INTRODUÇÃO
A educação matemática constitui o campo de conhecimento das ciências humanas responsável pelo estudo dos processos de ensino e aprendizagem relativos à matemática, recebendo contribuições da filosofia, da psicologia, da sociologia etc. Em razão de ser relativamente nova, seu objeto de estudo ainda está em construção, envolvendo as muitas relações e determinações entre o ensino, a aprendizagem e os conhecimentos matemáticos, relativos às condições sociais e culturais específicas (Fiorentini, Lorenzato, 2012).
Na esteira das questões investigativas pertinentes à educação matemática, Santaló (1996) discute as atribuições dos professores que ensinam matemática para as novas gerações. O autor considera que o ensino assume a responsabilidade de desenvolver destrezas e habilidades fundamentais para as futuras gerações. A escolha pela matemática, para aqueles que pretendem ser matemáticos, pode ser considerada relativamente fácil. No entanto, a grande problemática referese à seleção de conteúdos de matemática para a educação das pessoas que não estão interessadas no aprofundamento desse campo de estudo. Para essas pessoas, a importância da matemática se limita à possibilidade de melhorar o desempenho de suas atividades básicas e aos aspectos essenciais desse conhecimento.
Nessa perspectiva, propõe-se que o ensino de matemática e, especificamente o ensino da geometria, seja(m) pensado(s) em um contexto propositivo que possa desenvolver nos sujeitos a capacidade de pensar matematicamente, o que inclui entendê-la e utilizá-la como modelo interpretativo e representativo do mundo. Assim, tendo a finalidade de que a educação de crianças, jovens e adultos tenha como pano de fundo o desenvolvimento da cidadania. A propósito, o presente texto tem como objetivo discutir o conhecimento curricular da geometria apresentado por professores dos anos iniciais de escolarização.
A seguir, na primeira etapa, apresenta-se a descrição do desenho metodológico deste estudo, atentando para suas decisões analíticas. Na segunda, discute-se a base teórica tomada para sustentação das inferências formuladas a partir dos dados empíricos. Já na terceira, segue-se a discussão do conhecimento curricular da geometria apresentado pelos professores participantes do estudo. Dando continuidade, em uma quarta etapa deste trabalho, chega-se, então, às considerações finais, apontando para algumas reflexões sobre a condição do ensino da geometria nos anos iniciais e, por último, expõem-se as referências utilizadas.
METODOLOGIA
Este estudo apresenta natureza qualitativa em razão de estar amparado numa perspectiva que considera a relação entre o mundo e o sujeito, sem desconsiderar o elo inseparável entre a objetividade do mundo e a subjetividade do ser humano, a qual não é reduzida à mera quantificação. Portanto, recorre à interpretação dos fenômenos e à atribuição de significados como aspectos básicos de sua operacionalização (Prodanov, Freitas, 2013).
Para a produção dos dados empíricos, recorreu-se à aplicação de um questionário estruturado via Google Formulários (online) aos professores, com o pré-requisito de que atuassem nos anos iniciais e possuíssem, no mínimo, um ano de experiência profissional. A escolha por esse instrumento de coleta de dados se deu em razão do isolamento social provocado pela Covid-19 no momento de realização do estudo.
Desse modo, por se tratar de um recorte de dissertação de mestrado, essa pesquisa foca no conhecimento do currículo da geometria a partir das seguintes questões: (1) Para você, qual a importância do ensino de geometria para os(as) estudantes? (2) Quais conteúdos da geometria você explora em sua turma? (3) Que recursos você utiliza para ensinar geometria? (4) Considerando o contexto de ensino remoto, você ministrou aulas de geometria? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, qual(is) conteúdo(s) e recurso(s) utilizado(s)? (5) Esta atividade de classificação poderia ser proposta para turmas a partir de qual ano? (Atividade apresentada na Figura 1).
A análise das respostas dessas questões foi operacionalizada a partir da análise de conteúdo, especificamente, pela análise temática dos dados empíricos, a qual “[...] consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido” (Bardin, 1977, p. 105). Nesse processo, buscou-se considerar regras indicadas pelo autor, como: a homogeneidade (a obtenção dos dados deve ser igual); a exaustividade (buscando esgotar a totalidade das respostas); a exclusividade (o mesmo elemento deve ser classificado em apenas uma categoria); a objetividade; e a pertinência (Bardin, 1977).
