INTRODUÇÃO
A sexualidade é um ponto central da vida do ser humano que contempla não só aspectos como sexo biológico, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução, mas também conceitos mais complexos como identidade e papéis de gênero1. No que se refere às questões de gênero, é onde a maior parte das dúvidas afloram e - com elas - preconceitos e negligências2. Na antropossociologia, é tido que, enquanto o sexo é biológico, gênero é social; portanto, diferenciado e construído pelas diferentes culturas2)-(4. O que define alguém como homem ou mulher não são os cromossomos ou os órgãos genitais, mas sim a autopercepção e a forma como a pessoa se expressa socialmente2.
A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - em sua décima edição (CID-10) - categoriza sob o código F64, os “Transtornos de Identidade Sexual”5, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 18 de junho de 2018, divulgou a nova CID-11 (que entrará em vigor no primeiro dia de 2022), que retira a “incongruência de gênero” do grupo de desordens mentais e a aloca em um novo capítulo da classificação, chamado “Saúde Sexual”6. Já o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - em sua quinta edição (DSM-V) - define como “Disforia de Gênero” o sofrimento que pode acompanhar a desarmonia entre o gênero experimentado ou expresso e o gênero designado de uma pessoa. Esse documento ressalta ainda que, com a atualização, o termo é mais descritivo que “Transtorno de Identidade de Gênero”, contido no DSM-IV, e trata a disforia não como um problema de identidade por si própria, mas como um problema clínico7.
Partindo desse contexto, o que se percebe é que, mesmo em ambientes de assistência à saúde, há a ocorrência de práticas discriminatórias8 - ainda que em contraponto ao que é preconizado pelo Ministério da Saúde em sua portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009, que determina o direito ao atendimento humanizado e acolhedor independente de idade, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero, condições econômicas, estado de saúde de anomalia, patologia ou deficiência9. Nesse sentido, podemos citar como exemplo mais emblemático, quando aplicado à situação das pessoas transgênero (trans), o desrespeito ao direito a um nome social.
A problemática desse cenário pode ter suas raízes, dentre outros, na formação médico-acadêmica. Ainda que as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina preconizem um perfil humanista e ético do formado egresso10, em um estudo realizado com estudantes de medicina no Piauí, verificou-se que, durante a graduação, a sexualidade não foi trabalhada com a profundidade e eficiência exigidas pelo tema11. Além da formação deficitária, podem ser citadas linhas de argumentação dentro do ensino médico que não vislumbram a necessidade de atenção especial para esta população, o que é facilmente contestado pelas particularidades listadas na Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT)12.
A compreensão da importância do componente social no processo saúde-doença permite admitir que a exclusão social proporcionada pelo desemprego e acesso precário à moradia, alimentação digna, educação, saúde, lazer e cultura interferem diretamente na saúde do indivíduo e da comunidade. Outrossim, exige reconhecer que todas as formas de discriminação - incluindo a LGBTfobia (lesbofobia, gayfobia, bifobia, travestifobia e transfobia) - devem ser consideradas na determinação social de sofrimento e, também, de doença12.
Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar o conhecimento dos acadêmicos de Medicina de uma Instituição de Ensino Superior (IES) sobre identidade de gênero. Além disso: traçar o perfil socioepidemiológico da amostra estudada quanto ao gênero, orientação sexual, faixa etária e período de curso; descrever o conhecimento dos estudantes sobre as diferenças entre orientação sexual e identidade de gênero, bem como entre os diversos conceitos dentro do tema; identificar o entendimento dos participantes da pesquisa sobre direitos sociais e sexuais da população trans; avaliar o saber dos participantes quanto à atenção em saúde da população trans e sobre o processo transexualizador; verificar se o tema foi abordado durante a graduação, os meios de abordagem e se houve ligação com alguma disciplina; e, por fim, observar se houve diferença estatística entre os resultados obtidos e as variáveis do perfil.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, transversal e de caráter quantitativo realizado no período de 02 de abril a 20 de maio de 2018 no Centro Universitário UNINOVAFAPI, localizado no município de Teresina-PI. O estudo contemplou 122 alunos, entre 18 e 34 anos, matriculados no 4º, 8º e 12º períodos do curso de Medicina (correspondendo ao final de cada ciclo da graduação) que aceitaram participar da pesquisa ao assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), e seriam excluídos aqueles que, porventura, não respondessem a maior parte das perguntas contidas no questionário - o que não ocorreu. A amostra foi dividida proporcionalmente entre os períodos, ou seja: 37 estudantes no 4º período, 45 no 8º e 40 no 12º. Aos participantes, foi garantido o sigilo das informações fornecidas, bem como a liberdade para solicitar desligamento do estudo em qualquer fase de sua execução, sem penalidades.
