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Educação UFSM

versión impresa ISSN 0101-9031versión On-line ISSN 1984-6444

Educação. Santa Maria vol.46  Santa Maria ene./dic 2021  Epub 19-Mar-2024

https://doi.org/10.5902/1984644443455 

Artigo Demanda Contínua

O discurso da comodificação da educação na relação universidade acadêmica e universidade corporativa

The commodification discourse of education in the relationship between academic university and corporate university

Anicleide Pereira da Silva1 
http://orcid.org/0000-0003-2200-753X

Florence Cavalcanti Heber Pedreira de Freitas2  , Professora doutora
http://orcid.org/0000-0002-9498-3268

1Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, Sergipe, Brasil. anicleideufsita@gmail.com

2Professora doutora na Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão, Sergipe, Brasil. florenceheber@hotmail.com


RESUMO

Com a intenção de contribuir com estudos relacionados a práticas discursivas e sociais contemporâneas sobre a educação acadêmica e a sua permeabilidade às ideologias gerencialistas que sustentam os discursos da educação corporativa (EC); este ensaio teórico tem o objetivo de contextualizar o fenômeno da comodificação da educação superior, sob a ótica de Norman Fairclough e da teoria social do discurso. Explora construções discursivas em estudos que representam reflexões sobre esse fenômeno na educação superior. Discute como argumentos e formas de concepção sobre universidades corporativas cruzaram o discurso da educação corporativa com a educação acadêmica e como defensores da primeira começaram a argumentar sobre a possibilidade desses centros de treinamento corporativos representarem um modelo alternativo, com fins lucrativos, baseado no mercado e em parcerias entre as instituições de ensino superior, empresas e governos. Conclui com indicação da formação de indústria de produção e difusão de práticas discursivas e sociais da EC; o que faz da EC também um negócio com a comercialização de cursos e outros produtos de gestão, incluindo políticas públicas direcionadas à inovação educacional.

Palavras-chave: Discurso; Educação Corporativa; Comodificação da Educação Superior

ABSTRACT

Intending to contribute to studies related to social and discursive contemporary practices about academic education and its permeability to managerial ideologies which support the Corporate Education dircourses (CE); this theoretical essay aims to contextualize the phenomenon of commodification in higher education, under the perspective of Norman Fairclough and the social theory of discourse. It explores discursive constructions in studies that represent reflections on this phenomenon in higher education. It discusses how arguments and forms of conception about corporate universities crossed the discourse of corporate education with academic education and as advocates of the first they began to argue the possibility that these corporate training centers represent an alternative model, for profit, based on the market and partnerships between higher education institutions, companies and governments. It concludes with an indication of the formation of the production industry and the dissemination of discursive and social practices of EC; what makes EC also a business by selling courses and other management products, including public policies aimed at educational innovation.

Keywords: Discourse; Corporate Education; Commodification of Higher Education

Introdução

O cenário da educação superior contemporânea tem se delineado através de processos de transformação e contradições (McCOWAN, 2018). Esses processos parecem conduzir a educação para se tornar mais uma mercadoria do comércio mundial de serviços, fazendo com que as Instituições de Ensino Superior (IES) e, em particular, as universidades, se aproximem e incorporem modelos empresariais na sua gestão e nos seus serviços (CHAUI, 2014; ALMEIDA-FILHO, 2016).

Novas configurações de parcerias entre IES, empresas e governos são formatadas numa perspectiva diferente da concepção originária da educação acadêmica enquanto instituição social, voltada aos interesses coletivos da sociedade. Isso abre espaço para muitas possibilidades de negócios e de estudos que vinculam a educação superior ao mercado corporativo e aos interesses da economia (PARANHOS et al., 2018; McCOWAN, 2018; BECK; CUNHA, 2017; SUDBRACK; NOGARO, 2017; ÉSTHER, 2017, 2016; SILVEIRA; BIANCHETTI, 2016; VERAS; PORTELA, 2015; CHAUÍ, 2014).

Neste ensaio, partimos do pressuposto que os sentidos atribuídos à educação, como aprendizagem, avaliação, dentre outros, são bem distintos (ou deveriam ser!) entre os ethos culturais e sociais que constituem o mundo empresarial e o mundo acadêmico. No entanto, como explica Laval (2004) em seus estudos sobre as relações dissimuladas que envolvem hoje os valores neoliberais e a educação, pautadas em discursos de mudanças rápidas do mundo contemporâneo, temos como exemplos, financiamentos de órgãos internacionais em programas que visam cada vez mais a relação utilitarista da escola-emprego; a dissolução cada vez maior do papel cultural das instituições de ensino; a construção de discursos educacionais de desvalorização dessas instituições, principalmente do setor público, dentre muitos outros.

