplicada ao ensino - “Applied Linguistics” na Universidade de Leeds, na Inglaterra. Contudo, sua participação não foi ratificada pela CAPES, com a justificativa de que havia cursos similares no Brasil. Segundo Vera, apenas mais tarde veio a descobrir que a negativa da CAPES ao seu pleito tinha a ver com suas “digitais” inscritas nos arquivos da ditadura em que suas atividades estudantis estavam registradas.

O curso de mestrado cursado foi, portanto, em Letras-Inglês, na própria UFSC, e teve início em 1978. Essa etapa de sua formação acadêmica coincidiu com importantes acontecimentos em sua vida pessoal, uma vez que, em 1979, nasceu sua primeira filha, fruto do relacionamento que havia começado nos anos anteriores, com um então colega professor da UFSC, o qual, segundo Vera, era “um jovem barbudo de esquerda, economista de linha marxista, que participava dos mesmos grupos de estudo e de ação política que ela”. Sua conclusão do mestrado ocorreu em janeiro de 1983, quando estava grávida de seu segundo filho.

Dentre as inúmeras aprendizagens acadêmicas desse período, Vera destaca a realização de sua dissertação, a qual teve como campo de estudo o Colégio de Aplicação da UFSC. Nesse contexto, ela relata sua surpresa pelo fato de ter sido no mestrado em Letras-Inglês, pelas mãos de seu orientador Martin Bygate, um jovem professor vindo da Inglaterra, que descobriu a importância de Paulo Freire para além das campanhas de alfabetização de adultos e dos movimentos de educação política.

Já seu doutorado foi realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no período entre 2003 e 2007, sob orientação da professora Mérion Bordas. Vera destaca que o curso ocorreu em um período bem diferente de sua vida, no qual já era uma professora estabelecida em sua carreira e profissão, e que nesse momento consolidou a guinada que já vinha fazendo em sua área de estudo, dedicando-se à discussão sobre a Pedagogia Universitária, defendendo em sua tese a construção da profissionalidade docente no Ensino Superior.

Durante todo seu período de atuação profissional na UFSC, vinculada ao Departamento de Metodologia de Ensino e ao Centro de Educação (MEN/CED), Vera dedicou-se à missão de “transformar estudantes de Letras em professores de inglês, para uma escola que estava se democratizando, logo, recebendo mais e mais contingentes de alunos das classes menos abastadas do país” (BAZZO, 2017, p. 22). Seu fio condutor foi a defesa de um ideário de formação de professores, com base em diretrizes curriculares, que ajudasse a formar educadores críticos e conscientes de seu papel naquela sociedade que se encontrava em franco processo de abertura democrática.

Como destaque para sua atuação profissional junto à universidade, soma-se a participação como representante do Centro de Educação (CED) no Conselho de Ensino e Pesquisa (CEPE/UFSC), na ocasião da criação do curso de Mestrado em Educação, no ano de 1984. Vera relata que, embora já mestra em Letras, participou de diversos cursos do programa como aluna especial, a fim de imergir ainda mais nas discussões e nos teóricos do campo da Educação.

Para além das funções de docente que exerceu ao longo de todos esses anos, a presença de Vera em cargos administrativos da Universidade se constituiu como uma marca de sua trajetória profissional e, certamente, política. A ocupação que promoveu, junto a seus colegas, nos espaços de discussão oferecidos pelo contexto universitário, favoreceu a consolidação da militância assumida com orgulho por Vera, iniciada, como já referido, ainda no interior do estado de Santa Catarina (quando era uma jovem normalista em Capinzal), e que continua até os dias de hoje, mesmo com o advento de sua aposentadoria em 2017. Assim, é sobre esse arcabouço de experiências na luta por uma Educação e por uma formação docente, baseadas na liberdade de pensamento e na defesa dos direitos de todas as pessoas, que se direciona o próximo tópico do presente texto.

Militância em defesa de uma formação política

Ainda como estudante do curso Normal, no final da década de 1960, na cidade de Capinzal, Vera Bazzo já despontava como uma jovem atenta aos movimentos de organização social e política, inclusive integrando o movimento da União Catarinense dos Estudantes Secundaristas (UCES). Nesse sentido, Vera acentua que a atenção à política sempre foi constante em seu convívio familiar. Seu avô era, segundo ela, um “Getulista de carteirinha”, e na família de seu pai todos eram envolvidos com política, uma política de direita, eram udenistas1. Sobre tal fato, Vera complementa: “mas quando viemos para cá (Florianópolis), logo em seguida, meus pais vieram também. Aquele udenismo serviu de base política para virarem pessoas muito conscientes politicamente. Meu pai virou um emedebista2 bem ferrenho, e com isso a família toda militava”.

Certamente, quando chega a Florianópolis, no início da década de 1970, Vera se depara com um contexto universitário fecundo para um maior envolvimento político, principalmente por dois fatores: o contexto repressor decorrente da ditadura militar instaurada no país há quase uma década; e a significativa ampliação de correntes teóricas e políticas que passou a conhecer, distintas daquelas oriundas apenas de suas influências familiares. Relata que parecia improvável, dadas suas até então influências políticas, que se consolidaria uma pessoa com viés político de esquerda, mas que assim aconteceu, “por contradição”.

Sobre esse processo contraditório, em que conseguiu ampliar sua concepção de mundo e sua noção política, Vera não hesita em dizer que passou por um período de incertezas. Relata que, no primeiro ano em que estava estudando na UFSC, retornou para casa (sua cidade natal) para votar: “Em quem eu votava? Na Arena3. Eu fui de aviãozinho com o chefe, que me deu emprego para poder ficar aqui. Era um ex-deputado da UDN, diretor da COTESC4, ele que me deu o emprego. Então, no primeiro ano que eu estava na faculdade, eu votei nos candidatos da Arena, que era o partido de sustentação do golpe, que a gente chamava de revolução”.

Ao considerar essas origens um tanto improváveis em relação às mudanças que se seguiriam em seu pensamento, Vera Bazzo faz questão de ressaltar o valor que representa a inserção dos jovens em uma universidade pública. Foi com sua imersão no contexto universitário que passou a encontrar os grupos underground, conhecer pessoas do movimento estudantil; a militância que, mesmo ocorrendo de forma escondida, camuflada, borbulhava naquele espaço. Por esse ângulo, a educadora não deixa de evidenciar que foi por meio da militância estudantil que “começou a ver o mundo como realmente ele era”. Além desses espaços, Vera ressalta a importância dos grupos de estudos que organizavam na busca por uma formação política consistente. Após um longo dia de trabalho, se reuniam à noite para avançar em leituras como: o Capital, de Marx, ou textos de Maria da Conceição Tavares, Frantz Fanon, dentre outros. A presença de companheiros de diferentes áreas, como Economia, Engenharia, Mecânica, Educação, dentre outras, enriqueceram muito as discussões. A força e importância das associações já se fazia presente no período como, por exemplo, a criação da Associação Catarinense de Estudos e Pesquisas Educacionais (ACEPE), hoje desativada. Na fala de Vera, esse foi “um nome que inventamos para criar um espaço onde essas pessoas que estavam meio soltas em todos os lugares pudessem se agregar”.

Embora não tenha se filiado diretamente a algum partido, Vera relata memórias inesquecíveis de amigos e amigas que foram presos e até mortos durante esse período. Inclusive, seu companheiro chegou a ser preso durante a Operação Barriga Verde (OBV)5, em Santa Catarina, assim como muitos de seus colegas. Conta ainda que seu pai foi uma figura importante nessa ocasião, pois “com aquela medalhinha e documento de ex-combatente, ia lá na polícia federal comigo para pegar autorização para visitar os companheiros presos. Ele impunha um respeito, mas foram anos duros, muito duros”.

Durante a década de 1970, ainda que sob forte repressão, Vera Bazzo conta que já começavam a surgir alguns movimentos de participação política, mesmo que por dentro dos partidos permitidos de funcionar. Relata que alguns se inscreviam na seção para a Juventude do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (JPMDB), à época sob forte influência dos militantes do “underground”, Partido Comunista Brasileiro. Segundo Vera, “participamos de importantes eventos pró-democratização do país. Isso tudo influenciava, certamente, minha docência e minha inserção na profissão”.