O instrumento de análise foi um questionário semiestruturado, composto por 15 questões divididas em três partes: a primeira, com quatro questões objetivas, visou traçar o perfil da amostra de acordo com o gênero, orientação sexual, faixa etária e período do curso; a segunda, composta por nove questões de múltipla escolha, fundamentadas nas principais diretrizes e protocolos relacionados à saúde da população trans, abordou conhecimentos relativos à identidade de gênero com ênfase na prática médica; e a última, com duas questões, uma objetiva e outra subjetiva, indagou quanto à frequência de abordagem do tema e por quais meios (curriculares ou extracurriculares) os participantes tiveram acesso ao tópico aventado.
A abordagem dos alunos se deu em sala de aula e em atividades referentes ao internato médico, onde os pesquisadores se dirigiram àqueles que estavam aptos a participar da pesquisa, de acordo com suas disponibilidades, sem prejuízos ao cumprimento de suas atividades curriculares. Os objetivos da pesquisa foram explicados; uma vez que os estudantes aceitaram participar, receberam envelopes sem identificação, contendo duas cópias do TCLE e uma cópia do questionário. Logo, assinaram e depositaram em uma pasta separada uma das cópias do TCLE; guardaram a outra para si e - ao término das respostas - devolveram os envelopes contendo apenas os questionários respondidos, sem nenhuma forma de reconhecimento.
Os dados obtidos foram registrados numa planilha Microsoft Excel; posteriormente exportados para o programa IBM® SPSS Statistics, que processou os resultados na forma de tabelas e gráficos. A análise estatística realizada foi descritiva por meio da leitura das frequências absolutas (n) e relativas (%). Inicialmente foi executado o teste estatístico deKolmogorov-Smirnov, no qual a análise do número de respostas adequadas não seguiu a curva normal (p=0,000). Considerando tal resultado, aplicou-se o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis.
Este estudo obedeceu à resolução CNS nº 466/12 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário UNINOVAFAPI, sob o número CAAE 65133617.2.0000.5210.
RESULTADOS
Dentre os 122 participantes, 77 (63,11%) identificaram-se como pertencente ao gênero feminino e 45 (36,89%) ao masculino. Em relação à orientação sexual, 108 (88,52%) declararam-se heterossexuais, 10 (8,19%) homossexuais e 4 (3,29%) bissexuais. A maior parte dos estudantes, 77 (63,11%), encontrava-se na faixa etária de 20 a 24 anos. Os demais estavam distribuídos em 31 (25,41%) entre 25 a 29 anos, 10 (8,19%) entre 30 a 34 anos e 4 (3,29%) eram menores de 20 anos. Quanto ao período do curso no qual os acadêmicos achavam-se matriculados, 45 (36,89%) estavam no 8º período da graduação, 40 (32,78%) no 12º e 37 (30,33%) no 4º, seguindo a proporcionalidade do cálculo da amostragem (Tabela 1).
Nº | % | ||
---|---|---|---|
Gênero | mas | 45 | 36,89 |
fem | 77 | 63,11 | |
Total | 122 | 100,00 | |
Orientação Sexual | heterossexual | 108 | 88,52 |
homossexual | 10 | 8,19 | |
bissexual | 4 | 3,29 | |
Total | 122 | 100,00 | |
Faixa Etária | < 20 anos | 4 | 3,29 |
20 a 24 anos | 77 | 63,11 | |
25 a 29 anos | 31 | 25,41 | |
30 a 34 anos | 10 | 8,19 | |
Total | 122 | 100,00 | |
Período de Curso | 4º período | 37 | 30,33 |
8º período | 45 | 36,89 | |
12º período | 40 | 32,78 | |
Total | 122 | 100,00 |
A respeito do conhecimento dos participantes acerca da identidade de gênero e seus aspectos, 82 (67,21%) estudantes desconheciam o conceito de mulher transgênero heterossexual, ao passo que 77 (63,11%) não souberam o significado de homem transgênero homossexual. A concepção de gênero fluido, por sua vez, foi desconhecida por 66 (55,74%) acadêmicos. A maioria dos pesquisados, 100 (81,97%), soube identificar conceitos básicos acerca de identidade de gênero por meio de questão de associação. O entendimento de nome social foi conhecido por 77 (63,11%) estudantes. Com relação ao processo transexualizador, menos da metade dos pesquisados, 47 (38,53%), soube responder a respeito de suas etapas iniciais. Sobre a identificação de situações de violência física e sexual, 121 (99,18%) e 105 (86,06%) participantes - respectivamente - souberam detectá-las nos contextos apresentados. Quanto à realização de exames ginecológicos em indivíduos autodeclarados homens trans, 82 (67,21%) não souberam como proceder diante da circunstância exposta (Gráfico 1).
A frequência de abordagem do tema no decorrer da graduação sofreu variações de acordo com o período que se encontrava o estudante. Em relação à totalidade da amostra, 40 (32,79%) afirmaram não ter tido qualquer abordagem acerca do tema citado; 63 (51,63%) referiram uma frequência que variou de 1 a 2 vezes, e 11 (9,02%) relataram de 3 a 4 vezes. Uma porcentagem menor de pesquisados responderam terem tido uma frequência de abordagem superior a 5 a 6 vezes. Dentre os acadêmicos do 4° período, 14 (37,84%) não tiveram contato com o assunto proposto até o momento da pesquisa; 19 (51,36%) referiram de 1 a 2 vezes; e apenas 2 (5,40%) tiveram um contato superior a 6 vezes. Da amostra pertencente ao 8° período, 16 (35,56%) não tiveram acesso algum; 22 (48,89%) informaram de 1 a 2 vezes; e 6 (13,33%) referiram de 3 a 4 vezes. Por fim, entre os acadêmicos do 12° período, 10 (25%) negaram qualquer abordagem; 22 (55%) informaram 1 a 2 vezes; 4 (10%) de 3 a 4 vezes; e 3 (7,5%) superior a 6 vezes (Tabela 2).
Período de Curso | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
4º período | 8º período | 12º período | Total | ||||||
Nº | % | Nº | % | Nº | % | Nº | % | ||
Frequência de Abordagem | nenhuma | 14 | 37,84 | 16 | 35,56 | 10 | 25,00 | 40 | 32,79 |
1-2 | 19 | 51,36 | 22 | 48,89 | 22 | 55,00 | 63 | 51,63 | |
3-4 | 1 | 2,70 | 6 | 13,33 | 4 | 10,00 | 11 | 9,02 | |
5-6 | 1 | 2,70 | - | - | - | - | 1 | ,82 | |
> 6 | 2 | 5,40 | 1 | 2,22 | 3 | 7,50 | 6 | 4,92 | |
sem resposta | - | - | - | - | 1 | 2,50 | 1 | ,82 | |
Total | 37 | 100,00 | 45 | 100,00 | 40 | 100,00 | 122 | 100,00 |
No que tange à forma de abordagem do tema no intercurso da graduação, as disciplinas Psicologia Médica, Psiquiatria e Bioética foram as cadeiras mais citadas, abrangendo, respectivamente, 30 (24,59%), 27 (22,13%) e 17 (13,93%) pesquisados. Ginecologia e Obstetrícia, Saúde da Mulher e outras disciplinas curriculares obrigatórias foram citadas, respectivamente, por 11 (9,01%), 6 (4,91%) e 9 (7,37%) acadêmicos. O uso de meios extracurriculares para o acesso ao tema foi apontado por 21 (17,21%) alunos, sendo congressos, ligas acadêmicas e a Federação Internacional de Associações de Estudantes de Medicina do Brasil (IFMSA Brazil) os mais apontados. Uma parcela importante da amostra, 23 (18,85%), reiterou que nunca teve qualquer abordagem durante toda a graduação. Por fim, 12 (9,83%) não responderam à questão (Gráfico 2).
Quanto à média de respostas adequadas segundo o perfil socioepidemiológico da amostra, o gênero e o período de curso parecem não influenciar nessa variável (média de 5 para os gêneros masculino e feminino, 4º, 8º e 12º períodos). Quanto à orientação sexual, as pessoas que se identificaram como bissexuais ou homossexuais apresentaram uma média maior de respostas adequadas (6 e 5,5, respectivamente) comparada à média das que se identificaram como heterossexuais (5). Finalmente, no que tange a faixa etária, os participantes menores de 20 anos atingiram uma média maior de respostas adequadas (6), ao passo que os de maior a idade (30 a 34 anos), conseguiram uma média menor (4) (Tabela 3).
Pontuação | ||||
---|---|---|---|---|
Média | Mínimo | Máximo | ||
Gênero | mas | 5 | 2 | 9 |
fem | 5 | 2 | 9 | |
Orientação Sexual | heterossexual | 5 | 2 | 9 |
homossexual | 5,5 | 3 | 9 | |
bissexual | 6 | 5 | 8 | |
Faixa Etária | < 20 anos | 6 | 5 | 8 |
20 a 24 anos | 5 | 2 | 9 | |
25 a 29 anos | 5 | 2 | 9 | |
30 a 34 anos | 4 | 3 | 6 | |
Período de Curso | 4º período | 5 | 2 | 9 |
8º período | 5 | 2 | 8 | |
12º período | 5 | 2 | 9 |
O teste de Kruskal-Wallis apontou - entretanto - que não houve diferença entre o número de respostas adequadas e o gênero declarado pelos participantes (p=0,233); não houve diferença entre o número de respostas adequadas e a orientação sexual declarada (p=0,405); não houve diferença entre o número de respostas adequadas e a faixa etária informada (p=0,134); e não houve diferença entre o número de respostas adequadas e o período da graduação no qual se encontravam os participantes (p=0,694).
DISCUSSÃO
No que tange ao gênero e à faixa etária, o perfil deste estudo concordou com o encontrado em pesquisa realizada com internos de Medicina das cinco regiões brasileiras - de 2004 a 2007 - que encontrou maior prevalência do gênero feminino e da faixa etária de 23 a 25 anos13. Quanto à orientação sexual, um estudo conduzido no interior do estado do Rio de Janeiro - no ano de 2006, com estudantes de Medicina -, encontrou proporções distintas: a grande maioria se afirmou heterossexual, seguida da parcela que se afirmou bissexual e, por fim, homossexual14.
As questões com maior porcentagem de respostas inadequadas foram as que se referiam a aspectos específicos da população trans, como a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual, já bem estabelecida pela OMS e Associação Mundial para a Saúde Sexual (WAS) pelos conceitos de sexualidade, saúde sexual1 e direitos sexuais15. Condutas específicas para esta população estão dispostas na Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais12, e na Portaria Nº 2.803, de 19 de novembro de 2013, que dispõe sobre o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde16, editadas pelo Ministério da Saúde. Por outro lado, os participantes deste estudo demonstram entendimento sobre o direito ao nome social - conforme orienta a portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009 - que dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde9. Além disso, a identificação de situações de violência contra a população trans (transfobia e “estupro corretivo”) sugere que, em partes, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina estão sendo contempladas ao se constatar um perfil ético e humanista10 nos participantes desta pesquisa, embora com um grau de habilidade insuficiente para o atendimento dessa população.
A abordagem do tema apresentou um discreto aumento à medida que se avançou durante a formação: 23 (62,16%) participantes do 4º período, 29 (64,44%) do 8º período e 30 (75%) do 12º período relataram a abordagem do assunto pelo menos uma vez. Comparando com o estudo conduzido anos antes no Piauí - que avaliou a abordagem da temática “sexualidade” na graduação médica - há uma discrepância em relação à identificação do tema em algum momento do curso: quase todos os participantes daquela pesquisa apontaram a abordagem do assunto11, enquanto que, no presente trabalho, um quarto dos estudantes do 12º período, o último da graduação, não detectaram o tópico. Vale ressaltar que essa diferença pode ser justificada pelo fato de a sexualidade englobar vários outros aspectos além da identidade de gênero, a saber: orientação sexual, sexo biológico, expressão de gênero, reprodução, disfunções sexuais, etc1.
Quanto à forma de abordagem do assunto, na grade curricular do curso de Medicina da IES onde foi realizada a pesquisa não existe, como disciplina obrigatória ou eletiva, qualquer alusão ao tema identidade de gênero. Das disciplinas mais citadas, a única cuja ementa citava o tema era Psiquiatria, onde “Transtorno da sexualidade” constava como item de seus conteúdos17. Em outra pesquisa, cujo tema era mais abrangente, as disciplinas mais citadas foram Ginecologia, Psiquiatria, Psicologia Médica e Urologia11. Vale ressaltar que - provavelmente - as proporções consideráveis para Ginecologia e Urologia se devem às disfunções sexuais femininas e masculinas, tópicos recorrentes dentro do estudo da sexualidade humana. Outra relação a ser feita é quanto aos meios extracurriculares citados naquele trabalho, quando atividades de extensão e de pesquisa totalizaram uma porcentagem pouco expressiva da abordagem11. No presente estudo, essa alternativa foi referida por 17,21% dos participantes. A IFMSA Brazil - a fonte extracurricular mais citada - é uma organização estudantil presente em 125 escolas médicas do país e aborda o tema por meio de suas atividades de ensino, extensão e comitês especializados no assunto: o Comitê Permanente em Saúde Sexual e Reprodutiva incluindo HIV/Aids (SCORA) e o Comitê Permanente em Direitos Humanos e Paz (SCORP)18, além do programa “Sexualidade e Identidade de Gênero”19.
Neste estudo, participantes mais jovens e/ou que se identificaram como LGBT apresentaram maior média de respostas adequadas. Este cenário pode ser explicado pelo fato dos participantes do grupo LGBT terem mais conhecimento sobre o tema devido às necessidades e particularidades concernentes ao próprio grupo. Paralelamente, pessoas mais jovens têm se deparado mais frequentemente com o assunto, que vem sendo retratado e citado nos meios de comunicação, seja na mídia impressa, eletrônica e/ou na mídia digital - esta última uma realidade não tão representativa da população com mais idade.
Os resultados deste estudo permitem o questionamento da capacitação desses futuros profissionais médicos para o atendimento às pessoas trans. Permitem, também, a indagação sobre a responsabilidade da academia no que diz respeito ao acesso não discriminatório à saúde, visto que 72,1% das pessoas LGBT afirmaram já terem sido discriminadas em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero em vários ambientes sociais, dentre eles, o sistema de saúde8. Que a saúde é um direto humano básico e universal20 já é sabido e amplamente difundido em teoria, mas - na prática - ele tem sido afanado de alguns. Prova disso são crianças, adolescentes e jovens trans sofrendo com transtorno de ansiedade, depressão e até mesmo suicídio devido ao medo e à repressão social. Segundo o filósofo prussiano, o homem errou ao atribuir um sexo e uma relação moral a todas as coisas, pois não imaginava o fardo que isso acarretaria na saúde mental e física das pessoas21. Esse panorama demonstra a necessidade de reparação desse erro, anulando os preconceitos e se apoderando de conhecimento em prol da saúde e bem-estar do ser humano.
CONCLUSÃO
Nesta pesquisa, evidenciou-se um perfil socioepidemiológico majoritariamente feminino, heterossexual e com idade entre 20 e 24 anos. Verificou-se maior percentual de respostas inadequadas nos assuntos que dizem respeito às diferenças entre as definições e às condutas específicas para a população trans. A abordagem do assunto durante toda a graduação foi mínima ou inexistente. Psicologia Médica, Psiquiatria e meios extracurriculares foram os maiores responsáveis pela propagação deste tópico. Finalmente, não houve diferença estatística entre a média de respostas adequadas e as variáveis do perfil encontrado.
Reconhecendo as limitações deste trabalho, tendo em vista sua realização em uma única IES, conclui-se que há grande probabilidade de os estudantes de Medicina da IES pesquisada estarem com uma escassez em sua formação no que diz respeito aos conceitos de identidade de gênero, o que pode repercutir profissionalmente em suas vidas, resultando em insegurança e suas distorções quando em atendimento a essa parcela da população. A constatação de que a maioria dos acadêmicos teve abordagem mínima ou inexistente do tema na graduação pode sugerir um não alinhamento da IES com as diretrizes curriculares do curso de Medicina, esperando-se, com esses dados, que a IES tenha olhar mais cuidadoso em relação a temas delicados, como os aqui apresentados, para manter a excelência na formação médica. Além disso, enseja-se que outros delineamentos sejam conduzidos pelo país para que mais diagnósticos situacionais sejam realizados.