Nos estudos da teoria social do discurso na sociedade contemporânea, Fairclough (2001a) denomina de comodificação (commodification) o processo pelo qual as instituições sociais passam a ser definidas e organizadas em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias, embora não produzam mercadorias no sentido estrito da palavra. Ele explica que dentro desse processo encontra-se a ocorrência da comodificação da educação, do lazer, da cultura, da saúde. No entanto, esse não é um fenômeno recente. Tem sua origem atribuída ao “entendimento marxista sobre a teoria da commodity, que busca entender como a mercantilização da força de trabalho humana se inscreve em um sistema de relações desiguais no mercado de trabalho, instauradas pelo modo de produção capitalista” (BECK; CUNHA, 2017, p. 137-138).

Por isso, a palavra comodificação é entendida como um neologismo designado por Fairclough (2001a) para propor esse conceito no contexto do problema da mercantilização de toda atividade humana, numa nova perspectiva de abordagem da Análise Crítica do Discurso (ACD). O autor entende que é um fenômeno que abrange uma retórica mercadológica com práticas discursivas naturalizadas, envolvendo aspectos simbólicos e subjetivos culturalmente construídos, assim como a imposição da lucratividade em detrimento a outras finalidades e contextos da vida cotidiana.

Para Beck e Cunha (2017, p. 137), a comodificação é expressa como um “fenômeno contemporâneo em que muitos bens, serviços, ideias e pessoas - outrora considerados não comerciais - passam a ser transformados em mercadorias vendáveis”. Explicam que o termo também costuma ser traduzido como “mercadorização, mercantilização ou comoditização”; que nesse processo “tudo passa a ter um preço, representando a centralidade que o consumo - em detrimento da produção - ocupa na vida cotidiana”.

Sendo assim, nos estudos de Fairclough (2001a) pode-se compreender o fenômeno da comodificação da educação como a generalização do discurso educacional contemporâneo que produz uma ordem do discurso dominante. Também como uma perspectiva de dimensão discursiva na busca de reestruturar as práticas de educação sobre um modelo de mercado, que pode ter efeitos claros sobre a elaboração e o ensino de cursos ou programas de estudo enquanto mercadorias ou produtos que devem ser comercializados aos clientes. Isso é uma realidade imposta também no contexto da educação superior e das IES privadas ou públicas. Logo, a mercantilização passa a influenciar as práticas discursivas das universidades, que “vem cada vez mais operando (...) como se fossem negócios comuns competindo para vender seus bens de consumo aos consumidores” (FAIRCLOUGH, 2001b, p. 47).

Nesse sentido, a proposta neste ensaio teórico é contextualizar o fenômeno da comodificação da educação, sob a ótica de Norman Fairclough e da teoria social do discurso (FAIRCLOUGH, 2001a), e explorar construções discursivas em estudos que representam reflexões sobre esse fenômeno na educação superior e na formação de parcerias entre as instituições de ensino superior, as empresas e os governos. Cabe ressaltar que não há pretensão de cobrir aqui toda a amplitude e especificidades que envolvem essa discussão nos referenciais teóricos dos temas que perpassam esse debate transdisciplinar. Espera-se, contudo, contribuir com os estudos que buscam apreender os determinantes das dinâmicas das práticas discursivas e sociais contemporâneas e que apontam para relações marcadas pela exportação de ideologias gerencialistas e mercadológicas dos discursos da educação corporativa (EC) para a educação acadêmica (EA).

Para tanto, o ensaio está dividido em quatro seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção são apresentadas as ideias centrais do fenômeno da comodificação discursiva sob a ótica de Norman Fairclough e da ACD. Na seção seguinte, discutimos a comodificação da educação e, em particular, da educação superior, explorando algumas construções discursivas em estudos. A terceira seção busca contextualizar o fenômeno da comodificação nas parcerias IES-empresas-governos e explorar algumas construções discursivas. E na última seção exploramos a concepção das universidades corporativas (UCs) enquanto parceiras de negócios com as IES, com incentivo de governos, e os discursos que (re)produzem a comodificação da educação superior.

A ACD e o fenômeno da comodificação discursiva

Para entender como Fairclough (2001a) aborda o fenômeno da comodificação discursiva na ACD, esta seção inicia explorando alguns dos fundamentos conceituais da teoria social do discurso. Na análise crítica do discurso a vida social é formada por redes interconectadas de práticas sociais de diversos tipos (política, econômica, familiar, cultural). A prática social, por sua vez, é uma forma relativamente estável de atividade social (como, por exemplo, o ensino em sala de aula, as situações de trabalho), que envolve uma articulação de diversos elementos sociais, tais como: atividades, sujeitos e suas relações sociais, discurso (ou semiose), instrumentos, objetos, formas de consciência, valores, tempo e lugar.

Dessa forma, a ACD defende a existência de uma relação dialética entre o discurso (de forma semiótica, isto é, linguística ou não) e o mundo, através de elementos das práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2001a). Em razão disso, tem uma particular preocupação

com as mudanças radicais que estão ocorrendo na vida social contemporânea, com o modo como o discurso figura dentro de processos de mudança e com as mudanças na relação entre discurso/semiose e outros elementos sociais dentro de redes de práticas (CHIAPELLO; FAIRCLOUGH, 2002, p. 185-186).