Já na década de 1980, com a eclosão da abertura democrática, muitos foram os espaços em que se foi possível dialogar, e Vera esteve presente em muitos deles. Em suas palavras, coloca que “além de estudar na pós-graduação, lecionar na UFSC e ter filhos, uma nova aventura me desafiava enquanto mulher cidadã de esquerda. Precisávamos criar espaços de participação democrática, inventando formas de lutar e de contribuir para o fim da ditadura”.

Desde então, sua trajetória política tem sido muito expressiva, principalmente em associações representativas das questões relacionadas à profissionalização docente, como a Associação dos Professores Universitários da UFSC (APUFSC) e a Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES). Inclusive, foi sob a gestão em que Vera atuou como vice-presidente que a APUFSC passou a ser uma seção sindical da ANDES. Relata que começou “a fazer a militância da década de 1980, que foi muito rica, a história de sair da ditadura, trabalhamos muito na discussão e na construção do projeto da educação para a abertura democrática. Nós escrevemos muita coisa, todas as nossas utopias foram escritas nessa época”.

No início da década de 1990, a professora Vera Bazzo inicia suas experiências na administração universitária, quando é convidada para assumir o cargo de Diretora de Ensino de Graduação da UFSC, na gestão 1992/1996. Nesse movimento, deixa de ter uma atuação mais direta no sindicato dos professores, tendo a oportunidade de ampliar sua visão sobre as questões da universidade, dentro de sua própria engrenagem, o que é substancialmente diferente da leitura que se tem a partir do sindicato ou mesmo do departamento. Apesar disso, em seu memorial (BAZZO, 2017), faz questão de evidenciar que foram suas experiências como professora e militante que a possibilitaram circular no meio administrativo sem perder de vista a necessidade de defender, em todos os espaços possíveis, a manutenção e a ampliação da universidade pública, gratuita e de qualidade, em meio a todas as tentativas de privatização vindas nos governos dos anos de 1990.

Após sua passagem pela Pró-Reitoria, Vera retorna às suas atividades no CED, já no final da década de 1990, onde assumiria a vice-direção (1996) e, depois, direção do centro (1996/2003). Esse foi o momento no qual conseguiu promover a interlocução entre sua experiência na docência, na administração universitária e seu envolvimento político, em prol da luta pela formação de professores.

Junto à Leda Scheibe, colega de muitas lutas, reavivou o Fórum dos Diretores das Faculdades de Educação das Universidades Públicas (FORUMDIR), em um momento em que o CED/UFSC passava por um período de grande expansão e de reconhecimento de seu papel tanto em nível local, como nacional. Há de se destacar, também, sua participação na Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), entidade que foi muito importante nas discussões sobre a idealização da formação de professores no país naquele período; relevância que vem sendo mantida até os dias de hoje, especialmente no que se refere aos currículos dos cursos de formação de professores, os quais são de suma importância nas discussões sobre formação docente. Para Scheibe e Bazzo (2013, p.19), esse currículo “sempre foi considerado parte importante nas reformas educacionais, pois qualquer possibilidade de mudança na qualidade e finalidade da educação dependeria fortemente da mudança na formação desses agentes”.

Ademais, Vera Bazzo foi membro da direção nacional da ANFOPE (2000-2002), sempre contribuindo no avanço das discussões e lutas no campo da formação de professores. “Criamos uma dinâmica em que todas as discussões passavam tanto pelo FORUMDIR quanto pela ANFOPE”. Para Vera e Leda Scheibe, “ser profissional implica dominar um profundo conteúdo de conhecimento que caracteriza o trabalho a ser realizado, associado a um certo grau de autonomia na atividade a ser desenvolvida” (Scheibe; Bazzo, 2016a, p. 253). Nesse sentido, as lutas pela qualificação da profissionalização docente sempre acompanharam a trajetória de Vera na busca de um projeto de educação para todos e todas.

Ressalta-se que Vera continua presente e atuante nas discussões da ANFOPE e demais entidades representativas, sendo constantemente convidada a palestrar, seja presencialmente (até o início de 2020), ou virtualmente (reinventando-se no período pandêmico), articulando as distintas formas de participação e envolvimento até os dias atuais.