A análise ocorreu a partir das categorias elencadas em relação ao ensino da geometria importância, conteúdos, recursos, ensino da geometria no contexto remoto e conhecimento conceitual e curricular sobre a classificação de figuras geométricas. Ao organizar as respostas em cada questão, foram feitos agrupamentos considerando a recorrência e a pertinência em núcleos de sentidos, a partir de palavras expressas, podendo uma categoria se desdobrar em outras, assim gerando micro categorias. Por exemplo, a categoria ‘importância do ensino da geometria’ possibilitou um desdobramento com respostas de professores agrupadas em núcleos de sentido: presença da geometria no cotidiano de crianças e pessoas em geral, desenvolvimento do pensamento geométrico, desenvolvimento da noção espacial (movimentação e localização) e figuras geométricas planas e espaciais.
Para identificação dos participantes e falas, utilizou-se a codificação P para denominar professor e um número para designar a ordem e a quantidade (P1, P2, por exemplo). Outra observação a ser feita, diz respeito às transcrições das respostas na íntegra, que não passaram por correção, sendo trazidas à análise tais como foram escritas no questionário.
O CURRÍCULO DA GEOMETRIA NO BRASIL
Embora a educação infantil não seja o foco deste estudo, o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI, 1998) apresenta três perspectivas para o trabalho com as crianças, as quais podem contribuir significativamente com o desenvolvimento do pensamento geométrico nos anos iniciais, são elas: as relações espaciais contidas nos objetos; as relações espaciais entre os objetos; e as relações espaciais nos deslocamentos. Simultaneamente, essas três perspectivas colocam em conjunto os aspectos relativos ao espaço e às figuras geométricas no trabalho com crianças.
As relações espaciais contidas nos objetos são percebidas a partir do contato e da manipulação dos próprios objetos, ou seja, as interações com esses objetos contribuem para a observação de características e propriedades, as quais colaboram para a identificação de alguns atributos. Dessa maneira, é possível explorar as figuras geométricas a partir da observação de obras de arte, de artesanato, da arquitetura, entre outras possibilidades. Assim, sugere-se, ainda, a inclusão de corpos geométricos, tais como: modelos de madeira, plástico ou cartolina, ou modelos de figuras geométricas planas, a fim de possibilitar que as crianças explorem as propriedades, realizem comparações e construções (Brasil, 1998).
As relações espaciais entre os objetos, por sua vez, estão relacionadas às noções de orientação, tais como: a proximidade, a interioridade e a direcionalidade. Por exemplo, para que a criança determine sua posição, será necessário situá-la a partir de um ponto de referência, sejam objetos ou pessoas, parados ou em movimento. Essas noções aplicadas em objetos ou pessoas irão favorecer o desenvolvimento da percepção do espaço exterior e distante para criança (Brasil, 1998).
Por último, o trabalho com as relações espaciais de deslocamento pode ser iniciado a partir dos pontos de referências que as crianças utilizam, da noção de distância, de tempo, entre outros. Para que essa perspectiva seja explorada da melhor forma, o professor pode propor jogos em que as crianças necessitem realizar deslocamentos ou o deslocamento de objetos. Pode-se ainda utilizar os deslocamentos realizados no transcurso de casa para a creche, por exemplo. Dessa forma, é importante que as crianças sejam oportunizadas a realizar a observação, a descrição e a representação das informações que conseguem perceber no espaço (Brasil, 1998).
Nos anos iniciais, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de matemática (1997), organizam os conteúdos da matemática para o 1º ciclo (1ª e 2ª séries) e o 2º ciclo (3ª e 4ª séries) em quatro campos de estudo: números e operações, espaço e forma, grandezas e medidas e tratamento da informação. No campo da geometria, nomeado de espaço e forma, os PCN afirmam que os conceitos geométricos permitem o desenvolvimento de um tipo especial de pensamento, sob o qual se operacionaliza a compreensão, a descrição e a representação do mundo (Brasil, 1997).
Desse modo, os PCN de matemática atribuem à geometria caráter de essencialidade à formação dos estudantes. Para o 1º ciclo, as atividades devem proporcionar às crianças condições que favoreçam a exploração do espaço físico. Consequentemente, os objetivos e os conteúdos deste ciclo demandam dos professores a proposição de situações em que coloquem as crianças diante de desafios que ajudem no desenvolvimento de noções de ponto de referência, localização e de deslocamento no espaço.
De acordo com os PCN, quando ingressam no primeiro ciclo, elas, independentemente de terem ou não frequentado a pré-escola, trazem consigo informações sobre numeração, medida, espaço e forma construídos a partir de suas vivências cotidianas (Brasil, 1997). Espera-se que, progressivamente, as crianças alcancem a formalização do pensamento geométrico, para tanto, os objetivos do 2º ciclo estão postos de modo que elas deem continuidade aos desafios propostos anteriormente (Tabela 1).
