Introdução
Nas atuais discussões sobre as políticas educacionais na perspectiva da educação inclusiva, o campo da educação de surdos propicia entusiasmados debates, que se proliferam em diferentes espaços: nas universidades, nas escolas inclusivas, nas escolas de surdos, nos espaços de formação docente e entre a militância dos movimentos surdos.
Neste sentido, a escolarização e organização do ensino para estes alunos passou a ser um tema importantíssimo nas discussões acadêmicas de vários países. Este caráter internacional possibilita uma perspectiva de aproximação entre diferentes contextos, em especial no contexto espanhol, uma vez que a Espanha é considerada pioneira na educação de surdos por meio de iniciativas educacionais para estes indivíduos (GOLDFELD, 2002; GASCÓN; STORCH, 2004). Desse modo, esta pesquisa objetivou oferecer subsídios históricos e legais para compreensão da educação de surdos espanhola, além de caracterizar as abordagens comunicativas presentes nesse contexto.
Este trabalho se configura como uma possibilidade de internacionalização do conhecimento acadêmico. Este processo, por sua vez, vem ao encontro da necessidade de diálogo entre realidades distintas. Por isso, ressaltamos a importância da Espanha enquanto um país que, há mais tempo, tem implantadas políticas públicas de educação inclusiva em seu sistema educativo, além de ser considerado um dos “berços” da educação especial e ter assim, influenciado as políticas do mundo todo.
Neste sentido, utilizamos a pesquisa bibliográfica (MARCONI; LAKATOS, 2012) e documental (GIL, 2008) enquanto caminho metodológico para este estudo.
Para isso, apresentamos alguns aspectos históricos atrelados à surdez, sinalizando algumas implicações no contexto educacional. Neste sentido, delineamos um panorama das políticas educacionais espanholas no âmbito da educação de surdos nas últimas décadas, considerando, as ações do movimento social surdo, cujas reivindicações pelo reconhecimento de sua diferença linguística e cultural influenciaram a formulação de políticas públicas.
Ao se fazer referência à Espanha, deve-se ressaltar o avanço significativo que vem acontecendo nas discussões em torno da educação especial no país e na implantação de políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os estudantes.
A Espanha, membro da Comunidade Econômica Europeia, está situada na Europa meridional, na Península Ibérica. O país está dividido em 17 Comunidades Autônomas (configuração comparável com a dos Estados, no Brasil) (ASÍN VERGARA, 1999).
A Constituição Espanhola de 1978, favoreceu um modelo de Estado descentralizado. Assim, as Comunidades Autônomas podem adequar a legislação nacional de acordo com as necessidades e demandas de seu contexto. A descentralização se refere a diversos fatores. Porém devemos destacar a importância disso para a destinação de verbas e apoios econômicos para o âmbito educativo e, mais ainda, para a atenção à diversidade, uma vez que, sendo os serviços organizados de forma descentralizada, é possível um atendimento maior às necessidades da realidade local, o que, por sua vez pode garantir as especificidades da criança.
Ressalta-se aqui que os centros educativos na Espanha se classificam em públicos, privados e privados concertados. Os centros públicos são financiados pelo Estado e os centros não concertados são financiados pelos pais dos alunos. Já os centros privados concertados são de natureza privada, mas subvencionados pela Administração Central, de forma que estes possam atender uma parte dos alunos que não poderiam ser atendidos pela escola pública, por inicialmente não existirem escolas suficientes (ESPANHA, 2006).
A Educação Infantil divide-se em dois ciclos, o primeiro para crianças entre zero e três anos, que não é gratuito, e o segundo para crianças de 3 a 6 anos, gratuito - ambos de caráter não obrigatório. A Educação Primaria, entre 6 e 12 anos, possui caráter gratuito e obrigatório e se divide em três ciclos de dois anos cada um. A Educação Secundaria Obrigatória (ESO), compreende 4 anos escolares, dos 12 aos 16 anos.
