SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.46Práticas digitais, sexualidade e educação numa escola pública de ensino fundamentalO discurso da comodificação da educação na relação universidade acadêmica e universidade corporativa índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Educação UFSM

versión impresa ISSN 0101-9031versión On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.46  Santa Maria ene./dic 2021  Epub 18-Mar-2024

https://doi.org/10.5902/1984644443325 

Artigo Demanda Contínua

Base Nacional Comum Curricular de Educação Física: tensionamentos e demarcações

Base Nacional Comum Curricular of Physical Education: tensions and demarcations

Alexandre Paulo Loro1  , Professor Adjunto
http://orcid.org/0000-0002-4207-7642

Meire Aparecida Lóde Nunes2  , Professor Adjunto
http://orcid.org/0000-0002-0536-8117

1Professor Adjunto da Universidade Federal da Fronteira Sul. Chapecó, Santa Catarina, Brasil. alexandre.loro@uffs.edu.br

2Professor Adjunto da Universidade Estadual do Paraná. Paranavaí, Paraná, Brasil. meirelode@gmail.com


RESUMO

A Base Nacional Comum Curricular de Educação Física (BNCC-EF) tem provocado a formulação de inúmeras críticas por parte dos profissionais da área. O objetivo central deste ensaio consiste em identificar os discursos que permeiam o campo da Educação Física, os quais pretendem obter legitimidade por meio da sua inserção no mencionado documento. A Análise do Discurso (AD) foucaultiano foi a ferramenta teórico-metodológica utilizada, com a intenção de compreender as formas pelas quais diferentes agentes ligam-se a determinados discursos, na tentativa de produzir efeitos de verdade. A política educacional em curso no Brasil colocou em prática um projeto de poder, com vistas a inculcar e consolidar determinado discurso-prática (habilidades e competências), o que transparece na estruturação do documento. Diante do jogo de forças existentes, avaliamos que a BNCC-EF não gerou apenas uma crise capaz de catalisar a corrente crítica, mas colocou em evidência um campo que ainda permanece em constante disputa.

Palavras-chave: Currículo; Educação Física; Discursos

ABSTRACT

The Base Nacional Comum Curricular of Physical Education caused the formulation of innumerable criticisms by professionals in this area. The main objective of this essay consists in identify the discourses that permeate the field of Physical Education, which intend to obtain legitimacy through their insertion in the mentioned document. Foucault's Discourse Analysis was the theoretical-methodological tool used, with the intention of understand the ways in which different agents are linked to certain speeches, in an attempt to produce real effects. The educational policy in progress in Brazil put in place a power project, aiming to inculcate and consolidate a certain discourse-practice (skills and competences), what appears in the extructuring of the document. Considering the existence of a game of forces, we believe that Base Nacional Comum Curricular of Physical Education not only generated a crisis capable of catalyzing the critical current, but also highlighted a field that still remains in constant dispute.

Keywords: Curriculum; Physical Education; Speeches

Introdução

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento normativo que define um conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos têm direito na Educação Básica, perspectivando colocar a educação brasileira em compasso com as demandas do século XXI. Cabe, portanto, algumas problematizações: quem define o que é essencial? Que educação queremos para o século XXI?

A BNCC foi elaborada coletivamente durante anos, sendo a publicação final aguardada por diferentes agentes da educação. Entretanto, desde a elaboração das primeiras versões (I-II), posteriormente disponibilizadas em 2015 e 2016, respectivamente, a BNCC demonstrou ser um território de divergências. A falta de consenso, aliada a permanente contestação política do documento, provocaram constantes tensionamentos, os quais perduraram durante a fase de elaboração da última versão (III), sendo disponibilizada a versão final em 2017.

Ao seguir uma determinada lógica organizacional, o documento está alicerçado em competências e habilidades esperadas, as quais serão desenvolvidas a partir dos conteúdos de todas as áreas do conhecimento. Essa estruturação tem gerado confrontos e resistências no interior das políticas educacionais e curriculares no contexto atual, especialmente por estar em fase de implementação. Ainda persistem as críticas de instituições e pesquisadores, os quais se manifestaram contrários ao teor do documento, apontando superficialidades, omissões ou mesmo proposições desejadas. Esses posicionamentos críticos estão fundamentados em diferentes visões de mundo e podem ser compreendidos a partir dos desdobramentos da constituição do próprio campo acadêmico, com vistas a atender diferentes finalidades. Ao analisar especificamente a área de Educação Física, tal constatação nos conduziu à estruturação do seguinte problema de pesquisa: de que modo as críticas à Base Nacional Comum Curricular de Educação Física (BNCC-EF) evidenciam disputas do campo acadêmico?

Ao constatar o jogo de forças existente nas disputas teóricas, que se desdobram em políticas públicas, temos como objetivo central deste ensaio identificar os discursos que permeiam o campo da Educação Física, os quais pretendem obter legitimidade por meio da sua inserção no mencionado documento. Para tanto, dialogamos com a literatura da área de Educação Física para a análise de pontos de tensão em torno do documento.