Espaço e Forma | |
---|---|
1º ciclo | “Estabelecer pontos de referência para situar-se, posicionar-se e deslocar-se no espaço, bem como para identificar relações de posição entre objetos no espaço; interpretar e fornecer instruções, usando terminologia adequada” (Brasil, 1997, p. 47). |
“Perceber semelhanças e diferenças entre objetos no espaço, identificando formas tridimensionais ou bidimensionais, em situações que envolvam descrições orais, construções e representações” (Brasil, 1997, p. 47). | |
2º ciclo | “Estabelecer pontos de referência para interpretar e representar a localização e movimentação de pessoas ou objetos, utilizando terminologia adequada para descrever posições” (Brasil, 1997, p. 56). |
“Identificar características das figuras geométricas, percebendo semelhanças e diferenças entre elas, por meio de composição e decomposição, simetrias, ampliações e reduções” (Brasil, 1997, p. 56). |
Fonte: Brasil (1997)
De modo geral, os objetivos de ensino relativos aos dois ciclos mencionados na Tabela 1 estão organizados para que as crianças desenvolvam capacidades relativas à localização e à movimentação no espaço, à identificação e à construção de figuras geométricas e à percepção de semelhanças e diferenças entre entes geométricos.
Nessa perspectiva, os PCN afirmam que:
A Geometria é um campo fértil para se trabalhar com situações-problema e é um tema pelo qual os alunos costumam se interessar naturalmente [...]. Além disso, se esse trabalho for feito a partir da exploração dos objetos do mundo físico, de obras de arte, pinturas, desenhos, esculturas e artesanato, ele permitirá ao aluno estabelecer conexões entre a Matemática e outras áreas do conhecimento (Brasil, 1997, p. 39).
Neste cenário de contribuições para a formulação de políticas e currículos para o ensino da geometria, interessa elucidar a colaboração do documento norteador do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), intitulado Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do ensino fundamental.
Baseado no documento supracitado, o PNAIC assumiu a compreensão de que a alfabetização constitui direito da criança, estabelecendo direitos e objetivos de aprendizagem por área do conhecimento. Metodologicamente, para cada eixo, o documento orienta o desenvolvimento de objetivos de aprendizagem com base em três escalas de trabalho, sendo elas: - (i) introduzir, (a) aprofundar e (c) consolidar (Brasil, 2012) a aprendizagem. A Tabela 2 explicita os objetivos de aprendizagem relativos à geometria.
Objetivos | 1º ano | 2º Ana |
3º ano |
---|---|---|---|
Explicitar e/ou representar informalmente a posição de pessoas e objetos e dimensionar espaços, utilizando vocabulário pertinente nos jogos, nas brincadeiras e nas diversas situações nas quais as crianças considerarem necessária essa ação, por meio de desenhos, croquis, plantas baixas, mapas e maquetes, desenvolvendo noções de tamanho, de lateralidade, de localização, de direcionamento, de sentido e de vistas. | I | A | C |
Reconhecer seu próprio corpo como referencial de localização no espaço (em cima e embaixo, acima e abaixo, frente e atrás, direita e esquerda). | I/A | A/C | C |
Identificar diferentes pontos de referências para a localização de pessoas e objetos no espaço, estabelecendo relações entre eles e expressando-as através de diferentes linguagens: oralidade, gestos, desenho, maquete, mapa, croqui, escrita. | I/A | A/C | C |
Observar, experimentar e representar posições de objetos em diferentes perspectivas, considerando diferentes pontos de vista e por meio de diferentes linguagens. | I | A | C |
Reconhecer seu próprio corpo como referencial de deslocamento no espaço (para cima e para baixo, para frente e para atrás, para dentro e para fora, para direita e para esquerda). | I | A | C |
Identificar e descrever a movimentação de objetos no espaço a partir de um referente, identificando mudanças de direção e de sentido. | I | A | C |
Observar, manusear estabelecer comparações entre objetos do espaço físico e objetos geométricos - esféricos, cilíndricos, cônicos, cúbicos, piramidais, prismáticos - sem uso obrigatório de nomenclatura. | I | I/A | A/C |
Reconhecer corpos redondos e não redondos (poliédricos). | I | A/C | C |
Planificar superfícies de figuras tridimensionais e construir formas tridimensionais a partir de superfícies planificadas. | I | I/A | A/C |
Reconhecer as partes que compõem diferentes figuras tridimensionais. | - | I | A |
Perceber as semelhanças e diferenças entre diferentes prismas (cubos e quadrados, paralelepípedos e retângulos, pirâmides e triângulos, esferas e círculos). | - | I | A |