Com destaque, Vera participou ativamente na criação da política de formação de professores da UFSC, resultando na Resolução 001/CUN, de 29 de fevereiro de 2000, a qual dispõe sobre os princípios para a organização dos cursos de formação de professores na instituição. Esse foi um grande avanço nas lutas por uma formação de qualidade, que era, “até então, bandeira de luta empunhada quase solitariamente pela ANFOPE e entidades educacionais congêneres, desde a década de 1980” (Bazzo, 2017, p. 36). Participou também do Fórum Estadual de Educação de Santa Catarina (FEESC) e da organização da etapa estadual da Conferência Nacional da Educação (CONAE) por algumas edições.

Depois, quando finalmente criada a política de formação de professores da universidade, por meio da Resolução 001/2000, essa se somou ao movimento nacional que tentava impulsionar a valorização da formação de professores, e que passou a ocupar espaço em reuniões anuais de entidades educacionais muito representativas, como ANPEd6, ANFOPE, FORUMDIR e ANPAE7. Desse contexto, surge a “Proposta de Diretrizes para Formação Inicial de Professores da Educação Básica, em Cursos de Nível Superior”. Mais tarde, ao analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais já instituídas pela Resolução nº 01 de 2002, Scheibe e Bazzo (2013, p. 16) concebem que “as diretrizes foram constituídas num campo de negociação entre os diversos atores que dele participaram; a implantação dessas diretrizes envolve, contudo, um outro processo de negociação que se dá no interior das instituições, e que considera apenas em parte as definições oficiais”, enfatizando o movimento dialético por meio do qual se dá a formulação das políticas públicas, revelando a relativa dissonância entre o escrito e o realizado.

Mobilizada pela campanha e vitória do presidente Luís Inácio Lula da Silva, que assumiu de forma muito simbólica a presidência do país no ano de 2002, Bazzo dá mais um passo importante em sua trajetória acadêmica ao ingressar no curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, no ano de 2003. Sob orientação de sua colega de FORUMDIR e ANFOPE, Mérion Bordas, pôde se aprofundar nos estudos sobre a profissionalidade docente do professor da educação superior. Contou também com a coorientação de Leda Scheibe (UFSC), constituindo assim um percurso de doutoramento marcado por parcerias e afetos ao lado de suas companheiras de tantas lutas.

Licenciada das funções na universidade para se dedicar aos estudos, depois de toda a experiência que havia acumulado ao longo de tantos anos de docência e militância, Vera pôde vivenciar a experiência de se dedicar exclusivamente à pesquisa como bolsista CAPES. Foram anos de muito aprendizado e engajamento, que a credenciaram, inclusive, para uma intervenção mais qualificada no campo da pesquisa, vinculando-se à linha Ensino e Formação de Professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC, assim que concluiu o doutorado e retornou para a universidade, em 2007.

No que tange à produção intelectual de Vera Bazzo, intensificada no momento de maior aproximação com o programa de pós-graduação em educação, suas publicações assumem duas características que coadunam com suas trajetórias de vida e profissão: a produção coletiva, especialmente com Leda Scheibe; e a interlocução com os movimentos de luta e militância, refletindo em suas produções aquilo que vivenciava cotidianamente na defesa pelos direitos dos profissionais da Educação e por uma formação de professores de qualidade.

Dentre as publicações de Vera Bazzo direcionadas ao campo da formação de professores, evidenciam-se os estudos acerca das políticas públicas para a formação docente (Scheibe; Bazzo, 2001b), tais como as diretrizes curriculares nacionais (Scheibe; Bazzo, 2013; 2016a) e a construção de uma base comum nacional (Scheibe; Bazzo, 2001a), além de sua relevância na formação de professores atrelada ao Centro de Ciências da Educação da UFSC (Scheibe; Bazzo, 2016b) e à Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Scheibe; Bazzo, 2019).

Apesar da motivação para um maior envolvimento no âmbito da pesquisa, inclusive levando estudantes a defenderem seus trabalhos finais de mestrado, Vera logo foi novamente cooptada para assumir posições de gestão, dessa vez como chefe do departamento de Metodologia de Ensino (MEN), a partir de 2008. Retornou à vice-direção e direção do CED, nos anos subsequentes, inclusive no momento de sua aposentadoria, em 2017, quando saiu da função para essa finalidade.