Vale destacar aqui que o professor que atua nestas modalidades educativas é denominado Professor Tutor ou apenas Tutor, sendo encarregado de orientar a um grupo de alunos tanto individual como coletivamente e de se relacionar com os pais dos mesmos. A formação deste professor é a graduação em Magistério1, oferecida nas Faculdades de Educação. O curso tem a duração de 4 anos e a titulação obtida ao final se divide nas especialidades: Educação Infantil e Educação Primária. Com um curso de complementação (Máster), podem obter a especialidade de Língua Estrangeira, Educação Física, Educação Musical, Educação Especial/Pedagogia Terapêutica e Audição e Linguagem.
O centro educativo conta ainda com a equipe de orientação, regulamentada na legislação, constituída pelo orientador, que é o coordenador da equipe e demais professores especialistas em Pedagogia Terapêutica e Audição e Linguagem. A função dessa equipe é assessorar os professores no planejamento, desenvolvimento e avaliação das medidas de atenção à diversidade dos alunos, oferecer apoio às famílias em suas dificuldades, colaborar na prevenção e avaliação dos problemas de aprendizagem dos alunos e planejar junto aos professores medidas de apoio e reforço escolar que atendam às necessidades dos alunos.
1. História da Educação de Surdos na Espanha
Antes de adentrar especificamente no histórico da educação de surdos na Espanha torna-se mister fazer algumas considerações provenientes da história geral da educação desses indivíduos, uma vez que este histórico se encontra intrinsecamente atrelado à Espanha.
A surdez é tão antiga como a Humanidade, por isso, desde os tempos mais remotos buscou-se explicar esta, por meio de razões religiosas, médicas, filosóficas, linguísticas e pedagógicas. Desde esta época existiam pessoas surdas, que por não poder ouvir, não conseguiam falar normalmente ou falavam com muita dificuldade, razão pela qual utilizavam sinais para se comunicar.
No período renascentista, durante os séculos XV e XVI destaca-se o fato de que alguns homens assumiram o protagonismo das decisões, não aceitando tudo como determinado e como verdades imutáveis, bem como trazendo rupturas significativas com relação às tradições ideológicas medievais. É sob este panorama histórico que a educação passa a ser vista como promotora de reflexão daquele que aprende. Evidenciam-se ainda as causas das limitações sensoriais e suas possibilidades educativas e, é justamente neste ponto que a educação de surdos passa a ter um novo olhar, isto é, reconhecendo que os surdos são iguais a todos os homens. Dessa forma, era permitido ao surdo expressar seus sentimentos por meio da linguagem, sendo secundária a forma de expressão desta linguagem e assim era comum encontrar surdos se comunicando entre eles por uma língua que surpreendia por sua precisão e rapidez (SÁNCHEZ, 1990).
Existem dois fatos fundamentais na história da chamada “sordomudística” na Espanha: o estabelecimento da educação prática dos surdos durante o século XVI, graças ao particular interesse de alguns poucos professores, entre eles Pedro Ponce de León, e ao que se seguirá, no início do século seguinte, com a publicação do primeiro sistema pedagógico sobre este ensino, graças a Juan de Pablo Bonet.
O Frei beneditino Pedro Ponce de León (1513-1584) desempenhou seu trabalho, fazendo com que a Espanha se tornasse pioneira na educação de surdos. Mediante a doutrina aristotélica de que os então denominados, “surdo mudos” nunca poderiam chegar a falar, tampouco ter ideias abstratas, Ponce de Léon, porém, demonstrou que isso era possível, educando vários surdos de nascimento, primogênitos de famílias nobres, situando-o por tal feito, também como iniciador da Educação Especial. Ponce de León obteve conquistas significativas para sua época utilizando um sistema para ensinar crianças surdas por meio da leitura labial, escrita, fala e datilologia (GASCÓN; STORCH, 2004).
Em 1620, Juan Pablo Bonet (1573-1633), padre espanhol, defensor da metodologia oralista, publicou o primeiro livro sobre educação de surdos “Reducción de las Letras y Arte para Enseñar a Hablar los mudos”, propondo um método de ensino oral para os surdos mediante o uso de sinais manuais em forma de alfabeto manual, para melhorar a comunicação dos mesmos.
E em 1793, o Padre Juan Andrés y Morell, jesuíta espanhol da província de Alicante, publica uma carta a seu irmão Carlos, sobre “el origen y las vicisitudes del arte de enseñar a hablar a los mudos sordos”, contendo notícias de como esta arte foi desenvolvida na Europa, deixando claro o protagonismo da Espanha em sua origem e consolidação, bem como reivindicando as glorias de Pedro Ponce de León (1508-1584) e Juan Pablo Bonet (1573-1633) no campo da educação de surdos. Sua principal preocupação foi provar e defender a primazia de Pedro Ponce de León como primeiro representante da educação formal de surdos na Europa.
Ressalta-se também a figura de Miguel de L’Epée (1712-1789), natural de Versailles na França, um religioso e pedagogo, considerado junto aos demais nomes citados, umas das figuras mais relevantes da história da educação dos surdos. Em 1771, através de seus próprios meios, fundou em Paris o “Instituto Nacional de Surdos-mudos” (OVIEDO, 2006).
O ponto de partida da pedagogia desenvolvida por L´Epée foram os próprios “sinais naturais”, isto é, os mesmos que seus alunos utilizavam comumente em sua comunicação espontânea, aos quais posteriormente foram agregados, de forma aleatória, outros “sinais” de sua própria invenção, que foram denominados como “sinais metódicos”. O abade utilizava ainda como complemento pedagógico o “alfabeto manual”, dado a conhecer por Juan de Pablo Bonet e que mais tarde passou a ser chamado de “alfabeto manual espanhol”, nome que, atualmente, perdura (GASCÓN; STORCH, 2004).
A preocupação em desenvolver um processo educativo positivo e satisfatório para os surdos foi uma constante deste período. De qualquer forma, é possível perceber nas entrelinhas uma transição de posicionamentos (que, às vezes chegam até serem divergentes) relacionados a línguas de sinais entre diferentes expoentes da educação de surdos.
Assim, no decorrer da história da educação dos surdos foram criadas diferentes metodologias para o ensino dessa população. Algumas se basearam apenas na língua, outras na língua de sinais e outras ainda, criaram diferentes códigos visuais, porém que não se caracterizavam como língua. Atualmente destacam-se três abordagens educacionais, e todas têm relevância e representatividade no trabalho com surdos, são elas: oralismo, comunicação total e bilinguismo. Cabe especialmente à família fazer a escolha daquela abordagem mais adequada para a criança surda e tal opção refletirá em sua escolarização, pois por meio dela se dará o desenvolvimento da mesma (GOLDFELD, 2002).
Por isso, devem-se considerar as necessidades e situações reais do surdo e oferecer assim a melhor opção educacional a fim de possibilitar um desenvolvimento efetivo da linguagem e um pleno desenvolvimento cognitivo.
2. Antecedentes educativos e legislativos
Depois do ponto de partida dado pelo francês Miguel de L´Epée, com relação aos “sinais metódicos”, o professor e médico espanhol Juan Manuel Ballesteros, publicou em 1836 em Madrid, o primeiro Manual de Sordomudos, com o alfabeto manual para surdos. Ressalta-se que Ballesteros tornou-se conhecido através de Ramón de La Sagra, economista e intelectual espanhol, que foi o precursor de mudanças significativas na educação infantil na Espanha e que estudava sobre a organização das instituições, inclusive as de surdos e cegos (GASCÓN; STORCH, 2004).
Em 1852, pelo Real Decreto de 16 de janeiro, o Real Colegio de Ciegos y Sordomudos, foi reconhecido como estabelecimento de instrução pública. Em 1863, pela primeira vez na Espanha, manifestou-se a necessidade da implantação do sistema Braille, como sistema de leitura e escrita para cegos. Contudo, esse sistema apenas foi reconhecido oficialmente em 1918 (VICENTE; VICENTE, 2003).
Com referência aos antecedentes legislativos, estes aparecem na segunda metade do século XIX, em 1857, com a promulgação da Ley de Instrucción Pública que contemplava a educação de deficientes sensoriais em centros especiais. A partir do século XX ocorrem avanços tanto em nível científico como legislativo. Em 1907, Francisco Pereira fundou em Madrid uma escola sanatório, conhecida como Instituto Psiquiátrico Pedagógico para crianças com atrasos mentais. Em 1910 criou-se o Patronato Nacional de Sordomudos, Ciegos y Anormales, que atendia crianças com deficiência e atrasos mentais. Diante disso, as instancias oficiais começaram a estruturar ações para a educação de pessoas com deficiência, e em 1917 foi criado o Patronato Nacional de Anormales pelo ministro de Instrucción Pública y Bellas Artes que organizava o ensino e a difusão do conhecimento entre estas pessoas (GASCÓN; STORCH, 2004).
Ressalta-se que, neste período, a modernização educativa espanhola estava de acordo com as inovações que chegavam de outros países europeus e com as considerações abordadas em congressos internacionais. Nesse sentido, tais acontecimentos também acabaram por influenciar a educação na Espanha de forma geral. Contudo, com a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e o governo ditatorial do general Francisco Franco (1939-1975), os profissionais e grupos pedagógicos inovadores desapareceram (CEREZO, 2003).
A educação especial foi um tema tratado apenas nos primeiros anos do franquismo. Contudo, em 1938 por meio de um Decreto do Governo de Burgos foi criada a Organização Nacional de Cegos da Espanha - ONCE, que se mantem até a época contemporânea (VICENTE; VICENTE, 2003).
Até 1955 foram notados poucos avanços no ensino de crianças com deficiência, contudo é neste período também que a situação política espanhola começou a mudar e em 1962 o Ministerio de Educación Nacional passou a ser chamado de Ministerio de Educación y Ciencia - MEC, e assim os problemas das pessoas com deficiência passaram a ser parte da investigação do campo educativo (GASCÓN; STORCH, 2004).
Em 1970 com a Ley General de Educación, adotou-se o termo Educação Especial e esta foi contemplada como uma modalidade educativa específica e com um currículo próprio, contudo esta lei previa a criação e funcionamento de classes de educação especial em escolas comuns (ESPANHA, 1970).
Em 1978, com a aprovação da Constituição, ratificaram-se os princípios de igualdade de acesso à educação a todos, bem como prestando a atenção necessária às pessoas com deficiências físicas, sensoriais e intelectuais. No mesmo ano, o Instituto Nacional de Educação Especial criou o Plan Nacional de Educación Especial, que estabeleceu os princípios de normalização, setorização, individualização e integração, bem como a criação de classes especiais e equipes multiprofissionais.
Aprovou-se em 1982, em meio ao início de um governo socialista, a Ley de Integración Social de los Minusválidos - LISMI, lei que apresentou um avanço significativo para a integração escolar, garantindo programas de apoio e recursos apropriados. O termo minusválido era definido como “toda persona cuyas posibilidades de integración educativa, laboral o social, se hallen disminuidas como consecuencia de una deficiencia, previsiblemente permanente, de carácter congénito no, en sus capacidades físicas, psíquicas o sensoriales” (ESPANHA, 1982, p.11107)2.
Nos anos seguintes, a educação inclusiva apresentou um progressivo enriquecimento a partir da promulgação, em 1985, do Real Decreto de Ordenación de la Educación Especial, A partir deste decreto se inicia o movimento de integração de crianças com deficiência nos centros regulares. Partindo de tal normativa, o país teve importantes conquistas como a inclusão de equipes psicopedagógicas e a incorporação de dois novos professores a este sistema educativo, visando apoio especializado: os professores de Audição e Linguagem e de Pedagogia Terapêutica (ESPANHA, 1985).
Posteriormente, com a Ley Orgánica General del Sistema Educativo (LOGSE), de 3 de outubro de 1990, se reforma a ideia de uma educação para todos, assegurando políticas que reforçassem a ação do sistema educativo, de forma a evitar desigualdades derivadas da deficiência do aluno. Por meio desta lei a presença dos professores especialistas tornou-se mais habitual nos centros comuns e suas funções começaram a se tornar mais específicas (ESPANHA, 1990).
O conceito de “atención a la diversidade” e o termo alunos com “necesidades educativas especiales” foram utilizados pela primeira vez na Espanha por meio da lei mencionada, LOGSE, e este termo foi consolidado em nível mundial na Declaração de Salamanca em 1994, aprovada pela Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade. Tal termo se refere “a todas as crianças e jovens cujas necessidades são derivadas de sua deficiência ou de suas dificuldades de aprendizagem” (UNESCO, 1994, p.59).
Em vista dos esforços empreendidos ao longo deste período para regulamentar e organizar a educação especial, é necessário destacar, o Real Decreto 696/1995 de Ordenación de la Educación de los Alumnos con Necesidades Educativas Especiales - que estabelece diretrizes para a qualidade do ensino para estes alunos, bem como apresenta o termo deficiência sensorial, motora ou psíquica para se referir a este tipo de necessidade (ESPANHA, 1995).
Em 2006 cria-se a Ley Orgánica de Educación - LOE, que dedica o capítulo I de seu Título II à atenção ao alunado com “necesidad específica de apoyo educativo - ACNEAE”, referindo-se aos alunos que requerem uma atenção educativa diferente por apresentar necessidades educativas especiais. Tal legislação também se refere as dificuldades específicas de aprendizagem, altas capacidades intelectuais e incorporação tardia ao sistema educativo. Em vista destes aspectos, se produz uma mudança significativa em relação aos princípios utilizados que passam a ser de normalização e inclusão, baseando-se na igualdade efetiva no acesso e permanência dos alunos no sistema educativo (ESPANHA, 2006).
A legislação atual, sob governo conservador e com componentes neoliberais, refere-se à Ley Orgánica de Mejora de la Calidad Educativa - LOMCE, publicada como Ley Orgánica 8/2013, a qual não se trata de uma nova lei de educação, mas de uma lei que modificou a anterior, a LOE: uma lei de artigo único que introduz 109 modificações, sendo que as três principais alterações afetam todo o sistema educativo referem-se à definição e elementos do currículo, tipos de disciplinas e avaliações externas (ESPANHA, 2013).
Com relação à Atenção à Diversidade, favoreceu-se a autonomia dos centros para “Organizar de maneira flexível o ensino e estabelecer medidas de atenção à diversidade” e para a conquista destes fins são contempladas as seguintes medidas: “Realizar adaptações do currículo e integrar matérias; fazer agrupamentos flexíveis e adotar medidas de apoio em grupos comuns” (ESPANHA, 2013).
Segundo Casanova (2011), esta é a trajetória geral, a qual está em continuidade no momento atual, contudo com alguns avanços que tendem a se expandir desde a integração à educação inclusiva, ou seja, que o próprio sistema educativo tenha condições para atender todos os tipos de alunos nas classes comuns. Segundo a autora (2011, p.11) “esta es la escuela inclusiva, que debe derivar en una sociedad inclusiva, democrática al fin, que valore las diferencias de todos los ciudadanos y se enriquezca con ellas”3.
3. Serviços de apoio no sistema educativo espanhol
A Ley Orgánica 9/1995, de 20 de noviembre, de la Participación, la Evaluación y el Gobierno de los Centros Docentes, definiu a população escolar com necessidades educativas especiais como aquela que requer em um período de sua escolarização ou ao longo dela, determinados apoios e atenções educativas especificas devido a algum tipo de deficiência (física, psíquica ou sensorial), por transtornos graves de conduta, por superdotação intelectual ou por estar em situações sociais ou culturais desfavorecidas (ESPANHA, 1995).
O Decreto de Atenção à Diversidade publicado em 11 de outubro de 2002 confere aos centros recursos pessoais de caráter geral ao alunado com necessidades educativas especiais, junto aos Tutores, professores especialistas em Pedagogia Terapêutica (PT), professores de Audição e Linguagem (AL), professorado de apoio a compensação educativa, auxiliares técnicos educativos, fisioterapeutas, especialistas em Língua de Sinais, especialistas em deficiências visuais, terapeutas ocupacionais e/ou outros especialistas da intervenção social (CASTILLA-LA MANCHA, 2002a).
O professor de Pedagogia Terapêutica é o especialista dedicado a promover o ensino aos alunos com necessidades educativas especiais associadas a deficiências ou a transtornos graves de conduta. Cabe a este professor desenvolver, junto aos demais professores, atenção individualizada ao alunado com necessidades educativas especiais associadas a condições de superdotação, deficiência psíquica, sensorial ou motora, deficiências múltiplas e transtornos graves de conduta que tenham adaptações curriculares significativas, bem como de alunos que apresentem algum tipo de dificuldade de aprendizagem (CASTILLA-LA MANCHA, 2002b, p.10876)4.