O discurso é definido, então, como uma forma de prática social. É uma ação, uma forma das pessoas agirem sobre o mundo e sobre as outras pessoas, construindo realidades sociais. Para Fairclough (2003, p. 4), a construção da realidade social contemporânea tem como fundamento os preceitos do que denomina de “novo capitalismo”, que é uma reestruturação de práticas sociais. Práticas que estabelecem novas relações estruturais entre domínios da vida social, redes de práticas, sejam econômicas e não-econômicas, transformando o saber e o conhecimento em seus produtos contemporâneos principais.

Essa mudança social e cultural nas sociedades, de acordo com Fairclough (2001a, p. 247), apresenta três principais tendências de mudanças discursivas que se tornaram hegemônicas - “democratização, comodificação e tecnologização do discurso”. As duas primeiras referem-se a mudanças efetivas nas práticas de discurso, enquanto a terceira sugere que a intervenção consciente nas práticas discursivas é um fator cada vez mais importante na produção de mudança. Define a comodificação discursiva como

o processo pelo qual os domínios e as instituições sociais, cujo propósito não seja produzir mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para venda, vem, não obstante, a ser organizados e definidos em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias” (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 255).

Nessa perspectiva, engloba uma série de tendências de mudanças que se referem à ordem societária do discurso, e que perpassam instâncias institucionais isoladas e abrangem domínios sociais internacionais e transnacionais, com impactos relevantes em termos de mudanças não somente discursivas, mas principalmente sociais. Dessa forma,

os setores da economia fora da produção de bens de consumo estão, de modo crescente, sendo arrastados (...) para a matriz do consumismo, e estão sob pressão para ‘empacotar’ suas atividades como bens de consumo e ‘vendê-las’ aos ‘consumidores’ (FAIRCLOUGH, 2001a, p. 151).

A disseminação dessas práticas discursivas na sociedade causa um efeito de naturalização, isto é, são incorporadas pelos sujeitos sociais à medida em que estas são produzidas rotineiramente e expostas à materialidade textual-discursiva (oral e/ou escrita). Essa naturalização gera um efeito negativo, decorrente da aceitação inconsciente de tais práticas, que as tornam algo usual e esperado, legitimam relações assimétricas de poder e restringem a possibilidade de realização de ação reflexiva, pautadas em escolhas conscientes, e de uma posterior mudança. Essa mudança, no entanto, é entendida nos estudos da ACD como possível de desvelar e combater ideologias hegemônicas (LIMA-NETO; NOBRE, 2012; RESENDE; RAMALHO, 2006; CHIAPELLO; FAIRCLOUGH, 2002; FAIRCLOUGH, 2001a, 2001b).

O fenômeno da comodificação discursiva na educação

Para Fairclough (2001a, p. 256-257), o discurso educacional fundamentado no mercado criou seu próprio vocabulário baseado em uma reconceituação de “habilidades”, “competência” e na forma como esses conceitos reúnem educação, carreira e preparação para o local de trabalho. Identificou o que designou de “transferência metafórica do vocabulário das mercadorias e dos mercados para a ordem educacional do discurso”. A constatação de que as instituições têm adotado políticas, práticas e discursos compatíveis com a concepção mercadológica e baseada na ideologia gerencial (CHANLAT, 2000) é uma realidade debatida nos mais diversificados estudos e perspectivas metodológicas e epistemológicas; assim como nos específicos aos temas da educação superior (ZABEL, 2018; ÉSTHER, 2017, 2016; TEODORO, 2015; CHAUÍ, 2014; ALCADIPANI, 2011; SERAFIM, 2011; FAIRCLOUGH, 2001a).

Nesse sentido, a comodificação da educação é estudada a partir de diversas abordagens e perspectivas teóricas. Beck e Cunha (2017) analisam, a partir da teoria marxista, as diversas faces que a comodificação contemporânea apresenta e constatam

que bens culturais, recursos naturais, lugares, artes, educação, corpos, espiritualidade e até as emoções, tornam-se produtos de pastiche (de imitação e de prateleira), ‘comprados e vendidos’ no intuito de atender aos interesses do sistema capitalista” (BECK E CUNHA, 2017, p. 144).

Em relação a comodificação da educação, destacam a prática do “Feirão da Educação” como uma “comodificação do conhecimento” e afirmam que “na educação é notório o aumento do envolvimento com novas práticas discursivas e persuasivas ligadas a estratégias de marketing” (BECK; CUNHA, 2017, p. 141). A designação “Feirão da Educação” foi cunhada por Brandão (2003) em seu estudo sobre a comodificação do discurso educacional no Brasil. A autora analisa marcas textuais presentes em anúncios publicitários e desvela o jogo de interesses, as disputas e os postulados ideológicos de instituições universitárias da rede privada no Rio de Janeiro.