A Análise do Discurso (AD) foucaultiano foi a ferramenta teórico-metodológica utilizada, com a intenção de compreender as formas pelas quais diferentes agentes ligam-se a determinados discursos na tentativa de produzir efeitos de verdade. A noção de discurso é empregada nesse artigo como “(...) um conjunto de regras anônimas, históricas sempre determinadas no tempo espaço, que definiram em uma dada época, e para uma área social, econômica, geográfica, ou linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa” (FOUCAULT, 2008, p. 133).

O ensaio foi organizado em três seções interdependentes: 1) o percurso que delineou a proposta da BNCC e as relações intrínsecas à Educação Física; 2) discussão e análise de diferentes projetos em disputa em seu campo teórico; 3) e na terceira e última seção, teceremos as considerações finais.

A Base Nacional Comum Curricular

O debate que permeou a elaboração da BNCC não é recente, embora aparente ser, uma vez que consta desde a Constituição (1988) a ênfase para a educação a serviço do pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Destaca-se na Carta Magna o Artigo 210, ao determinar que “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”.

O advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996), especificamente no Artigo 26, estabeleceu que “Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”.

Diferentes profissionais da educação aguardavam, desde então, que a União firmasse um pacto interfederativo, ou seja, um acordo com os vários níveis de governo para estabelecer competências e diretrizes, capazes de orientar os currículos. As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (2010) sinalizaram indicativos da necessidade da criação de uma “Base Nacional Comum”. A publicação do Plano Nacional da Educação (PNE), em 2014, reafirmou o imperativo de estabelecer diretrizes pedagógicas para a Educação Básica e de criar uma base nacional, que orientasse todos os currículos, de todas as unidades da federação, por meio de metas e estratégias definidas, pontualmente explicitadas nas metas 2, 3 e 7 do documento.

  • Meta 2: universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE.

  • Meta 3: universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento).

  • Meta 7: fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem, de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o Ideb: 6,0 nos anos iniciais do ensino fundamental; 5,5 nos anos finais do ensino fundamental; 5,2 no ensino médio (PNE, 2014).

A BNCC não foi construída de maneira aleatória, pelo contrário, trata-se de um documento histórico, pois mobilizou representantes de vários segmentos da sociedade, contando principalmente com a contribuição de especialistas e educadores que atuam em diversos níveis da Educação Básica e Superior2. Segundo o Ministério da Educação (MEC), o documento foi elaborado democraticamente e registra um importante momento da educação brasileira, pois é a primeira vez que o país tem uma base que define o conjunto de aprendizagens essenciais a que todos os estudantes têm direito na Educação Básica.

A primeira versão iniciou em 2015, mediante consultas públicas -, essas contribuições foram reunidas e debatidas com inúmeras comissões, resultando na segunda versão. Novamente colocado em debate, vinte e sete (27) seminários foram realizados em todo o país (e um no Distrito Federal). Esta etapa foi realizada em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME). Com isto, consolidou-se a terceira e penúltima versão do documento. Após debates e análises de um volume expressivo de informações, as comissões conseguiram sintetizar a versão final e entregá-la ao Conselho Nacional de Educação (CNE), sendo rediscutido em cinco (05) audiências públicas (uma em cada região do país). Posteriormente, o Ministério da Educação (MEC) oficializou a BNCC, mediante publicação da Resolução n° 4, de 17 de dezembro de 2018, que tem força de lei. Isto quer dizer que é uma política de estado (e não de governo), conforme determina a redação oficial:

A Base Nacional Comum Curricular é um documento normativo que define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2018, p. 07).

A BNCC, ao ser homologada pelo MEC, orientará a elaboração de currículos e propostas pedagógicas das escolas públicas e privadas; políticas para a formação de professores; a produção de material didático; e a avaliação, na expectativa que o documento represente um instrumento para a promoção da equidade, uma vez que determina as aprendizagens essenciais e orienta as políticas educacionais, as quais serão implementadas nas escolas de todo o território nacional. Os anos 2018 e 2019 são os primeiros anos de adequação das instituições e, como todo documento novo, provocará reações diversas à medida que os professores se apropriam de seu teor, principalmente àquilo que diz respeito às especificidades de áreas e séries de atuação. Os professores serão aqueles que materializarão (ou não) as propostas educacionais na prática pedagógica, havendo a possibilidade de ruptura ou continuação ideológica. Trata-se de uma aposta arriscada.

Igualmente importante quanto o que a BNCC-EF propõe, será o que faremos (ou o que não faremos) com ela, potencializando as suas virtudes e minimizando os seus defeitos. Entre as limitações está a adequação dos currículos escolares, a estrutura física e o ideário de formação. Ainda assim, não há nenhuma garantia de que os objetivos da formação em Educação Física presentes na BNCC guiarão um ideal de formação humana, até mesmo porque a compreensão de que a Base seja uma necessidade está longe de ser consensual. Não se pode partir do princípio de que a proposta é uma unanimidade e que as disputas são apenas dos conteúdos. Isto quer dizer que é necessário considerar todos enunciados, sejam contrários ou mesmo favoráveis a ela.

A Educação Física na BNCC

A BNCC induzirá a formulação de currículos dos sistemas e das redes escolares do Brasil, ao indicar competências e habilidades esperadas que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade, sendo estruturado em: textos introdutórios (geral, por etapa e por área); competências gerais que os alunos devem desenvolver ao longo de todas as etapas da Educação Básica; competências específicas de cada área do conhecimento e dos componentes curriculares; e Direitos de Aprendizagem ou Habilidades relativas a diversos objetos de conhecimento (conteúdos, conceitos e processos) que os alunos devem desenvolver em cada etapa da Educação Básica (da Educação Infantil ao Ensino Médio). As competências gerais da Educação Básica, articuladas com as dimensões do conhecimento (experimentação, uso e apropriação, fruição, reflexão sobre a ação, construção de valores, análise, compreensão e protagonismo comunitário), deverão garantir aos alunos o desenvolvimento de competências específicas. Na área de Linguagens para o Ensino Fundamental (junto com Língua Portuguesa, Artes e Língua estrangeira - inglesa), a Educação Física visa assegurar aos alunos o desenvolvimento de dez (10) competências específicas:

  1. 1. Compreender a origem da cultura corporal de movimento e seus vínculos com a organização da vida coletiva e individual.

  2. 2. Planejar e empregar estratégias para resolver desafios e aumentar as possibilidades de aprendizagem das práticas corporais, além de se envolver no processo de ampliação do acervo cultural nesse campo.

  3. 3. Refletir, criticamente, sobre as relações entre a realização das práticas corporais e os processos de saúde/doença, inclusive no contexto das atividades laborais.

  4. 4. Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde, beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os modelos disseminados na mídia e discutir posturas consumistas e preconceituosas.

  5. 5. Identificar as formas de produção dos preconceitos, compreender seus efeitos e combater posicionamentos discriminatórios em relação às práticas corporais e aos seus participantes.

  6. 6. Interpretar e recriar os valores, os sentidos e os significados atribuídos às diferentes práticas corporais, bem como aos sujeitos que delas participam.

  7. 7. Reconhecer as práticas corporais como elementos constitutivos da identidade cultural dos povos e grupos.

  8. 8. Usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento em contextos de lazer, ampliar as redes de sociabilidade e a promoção da saúde.

  9. 9. Reconhecer o acesso às práticas corporais como direito do cidadão, propondo e produzindo alternativas para sua realização no contexto comunitário.

  10. 10. Experimentar, desfrutar, apreciar e criar diferentes brincadeiras, jogos, danças, ginásticas, esportes, lutas e práticas corporais de aventura, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo (BRASIL, 2018, p. 223).

A distribuição dos conteúdos de Educação Física ao longo dos 9 anos do Ensino Fundamental é composta por seis (06) unidades temáticas: Brincadeiras e jogos - do 1º ao 7º ano; Esportes - do 1º ao 9º ano; Ginásticas - do 1º ao 9º ano; Danças - do 1º ao 9º ano; Lutas - do 3º ao 9º ano; e Práticas corporais de aventura - do 6º ao 9º ano. Este ordenamento possivelmente facilitará o trabalho do professor em sua organização didática, seja voltada às capacidades físicas, aspectos motores, estruturas corporais e do movimento com o ambiente físico, permitindo aos estudantes o acesso a um amplo universo de experiências lúdicas, estéticas e emotivas. Ainda assim, pairam dúvidas sobre a organização dos conteúdos em correlação ano/faixa, unidades temáticas, objetivos de conhecimento e habilidades propostas.

Na avaliação de Betti (2018), a BNCC foi configurada para a avaliação quantitativa de larga escala de habilidades cognitivas objetivas, mensuráveis e observáveis. Nessa perspectiva, podem até ser aplicáveis à Língua Portuguesa ou Matemática, mas não darão conta da singularidade da Educação Física, “reino da subjetividade”. A concepção de subjetividade não está restrita a determinados campos do conhecimento, pois todo conhecimento é impregnado de subjetividade. A explanação de Betti esclarece que, embora a Educação Física também desenvolva estudos segundo modelos científicos positivistas, baseando-se em princípios objetivistas, a área foi fortemente influenciada pelas ciências humanas e sociais nas últimas décadas. Esta é uma das características da Educação Física, por este motivo a dificuldade de redigir habilidades/objetivos de aprendizagem (e, consequentemente, a escolha dos verbos) na concepção geral da BNCC, levando o autor a concluir que:

“(...) a Educação Física não poderia mesmo contribuir diretamente para o projeto global da BNCC, qual seja, de gerenciar a política educacional a partir das avaliações de larga escala, com base nas competências e habilidades padronizadas supostamente adquiridas pel@s estudantes durante a escolarização (BETTI, 2018, p. 169).

Esse limite não é exclusivo da área de Educação Física, pois permeia também outras áreas do conhecimento, porém esse problema torna-se visível em decorrência do seu caráter teórico-prático. Soma-se a isto, a lógica de organização do documento, a ênfase em competências e habilidades e/ou os conteúdos observáveis.

Em face à importância do tema e das possíveis repercussões para a Educação Física escolar, não faltam tensionamentos sobre as distorções conceituais do documento atual, com vistas a reforçar/disseminar valores e princípios necessários à reestruturação produtiva, alinhado à política governamental vigente. Sobre esse assunto, Neira 3(2018) tece considerações sobre a terceira versão da BNCC, corroborando com aqueles setores que se sentiram frustrados e clamavam pelo diálogo, enfatizando que o Conselho Nacional de Educação promoveu audiências regionais de difícil acesso e aprovou o Documento sem alterações significativas (na sequência, homologado pelo MEC).