Já o professor de Audição e Linguagem, é um especialista dedicado a promover e desenvolver competências linguísticas, bem como em melhorar patologias relativas a linguagem oral e escrita. Este professor atua também em colaboração com os demais professores, intervindo de acordo com a seguinte ordem de prioridades:
a) La atención individualizada al alumnado con deficiencias auditivas significativas y muy significativas o con trastornos graves de la comunicación asociados a lesiones cerebrales o alteraciones de la personalidad.
b) La atención al alumnado con disfemias y dislalias orgánicas.
c) La realización de los procesos de estimulación y habilitación del alumnado en aquellos aspectos determinados en las correspondientes adaptaciones curriculares y en los programas de refuerzo y apoyo.
d) La orientación, en su caso, al profesorado de educación infantil en la programación, desarrollo y evaluación de programas de estimulación del lenguaje (CASTILLA-LA MANCHA, 2002b, p.10876)5.
Destaca-se ainda que este professor pode realizar intervenções prioritariamente no último curso da educação infantil e no primeiro ciclo da educação primaria. Também é importante dizer que este professor pode atuar dentro ou fora da sala de aula e com um grupo de alunos ou mesmo individualmente (SEBASTIÁN HEREDERO, 2000).
4. Educação de surdos e abordagens comunicativas
Uma vez contextualizada histórica e legalmente a educação de surdos na Espanha, iremos abordar as principais as abordagens comunicativas encontradas neste país. Durante anos, tais abordagens vêm perdendo seus reais objetivos ao deixar de focalizar o indivíduo, suas possibilidades de desenvolvimento linguístico e o contexto em que está inserido, em detrimento de suas conceituações cristalizadas sobre a surdez. Por isso, é importante ter em vista as necessidades e potencialidades linguísticas de cada criança, para, assim, estando as famílias informadas sobre as abordagens comunicativas educacionais possíveis de serem utilizadas com o aluno, seja às famílias mesmas possibilitada a oportunidade de fazerem elas opções conscientes pela abordagem que mais favoreça a educação do aluno em questão.
Apresentaremos a seguir as principais abordagens utilizadas no contexto espanhol: a língua espanhola oral, a Língua de Sinais Espanhola e o bimodalismo.
Com relação à língua espanhola oral, de acordo com Schiavon (2017) é possível notar a importância e incentivo por parte do governo espanhol desta modalidade comunicativa na escolarização dos surdos. Isso fica claro quando notamos, por exemplo, o apoio financeiro recebido pela família de crianças surdas do Serviço de Saúde das Comunidades Autônomas do Governo espanhol, que oferece a possibilidade de aquisição de aparelhos e implantes gratuitos às pessoas que deles necessitem.
De qualquer forma, vale o alerta: O implante é oferecido às pessoas surdas, porém elas devem atender alguns requisitos, dentre eles, destacam-se: apresentar Surdez neurosensorial bilateral profunda ou total; impossibilidade de beneficiar-se de uma prótese auditiva convencional e convicção da melhora auditiva por meio do Implante Coclear e realizar uma série de provas para determinar em que medida a audição do paciente pode ser restabelecida (tais procedimentos são realizados por uma equipe multidisciplinar). Também chama a atenção o fato de que a reabilitação da criança implantada é oferecida gratuitamente pela Educação (por meio dos professores especialistas presentes nos Centros Educativos e alguns fonoaudiólogos vinculados a Associações) e pela Saúde (com acompanhamentos nos hospitais) (FIAPAS, 2010).
Sobre a relação que pode ser estabelecida entre o aspecto da reabilitação oral, oriundo do implante coclear e a língua de sinais, aponta Capovilla (1998) que
O implante coclear e a Língua de Sinais são alternativas complementares na educação da criança, enquanto cientistas, os profissionais devem pesquisar a eficácia relativa de ambas em delineamento experimentais rigorosos. O profissional deve abster-se de assumir uma posição apriorística radical de prescrição de uma alternativa e de proscrição de outra. Em vez disso, ele deve considerar a necessidade de pesquisa clínica e educacional acerca dos impactos reativos e complementares do implante e da língua de sinais para o desenvolvimento cognitivo, linguístico e acadêmico da criança com surdez congênita. É preciso que o profissional tenha uma visão ampla da pessoa em suas condições de Surdo e de surdo6, contemplando tanto os aspectos antropológicos da Cultura Surda quanto os médicos da deficiência auditiva (CAPOVILLA, 1998, p. 15).
Diante de todas estas considerações sobre a importância da língua oral, devemos ter em conta que a criança surda pode adquirir a linguagem oral de forma significativa quando apresenta condições auditivas para essa aquisição. De qualquer forma, alguns aspectos devem ser considerados e dentre estes podemos citar a necessidade de um canal sensório-motor íntegro e um bom processamento da linguagem; interesse subjetivo por parte do surdo; ter uma língua estruturada e estar inserido em um meio no qual a linguagem tenha sentido, ou seja, que a língua oral esteja no contexto da criança (SINDELL, 2013).
Agora, em relação à língua e sinais, a Lei 27/2007, de 23 de outubro, reconhece as Línguas de Sinais Espanholas (LSE) e regulamenta os meios de apoio à comunicação oral das pessoas surdas, com deficiência auditiva e surdocegas. Tal legislação objetivou conferir a língua de sinais o status de língua as pessoas que livremente decidem utilizar-se dela para sua comunicação (ESPANHA, 2007a).
Ressaltamos que, anterior a este reconhecimento legal, houve a regulamentação do profissional Intérprete de Língua de Sinais, cuja formação aparece regulamentada pelo Real Decreto 2060/1995 de 22 de dezembro, em que se estabelece o título de Técnico Superior em Interpretação de Língua de Sinais Espanhola. Tal profissão, reconhecida legalmente, representou um avanço importante para a Comunidade Surda porque ocorreu em um momento em que a língua de sinais não havia sido reconhecida de maneira oficial como língua do Estado espanhol, fato este que ocorreu apenas em 2007, como já mencionado (ESPANHA, 2007a). A normativa mais recente sobre este profissional foi publicada pelo Real Decreto 831/2014, de 3 de outubro - e esta substitui a nomenclatura utilizada - que passa a nomear o mesmo como Técnico Superior em Mediação Comunicativa.
Segundo Schiavon (2017), muitas vezes a língua de sinais é considerada - para aqueles alunos surdos com audição funcional - como um sistema auxiliar, que pode ser utilizado para o acesso ao currículo, ou como um instrumento. Esta (a língua de sinais) aparece como aspecto positivo para sua escolarização, tanto para os casos em que os alunos desenvolveram a língua oral, como para aqueles que a possuíam como língua materna, uma vez explicitada a importância de sua aquisição para posterior aquisição da língua espanhola escrita e/ou falada. Dessa forma, torna-se importante e de grande valia o uso de sinais e gestos, bem como o auxílio de um intérprete em LSE e do professorado específico. Esses sistemas aumentativos potencializam a linguagem oral, servem como reforço ou ajuda com o propósito de facilitar ou aumentar sua capacidade de comunicação através da fala, bem como de promover habilidades intelectuais relacionadas com a aquisição da linguagem (VALMASEDA, 1994).
Com relação ao método bimodal, grande parte das políticas públicas espanholas centra-se neste tipo de abordagem, uma vez que este consiste na utilização simultânea das duas línguas: a oral-auditiva e a gestual-visual, em que os códigos manuais obedecem à organização estrutural da língua oral (ESPANHA, 2007b).
Tais sinais normalmente são extraídos das línguas de sinais da comunidade surda do país que a utiliza. A “Comunicação Bimodal” refere-se, portanto, a uma estratégia comunicativa e não a um conjunto fixo de sinais ou uma metodologia própria de complementação que varia de acordo com as características da criança. Este termo é um conceito genérico que inclui qualquer programa que combine o uso de sinais com a linguagem oral, assim como as adaptações de estratégias de interação, com o fim de melhorar a comunicação e de potencializar o acesso à fala (MONFORT, 2006).
O Bimodalismo refere-se à forma pela qual a língua é apresentada ao surdo e, dessa maneira espera-se que a criança por meio da língua oral acompanhada do uso dos sinais desenvolva suas habilidades linguísticas, sendo feito também um trabalho de aproveitamento de restos auditivos e da fala. Em vista disso, verificam-se pensamentos divergentes com relação ao uso dessa modalidade, porém também se evidenciam pontos positivos e significativos na utilização do mesmo como, por exemplo, melhoras na qualidade do ensino e da comunicação do aluno surdo. Por isso, cabe aos pais e a escola (quando a família permite) decidirem juntos a melhor opção a ser trabalhada com o aluno.
Considerações finais
A escolarização e organização do ensino para alunos surdos envolvem diversas questões - comunicativas, políticas e históricas dentre outras - e entrelaça vários pontos relacionados a fatores diversos decorrentes de seu processo histórico e dada sua complexidade e especificidades linguísticas. Deste modo, este estudo pretendeu oferecer subsídios (históricos e legais) para compreensão da educação de surdos espanhola, além de caracterizar os serviços de apoio e as abordagens comunicativas presentes no contexto espanhol.
Destacamos a forte tendência à oralização em relação ao aprendizado da língua de sinais encontrada na Espanha. Encontramos no contexto espanhol um prevalecimento da perspectiva da oralização sobre a língua de sinais e, ao mesmo tempo, a presença de apoios significativos e eficazes pedagogicamente, como por exemplo, o trabalho dos profissionais de audição e linguagem (AL) e de pedagogia terapêutica (PT).
Evidenciam-se debates divergentes sobre a educação de surdos implantados e/ou usuários de aparelhos auditivos e sistemas FM e as modalidades linguísticas. Atualmente, é comum encontrarmos autores que apontam que resultados mais satisfatórios na escolarização de surdos se devem às possibilidades auditivas propiciadas pelos implantes cocleares e aparelhos, expressando assim que eles alcançam um bom domínio da língua oral. Em contrapartida, há autores defensores exclusivamente da língua de sinais, que, por exemplo, criticam a opção dos surdos por implantes, apontando tal procedimento como sendo invasivo para o surdo, retirando sua identidade e cultura surda. Contudo, deve-se levar em consideração a importância do equilíbrio entre tais posicionamentos, uma vez que o que está em questão é o desenvolvimento cognitivo e linguístico da criança surda.
Destarte, os resultados do estudo aqui mencionado, mostraram que, tanto a linguagem oral como a língua de sinais, não podem ser vistas como alternativas excludentes, e que há de se considerar que os surdos, de uma forma ou de outra, participarão em duas comunidades, a oral (ouvintes) e a gestual (surda), contudo, o mais importante é que tenham as competências necessárias para se inserirem em ambas. Dessa forma, acreditamos que seja possível uma articulação entre a língua oral (desenvolvida pela criança surda também com o auxílio da tecnologia) e da língua de sinais, uma servindo de suporte para a aprendizagem da outra. Tudo isso é algo que evidentemente acontece, no contexto Espanhol. Podemos inferir, inclusive, por meio dos apontamentos tecidos que, o aluno surdo na Espanha pode ascender a uma comunicação efetiva através da língua de sinais, da língua oral ou de uma combinação de ambas.
Reitera-se a ideia de que os profissionais que atuam no âmbito educacional não devem assumir uma posição apriorística radical de prescrição de uma modalidade e proscrição de outra. Eles devem considerar as reais e efetivas necessidades e condições da criança surda acerca dos impactos reativos e complementares da língua oral e da língua de sinais para o desenvolvimento cognitivo, linguístico e acadêmico da criança.
A análise do contexto espanhol nos ofereceu, em suma, esta reflexão: cada aluno surdo deve ser considerado individualmente e, para isso, muito mais do que levarmos em conta a modalidade comunicativa e a abordagem teórico-acadêmica da qual nos serviremos em sua educação, é de suma importância percebermos as possibilidades que temos e as necessidades (acompanhada da liberdade de decisão) e condições que o aluno apresenta (e das quais também participa sua família).