O incentivo aos modelos de estudos modulares foi apontado por Ritzer (1996), sob título de McUniversity, em analogia ao termo central dos seus estudos da vida cotidiana atual, que o autor denominou de McDonaltização da sociedade (RITZER, 1983). Isso decorre da alusão que fez sobre a tendência das universidades em se transformarem em catedrais do consumo, como ocorre nos shopping centers e parques da Disneyworld, decorrente da precarização das atividades educacionais que essas novas modalidades de ensino representam. Argumenta que os estudantes podem ser vistos como consumidores de serviços educacionais e as universidades como meios ou centros de consumo educacional. Alcadipani e Bresler (2000) também usaram a metáfora e o sentido de McUniversity para estudar o ensino superior brasileiro.

Abordando a questão da comodificação do ensino superior nos Estados Unidos, através da resenha do filme “Torre de Marfim”, Braghini (2015, p. 147) explica que o documentário traça um panorama evidenciando que esse “estilo de mercantilização” faz parte de

um processo de meio século de desmantelamento das linhas de subsídio público aos estudantes do ensino superior nos Estados Unidos” e se baseia na lógica da ‘capitalização’ das principais IES no país, do ‘endividamento’ dos estudantes ‘por meio dos créditos estudantis’ e de opções educacionais ao ‘modelo empresarial de universidade’ (BRAGHINI, 2015, p. 148).

Laval (2004) argumenta que o discurso neoliberal para os indivíduos é o “aprender a aprender” com o sentido de desenvolver ''criatividade, desembaraço, flexibilidade e autonomia” para o trabalho, onde o papel da instituição de ensino é “abandonar tudo o que se pareça com uma “acumulação de saberes supérfluos”, pois “o essencial repousa na capacidade do trabalhador de continuar a aprender o que lhe será útil profissionalmente” (LAVAL, 2004, p. 49).

Filippi e Vieira (2014) trazem uma abordagem associada à comodificação de bens comuns de informação no ambiente virtual. Analisam a cobrança pelo acesso às informações comuns produzidas na era digital, disseminadas e compartilhadas via computação em nuvem. Argumentam que cobrar pelo acesso dos conteúdos de informação digital impõe limitações à acessibilidade ampla e irrestrita. Refletindo sobre as principais críticas relacionadas à educação a distância (EaD) na literatura corrente, Silva et al. (2017) analisam temáticas recorrentes, que incluem o debate sobre a utilização das tecnologias digitais na educação, a problemática da interação mediada por aparatos tecnológicos, o processo de mercantilização da educação, e sobre a promoção acrítica do potencial da EaD em promover a autonomia, emancipação e democratização em âmbito educacional.

Seguindo nessa trilha, a seguir serão exploradas duas construções discursivas que representam ordens de discurso atuais da educação superior.

A universidade como “indústria do conhecimento”

A educação superior é reconhecida cada vez mais nos discursos de governos nacionais, organismos supranacionais (OMC, OCDE, FMI, MERCOSUL) e setor empresarial como fator determinante de armazenamento, transmissão, produção ou aplicação de conhecimento para o desenvolvimento sustentável e econômico; para geração de inovação; e para a competitividade das nações contemporâneas (COWEN, 2008). Essa dinâmica do mercado globalizado produz uma tendência crescente à naturalização dos processos de cooperação universidade-empresa (U E) como valor econômico de prestação de serviços.

Difunde-se, assim, o ideário do arranjo institucional-organizacional que envolve diversas vertentes teóricas e práticas sociais de parcerias (PARANHOS et al., 2018; RYAN et al., 2015; RYAN, 2013, 2009; SALOMON, 2007). De acordo com Paranhos et al. (2018, p. 9), “novas teorias, abordagens e propostas de interação entre empresas e universidades foram desenvolvidas nas últimas décadas com o objetivo de acelerar o desenvolvimento cada vez mais baseado em conhecimento”. Os autores indicam que a relação U-E tem início a partir do século XX, quando a universidade adquire basicamente três papéis, que resumem os serviços que representam a ordem de discurso comodificado da educação superior, transformando sua ordem social de instituição do conhecimento como bem público em um bem de particulares. Os autores explicam ainda que universidades e empresas apresentam diferentes papéis e formas de interação para cada uma dessas abordagens.

Nesse sentido, Paranhos et al. (2018, p. 10) argumentam que esses papéis são associados às práticas discursivas do mercado como serviços que podem ser prestados (comercializados) isoladamente pelas universidades. O primeiro papel identificado à universidade moderna é ser “ator do desenvolvimento econômico e criador de empresas - abordagem do modelo da hélice tríplice” (um modelo de inovação centrado nas relações universidade-indústria-governo). A esse papel atribui-se a ideia de comodificação do conhecimento em pesquisas. Um segundo papel é ser a “formadora de recursos humanos e parceira das empresas para gerar inovação - abordagem de sistemas de inovação”. Um serviço associado à lógica da comodificação do conhecimento técnico especializado. E, por último, o seu papel de “ator no desenvolvimento social, alinhado às necessidades dos países periféricos - a abordagem latino-americana”. Um papel que produz um serviço atribuído à ideia de comodificação do conhecimento técnico periférico, onde prevalece a venda de cursos pela quantidade e não qualidade; e, em muitos países, a questão da acreditação também é um forte impulsionador de questionamentos.

Historicamente, essa relação de parceria U-E ocorre fundamentalmente pelo setor produtivo, de diversas formas, destacando-se: as incubadoras de empresas, os convênios e as redes em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Dando ênfase às parcerias ligadas ao desenvolvimento das pesquisas em CT&I, Baldini e Borgonhoni (2007) explicam que essa relação passa a fazer parte da esfera acadêmica no início do século XIX, pela chamada “Primeira Revolução Acadêmica”, quando a atividade de pesquisa adquire importância, sendo posta ao lado da docência. Isso ocorreu inicialmente na Universidade de Berlim/Alemanha.

Atualmente, explicam que as universidades passam pela “Segunda Revolução Acadêmica”, quando experimentam a introdução de uma terceira função fundamental na relação com o setor produtivo, assumida quando as universidades estabelecem sua relação através do tripé “ensino, pesquisa e extensão”. Defendem também como novo fenômeno a “participação ativa dos cientistas industriais nas instituições acadêmicas e centros ou institutos de pesquisa, e inversamente, os cientistas acadêmicos participarem no trabalho das empresas privadas” (BALDINI; BORGONHONI, 2007, p. 30).

Salomon e Silva (2007), por sua vez, destacaram no seu estudo que a relação entre U-E, a partir dos anos 90, apresenta como principais resultados

a geração de conhecimento e inovação, geração de propriedade intelectual, por meio de patentes e publicações, maior entendimento, por parte das universidades, das necessidades das empresas e a criação de uma cultura de aprendizagem organizacional dentro dessas empresas (SALOMON; SILVA, 2007, p. 12).

Explicam que as empresas, cada vez mais, percebem a contribuição que as universidades podem oferecer a partir da transferência de seu conhecimento e dos resultados que elas alcançam, como maior qualificação de seus profissionais e facilidade para criar inovações, com impactos em seu desenvolvimento, apesar da existência de conflitos advindos desse relacionamento à longo prazo.

Como afirma Fairclough (2010, p. 232), um exemplo a destacar das mudanças impostas pelas restruturações do novo capitalismo baseado no conhecimento, “é a maneira pela qual o discurso do gerenciamento tem colonizado instituições públicas e organizações como as universidades”. Para ele, embora seja preciso marcar estes processos como colonização, no sentido de apropriação dialética, é preciso também analisá-los não apenas como a entrada de um discurso em novos domínios (campos sociais), mas nos diferentes modos como ele é recebido, apropriado e recontextualizado em cada um deles e, ainda, os resultados desses processos.

Cabe ressaltar, em primeiro lugar, que os estudos explorados aqui refletem uma pequena representação das práticas discursivas resultantes do processo de comodificação do conhecimento das universidades. Em segundo, que entendemos que os processos de parcerias que surgem da relação U-E, no contexto das sociedades contemporâneas e da concepção de comodificação generalizada da vida social, foram ampliados para uma configuração de parcerias universidade-empresa

governo (U-E-G) (PARANHOS et al., 2018). E, por último, que esses contextos ampliaram práticas discursivas e sociais para formação de novas configurações de parcerias designadas pelas relações entre a educação acadêmica e a educação corporativa. Essa última representada nas organizações pela denominação de “Universidades” Corporativas (UCs). Buscaremos explorar na seção seguinte um pouco mais sobre essas parcerias.

Parceria IES-UC-G: uma das faces da comodificação da educação superior?

Como vimos delineando nas seções anteriores, no atual contexto de mundo no qual o conhecimento e sua inovação contínua são identificados como eixos centrais da economia e das relações sociais; organizações e governos buscam vincular a transferência, a troca e a criação de conhecimento à estratégia corporativa, visando manter vantagem competitiva nos mercados.

Consequentemente, buscar novos caminhos para manter o processo de inovação do conhecimento passa a ser estratégico. Em razão disso, segundo Rademakers (2005), a concepção de universidade corporativa torna-se um importante mecanismo para coordenar e alavancar processos de inovação orientados pelo conhecimento dentro e entre organizações. Isso impulsiona cada vez mais parcerias entre as instituições de ensino superior, as empresas e os governos (IES-UC-G).

No estudo realizado por Bedar (1999 apud Ryan, 2013), mais de 50% das corporações em todo o mundo, que já tinham a concepção de UCs, planejavam usar parcerias existentes ou futuras com universidades credenciadas para conceder cursos. O autor conclui que cerca de dois terços dos pesquisados já possuíam alguma forma de aliança com uma universidade. Além disso, que os principais fluxos dessa denominada “educação” corporativa estavam nas áreas de negócios de administração, engenharia, ciência da computação e finanças/contabilidade.

Ryan (2013) apresenta também que o Relatório de Benchmarking do Xchange da UC de 2004 corroborou as descobertas do estudo de Bedar sobre o crescimento das parcerias U-E em educação. O relatório apontou que 51% dos entrevistados da pesquisa colocaram média ou alta importância na formação de alianças com faculdades e universidades. Além disso, que 46% das corporações investigadas tinham parcerias com universidades para oferecer cursos in loco nas organizações e que 45% fazem parcerias com universidades visando oferecer cursos personalizados ou programas de graduação.

Em outro estudo, Ryan (2009, p. 1313) afirma que “há uma discussão crescente na literatura sobre parcerias educacionais sendo formada entre universidades e corporações para oferecer programas de educação corporativa personalizados”. Conclui que os fenômenos emergentes de parcerias de educação corporativa e universidade são a principal razão para o estabelecimento de parcerias visando o fornecimento de programas reconhecidos de prêmios universitários para complementar os programas de formação interna de organizações. Além disso, ao alinhar-se a uma universidade, as organizações buscam agregar força e credibilidade aos seus programas internos de EC.

Corroborando esses discursos, no estudo realizado por Crocco e Hemmapattawe (2017) sobre essas parcerias na Tailândia, os autores expressam que as parcerias corporativas na educação se adaptam rapidamente às necessidades da indústria e são cada vez mais populares e complementares ao ensino superior tradicional. Concluem encontrar evidências iniciais de que as estratégias educacionais corporativas tratam de diversas questões de desenvolvimento dos trabalhadores e têm o potencial de revolucionar e complementar o ensino superior naquela região, de modo que levam a nação a um futuro mais sustentável.

O termo EC ou UC foi popularizado (no mundo dos negócios e no acadêmico) por Jeanne Meister (MEISTER, 1999). A autora é a mais referenciada nos estudos internacionais e nacionais do tema (TOLEDO; DOMINGUES, 2017). Inicialmente difundido em meados da década de 1980, consolida-se a partir do ano 2000, quando grandes corporações americanas centralizaram suas instalações de treinamento e as definiram como “escolas”, “centros”, “faculdades” e “universidades”.

De acordo com Meister (1999), a partir da segunda metade do século XX as empresas norte-americanas priorizaram os processos de aprendizagem organizacional, visando melhorar as rotinas de trabalho e o foco estratégico. Apresentaram programas mais consistentes de EC, principalmente as empresas de base tecnológica, com grandes investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e necessidades constantes de treinamento e de inovação. Disseminaram o conceito e seus princípios, resultando na expansão de UCs no mercado mundial, tanto em organizações do setor privado quanto público.

A partir desse novo modelo concebido como educacional, entendemos que práticas discursivas e sociais são disseminadas e implantadas nas sociedades, inclusive com incentivos de governos através de políticas públicas. Parafraseando Contu e Willmott (2003, p. 283), tal como afirmam em relação à questão da aprendizagem, entendemos que a UC tem sido uma espécie de “Cinderela” das teorias e práticas da gestão de negócios, principalmente da área de Gestão de Pessoas ou Recursos Humanos.

Meister (1999) explica que o uso do termo UC foi justificado pelas organizações como uma metáfora, com o propósito de criar uma “imagem” da grande finalidade da iniciativa da educação corporativa como promotora do sucesso no trabalho e na carreira futura, gerando uma marca para os seus programas educacionais, além de servir como apelo mercadológico. Dessa forma, afirma que a UC apresenta como objetivo reunir todos os aspectos do treinamento e desenvolvimento (T&D) dos recursos humanos de uma organização, a partir da ideia de educação continuada para os trabalhadores e demais parceiros (stakeholders), por meio de cursos ou programas especiais que atendam às necessidades específicas (estratégicas) da organização. Muitos desses, por sua vez, realizados através de parcerias com IES, principalmente na área de pós-graduação em negócios, através de convênios e contratos mediados por valores financeiros e/ou trocas de serviços ou totalmente gratuitos (MEISTER, 1999; EBOLI, 2012).

Para Grisci e Dengo (2005), a designação UC tem associação direta com os programas de T&D das organizações. No entanto, o uso desse neologismo busca transmitir a ideia de que a organização emprega práticas inovadoras de T&D, visando assim a promoção mercadológica para geração de ganhos de imagem e de reconhecimento pelo mercado.

De acordo com Abel e Li (2012), seguindo as trilhas de importantes organizações americanas que criaram UCs, como a General Motors (1940) e a General Electric (1950), o número tem crescido continuamente nos Estados Unidos, que registrou uma média de 4.000 UCs em 2010, representando o dobro do número desde a década de 1990. No Brasil, segundo Eboli (2012), autora mais referenciada nos estudos nacionais do tema (TOLEDO; DOMINGUES, 2017), a UC surgiu com a implantação da Academia ACCOR em 1992, como um sistema de apoio à área de gestão de pessoas por competência, sendo seguida por outras grandes organizações, como Petrobras, Brahma, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Bradesco, dentre outras. Apesar da falta de um banco de dados unificado no Brasil, estima-se que hoje existam cerca de 600 organizações brasileiras com uma estrutura de UC efetivamente implantada (EBOLI, 2012).

Desde que surgiu, argumentos e perfis da concepção e termo da UC cruzaram o discurso da “educação” corporativa com a educação acadêmica e, já por volta da década de 1990, defensores dos direitos mercadológicos nas literaturas de negócios e educação começaram a argumentar a possibilidade desses centros de treinamento representarem um modelo alternativo, com fins lucrativos e baseado no mercado (RYAN et al., 2015; RYAN, 2013, 2009; WASHBURN, 2011; SZEKERES, 2006; WALTON, 2005; RADEMAKERS, 2005; EBOLI, 2012; MEISTER, 1999). A própria Meister (1999, p. 268), no seu livro que popularizou o termo, fez crítica ao ensino superior e argumentou que as UCs representam “uma ameaça significativa” às universidades acadêmicas, que tiveram "um monopólio" no ensino superior "desde a idade média".

Para outros autores, essa situação de concorrência é uma realidade nos Estados Unidos e em alguns países da Europa e Ásia (CROCCO; HEMMAPATTAWE, 2017; RYAN et al., 2015; RYAN, 2013, 2009; ABEL; LI, 2012), e que não se configura na realidade do Brasil, na qual caberia mais a situação de parceria entre essas instituições (AIRES et al., 2016; CHAMPAGNE, 2011; EBOLI, 2012). Muitos estudos surgiram com esse sentido, relatando como exemplo: modelos de programas administrados por empresas que competem com os tradicionais programas acadêmicos de MBA, especializações, negócios de graduação e cursos técnicos; modelos de centros corporativos dotados de instalações físicas mais novas e com equipamentos tecnológicos mais modernos do que a maioria das IES (AIRES et al., 2016; RYAN et al., 2015; RYAN, 2013, 2009; WASHBURN, 2011).

No entanto, surgem também estudos críticos que focalizam as UCs e sua eficácia, ou mesmo a disseminação dos seus princípios nas IES (ÉSTHER, 2017, 2016; CRUZ, 2010; FARIA, 2007; QUARTIERO; BIANCHETTI, 2005), corroborando o que Fairclough (2001a) explica sobre as oposições que podem surgir diante de ordens de discurso dominantes.

Estudos que realizaram pesquisas sobre o tema UC ou EC, visando identificar a dimensão “parcerias com universidades acadêmicas”, abordam que essa relação passa por uma fase de impulsão a partir de meados da primeira década do século XXI, quando tem início uma nova fase, com as instituições acadêmicas recebendo investimento privado para suas pesquisas e contribuindo na criação de programas educacionais mais robustos e com embasamento pedagógico destinado às UCs. Alguns apontam o relacionamento como um fator prioritário para o sucesso das UCs e fortalecimento das IES, sejam nacionais ou internacionais (RYAN et al., 2015; RYAN, 2013, 2009; ABEL; LI, 2012; WASHBURN, 2011; DEALTRY, 2008; EBOLI, 2012; MEISTER, 1999). Em nossa análise, a maior parte dos estudos apresentam posicionamentos ideológicos naturalizados pelas práticas discursivas da ordem social do novo capitalismo (FAIRCLOUGH, 2003).

Considerações finais

O processo através do qual um discurso específico (ou um quadro integrado de discursos) é gerador de estabilização de uma mudança social maior já vem sendo testemunhado desde o início do século XX nas organizações acadêmicas. No entanto, consolida-se e abrange economias emergentes baseadas no mercado, cada vez mais, como vemos ocorrer no Brasil.

Entendemos que essas macrocondições foram criadas por meio de uma linguagem específica, que introduziu e estabilizou a nova economia baseada no mercado, mostrando que a mudança pode ser construída com a estabilidade discursiva, por meio da geração de ordens de discurso dominantes. Sendo assim, o discurso moderno sobre a educação corporativa, disseminado pelo uso da metaforização de universidades corporativas, pode ser tomado como parte de uma tentativa explícita de mudar perspectivas institucionais acadêmicas, corporativas e, de forma mais abrangente, sobre treinamento, educação e o papel das práticas baseadas nos contextos mercadológicos. Embora um ensaio teórico, baseado no mercado educacional e processos de parcerias entre os atores sociais (IES, empresas e governos) que permeiam essas relações, inicialmente possa parecer ter pouco em comum com um estudo da comodificação discursiva, concluímos que os princípios que fundamentam a “educação” corporativa são lastreados em ideologias gerencialistas e mercantilistas, baseadas em práticas de parcerias entre IES-E-G.

Fairclough (2001a, 2010) afirma que tudo isso traz consequências para o habitus dos diversos campos sociais, como explica nos seus estudos em relação às mudanças de tendências discursivas no campo da educação, assim como da educação vocacional e das instituições de ensino superior, tanto em espaços locais/regionais quanto globais.

É necessário esclarecer, para que nossa abordagem não deixe uma aparência purista ou ingênua, que reconhecemos que o conhecimento não se produz apenas nas situações de educação formal, como a acadêmica, mas no conjunto das relações sociais. Nesse sentido, isso inclui tanto os processos educativos amplos, gerados de forma assistemática e não intencional, e que estão presentes em todas as experiências de vida social e profissional; quanto os processos educacionais específicos, sistematicamente desenvolvidos de forma intencional, que incluem a formação escolar geral e profissional, a acadêmica e os cursos de capacitação ofertados por instituições de ensino específicas e organizações, como se configura a EC. Como explicam Quartiero e Bianchetti (2005, p. 10) “passa-se para uma situação onde o lócus espaço-temporal de ensino e de aprendizagem e o da produção de bens materiais e bens intangíveis já não conhecem mais as rígidas delimitações que caracterizavam a relação entre essas instituições”.

Entretanto, nesse contexto de sistema de “educação” intencionalmente estabelecido, as organizações investem recursos financeiros em sistemas educacionais de capacitação profissional como estratégia de eficiência de resultados e manutenção de vantagem competitiva, mas também demandam das instituições escolares e acadêmicas um sistema educacional de formação utilitarista que lhes atendam em seus objetivos econômicos (LAVAL, 2004).

Forma-se, desse modo, uma indústria de produção e difusão de práticas discursivas e sociais da EC, além-fronteiras das organizações. Esta lógica faz da EC também um negócio com a comercialização de cursos e outros produtos de gestão e de políticas públicas relacionados a questões de inovação educacional (AIRES et al, 2016; RYAN, 2009, 2013). Como analisam Quartiero e Cerny (2005, p. 34), “surge um grande mercado para as universidades corporativas, consórcios educacionais, universidades virtuais e empresas de treinamento especializado. A educação do aluno adulto torna-se um grande e diversificado negócio”. E envolve articulações entre organizações privadas e públicas, empresas de educação empresarial (por exemplo, de consultorias), associações especializadas, associações de classe, sindicatos de trabalhadores, IES e governos (BARCELLOS; DELLAGNELO; SALIÉS, 2011; DEALTRY, 2008; EBOLI, 2012, 2018; MEISTER, 1999; SANTOS JUNIOR, 2015).

Sendo assim, em tempos de slogans de simetrias cada vez maior entre os mundos corporativos e educacionais, carregamos as inquietudes, cada vez mais sentidas, quanto aos caminhos ideológicos, políticos e sociais dos discursos da EC nos domínios do campo da educação superior.

Por essa razão, como um modo de declarada inquietação sobre as ressignificações e recontextualizações discursivas estabilizadas acerca da EC em todos os campos sociais - como estabelecemos com a educação superior -, a proposta de abordar esse fenômeno como um problema sociodiscursivo das práticas do campo acadêmico traz o sentido forte da aposta em uma pesquisa crítica; que seja capaz de desvendar formas de disseminação dessas práticas discursivas na sociedade e processos de naturalização e incorporação de tais práticas.

Razão pela qual é preciso dar continuidade a esses estudos. Logo, como sugestão de pesquisas futuras - dentro da temática do discurso da EC - acreditamos ser de grande importância e atualidade a análise das práticas discursivas da EC a partir do desdobramento de práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2001a, 2010), que aqui iniciamos, em outros campos sociais, como o organizacional, ou de classes profissionais. Ou mesmo a partir da perspectiva de atores sociais, como os trabalhadores envolvidos nessas práticas, seus representantes ou representantes da EC nas organizações. Análises a partir de perspectivas de atores sociais envolvidos diretamente com a EC seriam de particular relevância, uma vez que esses vínculos fazem parte desse discurso e são criados e recriados em suas práticas sociais cotidianas. Também seriam interessantes análises sobre a EC no campo da literatura e publicidade pop management das revistas de negócios. Na mesma lógica, sugerimos a continuidade das investigações, a partir das particularidades destacadas, como, por exemplo, das interdiscursividades nas relações entre EC e EA, baseadas na perspectiva macrossociológica das tendências de mudanças discursivas dos discursos das parcerias U-E.

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Recebido: 09 de Abril de 2020; Aceito: 30 de Outubro de 2020; Publicado: 30 de Setembro de 2021

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