Na análise do referido autor, a BNCC retrocede política e pedagogicamente, ao contrariar as expectativas democráticas, pois está em curso a retomada de princípios tecnocráticos, consubstanciados na prioridade concedida à racionalidade técnica em detrimento da criticidade como, por exemplo, a opção por um currículo baseado em competências e habilidades prescritas, alicerçado em teorias tradicionais. Somam-se às críticas: a redução de possibilidades pedagógicas do professor; a ausência de argumentos que justifique a Educação Física na área das linguagens (e o que isso significa em termos didáticos); a explicação de conceitos centrais (como cultura e cultura corporal) e referenciais adotados; a explicitação dos campos em que se fundamentam determinados termos (por exemplo, seriam as teorias críticas, as teorias pós‐críticas ou a antropologia?); a discrepância de concepção de prática corporal e de Educação Física (desconectado com o currículo proposto); e os critérios de progressão e distribuição, ao referenciar as dimensões de conhecimento na formulação das habilidades. Ao ressaltar a fragilidade do documento, o autor argumenta:

Por tudo isso, a BNCC sugere ao professor a direção oposta daquela que tem tomado a educação física contemporânea. A ausência de criticidade é alarmante. O documento homologado volta‐se para a conformação e aceitação de um desenho social injusto, num momento histórico em que os professores deveriam ser apoiados na elaboração de currículos democráticos e democratizantes. Sabe‐se que no âmbito das políticas educacionais, a feitura acelerada, por um pequeno grupo e sem qualquer debate e discussão, costuma gerar maus frutos. Se por um lado é possível responsabilizar a pressa, por outro, o fortalecimento da dimensão técnica somado à ausência da crítica leva à conclusão que a BNCC não passa de mais uma investida dos setores conservadores (NEIRA, 2018, p. 222).

A versão final da BNCC-EF não teve muitas preocupações com a contribuição de especialistas, ou mesmo com subsídios oriundos dos debates e desdobramentos que ocorreram no interior da academia, inclusive fica evidente que parte das discussões suscitadas nos documentos preliminares da BNCC (I-II) foram suprimidas. Nos termos em que foi configurada a BNCC, ficou enxuta quando comparada às versões anteriores. Pragmática e com padronização genérica, lembra um manual técnico. Ao indicar parâmetros gerais, estabelece uma espécie “métrica” em larga escala.

Na análise de Moreira et al. (2016, p. 73) o manuscrito preliminar das BNCC apresentava ecletismo, no que diz respeito à concepção de Educação Física, quer dizer, que “(...) não demonstra clareza quanto à defesa histórica deste componente curricular na educação básica e nem se alinha à reivindicação desta como um campo de conhecimento multidisciplinar e de intervenção pedagógica (...)”. A versão final da BNCC apresenta a promessa de permitir ao professor e a escola fazer escolhas, sem engessar os processos. Contudo, ainda pairam contradições e/ou inconsistências da BNCC, as quais podem ser interpretadas como falta de consenso da área quanto às atribuições ou ao escopo de conhecimentos da Educação Física.

A elaboração de uma base nacional em um país diversificado é uma proposição necessária e desafiadora, inclusive para a área de Educação Física, embora não tenhamos muitas certezas de melhoria. Ainda assim, estamos diante de uma oportunidade histórica, fundamentalmente porque é imprescindível a inserção da Educação Física no documento. Como pensar a base sem a Educação Física? Ademais, é preciso reconhecer que a BNCC-EF apresenta direções, mesmo precisando de permanente revisão.

Educação Física: um campo em permanente disputa discursiva

A Educação Física, enquanto Componente Curricular obrigatório, passou por um processo de transformação nas últimas décadas. Para González e Fensterseifer (2009), o movimento renovador da Educação Física brasileira (década de 1980), ao questionar o paradigma de aptidão física e esportiva que sustentava de forma extensiva as práticas pedagógicas da Educação Física nos pátios escolares, apontou iniciativas. Dentre elas, um conjunto de indagações que, tradicionalmente, não faziam parte das preocupações da área, e que delimitam as teorias pedagógicas quando buscam legitimar um componente curricular em um projeto educativo. Na ocasião, os autores indagavam:

  • • Por que esta disciplina deve compor o currículo da escola?

  • • Quais são seus objetivos?

  • • Quais são seus conteúdos?

  • • Como são sistematizados os conteúdos ao longo dos diferentes níveis de ensino?

  • • Como esses conteúdos devem ser ensinados?

  • • Como avaliar seu ensino? (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2009, p. 11).

As questões teórico-pedagógicas tiveram um especial significado naquele momento histórico para o campo das intenções e do fazer da Educação Física, pois se acreditava que seria possível mudar o seu status, legitimando-a e elevando-a a condição de disciplina escolar, além de romper com a tradição de uma atividade puramente prática. Entretanto, as transformações não ocorreram conforme a rapidez esperada, decepcionando os mais otimistas. Embora as circunstâncias intelectuais fossem oportunas, pode-se afirmar que durante a fase de transição ocorreram muitos entraves. Não é à toa que González e Fensterseifer (2009, p. 12) constataram que a Educação Física ainda encontrava-se “(...) “entre o não mais e o ainda não”, ou seja, entre uma prática docente na qual não se acredita mais, e outra que ainda se tem dificuldades de pensar e desenvolver”.

Diferenças e divergências gravitam em torno do objeto, do caráter e da especificidade da Educação Física escolar desde o prelúdio da constituição do campo, o qual permanece em constante disputa. Por estes motivos é cabível retomar algumas das discussões difundidas por Bracht (2007) na obra “Educação Física & ciência: cenas de um casamento (in)feliz”. Desde a primeira edição, publicada em 1999, o autor chama atenção para a constituição do campo acadêmico da Educação Física no Brasil e questiona temas relativos à epistemologia da Educação Física, os quais merecem revisão no conjunto de reformas educacionais. Há vinte anos, o autor interrogava sobre o possível desejo de tornar a Educação Física uma ciência (ou não), das possibilidades de definir os seus contornos e as dificuldades no âmbito acadêmico e institucional que seriam enfrentados em detrimento da falta de clareza quanto ao seu objeto específico.

Ciente de que a definição do objeto da área é uma proposição normativa, envolvendo visões do que a Educação Física deveria ser, a própria denominação da área é alvo de constante demarcação (política e acadêmica). Especificamente, em relação às identidades epistemológicas da Educação Física brasileira, o autor se posiciona como “(...) aqueles que a entendem como uma prática pedagógica, como uma prática social de intervenção imediata e que enquanto prática humana necessita ser teoricamente elaborada” (BRACHT, 2007, p. 143), defendendo, portanto, a posição de que teríamos que aprender a conviver com a dinamicidade dos contornos e pluralidades identitárias do campo.

A obra de Bracht, ao completar ‘bodas de porcelana’, permite-nos constatar que muitas dos apontamentos de outrora permanecem atuais. O passar dos anos têm demonstrado que as crises do casamento foram e permanecem constantes e que estamos longe de um final feliz, considerando que não há felicidade perene, pelo contrário. A relação entre ciência e Educação Física encontra-se mais uma vez em crise -, a discórdia recente está na demarcação dos limites da própria BNCC-EF.

Vale lembrar que em meio às discussões acadêmicas, a década de 1990 foi marcada pela publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei n° 9394/96) e pelo lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Assim, ao atingir estatuto de Componente Curricular obrigatório, o objeto de estudo da Educação Física passa a ser definido como ‘cultura corporal de movimento’. Nessa perspectiva, a abordagem dos conteúdos estava centrada nas diferentes formas de codificação e significação social do movimento humano, encontrando suporte nas formulações oriundas das subáreas sociocultural e pedagógica que, por sua vez, se fortaleceram a partir de um intenso combate à retórica físico-sanitária, até então preponderante. Posto que o exercício físico é um dos mais potentes enunciados da formação discursiva biodinâmica, as críticas dos culturalistas à inserção desse conjunto de práticas em um documento curricular normativo tornou-se evidente.

Desde os anos 1980 as produções curriculares foram impactadas pela “culturalização dos conteúdos”, também chamada de “virada cultural”, criticando o caráter essencialmente prático da área na instituição escolar (GONZÁLEZ; FRAGA, 2012). Contudo, elas não foram capazes de trazer consensos quanto às suas atribuições ou ao escopo de conhecimentos.

Mesmo que a cultura corporal de movimento proponha a tematização do acervo de práticas corporais na EF, as incursões teóricas que se detiveram a construir modos de sistematizar os temas e conteúdos, chamadas de Movimento Renovador, trouxeram diferentes entendimentos sobre as finalidades da EF, que vão desde as perspectivas críticas e de inspiração democráticas, como a crítico-superadora (SOARES et al. 1992) e a crítico emancipatória (KUNZ, 1991), passando por entendimentos mais lúdicos e aqueles vinculados às questões de saúde (DESSBESELL, 2018, p. 69)

Essas tendências no campo da Educação Física operam como partes de uma formação discursiva e/ou como constituintes de determinados discursos no interior do componente curricular de Educação Física. A partir da tese defendida por Dessbesell (2018) podemos analisar a demarcação e a formação discursiva sob dois prismas distintos: 1) o “movimento culturalista”, o qual tematizou as práticas corporais como manifestações da cultura corporal de movimento; e 2) a “tribo da conservação da saúde”, que através do movimento da saúde renovada, atribuiu à Educação Física escolar a função de promotora de saúde por meio da Aptidão física relacionada à saúde.

Constata-se, portanto, que ao problematizar as críticas ao tema exercício físico, tornaram-se visíveis disputas de longa data sobre a pertinência da tematização das práticas fitness como uma manifestação da cultura corporal de movimento na constituição da BNCC bem como a iminente ameaça ao movimento culturalista, o qual aborda a crítica centrada na atualização do discurso físico-sanitário.

O tensionamento não estava relacionando a uma questão meramente semântica, ou à memória de disputas já passadas, mas à ameaça de retorno de uma ordem discursiva que está sempre assombrando os teóricos culturalistas em cada processo de organização curricular em curso, ainda mais nesse caso, que se trata de um documento nacional de caráter normativo (DESSBESELL, 2018, p. 124).

Em meio ao processo de análise4 foram identificadas disputas internas nas subáreas sociocultural e pedagógica da Educação Física de longa data, com a finalidade de estabelecer critérios sobre “como” e “o que” pode vir a ser incluído ou não no currículo. Provavelmente, essas críticas colocaram o tema dos exercícios físicos na BNCC em uma posição subsumida na unidade temática ginásticas (DESSBESELL, 2018).

Ao analisar o processo de constituição da BNCC, observou-se, ainda, a ausência de uma “musculatura teórica” à Educação Física, capaz de permitir puxar para dentro da escola as práticas fitness e ressignificá-las, “semelhante ao processo de assimilação das práticas esportivas à ordem discursiva culturalista, hoje, consolidadas em um nicho nos currículos escolares bem balizado pelas funções sociais da escola” (DESSBESELL, 2018, p. 127).

Dessbesell e Fraga (2020) são enfáticos ao apontar as controvérsias em torno da autonomia concedida ao tema exercício físico na primeira versão da BNCC e seu reposicionamento como subtema das ginásticas na segunda e terceira versões, remontando as disputas do campo entre as vertentes culturalista e físico-sanitária da Educação Física brasileira sobre as finalidades dessa disciplina no contexto escolar.

Na versão final da BNCC-EF estão explicitadas as finalidades gerais, os objetivos de aprendizagem específicos, a categorização e a distribuição de conteúdo no decorrer do ensino fundamental, e a concepção do Componente Curricular de Educação Física:

A Educação Física é o componente curricular que tematiza as práticas corporais em suas diversas formas de codificação e significação social, entendidas como manifestações das possibilidades expressivas dos sujeitos, produzidas por diversos grupos sociais no decorrer da história. Nessa concepção, o movimento humano está sempre inserido no âmbito da cultura e não se limita a um deslocamento espaço-temporal de um segmento corporal ou de um corpo todo (BRASIL, 2018, p. 213).

Em que pese os programas de exercícios físicos enquanto manifestações da cultura corporal de movimento deveriam estar alinhados ao rol de temas da Educação Física pelos mesmos critérios já aplicados aos demais conteúdos escolares em documentos desta natureza, do contrário continuará sendo “um estranho no nicho da cultura corporal de movimento” (DESSBESELL; FRAGA, 2020, p. 11).

A BNCC-EF não se resume a um currículo, ainda que tenda a ser compreendido como se fosse -, uma acepção limitada. “Um currículo demanda explicitar PORQUÊ (finalidades/objetivos), O QUE (conteúdo), COMO (método), QUANDO (distribuição no tempo) e PARA QUEM (sujeitos da aprendizagem)” (BETTI, 2018, p. 156).

A tarefa pedagógica mais importante no momento permaneceu com os professores e com as escolas: “(...) articular de modo coerente os fins (os porquês) e meios (o como)”. Embora tal acepção também seja bastante tradicional e careça de maior diálogo com as pesquisas no campo curricular mais contemporâneo a respeito da BNCC, o posicionamento de Betti (2018, p. 173) faz sentido, ao afirmar que o maior desafio está com os professores e gestores, pois compete a eles serem os “interlocutores críticos”. Nessa perspectiva, vários estudos corroboram na análise crítica da BNCC, no seu processo de construção e nos efeitos de sua proposta de currículo nacional.

Dossiês críticos sobre o tema foram e continuam sendo organizados por inúmeras revistas científicas, conforme constatado nas publicações das revistas E Curriculum (2014), Revista do Centro de Estudos Educação e Sociedade - CEDES (2016), Debates em Educação (2016), Ensino em Revista (edição especial 2018), Retratos da Escola (2019), entre outras. Na especificidade da área, a Revista Motrivivência (UFSC) organizou uma edição especial sobre a BNCC-II (v. 28, n. 48, setembro/2016), convocando pesquisadores da Educação Física para expressassem opinião e defesa de seus pontos de vista, qualificando o debate e o próprio documento em discussão.

Compreende-se que é fundamental ampliar o diálogo com os estudos realizados sobre o tema, os quais estão sendo debatidos intensamente no campo curricular. Nessa perspectiva, ainda que consideremos a necessidade e a pertinência da BNCC, a implementação de um currículo nacional em um país multicultural de grandes proporções evidencia um contexto de influência que envolve disputas, embates e constrangimentos.

Na verdade, tais constrangimentos, visíveis sobretudo na aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), permitem algumas reflexões acerca do que está em jogo nesse processo. Com o pretexto de melhorar os resultados pífios da educação nacional, a BNCC foi proposta como uma política de Estado que pretendia, apenas, concretizar alguns objetivos que já constavam da legislação do país. O processo de resistência, iniciado pelos que discordam da existência de um currículo nacional no País, bem como o jogo político manifesto nesse percurso, corroboram a ideia de que o documento acabará por gerar distintos constrangimentos ao nível da comunidade escolar e científica (CORRÊA; MORGADO, 2018, p. 02).

Os referidos autores, alicerçados na abordagem do “ciclo de políticas”5, proposto originalmente por Ball (1994), destacam que a elaboração da BNCC contou com diferentes atores e que, portanto, se faz necessário desvelar de que forma os interesses e a ideologia, fruto de acordos e de disputas, foram sendo sistematizados. Nesse sentido, diferentes discursos são evidenciados, como o discurso pedagógico. Este conjunto de regras e mecanismos de poder é representado no processo político à medida que novos elos de poder e influência são construídos e fortalecidos, constituindo um ciclo de políticas públicas. Não se pode perder de vista que, além da Comissão instituída pelo MEC e representantes de universidades, também foram estabelecidas “parcerias” com grupos de entidades privadas, dentre eles, o Movimento pela Base Nacional Comum (MBNC), que representa os interesses de empresas, fundações e instituições filantrópicas, financiadas pela alocação de impostos de grandes corporações. O grupo que elaborou o texto é constituído por “(...) uma comunidade de discursos focada na necessidade de reforma educacional, composta por empreendedores políticos, tecnocratas viajantes e ‘líderes de pensamento’, como soluções para os ‘problemas’ da política educacional” (p. 06-07).

A análise internacional da BNCC por entidades privadas tende a desvalorizar/deteriorar a imagem do público e, em contrapartida, “exaltar as bondades do privado” (MORGADO, 2003), minimizando o papel do Estado. Esse processo emite um discurso falacioso, criando o mito político eficiente que celebra a “superioridade” da gestão do setor privado em “parceria” com o Estado, sobre/contra a modalidade conservadora e burocrática de administração do setor público. Essa suposta superioridade geralmente está fundamentada nas experiências e referências internacionais de grupos privados de educação, produzindo a falsa ideia de confiabilidade, eficácia e eficiência na construção de outros modelos de currículo em diversos países.

A BNCC está apoiada em um caminho de regularidade argumentativa, ancorada em verdades normatizadas do direito brasileiro. Por outro lado, percebe-se que o documento é cerceado por enunciados que lutam para desmantelar os seus sentidos, a fim de produzir efeitos de verdade. Essas relações de poder precisam ser expostas, pois elas se travam para legitimar discursos do campo da Educação Física, por meio da inserção na BNCC. Nomear constantemente tais discursos e explicitar de que forma e por meio de quais jogos de poder tais discursos se efetivaram ou foram silenciados na BNCC é fundamental. A BNCC passará por constantes jogos de significações, uma vez que se percebe a movimentação de discursos que poderão transportar o documento para outros lugares de produção de verdades. Pesquisar esses indícios poderá abrir caminho sobre novas formas de pensamentos que se apresentarão no panorama da educação brasileira.

A BNCC-EF tem ainda muitas questões a serem refletidas, mesmo assim, tem o mérito de tentar trazer a possibilidade de equidade, pois expressa a padronização de objetivos e conteúdos ao longo das séries e ciclos de escolarização, na esperança de desempenhar um papel decisivo na formação do cidadão integral e de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva.

O documento não demarca explicitamente uma perspectiva e/ou atende sugestões de aprofundamento nas discussões sobre cada unidade temática, sobretudo realiza uma sistematização sobre as possibilidades de organização curricular, a partir da pluralidade de características socioculturais de cada Estado ou região do país. Nesse sentido, a BNCC-EF decepciona os professores que ambicionam a explicitação de um discurso capaz de contemplar uma única abordagem, especialmente pautado pelo discurso histórico-político da Educação Física escolar, ao reivindicarem a inserção de uma concepção crítica de Educação Física, sociedade, educação, escola e homem, além de orientação didático metodológica no documento. Porém, isto não significa que esses elementos não se encontrem implícitos no seu interior.

Considerações finais

Ao considerar o jogo de forças que permearam o campo da Educação Física e continuaram a se refletir na construção da BNCC, compreendemos que o não dito é maior. A política educacional em curso no Brasil colocou em prática um projeto de poder, com vistas a inculcar e consolidar determinado discurso-prática (habilidades e competências), o que transparece na estruturação do documento. Diante do jogo de forças existentes, avaliamos que a BNCC-EF não gerou apenas uma crise capaz de catalisar a corrente crítica, mas colocou em evidência um campo que ainda permanece em constante disputa.

Isto quer dizer que teremos muitos desafios pela frente. Um deles será a preparação das instituições e professores para a operacionalização da BNCC-EF. Como será a aceitação, a compreensão e possível implementação dos pontos previstos da BNCC-EF nas escolas é uma pergunta pertinente. É provável que as instituições e os professores reelaborem e ressignifiquem os dispositivos normativos a partir das condições reais que o meio oferece, segundo suas perspectivas e culturas, afinal sempre haverá a necessidade de reanálise e reinterpretação para ocorrer apropriação, uma vez que o alcance de qualquer reforma é limitado -, afinal, preceitos não são garantias de “obediência” ou mesmo “fidelidade”.

Não acreditamos que uma proposta consensual de Base seria possível (uma vez que estamos analisando o problema de uma perspectiva discursiva). Da mesma forma, a inexistência de consenso sobre o documento é algo indesejável. Parafraseando Betti (2017), ao referir-se a BNCC-EF: “ruim com ela, pior sem ela”. Ainda assim, parece-nos fundamental um conjunto maior de estudos sobre esse tema e continuar perguntando como estão sendo interpretados os confrontos e as resistências nesse documento.

Referências

BALL, Stephen J. Education reform: a critical and post structural approach. Buckingham: Open University Press, 1994. [ Links ]

BETTI, Mauro. A versão final da Base Nacional Comum Curricular da Educação Física (Ensino Fundamental): menos virtudes, os mesmos defeitos. Revista Brasileira de Educação Física Escolar, Curitiba, v. 4, 2018, p. 156-175. [ Links ]

BETTI, Mauro. Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de Educação Física do Ensino Fundamental: Ruim com Ela, Pior Sem Ela. Blog do Cev, 2017. Disponível em: Disponível em: http://cev.org.br/biblioteca/base-nacional-comum-curricular-bncc-de-educacao fisica-do-ensino-fundamental-ruim-com-ela-pior-sem-ela . Acesso em: 29 jul. 2019. [ Links ]

BRACHT, Valter. Educação física & ciência: cenas de um casamento (in)feliz. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2007. [ Links ]

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília, DF: Senado Federal, 1988. [ Links ]

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n° 248, p. 27833-27841, 23 dez. 1996. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica; Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão; Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC; SEB; DICEI, 2013. [ Links ]

BRASIL. Lei n° 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2014. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF, 2018. Disponível em: Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/ . Acesso em: 04 jun. 2019. [ Links ]

BRASIL. Resolução n° 4, de 17 de dezembro de 2018. Institui a Base Nacional Comum Curricular na Etapa do Ensino Médio (BNCC-EM), como etapa final da Educação Básica, nos termos do artigo 35 da LDB, completando o conjunto constituído pela BNCC da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, com base na Resolução CNE/CP nº 2/2017, fundamentada no Parecer CNE/CP nº 15/2017. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, nº 242, p.120, 18 dez. 2018. [ Links ]

CORRÊA, Adriana Corrêa; MORGADO, José Carlos. A construção da Base Nacional Comum Curricular no Brasil: tensões e desafios. In: COLÓQUIO LUSO-BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO (COLBEDUCA), 4., 2018, Braga e Paredes de Coura, Portugal. Anais (...) Braga e Paredes de Coura, Portugal: UDESC, UMinho e UFPA, 2005. p.1-12. [ Links ]

DESSBESELL, Giliane. Exercícios físicos na Base Nacional Comum Curricular: um fio solto na trama discursiva da cultura corporal de movimento. 2018. 154f. Tese (Doutorado em Educação Física) - Escola da Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. [ Links ]

DESSBESELL, Giliane; FRAGA, Alex Branco. Exercícios físicos na Base Nacional Comum Curricular: um estranho no nicho da cultura corporal de movimento. Movimento, Porto Alegre, p. 1-14, 2020. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. [ Links ]

GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo. Entre o “não mais” e o “ainda não”: pensando saídas do não-lugar da EF Escolar I. Cadernos de formação RBCE, Campinas, v. 1, n. 1, 2009, p. 9-24. [ Links ]

GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FRAGA, Alex Branco. Afazeres da Educação Física na escola: planejar, ensinar, partilhar. Erechim: Edelbra, 2012. [ Links ]

MOREIRA, Laine Rocha et al. Apreciação da base comum curricular e a educação física em foco. Motrivivência, Florianópolis, v. 28, 2016, p. 61-75. [ Links ]

MORGADO, José Carlos. Processos e práticas de (re)construção da autonomia curricular. 2003. Tese (Doutorado em Educação). Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, 2003. [ Links ]

NEIRA, Marcos Garcia. Incoerências e inconsistências da BNCC de Educação Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Porto Alegre, v. 40, n. 3, jul./set. 2018, p. 215-223. [ Links ]

22 O Ministério da Educação também estabeleceu interlocução com as Associações Profissionais e Científicas, as quais contribuíram criticamente na discussão pública para a construção da Base Nacional Comum Curricular, dentre elas, o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE).

33 O autor participou ativamente nas discussões e proposições durante a elaboração da segunda versão da BNCC, sendo um dos membros especialistas do Ensino Fundamental (Anos Iniciais) para a área da Educação Física.

44 Para a realização da investigação a pesquisadora tomou como materialidade empírica os seguintes documentos: as três versões da BNCC, as contribuições oriundas da consulta pública, os relatórios dos seminários estaduais sobre a BNCC, os textos dos leitores críticos contratados pelo MEC e as propostas curriculares estaduais.

55 O ciclo de políticas proposto por Ball e colaboradores é um método para a pesquisa de políticas educacionais. O ciclo contínuo é constituído por cinco contextos: o contexto de influência, o contexto da produção do texto, o contexto da prática, o contexto dos resultados (efeitos) e o contexto da estratégia política (CORRÊA; MORGADO, 2018).

11 O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Recebido: 03 de Abril de 2020; Aceito: 29 de Agosto de 2020; Publicado: 30 de Setembro de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons