1 Introdução
Com a criação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), houve a implantação dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia (IFs), por meio da Lei nº 11.982/2008, e, consequentemente, o aumento da oferta da educação escolar pública em diversos níveis de ensino. Em seu aspecto mais amplo, os IFs apresentam, em suas finalidades, a promoção da integração e a verticalização1 da Educação Básica, Educação Profissional e Ensino Superior, sendo a única instituição brasileira a promover, de modo gratuito e público, os dois níveis de ensino, etapas e modalidades distintas, compreendendo atualmente o ensino médio, educação profissional e técnica, graduação, especialização (Lato Sensu), mestrado e doutorado (Stricto Sensu).
Os IFs foram criados com projeto político de proposta de organização, com vistas aos diálogos entre os arranjos produtivos locais, articulados com o global, em que se privilegia a inclusão social para a construção de uma sociedade mais justa (Pacheco, 2008). Atualmente, são 38 Institutos Federais, que representam 600 unidades, ofertando 10.112 cursos e 1.400.589 matrículas em todo território brasileiro (Brasil, 2022).
A expansão da RFEPCT culminou em diversos desafios. Ao longo dos treze anos de sua implantação, a evasão, ou abandono escolar, estão entre os desafios e temas recorrentes debatidos no campo da educação, com vistas a discutir e implementar políticas de assistência estudantil e de permanência.
A problemática da evasão nos Institutos Federais tomou uma proporção considerável, tanto que, em 2014, o Ministério da Educação elaborou o Documento Orientador para a superação da evasão e retenção na RFEPCT. Em 2015, a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do MEC (SETEC-MEC) orientou, aos dirigentes da RFEPCT, que as instituições construíssem um Plano Estratégico Institucional para permanência e êxito dos estudantes.
Vale mencionar que, nos indicadores da trajetória da Educação Superior do Inep, utiliza-se o termo “desistência” quando estudantes abandonam um curso de ingresso, desvinculando-se de um curso ou por transferência de curso (Inep, 2022, p. 34). Em consonância com o termo institucionalizado pela Plataforma Nilo Peçanha (PNP) e pelo entendimento de que a evasão significa a não continuidade em uma matrícula de curso, nesta revisão bibliográfica, optou-se pela utilização do termo “evasão”.
Segundo dados do Inep (2022), nos últimos anos, devido à ocorrência da pandemia, a evasão se agravou por diversos fatores, como dificuldades de acesso à internet de boa qualidade, problemas de desemprego, questões de cuidados familiares, entre outros. De acordo com o Censo da Educação Superior, em âmbito nacional, observou-se que “em 2020 o número de concluintes em cursos de graduação presencial teve queda de 6,0% em relação a 2019” (Inep, 2022, p. 29), reforçando que a evasão é um fenômeno que vem crescendo.
No contexto desse movimento, no que tange ao gênero, embora haja estudos que mostram a evasão em maior quantidade por pessoas do sexo masculino (Morbeck, 2016; Peron, 2019; Ratusniak, 2019), verifica-se que, no que se refere às causas de evasão, existe distinção por gênero. Segundo Ratusniak (2019), cerca de 41% das alunas evadem por motivos de casamento/gravidez/filho, enquanto, entre os alunos, 23% evadem por desinteresse. Nessa mesma compreensão, Silva (2013), em sua pesquisa com grupos de risco de evasão, mostra o perfil de estudantes que tendem a permanecer menos tempo matriculados no ensino superior. São estudantes com dificuldades financeiras, os que reprovaram em disciplinas, os mais velhos e as pertencentes ao sexo feminino.
Com esses dados imbricados com a história da dominação, da opressão e do machismo estrutural, da inferioridade simbólica da mulher (Arruzza, 2019), emerge a hipótese de lacuna nas políticas públicas para mulheres estudantes e, concomitante a isso, a necessidade de reforçar o disposto nos itens 4 e 5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Organizações das Nações Unidas (ONU), em que se tem como propósito:
Educação de Qualidade - Assegurar a educação inclusiva e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; Igualdade de gênero - Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas (Brasil, 2022, p. 23).
Considerando os ODS, destaca-se que, nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, pessoas do sexo feminino ocupam 54,68% das matrículas, enquanto 45,19% representam pessoas do sexo masculino e 0,13 pessoas autodeclaradas sexo sem identificação.2
Diante disso, versando sobre gênero, o objetivo desta pesquisa é mapear a produção científica brasileira em nível de Pós-Graduação Stricto Sensu, no que se refere aos estudos sobre evasão em cursos de graduação nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, ofertados na modalidade presencial, no período de 2016 a 2021 e, considerando os limites deste estudo, serão analisados se e como as pesquisas têm relacionado as questões de gênero dentro do escopo da evasão estudantil.
Assim, o presente artigo segue a seguinte organização, além da presente introdução: inicialmente, apresenta-se a conceitualização do termo evasão estudantil; em seguida, a metodologia de pesquisa, a análise dos dados e as principais considerações dos trabalhos selecionados em relação à evasão em cursos de graduação e suas possíveis contribuições, relacionando gênero e evasão. Por fim, apresenta considerações finais, as quais pontua-se neste estudo.
2 Evasão estudantil
Há diversos estudos sobre o conceito de evasão, que foi tema estudado por pesquisadores como Silva Filho (2013), Ristoff (1999), Lobo (2012), Ratusniak (2017, 2019), entre outros. O fenômeno também foi estudado pela Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão (Brasil, 1996).
Ristoff (1999) apresenta a necessidade de cuidado ao tratar de evasão, pois a literatura apresenta diversos entendimentos e alguns generalizam o termo. Para tal esclarecimento, entende-se por evasão o fenômeno em que um estudante não conclui um curso que inicia, culminando no abandono de uma determinada matrícula, corroborando Lobo (2012), quando conceitua a evasão do curso, em que é considerada como tal quando o estudante deixa um curso por qualquer motivo, podendo ser troca de curso ou abandono propriamente dito, e é nesse escopo que se delineou o presente estudo.
Há um consenso na literatura de que as causas da evasão no ensino superior são de ordem multifatorial, como baixa adaptação ao curso (Peron, 2019); indisponibilidade de tempo para estudar, correlacionado à necessidade de trabalho (Morbeck, 2016; Racoski, 2019); características individuais dos estudantes (Santos, 2017); entre outros fatores sociais, pessoais e de escolha de curso.
Entre os desafios apresentados nas pesquisas, aparecem o próprio desconhecimento, por parte da gestão e corpo docente (Silveira, 2017), dos motivos que levam à evasão e, muitas vezes, as ações institucionais de combate à evasão não chegam ao conhecimento dos docentes (Cyrillo, 2017). Tais fatos refletem a necessidade de políticas públicas, programas e ações que contemplem estudos e intervenções que possam garantir não só o acesso ao ensino, mas também sua permanência e garantia de qualidade.
A pesquisa realizada no Instituto Federal do Mato Grosso do Sul identificou que conciliar trabalho e estudo foi um dos determinantes individuais que contribuíram para a evasão dos 50% dos entrevistados em um campus, e 43% dos pesquisados em outra unidade (Garcia, 2021).
Trata-se de um fenômeno complexo, resultante de fatores diversos, como a decisão do estudante em trocar de instituição, fatores pessoais e/ou psicológicos, econômicos, entre outros. É um fenômeno com diversos desdobramentos sociais e que implica em desperdício de recursos públicos (Rocha, 2019), podendo impactar no desenvolvimento social. Assim, diante do exposto, as pesquisas sobre evasão, nessa modalidade de ensino público, têm relevância social, pois poderão disponibilizar novas reflexões e pesquisas acerca do tema, além de fornecer subsídios para políticas e ações de prevenção e combate à evasão estudantil.
3 Percurso metodológico
Este estudo é do tipo revisão bibliográfica sistemática, de abordagem qualitativa, e busca analisar teses e dissertações publicadas entre os anos de 2016 a 2021, no que se refere às publicações sobre evasão no ensino superior nos Institutos Federais, considerando apenas o ensino ofertado na modalidade presencial.
Para a coleta, foram consultados os seguintes banco de dados: Dados abertos do Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e a Associação Brasileira de Prevenção da Evasão na Educação Básica, Profissional e Superior (ABAPEVE). Este último não é um repositório, mas apresentou relevância para a temática em tela e, por isso, optou-se pela busca.
No BDTD, utilizou-se os descritores “evasão”, “gênero”, “Instituto Federal”, e foram identificados treze trabalhos, porém apenas uma tese se referia à pesquisa direcionada ao Instituto Federal. Os resultados repetidos foram descartados. Realizou-se a busca com os campos boleanos a partir das palavras “evasão” AND “graduação” ou “ensino superior” AND “Instituto Federal”, com focalização no “título” e “assunto”.
Para a busca em dados abertos da CAPES, baixou-se os arquivos em formato eletrônico XLSX para os anos de 2016 a 2020, pois não havia disponibilidade de acesso para o ano de 2021. Aplicou-se filtros na área “educação”, “educação profissional e tecnológica” e, posteriormente, utilizou-se o filtro “evasão”, “graduação” e “Instituto Federal”, para pesquisa em “título”. No site da Abapeve, localizou-se apenas duas publicações, das quais apenas uma pertence ao recorte temporal para o presente estudo.
Em seguida, foi realizada uma leitura rigorosa dos resumos e exploração do material, sendo excluídas as pesquisas que não abordavam a evasão em cursos presenciais em Institutos Federais. Após as exclusões, ainda foi possível identificar quatorze trabalhos, que foram organizados em planilhas Excel, com dados referentes a: ano de publicação, palavras para busca, título, autor, resumo, categoria, objetivos, os institutos federais que aparecem nas pesquisas e observações. Assim, partimos para análise qualitativa e categorização das pesquisas por tipo de curso pesquisado.
A partir dessa organização, realizou-se a leitura criteriosa de todas as produções acadêmico-científicas do tipo teses e dissertações que versavam sobre pesquisas realizadas em Institutos Federais, com exceção da tese de Cyrillo (2020), que não estava disponível na íntegra, mas foi analisada por meio de seu resumo.
4 Resultados e discussões
Ao todo, conseguiu-se localizar quatorze trabalhos que estudaram acerca da evasão e ensino superior em cursos na modalidade presencial. Destes, cinco teses e nove dissertações. As pesquisas se referem aos Institutos Federais de diversas regiões do Brasil, configurando preocupação com o fenômeno e sinalizando que não se trata de uma questão isolada, conforme quadro 01.
Região brasileira | Instituto Federal | Sigla | Estado | Pesquisas |
---|---|---|---|---|
Norte | Instituto Federal do Tocantins | IFTO | Tocantins | 01 |
Centro-Oeste |
Instituto Federal de Goiás | IFG | Goiás | 01 |
Instituto Federal do Mato Grosso do Sul | IFMS | Mato Grosso do Sul | 01 | |
Sudeste |
Instituto Federal de Minas Gerais | IFMG | Minas Gerais | 02 |
Instituto Federal do Norte de Minas Gerais | IFNMG | Minas Gerais | 01 | |
Instituto Federal do Triângulo Mineiro | IFTM | Minas Gerais | 02 | |
Instituto Federal de São Paulo | IFSP | São Paulo | 02 | |
Sul |
Instituto Federal do Rio Grande do Sul | IFRS | Rio Grande do Sul | 02 |
Instituto Federal do Paraná | IFPR | Paraná | 01 | |
Instituto Federal Catarinense | IFC | Santa Catarina | 01 | |
Total: 14 produções |
Fonte: Autoria própria.
Ao todo, identificou-se dez Institutos Federais distintos, nas produções acadêmico-científicas pesquisadas, sendo a maioria provenientes das regiões Sudeste e Sul.
Ainda no que se refere à distribuição geográfica, vale mencionar que alguns estados brasileiros possuem mais de um Instituto Federal, como é o caso de Minas Gerais, o qual também se destaca como o estado com maior concentração de pesquisas nesta revisão bibliográfica: 05 (cinco) no total, sendo duas pesquisas no IFTM, duas no IFMG e uma no IFNMG. Neste recorte, ainda foi possível verificar a ausência de pesquisas na região nordeste.
Entre os trabalhos identificados, há estudos quantitativos e qualitativos que mencionam a utilização de dados disponibilizados em documentos oficiais do Ministério da Educação, nos sítios eletrônicos dos IFs, sistemas internos para coletas de dados e/ou dados obtidos por meio de questionários e de entrevistas.
Com a leitura e organização das produções foi possível dividir os estudos a partir dos tipos de cursos pesquisados, considerando que as graduações possuem: a) bacharelados; b) tecnologia; e, c) licenciaturas, conforme mostra a tabela 02:
As pesquisas que abordavam dois ou mais tipos de cursos de graduação foram categorizadas como “Evasão em cursos diversos”. Essa é a categoria que aparece com maior frequência, representando 46,6% das pesquisas, seguido pela pesquisa em licenciaturas, que aparece com 33,3% de frequência e, em seguida, cursos de tecnologia com 13,3% e bacharelado representando 6,6% do total localizado. Cabe mencionar que as pesquisas apresentam motivos da evasão com foco em questões como, por exemplo, a relação professor-estudante, pontuando a evasão como um fenômeno multifatorial.
Também se organizou as produções por títulos, autores e ano das teses e dissertações, conforme quadro 2.
Título | Autora/Autor | Ano |
---|---|---|
Efeitos de poder e subjetivação dos discursos de evasão de cursos de licenciatura em matemática do IFRS | André Matias Evaldt de Barros | 2016 |
Evasão no Ensino Superior: impactos e contribuições do Programa Nacional de Assistência Estudantil no Campus Paraíso do Tocantins do IFTO | Rosângela Veloso de Freitas Morbeck | 2016 |
Evasão nos cursos de Tecnologia em Sistemas para Internet e Licenciatura em Computação do Instituto Federal do Triângulo Mineiro - Campus Uberlândia Centro: 2010-2014. | Raquel da Silva Santos | 2016 |
A evasão de estudantes no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo: uma contribuição ao conhecimento das dificuldades na identificação de seus determinantes. | Fernanda Romanezi da Silveira | 2017 |
Construção de uma escala de propensão à evasão estudante em cursos de graduação | Jeovani Schmitt | 2018 |
As condições de ofertas dos cursos de Licenciatura em Física: o caso do Instituto Federal de Goiás | Flávia Cristiane Pires e Silva | 2018 |
Adaptação acadêmica e relações com a evasão: identificação de indicadores | Vanessa Peron | 2019 |
Evasão nos cursos de licenciatura do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais | Tatiana Lage de Castro | 2019 |
Dificuldades de êxito e permanência de estudantes cotistas na Educação Superior: um estudo de caso com o curso de Engenharia Mecânica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - Campus Erechim | Marcia Maria Racoski | 2019 |
Estratégias para contenção dos índices de evasão nos Cursos Superiores de Tecnologias do IFTM - Campus Patrocínio (2014 -2017) | Jeanne Gonçalves Rocha | 2019 |
Fatores associados e Geradores de Impacto na evasão discente no Ensino Superior: IFNMG - Campus Araçuaí (2011 - 2017) | Nilma Nogueira | 2019 |
Evasão de estudantes em cursos de licenciatura do Instituto Federal de São Paulo | Fani Sihel Gandelman |
2020 |
O fenômeno da evasão/abandono de estudantes: um estudo realizado em duas instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) de Minas Gerais. | Gustavo Barreto Cyrillo | 2020 |
Evasão no Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS): o curso superior de Tecnologia em Sistemas para Internet. | Débora Rogéria Neres de Souza Garcia | 2021 |
Fonte: Autoria própria.
Observa-se que, à medida em que os Institutos Federais passam por um processo de expansão, analisa-se também a necessidade de pesquisas sobre acesso, permanência e evasão estudantil, como aparecem crescentes nas pesquisas no ano de 2019.
Apresenta-se, na sequência, as análises das produções acadêmico-científicas sobre evasão estudantil a partir dos tipos de cursos: a) bacharelados; b) tecnologia; c) licenciaturas; e demais tipos.
4.1 A pesquisa no âmbito de cursos de bacharelado
A dissertação de Racoski (2019) objetivou identificar as principais questões que dificultam a permanência e levam à evasão de estudantes que ingressam com vagas destinadas aos egressos de escola pública do curso de Engenharia Mecânica. Entre as questões apresentadas pela autora, considera-se que as políticas as quais garantem o acesso ao ensino superior ainda são fragilizadas, pois não garantem a permanência de estudantes vulneráveis sócio e economicamente, levando-os à evasão.
4.2 As pesquisas como foco nos cursos de Tecnologia
As pesquisas que privilegiam o público de estudantes dos cursos de Tecnologia foram realizadas por Rocha (2019) e Garcia (2021).
Rocha (2019) investigou as estratégias para a contenção dos índices de evasão nos cursos superiores de Tecnologia em Gestão Comercial e Análise e Desenvolvimento de Sistemas de um campus do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM). A autora analisou do Programa de acesso, permanência e êxito dos Estudantes do IFTM (PAPEE), o qual representa uma iniciativa para acompanhamento dos indicadores de acesso, retenção e evasão e conclusão no âmbito do IFTM. O programa apresenta estratégias didático-pedagógicas, bem como incentivo ao tripé ensino, pesquisa e extensão. Rocha (2019) julga que a implantação do PAPEE, no curso de Tecnologia em Gestão Comercial, ocasionou uma diminuição dos índices de evasão, enquanto o curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas se manteve em movimento de evasão, suscitando novos questionamentos na pesquisa.
Garcia (2021) analisa os determinantes da evasão de estudantes do curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas de dois campi distintos no Instituto Federal do Mato Grosso do Sul (IFMS). As categorias criadas pela pesquisadora apontam dois tipos de determinantes: individuais e institucionais. Entre os determinantes individuais, o fator que mais determina a evasão é a necessidade de conciliar trabalho e estudo. No determinante institucional, o de maior frequência é a dificuldade de acompanhar a metodologia de ensino. A autora identifica elevado índice de evasão, mesmo entre estudantes atendidos pela Assistência Estudantil.
4.3 As pesquisas no âmbito das licenciaturas
Apresenta-se, a seguir, o detalhamento das pesquisas com foco nos cursos de licenciaturas, realizadas por Barros (2016), Silva (2018), Castro (2019) e Gandelman (2020).
Barros (2016) estudou os efeitos de poder e subjetivação dos discursos de evasão, utilizando as contribuições teóricas de Michel Foucault, tendo como foco estudantes de cursos de Licenciatura em Matemática ofertado em dois campi. Entre outras questões o autor buscou entender se o estudante evade ou é evadido. Nas considerações, o autor apresenta que o perfil do egresso está relacionado ao perfil do estudante, o qual revela maior probabilidade de conclusão entre estudantes mais jovens e que podem se dedicar integralmente aos estudos. Os pontos principais levantados pelo autor estão relacionados às percepções dos estudantes quando afirmam que é um curso difícil e que há necessidade de um esforço além para concluir a graduação. Além disso, há classificação do estudante a partir de categorias que envolvem domínio de saberes matemáticos, aptidões, questões de trabalho, família, idade e tempo de dedicação ao curso.
Silva (2018) realizou uma investigação com foco na formação de professores de Física e suas articulações entre a epistemologia, didática, evasão e repetência. A autora detectou que o alto índice de evasão e repetência é devido a diversos fatores, entre eles: a fragilidade na formação docente e o movimento entre as questões do conhecimento de física e a didática não acontecem no decorrer do curso, o que culmina em desistências. Ademais, a pesquisa verificou que os trabalhos de final de curso dos graduandos privilegiam a Física e não o Ensino da Física.
Em sua pesquisa, Castro (2019) reitera que os Institutos Federais têm apresentado alto índice de evasão nos cursos de licenciatura. A autora apresenta que é grande a evasão entre estudantes que ingressam em licenciaturas como curso de segunda opção. Também considera importante a ação de políticas públicas que valorizem as licenciaturas, na condição de formar futuros professores, e detectou a falta de programas de contenção da evasão. Os dados da pesquisa, segundo a autora, podem auxiliar no enfrentamento do problema da evasão estudantil e promover sua prevenção.
A dissertação de Galderman (2020), por sua vez, investiga possíveis razões da evasão sob a perspectiva sociológica. O autor revela os altos índices de evasão nos cursos de licenciatura do campus São Paulo, sem, contudo, apresentar diferenças significativas entre as licenciaturas das áreas de humanas e exatas. Verificou-se que entre estudantes que mais evadem ao longo do curso estão os indivíduos pertencentes aos níveis sociais mais vulneráveis quanto às condições socioeconômicas, ao acesso à educação básica de qualidade e em idade escolar adequada. Outro motivo de evasão são os pedidos de cancelamentos pelos estudantes com as melhores classificações em notas, que têm a possibilidade de optar por outras instituições e outros cursos. Outro aspecto que se destaca é a baixa valorização da profissão docente, que desestimula um licenciando, podendo levá-lo à evasão.
4.4 As pesquisas que focam na categoria diversos cursos
Na categoria Diversos Cursos, aparecem as pesquisas de Morbeck (2016), Santos (2016), Silveira (2017), Schmit (2018), Perón (2019), Nogueira (2019) e Cyrillo (2020).
Morbeck (2016) descreve a evasão no ensino superior e a implementação do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Realiza uma análise do perfil de estudantes evadidos e verifica que os homens evadem em maior quantidade, principalmente motivados pelas questões de contribuição com a renda familiar e tempo reduzido para os estudos. Ao debater sobre o viés das políticas de permanência, a pesquisadora afirma que o PNAES contribui para a permanência estudantil, porém não em sua totalidade.
Santos (2016) busca analisar e interpretar fatores geradores da evasão em cursos de Tecnologia em Sistemas para Internet e Licenciatura em Computação. Por meio de formulário eletrônico, a autora coletou dados de estudantes evadidos e de docentes. Os resultados obtidos sugerem que esses fatores estão relacionados, em sua grande maioria, às características individuais dos estudantes, tais como fragilidades na formação escolar anterior, e revela que alguns estudantes apontam que a decisão de abandonar um curso teve impacto positivo em suas vidas, considerando uma reorganização em aspectos pessoais. Na perspectiva docente, destaca uma série de fatores, entre eles a falta de conhecimentos prévios para entender as disciplinas, baixa perspectiva de empregabilidade após a formação, falta de identificação com o curso, entre outros.
A tese de Silveira (2017) discute as dificuldades enfrentadas pela instituição na identificação dos motivos da evasão de seus estudantes, analisando ações desenvolvidas pela instituição de ensino para obtenção de informações sobre as variáveis associadas à evasão estudantil. Após coletar entrevistas com professores e técnicos da instituição pesquisada, a autora chega a considerar que a falta de uma política institucional e o baixo envolvimento do pessoal interno culminam no baixo comprometimento da instituição com relação à evasão e, como consequência, a instituição não possui informações dos motivos que levam os estudantes à evasão. A autora aponta a evasão como um problema institucional que sinaliza a necessidade de políticas que indiquem ações para o enfrentamento do fenômeno.
Schmitt (2018) teve como foco construir um instrumento para mensurar a propensão à evasão no ensino superior na modalidade presencial. O pesquisador aplica um instrumento com 29 questões para análise das evidências que levam à evasão e infere que os resultados mostram validade para um instrumento com 27 itens, com potencial para auxiliar as instituições de ensino superior no planejamento de ações e programas institucionais permanentes de combate à evasão em cursos de graduação.
Peron (2019) objetivou identificar se os níveis de adaptação acadêmica podem indicar tendências à evasão em instituições de ensino superior. Buscou conhecer se há uma tendência de evasão entre estudantes que apresentam baixa adaptação acadêmica. Entre outros instrumentos, a autora utilizou um Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA) para coleta de dados. A pesquisadora concluiu que a adoção de instrumentos como este aprimoram os processos de gestão, ao contribuir com o levantamento de dados internos que permitam a tomada de decisão e a prevenção da evasão discente.
Nogueira (2019) analisou os fatores que contribuíram para as causas de evasão em cursos superiores no âmbito do IFNMG, Campus Araçuaí. A autora realizou um estudo de caso e diálogo sistemático com estudantes. Destaca que um dos fatores para a evasão diz respeito à reprovação em disciplinas obrigatórias. Sinalizou também a ausência de consulta pública na criação de um curso. Conclui que um dos fatores que mais se destaca para a evasão está relacionado às questões de ordem socioeconômica e dificuldades de conciliação entre estudos e trabalho.
Por fim, Cyrillo (2020) traz sua contribuição em estudo realizado em duas instituições da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica (RFEPCT) de Minas Gerais, identificando as causas da evasão nas instituições pesquisadas, com questionamentos sobre trabalho docente na identificação de estudantes com propensão à evasão. Concluiu que a maioria dos docentes adotam medidas individuais na tentativa de minimizar a evasão, que iniciativas institucionais de prevenção são, muitas vezes, desconhecidas pelos próprios docentes e prevê a necessidade de integração entre instituições, programas e corpo docente para o enfrentamento da evasão.
4.5 O silêncio acerca da evasão relacionado ao gênero
As relações de gêneros no âmbito dos Institutos Federais ainda constituem um campo pouco explorado e há de se reconhecer a importância de estudos aprofundados sobre as questões de gênero, sobretudo quando há hipótese de que situações relacionadas aos gêneros podem interferir na permanência estudantil, dialogando com o objetivo proposto nesta revisão.
Nesse sentido, cabe uma retomada histórica em que a inserção da mulher no mundo do trabalho e sua participação na sociedade ganham espaço quantitativo. No entanto, há de se corroborar com o entendimento de Staniscuaski et al. (2021) de que existe uma significativa desigualdade de gênero.
Historicamente, o papel da mulher na sociedade é direcionado aos cuidados da casa e de filhas e filhos (Bourdieu, 2012) e, desse modo, o direito à educação da mulher passa a ser fragilizado. Trata-se de uma realidade inserida no contexto cultural, fruto da sociedade patriarcal, em que a mulher é considerada e tratada como inferior e incapaz, em diversas esferas da sociedade. As políticas públicas para mulheres tomam visibilidade a partir dos anos 2000 (Parnaíba, 2018). No entanto, o Plano Nacional de Políticas para mulheres reconhece que:
No Brasil, desde 2004, o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres trata a educação como um dos eixos fundamentais para a construção de uma sociedade igualitária entre mulheres e homens. Até este momento, em que o atual Plano Nacional de Políticas para Mulheres para o período de 2013-2015 está sendo entregue à sociedade brasileira, a educação brasileira ainda não incorporou totalmente o princípio da igualdade de gênero (Brasil, 2015, p. 22).
Corroborando isso, a presente revisão bibliográfica detecta que as questões de gênero não são foco das pesquisas analisadas no âmbito da evasão. Diante dessa realidade, Barros (2016), Schmitt (2018) e Cyrillo (2020) mapeiam as características de pesquisados, considerando gênero masculino e feminino, ao passo que Garcia (2021), Galdeman (2020), Peron (2019), Santos (2016) e Morbeck (2016) fazem comparativo entre gêneros no cômputo de estudantes evadidos. Nogueira (2019) e Castro (2019) aprofundam mais detalhadamente a relação gênero-evasão.
A dissertação de Nogueira (2019) explora a questão de gênero, observando a maior incidência de evasão entre as acadêmicas. Porém, há de se destacar que os cursos pesquisados pela autora são cursos de Tecnologia que, historicamente, são constituídos, em sua maioria, pelo público masculino. A autora relata que, embora o Censo Escolar (2018) expresse que as matrículas femininas predominam e que houve o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho, existem regiões brasileiras em que as condições das mulheres ainda são desfavoráveis, quando comparadas às condições masculinas (Nogueira, 2019).
Acrescenta-se a contribuição de Castro (2019), quando problematiza a categoria família em suas análises e observa quando há ausência de filhas e filhos estudantes que possuem maiores facilidades de permanência no ambiente escolar, enquanto estudantes com filhas e filhos abandonam mais frequentemente um curso superior, ou não retomam após a gravidez. A pesquisa da autora entrevistou 8 pessoas do sexo feminino e 1 do sexo masculino, apontando a prevalência da presença da mulher em cursos de Licenciatura. Dessa forma, reforça estudos sobre a feminilização do magistério, que coadunam com a crítica do machismo estrutural, ou seja, do lugar da mulher enquanto ser social designado para o ensinar, desviando olhares para possibilidades da ocupação de mulheres em outros espaços decisório, gestão, política, ciências exatas e outros universos (Arruzza, 2019).
Considerando ainda que nos questionários utilizados nas pesquisas desta revisão bibliográfica não aparecem questões específicas relacionadas às políticas para mulheres, questões que envolvem gravidez durante um curso, permanência das mulheres em cursos de Tecnologia. Assim, há uma lacuna que leva à hipótese da invisibilidade da mulher nas pesquisas sobre evasão estudantil.
5 Considerações finais
Com base nas pesquisas mencionadas, é possível afirmar que aproximadamente 87% dos trabalhos destinavam-se, em seus objetivos gerais ou específicos, a identificar causas/motivos/determinantes/fatores da evasão. O que nos leva a pensar que há uma preocupação entre os pesquisadores de compreender não somente as causas da evasão, mas, e sobretudo, como a evasão afeta a vida de estudantes. Observa-se que a problemática está presente nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de diversas regiões do Brasil, não sendo uma questão isolada. No que se refere aos programas de assistência estudantil citados na revisão bibliográfica, entende-se que há um esforço da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica em implementar programas que visam minimizar os índices de evasão. No entanto, o diálogo entre estudantes e instituições de ensino está longe de ser profícuo.
Diante dessa realidade, no que se refere às políticas públicas destinadas ao público feminino no âmbito dos Institutos Federais, pode-se dizer que há ausência de pesquisas específicas para esse público, bem como pesquisas que tenham foco nas necessidades que possibilitem permanência e que culminam na evasão de mulheres em cursos de graduação. Pelo exposto, pretende-se aprofundar a pesquisa trazendo contribuições para o debate, tendo a mulher como foco para futuras investigações no contexto educacional.