No que se refere ao momento de sua aposentadoria, Vera Bazzo conta que seus colegas propuseram a espera por uma saída compulsória, aos 75 anos de idade, mas que naquele momento optou por “ir para casa”, planejar essa nova fase, os anos de vida que ainda teria. Com emoção, Vera comenta sobre a tragédia ocorrida com o então reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, e como esse acontecimento teve influência em sua decisão. Do golpe jurídico-midiático parlamentar sofrido pela presidenta Dilma Rousseff, em 2014, à referida tragédia com o reitor Cancellier, em 2017, o cenário político que se configurou levou Vera a optar por manter seu engajamento militante pelas vias não oficiais. A aposentadoria, ainda assinada por Cancellier, concedeu a ela a liberdade para continuar a atuação na defesa da formação de professores, em um tempo e de um modo condizentes com o cuidado merecido por alguém que batalhou por tantos anos.

Considerações finais

Na certeza de que muitos são os contributos que a ilustre personagem aqui homenageada ainda trará para o campo da formação de professores no Brasil, esse texto se encaminha para seu fechamento destacando pontos para reflexão e projeção de ações, propostos pela própria Vera Bazzo, no tocante às possibilidades de formação dos futuros docentes, das próximas gerações de professores.

Ao ser questionada sobre o que poderia dizer para quem está iniciando na carreira docente hoje, Vera ressalta que “não dá para desvincular a formação acadêmica de uma sólida formação política”. Ressalta a necessidade de “estar do lado certo” para que tudo o que se aprenda dê frutos. Complementa, ainda, dizendo que, se foram cometidos erros, foi por não ter havido de forma mais incisiva uma formação política da juventude, dos estudantes, de não se ter ousado mais, mesmo que desgostasse a direita, setores conservadores da sociedade ou quem quer que fosse. Para ela, “tínhamos que mostrar para as pessoas que era diferente o mundo que estávamos criando”.

Ainda em sua reflexão sobre caminhos a orientar para quem está ingressando na carreira docente, Vera coloca que é necessário conversar com a juventude; professores formadores precisam conhecer seus estudantes, saber com quem estão falando, para quem estão lecionando e sobre o quê, sobre as reais implicações daquilo que se ensina nos cursos de formação de professores. Ressalta, também, a emergência de uma adequada seleção de materiais a serem utilizados nessa formação, repertório de leituras, e que não haja medo de se enfatizar a necessidade de recriar o processo civilizatório, por um modelo mais igual, mais fraterno, que não normalize o cúmulo da desigualdade instaurada no país.

Quando questionada sobre o legado que deixa para as próximas gerações, Vera Bazzo considera que fez, em cada momento, aquilo que precisava ser feito em nome da justiça social e da igualdade de direitos para todas as pessoas. Apesar dos inúmeros momentos de medo, vividos principalmente no período repressivo da ditadura militar nos anos de 1970, e da quase ingênua motivação excessiva dos anos de 1980, considera que todas essas experiências foram essenciais, ao passo que forjaram, pela via da militância obstinada, tanto sua personalidade quanto sua profissionalidade docente.

Reconhecendo a intersecção de sua própria história com a da UFSC, Vera salienta que sempre houve uma comunhão total entre ela e a instituição, “tudo o que a UFSC sofria, eu sofria junto”. Ao expressar sua gratidão por tudo o que viveu na universidade, destaca que ali encontrou parceiros políticos, amorosos, de tudo; amigas de uma vida inteira com quem compartilha momentos, ainda hoje. “A UFSC foi isso, minha casa, o local onde não só trabalhei, mas cresci muito enquanto pessoa. Assim, aprendi demais”.

Mediante seu percurso profissional, acadêmico e militante, Vera Bazzo vem contribuindo sobremaneira para o avanço da formação de professores no Brasil, haja vista seu engajamento na promoção e defesa de políticas públicas para a formação docente (diretrizes curriculares e base comum nacional de formação) condizentes com um projeto de sociedade que defende uma educação pública, laica e de qualidade social para todas as pessoas.