Construir e representar formas geométricas planas, reconhecendo e descrevendo informalmente características como número de lados e de vértices. | - | I | A |
Descrever, comparar e classificar verbalmente figuras planas ou espaciais por características comuns, mesmo que apresentadas em diferentes disposições (por translação, rotação ou reflexão), descrevendo a transformação de forma oral. | I | A | C |
Conhecer as transformações básicas em situações vivenciadas: rotação, reflexão e translação para criar composições (por exemplo: faixas decorativas, logomarcas, animações virtuais). | I | A | C |
Antecipar resultados de composição e decomposição de figuras bidimensionais e tridimensionais (quebra-cabeça, tangram, brinquedos produzidos com sucatas). | I | I/A | A |
Desenhar objetos, figuras, cenas, seres mobilizando conceitos e representações geométricas tais como: pontos, curvas, figuras geométricas, proporções, perspectiva, ampliação e redução. | I | I/A | A/C |
Utilizar a régua para traçar e representar figuras geométricas e desenhos. | I | I/A | A/C |
Utilizar a visualização e o raciocínio espacial na análise das figuras geométricas e na resolução de situações-problema em matemática e em outras áreas do conhecimento. | I/A | A/C | C |
Fonte: Adaptado de Brasil (2012, p. 79-80)
Como pode ser observado no percurso de desenvolvimento do currículo da geometria, o documento orientador do PNAIC indica avanços significativos no âmbito das proposições para o ensino desta área nos primeiros três anos do ensino fundamental (ciclo de alfabetização). Quando o documento sugere, por ano de escolarização, as escalas introduzir, aprofundar e consolidar os objetivos de aprendizagem fornece ao professor estratégias de operacionalização do trabalho com as crianças no contexto da alfabetização. Assim, apresentando avanços na compreensão do corpo como ponto de partida para o trabalho com o espaço, tanto para as noções de localização quanto para as de deslocamento.
Na direção dos documentos nacionais que orientam o ensino da geometria no Brasil, apresenta-se as proposições da Base Nacional Comum Curricular (2017) para os objetos de conhecimento dos anos iniciais. Para esse documento, estabeleceu-se que:
A Geometria envolve o estudo de um amplo conjunto de conceitos e procedimentos necessários para resolver problemas do mundo físico e de diferentes áreas do conhecimento. Assim, nessa unidade temática, estudar posição e deslocamentos no espaço, formas e relações entre elementos de figuras planas e espaciais pode desenvolver o pensamento geométrico dos alunos. Esse pensamento é necessário para investigar propriedades, fazer conjecturas e produzir argumentos geométricos convincentes. É importante, também, considerar o aspecto funcional que deve estar presente no estudo da Geometria: as transformações geométricas, sobretudo as simetrias. As ideias matemáticas fundamentais associadas a essa temática são, principalmente, construção, representação e interdependência (Brasil, 2017, p. 271).
Em termos de proposições, a BNCC retoma os objetivos dos PCN e do PNAIC adicionando o trabalho à perspectiva de ângulos, plano cartesiano e de proporcionalidade de lados, como se pode observar na Tabela 3.
Objetos do conhecimento | 1º ano | 2º ano | 3º ano | 4º ano | 5º ano |
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“Localização de objetos e de pessoas no espaço, utilizando diversos pontos de referência e vocabulário apropriado” (Brasil, 2017, p. 278). | |||||
“Figuras geométricas espaciais: reconhecimento e relações com objetos familiares do mundo físico” (Brasil, 2017, p. 278). | |||||
“Figuras geométricas planas: reconhecimento do formato das faces de figuras geométricas espaciais” (Brasil, 2017, p. 278). | |||||
“Localização e movimentação de pessoas e objetos no espaço, segundo pontos de referência, e indicação de mudanças de direção e sentido” (Brasil, 2017, p. 282). | |||||
“Esboço de roteiros e de plantas simples” (Brasil, 2017, p. 282). | |||||
“Figuras geométricas espaciais (cubo, bloco retangular, pirâmide, cone, cilindro e esfera): reconhecimento e características” (Brasil, 2017, p. 282). | |||||
“Figuras geométricas planas (círculo, quadrado, retângulo e triângulo): reconhecimento e características” (Brasil, 2017, p. 282). | |||||
“Localização e movimentação: representação de objetos e pontos de referência” (Brasil, 2017, p. 286). | |||||
“Figuras geométricas espaciais (cubo, bloco retangular, pirâmide, cone, cilindro e esfera): reconhecimento, análise de características e planificações” (Brasil, 2017, p. 286). | |||||
“Figuras geométricas planas (triângulo, quadrado, retângulo, trapézio e paralelogramo): reconhecimento e análise de características” (Brasil, 2017, p. 288). |
|||||
“Congruência de figuras geométricas planas” (Brasil, 2017, p. 288). | |||||
“Localização e movimentação: pontos de referência, direção e sentido” “Paralelismo e perpendicularismo” (Brasil, 2017, p. 292). | |||||
“Figuras geométricas espaciais (prismas e pirâmides): reconhecimento, representações, planificações e características” (Brasil, 2017, p. 292). | |||||
“Ângulos retos e não retos: uso de dobraduras, esquadros e softwares” (Brasil, 2017, p. 292). | |||||
“Simetria de reflexão” (Brasil, 2017, p. 292). | |||||
“Plano cartesiano: coordenadas cartesianas (1ºquadrante) e representação de deslocamentos no plano cartesiano” (Brasil, 2017, p. 295). | |||||
“Figuras geométricas espaciais: reconhecimento, representações, planificações e características” (Brasil, 2017, p. 295). | |||||
“Figuras geométricas planas: características, representações e ângulos” (Brasil, 2017, p. 295). | |||||
“Ampliação e redução de figuras poligonais em malhas quadriculadas: reconhecimento da congruência dos ângulos e da proporcionalidade dos lados correspondentes” (Brasil, 2017, p. 295). |
Fonte: Construído pelos autores a partir de Brasil (2017)
Como se pode observar, as proposições curriculares do ensino da geometria se voltam ao desenvolvimento de um conjunto de capacidades ligadas à compreensão das figuras geométricas, à localização e ao deslocamento de pessoas/objetos. Ao que parece, a BNCC faz um resgate das proposições de documentos anteriores, sem, no entanto, apresentar grandes mudanças. As novidades se encontram no 5º ano, com a proposição do plano cartesiano e o conteúdo de congruência de figuras planas, direcionado ao terceiro ano. Por último, a BNCC organiza os objetos de conhecimento geométrico por ano de escolarização, considerando que o currículo passou a contemplar o ensino fundamental de 9 anos.
CONHECIMENTO CURRICULAR DA GEOMETRIA APRESENTADO POR PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS
Esta seção trata, sob a ótica do professor, especificamente, sobre a finalidade do ensino da geometria, os conteúdos trabalhados nesta unidade temática, os recursos utilizados e sobre a adequação da atividade aos determinados anos de escolarização.
Desse modo, quando os professores foram indagados sobre qual a importância do ensino da geometria para os estudantes, todos responderam essa questão, tendo suas respostas organizadas em quatro categorias analíticas, as quais são: 1) presença no cotidiano; 2) pensamento geométrico; 3) espaço (localização e deslocamento); 4) figuras geométricas espaciais e/ou planas.
Quanto à categoria presença no cotidiano das crianças e pessoas em geral, destacaram-se as seguintes falas:
P12 - Acho muito importante, pois a geometria é de extrema importância no cotidiano das pessoas; por meio dela as pessoas desenvolvem seu raciocínio, sentido, localização etc.
P16 - A geometria é parte do cotidiano dos nossos alunos. Situação cotidianas muitas vezes exigem conhecimentos geométricos como calcular áreas, perímetros, dimensões. P29 - A geometria é importante para que as crianças a reconheçam em seu cotidiano podendo diferenciar e nomear objetos.
P20 - A observação do mundo em que vivemos é de grande importância para a interação social que estabelecemos em nossas comunidades. O ensino da geometria nos permite observar espaços e formas e assim podemos interagir melhor com os indivíduos de nossa comunidade.
Dentre as respostas, observa-se que o P16 relaciona a geometria ao cotidiano, no entanto, ao exemplificar, refere-se aos aspectos da unidade temática grandezas e medidas: “[...] calcular áreas, perímetros, dimensões”. Nesse caso, ocorreu um equívoco entre o que é específico de uma e de outra unidade temática. A partir disso, evidencia-se a importância de os professores terem clareza conceitual e procedimental para o trabalho com as unidades temáticas, caso contrário, pode-se incorrer em equívocos que comprometem a aprendizagem de noções básicas do conhecimento geométrico importantes para a vida cotidiana.
As respostas dos professores, apesar de sinalizarem a relação da geometria com o cotidiano das crianças, o fazem de modo generalista, sem apresentar detalhes ou exemplos de como se pode estabelecer essa relação. O P20 afirma que, a partir da geometria, “[...] podemos interagir melhor com os indivíduos de nossa comunidade”, no entanto, não aponta nenhum aspecto dessa possibilidade de melhoria das relações sociais. Notadamente, com o desenvolvimento do pensamento geométrico, as crianças conseguem se expressar melhor, interagirem e expandirem sua compreensão acerca do mundo. Contudo, esses aspectos não foram expostos com objetividade e clareza nas contribuições dos participantes.
As proposições curriculares, tais como, a compreensão, a descrição e a representação do mundo; a capacidade de deslocamento e movimentação no espaço; o dimensionamento de espaços; a percepção de semelhanças e diferenças entre entes geométricos; a observação e a construção de formas geométricas (Brasil, 1997); o avanço com a perspectiva de ângulos, plano cartesiano e proporcionalidade de lados (Brasil, 2017), são dimensões que se esperava aparecer nas respostas dos professores, entretanto não foram descritas objetivamente.
Outro grupo de professores afirmou que a importância do ensino da geometria se deve ao desenvolvimento do pensamento geométrico, como destacam as falas abaixo:
P2 - Desenvolver o pensamento geométrico, fundamental para a resolução de problemas diversos, pensamento crítico e reflexivo, assim como estabelecer relações mais significativas com o mundo que os cerca.
P36 - É de extrema importância no cotidiano das pessoas, desenvolve o raciocínio visual.
P37 - A geometria é muito importante, pois permitir o aluno desenvolver o pensamento de compreender e descrever de forma organizada.
O conhecimento geométrico amplia as possibilidades de desenvolvimento de um pensamento matematizado que tem início quando as crianças começam a explorar o espaço em que vivem e, aos poucos, vai tornando-se mais complexo a partir das vivências dentro e fora do ambiente educacional, bem como antes e depois do período escolar. Nos dados coletados, observase um número consideravelmente menor de professores que remete a importância do ensino da geometria ao desenvolvimento do pensamento geométrico.
A propósito, as orientações curriculares afirmam que o pensamento geométrico possibilita a investigação de propriedades, a criação de conjeturas e a produção de argumentos geométricos (Brasil, 2017). Quando desenvolvido um trabalho pedagógico adequado a partir do processo de ambientação e estruturação do espaço colocando as crianças frente a vivências e desafios relativos à geometria, constroem-se situações de aprendizagem que potencializam o desenvolvimento do pensamento geométrico.
Nesse sentido, o pensamento geométrico corresponde a uma complexa interpretação do espaço físico e abstrato, assim como suas representações e seus registros. Não podendo ser reduzido ao aglomerado de informações encontradas em livros didáticos e tornadas objetos de ensino, sem que haja relação com a vida cotidiana dos estudantes. Portanto, quando a geometria é problematizada a partir do espaço vivido, torna-se concreta, possível de aplicação e resolução de situações-problemas do dia a dia.
Quando os professores associam a importância do ensino da geometria ao estudo do espaço, especificamente, às noções de localização e deslocamento, trazem para a discussão a interpretação do espaço físico e abstrato, suas representações e seus registros, conforme figura nos RCNEI (Brasil, 1998). Trata-se do desenvolvimento do raciocínio, da compreensão e da ação no e sobre o espaço a partir do conhecimento geométrico. Isso pode ser compreendido a partir das falas destacadas abaixo:
P14 - A geometria é de suma importância pois contribui para o estudante compreender o mundo que o rodeia, as formas, a localização etc.
P34 - O objetivo de ensinar geometria aos alunos do 1º ao 5º ano está ligado ao sentido de localização, reconhecimento de figuras, manipulação de formas geométricas, representação espacial e estabelecimento de propriedades.
P24 - Geometria é importante para definir noção de espaço, ocupação...
P9 - Ajuda os estudantes no tocante à noção de espaço e forma.
Ao que parece, essa discussão remete a três perspectivas de trabalho sugeridas pelos RCNEI, a saber: as relações espaciais contidas nos objetos; as relações espaciais entre os objetos; e as relações espaciais nos deslocamentos (Brasil, 1998). Embora essa orientação esteja direcionada à educação infantil, serve para o trabalho nos anos iniciais, especialmente por apresentar noções introdutórias do espaço, fundamentais para o aprofundamento da compreensão dos entes geométricos e das relações entre a bi e a tridimensionalidade (altura, comprimento e profundidade). Por isso, é importante que o ensino da geometria considere essas relações (bi e tridimensionais), que podem - e são - estabelecidas o tempo todo, quando se trata do trabalho com as figuras geométricas, especialmente. Ou seja, o trabalho com as figuras espaciais pode ocorrer relacionado às figuras geométricas planas, não como opostos.
Ainda conforme os RCNEI, os desenhos são formas privilegiadas de representação, pois permitem que as crianças expressem suas ideias, ao passo em que registrem informações. A partir deles, as crianças podem representar os objetos vistos de cima, de baixo, de lado, assim explorando diferentes ângulos de visão. Entretanto, além da representação plana da realidade, pode-se propor que as crianças construam representações tridimensionais, tais como maquetes e painéis. Dessa maneira, o trabalho com o espaço pode proporcionar situações que demandem o uso de figuras, desenhos, fotos e mapas, por exemplo (Brasil, 1998).
Outra razão dada ao ensino da geometria referiu-se às figuras geométricas planas e espaciais, em função de estarem ligadas à promoção de competências relacionadas à observação, ao reconhecimento, à manipulação e à generalização. Nas falas destacadas abaixo se observa a ênfase dada às figuras geométricas:
P34 - O objetivo de ensinar geometria aos alunos do 1º ao 5º ano está ligado ao sentido de localização, reconhecimento de figuras, manipulação de formas geométricas, representação espacial e estabelecimento de propriedades.
P19 - Através do ensino da geometria os alunos podem fazer generalizações de padrões, de sequências e de características específica para diferentes grupos de figuras planas e especiais.
P25 - Compreender o mundo na sua diversidade de formas.
Nas respostas dos professores 34 e 19, percebe-se a ênfase no trabalho com as figuras geométricas, evidenciando a necessidade desse reconhecimento e a manipulação dessas figuras na direção de identificação de características e propriedades. Apesar dessas respostas se apresentarem amplas, demonstraram que as figuras geométricas contribuem com uma leitura de mundo específica, diretamente relacionada ao pensamento matemático.
Dentre as proposições, destaca-se a identificação de figuras geométricas a partir de descrições, construções e representações; semelhanças e diferenças; composições e decomposições; simetrias; ampliações e reduções (Brasil, 1997); comparações entre objetos do espaço físico e objetos geométricos; planificações (Brasil, 2012); congruência de figuras geométricas planas; ângulos retos e não retos; congruência dos ângulos e da proporcionalidade dos lados (Brasil, 2017).
Quando os professores foram indagados sobre quais conteúdos da geometria exploram na(s) turma(s) em que lecionam, todos eles responderam essa questão. Em razão do caráter pontual da pergunta, as respostas foram agrupadas em figuras geométricas planas e espaciais, espaço, especificamente noções de movimentação, localização e posição no espaço e respostas soltas.
A maior parcela das respostas, exatamente 31, indicou que os professores ministram aulas sobre figuras geométricas planas e espaciais, inclusive, sinalizando noções de movimentação e localização no espaço. Além disso, houve respostas que, não apenas trataram sobre o ensino das figuras geométricas, como também acrescentaram conteúdos de outros campos, por exemplo: o P33 acrescenta aos conteúdos ministrados o de “[...] medidas de comprimentos, massas, capacidades, tempo”. Ou ainda o P37, quando acrescenta “[...] noções estatísticas: tabelas e gráficos”.
Continuando a análise, observa-se que houve dificuldade dos professores quanto ao que pertence ao eixo geometria e a grandezas e medidas. O currículo dos anos iniciais delimita o que pertence a uma e a outra unidade temática, além das orientações conceituais e procedimentais próprias de cada campo. Isso não significa dizer que não se podem estabelecer relações/conexões com outras unidades temáticas, porém se torna imprescindível saber o que pertence a um e outro campo.
No contexto do ensino remoto, 32 professores afirmaram que mantiveram as aulas sobre geometria. É importante destacar que, nessa questão, exploraram-se somente os aspectos de ordem curricular, associados ao conteúdo ministrado e aos recursos utilizados no ensino remoto emergencial. Sendo assim, quando os professores foram indagados sobre quais conteúdos e recursos utilizavam para ensinar geometria no ensino remoto, somente 24 respostas sinalizaram algum conteúdo geométrico e apenas 17 apontaram, ao menos, um recurso utilizado nas aulas. Esses dados permitem questionar: se esses profissionais estão ministrando aulas sobre geometria, por que não apresentarem os conteúdos estudados e recursos utilizados? Aparentemente, há distanciamento entre aquilo que alguns professores alegam e o que realizam na sala de aula.
Referindo-se ao conteúdo da geometria, a maior parcela dos professores continua delimitada ao ensino de figuras geométricas planas e espaciais, desconsiderando as representações a partir de plantas baixa e croquis, por exemplo, e ao espaço, de modo a expor a ausência de abordagens das noções de lateralidade (esquerda e direita). Por outro lado, é preciso considerar que, dentre os professores que apontaram algum recurso, somente 5 respostas apresentaram, ao menos, 3 materiais para o trabalho com a geometria. Ou seja, por inferência, poucos mostraram diversificar o modo de promover o desenvolvimento das capacidades de observação, manuseio, comparação de característica geometria.
Por último, foi proposto que os professores indicassem uma atividade de classificação de figuras geométricas planas para os anos iniciais de escolarização. A questão demandou que a atividade apresentada na Figura 2 fosse atribuída para um ano de escolarização, sem propor adaptações para a atividade, mas apenas sugerir o ano adequado para sua aplicação.
Essa questão demandou que os professores atribuíssem a atividade a um ano específico de escolarização (o que exigiu, a partir de suas propriedades, um conjunto de figuras geométricas planas dividido em dois grupos), buscando, assim, sinalizar a capacidade de adequação do conteúdo curricular do 1º ao 5º ano. A seguir, as respostas foram organizadas na Tabela 3.
Ano | Quantitativo |
---|---|
1o ano | 4 professores |
2o ano | 5 professores |
3o ano | 10 professores |
4o ano | 7 professores |
5o ano | 11 professores |
Fonte: Dados da pesquisa (2020)
Como mostra a Tabela 3, os professores, predominantemente, propuseram-na para o 5º, 3º e 4º anos, respectivamente, isto é, 28 deles demonstraram ter conhecimento das orientações curriculares para a proposição desta atividade. Por outro lado, 9 deles atribuíram a atividade ao 1º e 2º anos, sem considerar que a tarefa exige capacidades que, provavelmente, ainda não estão desenvolvidas nesse período.
Essa questão demandou que os docentes relacionassem as capacidades relativas à compreensão, à comparação e à classificação de figuras geométricas com as capacidades atribuídas e requeridas às crianças e aos adolescentes nos anos iniciais, sem desconsiderar as proposições curriculares de cada ano de escolarização. Desse modo, para responder essa questão, os professores teriam que considerar a gradação dos conteúdos e as orientações curriculares.
Tomando por referência a BNCC, a aplicação dessa atividade pode ocorrer a partir do 3º ano do ensino fundamental, em razão de exigir o reconhecimento e a compreensão de figuras geométricas planas fechadas, formadas exclusivamente por linhas retas (polígonos) e figuras geométricas fechadas com linhas curvas e retas (não-polígonos), sendo eles assuntos que devem ser discutidos nesse período.
CONCLUSÃO
Este artigo apontou para questões importantes sobre o quê, quando e o porquê ensinar geometria nos anos iniciais de escolarização. Como demonstrado nesse trabalho, os professores apontaram diversas razões para o ensino da geometria, tais como a presença do conteúdo geométrico no cotidiano das pessoas em geral, o desenvolvimento do pensamento geométrico e a apropriação de noções de localização e deslocamento no espaço, por exemplo. Com isso, ficou evidente que compreendem a importância e as associações que podem ser feitas a partir do plano abstrato e do mundo físico para ensinar geometria nos anos iniciais.
Além disso, os dados apresentam que o ensino das figuras geométricas emerge como principal conteúdo abordado em sala de aula, no entanto, os professores não demonstraram trabalhar com plantas baixas, croquis e noções de lateralidade (esquerda e direita), o que pode indicar fragilidades no ensino da geometria. Em termos de conteúdos geométricos ministrados, ressalta-se as figuras geométricas planas e espaciais, noções de movimentação, localização e posição no espaço. Todavia, os dados coletados permitem afirmar que, quantitativamente, o ensino da geometria tem sido pautado em figuras planas e espaciais, prioritariamente.
No contexto do ensino remoto, especificamente, a maior parcela dos professores afirmou manter as aulas da geometria, inclusive, centradas no ensino das figuras geométricas planas e espaciais. Os conteúdos ensinados foram sinalizados por 24 professores. Em relação aos recursos didáticos utilizados, 17 professores apresentaram ao menos um recurso. Ou seja, poucos deles diversificam os recursos didáticos necessários à observação, ao manuseio, à comparação de características e à classificação das figuras geométricas.
Esse escopo de dados teóricos e empíricos buscou reunir um conjunto de elementos que pudessem contribuir com a compreensão do ensino da geometria nos anos iniciais de escolarização. Assim, apesar de esses professores possuírem experiência profissional, ficou evidente que existem dificuldades conceituais e metodológicas que comprometem o ensino desse eixo temático. Por fim, questões como essas sugerem investigações sobre a garantia do direito à aprendizagem da geometria e os impactos de não se desenvolver adequadamente o pensamento geométrico das crianças e jovens na contemporaneidade.