Como citar: AGAPITO, J.; SIMIONATO, M. F.; HOBOLD, M. de S. Trajetórias cruzadas de vida, profissão e militância: o legado de Vera Lúcia Bazzo na Educação e na Formação de Professores. Revista Diálogo Educacional, v. 24, n. 80, p. 107-120, 2024. https://doi.org/10.7213/1981-416X.24.080.DS07

1Partidários ou simpatizantes do extinto partido político União Democrática Nacional (UDN).

2Partidários ou simpatizantes do partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

3Partido político criado em 1965 para dar sustentação política à ditadura militar.

4Empresa de Telecomunicações de Santa Catarina no período relatado (1970/71).

5A OBV foi a principal intervenção militar no estado de Santa Catarina durante o regime civil-militar. Nela, vários catarinenses, considerados um perigo à estabilidade do governo, foram sequestrados, interrogados e torturados (SOUZA, 2016).

6Associação Nacional de pós-Graduação e Pesquisa em Educação.

7Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação.

Referências

AGAPITO, Juliano; HOBOLD, Márcia de Souza; SIMIONATO, Margareth Fadanelli. Entrevista inédita com Vera Lúcia Bazzo. Concedida em 09 de dezembro de 2021. [ Links ]

BAZZO, Vera Lúcia. Constituição da profissionalidade docente na educação superior: desafios e possibilidades. 2007. 269 p. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/10862. Acesso em: dez./2021. [ Links ]

BAZZO, Vera Lúcia. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Educação. Departamento de Metodologia de Ensino. Memorial de atividades acadêmicas (MAA): retratos de uma trajetória acadêmico-política. Florianópolis: UFSC, 2017. [ Links ]

SCHEIBE, Leda; BAZZO, Vera Lúcia. A construção de uma base comum nacional para a formação de profissionais da educação no Brasil. Contrapontos, ano 1, n. 1, Itajaí, jan./jun. 2001a. Disponível em: https://periodicos.univali.br/index.php/rc/article/view/43. Acesso em: dez. 2023. [ Links ]

SCHEIBE, Leda; BAZZO, Vera Lúcia. ANFOPE gestão 2000-2002: nos alvores do século XXI. Formação em Movimento, v. 1, n. 1, p. 73-87, jan./jun. 2019. Disponível em: https://costalima.ufrrj.br/index.php/FORMOV/article/view/450. Acesso em: dez. 2023. [ Links ]

SCHEIBE, Leda; BAZZO, Vera Lúcia. Diretrizes curriculares nacionais para os cursos de licenciatura no Brasil: da regulamentação aos projetos institucionais. Educação em Perspectiva, Viçosa, v. 4, n. 1, p. 15-36, jan./jun. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufv.br/educacaoemperspectiva/article/view/6628. Acesso em dez. 2021. [ Links ]

SCHEIBE, Leda; BAZZO, Vera Lúcia. Formação de professores da Educação Básica no Ensino Superior: diretrizes curriculares pós 1996. Revista Interdisciplinar da Educação Superior. Campinas, SP, v.2 n.2 p.241-256 maio/ago. 2016a. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/riesup/article/view/8650549. Acesso em: dez. 2021. [ Links ]

SCHEIBE, Leda; BAZZO, Vera Lúcia. O Centro de Ciências da Educação da UFSC: relato de uma trajetória. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 41, n. especial, p. 1507-1522, dez. 2016b. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/68721. Acesso em: dez. 2023. [ Links ]

SCHEIBE, Leda; BAZZO, Vera Lúcia. Políticas governamentais para a formação de professores na atualidade. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 22, n. 3, p. 9-21, maio 2001b. Disponível em: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/380/324. Acesso em: dez. 2023. [ Links ]

SEVERINO, Antônio Joaquim. pós-graduação e pesquisa: o processo de produção e de sistematização do conhecimento no campo educacional. In: BIANCHETTI, Lucídio. MACHADO, Ana Maria Netto (org.). A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação e escrita de teses e dissertações. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012. [ Links ]

SOUZA, Eliton Felipe de. Memórias da Operação Barriga Verde: a caça aos comunistas em Santa Catarina. Perseu, n. 11, ano 7, 2016. Disponível em: https://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/view/96/64. Acesso em: dez. 2021. [ Links ]

Recebido: 12 de Outubro de 2023; Aceito: 20 de Dezembro de 2023

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons.