INTRODUÇÃO1
O objetivo mais amplo da pesquisa é auxiliar nos estudos sobre mudanças de hábitos e estilo de vida de diversos seguimentos da população da cidade de São Paulo durante o período de confinamento social, que se iniciou em 09 de março de 2020 com o fechamento das escolas e continua até o presente momento em que escrevemos este texto, final de julho de 2020.
Nesse cenário, o objetivo deste estudo, consiste em delimitar conteúdos de ordem coletiva, ou seja, que representem a opinião e posicionamento político-social de grupos de sujeitos, sem eliminar as diferentes opiniões que podem surgir dentro de um mesmo campo.
Analisamos 15 sujeitos de algumas modalidades aquáticas olímpicas demonstrando que há convergência de um discurso compartilhado pelos sujeitos. Nossa premissa é que a construção de diferentes falas sintetiza e simboliza o momento presente, este estudo busca compreender este contexto de turbulências sociais, que envolvem trocas simbólicas e disputas por poder e reconhecimento social.
Como falado anteriormente, este artigo trabalhará com um grupo específico populacional que são 15 sujeitos (atletas e treinadores) profissionais de modalidades aquáticas olímpicas e paraolímpicas que treinavam na cidade de São Paulo durante o período de Isolamento Social devido a pandemia do SARS COVID-192,3.
Tal investigação justifica-se pela contextualização da perspectiva de protagonistas do movimento olímpico e paraolímpico, buscando responder como estes sujeitos estão enfrentando esta situação de grande instabilidade social, como também, seus posicionamentos político-social sobre: o adiamento de todas as competições esportivas, sendo a mais importante delas os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Tóquio 2020 (J-Tóquio). Essas informações podem contribuir, entre outras possibilidades, para reflexões sobre como outros atletas profissionais veem este momento histórico, quais são suas preocupações no Isolamento Social e seus sentimentos.
O que nos motivou a escrever este artigo foi a falsa ideia disseminada pelo governo federal de que atletas não teriam riscos e não precisariam se preocupar com o COVID-19, seu histórico os daria uma imunidade ontogênica e que os idosos e pessoas com doenças crônicas não degenerativas (DCNT) que deveriam manter um Isolamento Social denominado vertical.
A fala do presidente da República pode nos auxiliar nesta visão dicotômica (separando os aptos e inaptos, ou fortes e fracos, ou escolhidos e escória, ou limpos e sujos, ou eugênicos e não-eugênicos) no seguinte discurso na TV e Rádio no dia 24 de março de 2020:
"Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria acometido, quando muito, de uma gripezinha ou resfriadinho".
Esta fala longe de ser uma fala descontextualizada, ou um momento infeliz de um discurso, ela é um posicionamento político que nos lembra o Biopoder4 de Foucault ou Necropolítica de Achille Mbembe5 que carrega em si, grupos de apoiadores e influenciadores, bem como, uma posição de uma elite econômica que não se preocupa com a saúde da população.
A fala reflete um narcisismo atroz, colocando no indivíduo a culpa de uma condição socialmente construída das pessoas idosas ou com DCNT. A culpabilização da vítima é um discurso eugênico que não discute ou descontrói os determinantes sociais para determinada doença ou condição social.
Em uma sociedade individualizada e pouco gregária como a nossa, os sujeitos são hiper-dimensionados frente ao coletivo, e a sociedade encara uma condição corporal ou doença como um fracasso do sujeito e não um fracasso da sociedade de consumo. As pessoas idosas, por exemplo, são colocadas em uma condição de não-produtivos, logo, descartáveis.
Esta visão de mundo, que é um posicionamento político de uma sociedade que não pensa coletivamente pressupõem um estilo de vida do sujeito individual como prioridade, desmerecendo, ou colocando em segundo plano as condições de vida daquele indivíduo na sua esfera de ação, o sujeito é colocado no centro do debate sem contextualizar os fatores sociais, políticos e econômicos que o levaram àquela condição (MALTA et al., 2012; ASSUNÇÃO, FRANÇA, 2020).
Na questão do envelhecimento, diferentes estudos apontam para um aumento do preconceito da pessoa idosa. Os discursos mais agressivos, como aponta estudo de Tavares (2020), falam da produtividade e descartabilidade das pessoas idosas na sociedade de consumo.
Portanto, tendo em vista os pressupostos colocados na introdução, o objetivo deste trabalho foi investigar o ponto de vista dos 15 sujeitos (atletas e treinadores) olímpicos e paraolímpicos que treinavam em São Paulo sobre diversos fatores do isolamento social, alguns relacionados a aspectos do treinamento, outros ligados a aspectos dos J-Tóquio e por último, aspectos psicossociais mais amplos, de modo a propor reflexões sobre suas expectativas e percepções.
DECISÕES METODOLÓGICAS
Esta foi uma pesquisa qualitativa, com coleta de dados baseada em entrevistas virtuais e semiestruturadas com 15 sujeitos (atletas e treinadores) olímpicos e paraolímpicos de modalidades aquáticas que treinavam na cidade de São Paulo. Foram realizadas por smartphone utilizando a gravação das falas no próprio aparelho.
Foram considerados atletas indivíduos que treinam e competem, de forma sistemática e oficial, uma das modalidades aquáticas do programa dos Jogos Olímpicos ou Paraolímpico organizados pelo Comitê Olímpico ou Paraolímpico Internacional. Os treinadores são profissionais que treinam atletas da seleção brasileira de uma das modalidades aquáticas do programa olímpico e paraolímpico. Os sujeitos foram escolhidos por seu nível técnico e sua importância no esporte de alto-rendimento brasileiro, são considerados segundo leitura de Bourdieu (1989) representantes singulares do campo esportivo, pessoas que significam o habitus do ser atleta, ou treinador do campo esportivo, construindo estruturas estruturantes para balizar o Ser Esportivo.
Para atingirmos o número de quinze entrevistados seguiu-se o critério de saturação desenvolvido por Marques (et al., 2013; 2015) em pesquisa com atletas. Este recurso, em poucas palavras, representa os elementos mais importantes do campo simbólico e que novas entrevistas, dificilmente trariam novos elementos para contribuir para o aprofundamento das relações no campo.
A ideia deste trabalho surgiu por fatos concretos e por discursos nas mídias sociais:
Fatos concretos: (i) adiamento dos J-Tóquio em 24 de março de 2020; (ii) pandemia COVID-19.
Discursos das mídias sociais: (i) atleta igual a saudável versus DCNT não saudável, portanto, o primeiro não deve temer o vírus e o segundo deve ficar em isolamento social (em 02 de abril foi levantado uma lista de 60 nomes de atletas infectados, sendo seis atletas brasileiros - Marcos Guedes, Editorial folha, 04 de abril de 2020); (ii) idosos por serem mais vulneráveis devem ser o grupo específico a ficar em isolamento vertical e não, como estamos neste momento no Estado de São Paulo (25 de abril de 2020) em um isolamento horizontal, claramente um ageísmo6 (MINICHIELLO et al., 2000; LEVY, BANAJI, 2002; PALMORE, 2004).
Foram entrevistadas 15 pessoas, sendo 2 técnicos de natação, 1 técnico de natação paraolímpico, 1 técnico de polo aquático, 8 atletas de natação, sendo, cinco homens e três mulheres do olímpico e uma nadadora paraolímpica, dois jogadores olímpicos de polo aquático.
Construímos um Discurso do Sujeito Coletivo, conforme pesquisa de Lefevre e Levefre (2014). Neste método busca-se resgatar as representações sociais. Preservamos as dimensões individual e coletiva de forma articulada. Este estudo, portanto, reflete uma prática discursiva, comportamentos dos agentes sociais, neste caso, atletas e treinadores.
Este método enquanto esquemas cognitivos socialmente compartilhados, estão sempre presentes nas falas individuais. As representações sociais reconstituídas pelo Discurso do Sujeito Coletivo permitem que o sujeito comum se identifique com elas, viabilizando sua utilização em práticas de intervenção social.
A análise das entrevistas se deu pela utilização do método de análise das falas a partir dos problemas sociais colocados nos itens (a) e (b). Buscou-se construir convergências e divergências dos discursos dos atletas e treinadores, no intuito de demonstrar como este grupo social específico se apropriou e refletiu frente aos acontecimentos deste período.
Esta proposta de pesquisa tangencia os estudos que desenvolvemos com o aparato metodológico habermasiano, mas para fins deste artigo, concentraremos no modelo apresentado por Lefevre e Lefevre (2014).
Foram realizadas três perguntas sobre a temática e, posteriormente um questionário com dados adicionais:
Qual o impacto que o adiamento os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2020 para 2021 teve na sua rotina de treinamentos e preparação e como você está lidando com o período de “Isolamento Social”? Está tendo acesso a piscina para treinar ou está fazendo atividades fora da água?
Qual sua opinião sobre o adiamento dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos para 2021? Quando deveria ocorrer o evento?
Devido a mudança dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos você teve alguma mudança/impacto com patrocinadores ou no recebimento de bolsas? Está buscando tentar fechar novas parcerias até os Jogos de 2021?
Dados adicionais: Nome; Data de Nascimento; Escolaridade; Objetivo para continuar na carreira; aceita revelar o nome; Prova que participa; Pódio mais importante.
RESULTADOS DA PESQUISA
Dados Gerais
Construímos a tabela abaixo para demonstrar ao leitor o escopo da pesquisa, propiciar uma dimensão macro das respostas e as particularidades dos sujeitos da Pesquisa.
Atletas NM1, NM2, NM3, NM4, NM5; NF1; NF2; NF3; P1, P2. |
Atleta paraolímpica Pa1 |
Técnicos T1, T2, T3, T4 |
|
Idade | (30); (30); (29); (23); (21); (28); (33); (18); (40); (26) | (52) | (44); (35); (38); (35) |
Impacto | medo; afetar forma física; frustrante; decepção; insegurança; tristeza. | sem chão. | psicológico; emocional; sofrimento; monitoramento remoto; atividades físicas adaptadas as suas respectivas deficiências. |
Treinamento | não existe; fora da água; adaptado; fraco; | precisamos ter contato com água | adaptado fora da piscina; precário. |
Adiamento | favorável; igualdade de chances; nadar é um ato desrespeitoso; prioridade da população mundial; não é o momento em pensar nos jogos. | favorável, poderei treinar mais. | favorável; respeito a “Isolamento Social”. |
Financeiro | bolsa atleta importante para garantir renda; redução salário clube; suspensão de contratos. | todos os patrocínios garantidos. | redução de salário. |
Pódios | 2º Mundial; 1º Brasil; 1º Mundial; 2º Brasil; 3º Brasil; 2º Mundial; 1º Mundial ; 2º Brasil; 1º Pan-americano; 1º Pan-Americano. | 2º lugar jogos paraolímpicos do Rio 2016. |
- NM - Natação Masculino/ NF- Natação Feminino/ P - Jogador Polo Aquático/ Pa - Atleta paraolímpico/ T - Treinador.
- 15 entrevistas: 2 técnicos de natação; 1 técnico de natação paraolímpico; 1 técnico de polo aquático; 8 atletas de natação (5 homens e 3 mulheres do olímpico e 1 mulher paraolímpica); 2 jogadores olímpicos de polo aquático.
Análise individuais das falas dentro de cada contexto da entrevista
Todos os atletas e treinadores são favoráveis ao adiamento dos J-Tóquio, isto é, o posicionamento político é de seguir as recomendações da OMS frente a pandemia. Demonstra que atletas e treinadores são contra as ações do governo federal de minimizar a crise mundial e os efeitos nefastos do vírus (neste instante que escrevemos, o Brasil chegou a marca de 88.017 mortos, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde7). Os entrevistados afirmam respeitar o Isolamento Social e temem por sua saúde e de seus familiares. Sentem falta de apoio das esferas do governo e do próprio clube. Particularmente, nossa hipótese era de existir discursos divergentes, como há na política nacional, na nossa hipótese haveria um estrato de atletas contra as restrições impostas e favoráveis a volta das competições, porém, isto não se concretizou. Portanto, toda a articulação de discursos políticos entre os profissionais do esporte e a grande mídia, ou outros sujeitos sociais acabou por não ser importante, a partir do escopo da pesquisa. Neste sentido, podemos afirmar que o discurso do presidente e seus séquitos não são compartilhados pelos sujeitos desta pesquisa.
Foi-nos sugerido que buscássemos na literatura relações sobre o atleta não poder competir em outras situações, como lesões, e a situação atual, não há correlação com os estudos analisados sendo este momento histórico sui generis.
Um ponto importante levantado pelos atletas e treinadores refere-se às condições de treinamento. A questão da piscina torna-se fundamental. Não ter acesso a piscina para treinar, acaba por complexificar este estudo. Existe uma convergência na fala dos treinadores olímpicos sobre este tema. Aprofundando a questão da preocupação do treinador com as condições de treino dos atletas em contexto “sem Isolamento Social” os dados aqui convergem com pesquisa desenvolvida por Moraes (et al., 2010) com 181 atletas e 32 treinadores demonstrando que o lugar de fala do treinador e o lugar de escuta dos atletas como encontrado aqui se traduz em outros contextos. O dado divergente é o treinador paraolímpico que coloca em primeiro plano a saúde do atleta, a literatura consultada sobre o atleta paraolímpico demonstra que a consolidação do atleta paraolímpico como profissional levou uma passagem do caráter participativo e educativo das paraolimpíadas para o de uma profissionalização, portanto, as exigências de treinamento são as mesmas que a dos atletas olímpicos (HIACHI et al., 2016; MARQUES et al., 2013). Em 2016 a BBC Brasil publicou um artigo sobre como os atletas se flagelam (machucam) para garantir os resultados (MCGRATH, 2016). Portanto, o Isolamento Social promoveu uma mudança de postura deste treinador paraolímpico.
Não treinar afeta emocionalmente os atletas, no entanto, soma-se o impacto financeiro pois grande parte dos atletas e treinadores tiveram seus rendimentos cortados pelos clubes ou patrocinadores. Abaixo a fala de T1 sobre este assunto:
“O impacto (no treinamento) é sempre grande, porque você tem tudo projetado e programado e de repente você fica sem estrutura para treinar (...) O maior impacto é no psicológico, pois muitos estavam com a expectativa enorme em competir daqui alguns meses e do nada tudo muda radicalmente”
“Houve outro impacto em alguns atletas meus que perderam receita e tiveram cortes de salário, mas isso é uma tendência nacional devido a situação econômica do esporte nacional e mundial”
Sobre o impacto emocional aliado ao financeiro T2 aponta as incertezas e falta de clareza nas decisões:
“Teve impacto principalmente no emocional, porque estávamos aqui no Brasil num momento importante e de preparação para a seletiva olímpica”
“No meu clube já foi feita uma redução salarial para atletas e funcionários e hoje a falta de previsão de retorno é o que mais impacta, já que o calendário do primeiro semestre foi cancelado e não sabemos quando os atletas poderão treinar novamente”
O T3 fala do impacto no treinamento e a falta da piscina como uma questão primordial:
“Creio que todos os jogadores do mundo vão sentir a falta de contato com a água já que os jogadores da seleção brasileira estão desde o dia 11 de março sem cair na água”
Diferentemente dos treinadores olímpicos, o treinador paraolímpico (T4) aponta fatores positivos no que se refere à preparação dos atletas paraolímpicos, porém, cabe lembrar que os atletas por ele treinados não tiveram corte de salário ou bolsa:
“O adiamento foi bom para a maioria dos atletas e das comissões técnicas. Estamos passando por um momento delicado onde todos os locais estão fechados. Nesse momento todos os atleta paraolímpicos olímpicos de natação estão respeitando a “Isolamento Social”, tendo monitoramento remoto de vários profissionais e fazendo atividades físicas adaptadas as suas respectivas deficiências”
Os atletas de natação, tanto masculino, quanto feminino, estão preocupados por estarem longe da piscina e pelo corte dos rendimentos. Por exemplo NM1 fala do impacto na rotina do treinamento e a importância dos atletas que possuem bolsa-atleta, pois estes estão recebendo normalmente.
Neste momento de pandemia podemos (re)pensar o Bolsa Atleta como política pública, existem críticas ao modelo como, por exemplo, Teixeira (et al., 2017). Porém, neste contexto, o bolsa atleta vem garantindo os rendimentos para os atletas olímpicos e paraolímpicos e esta questão é bastante relevante. Nós buscamos o trabalho Rodrigues (2016) que entrevistou 6.132 atletas que recebiam a bolsa (olímpico e paraolímpico), afirmando que o Programa Bolsa-Atleta cumpre o papel para o qual foi criado, “uma vez que o recurso financeiro chega, diretamente, no atleta” (Rodrigues, 2016, p.11). Neste momento histórico onde menos da metade da população em idade de trabalhar está ocupada (dados do IBGE de maio de 2020), torna-se um importante mantenedor das condições mínimas de vida para os atletas.
“O impacto na rotina de treinamento é que não está existindo treinamento. Estou desde o dia 6 de abril longe da piscina, tempo superior ao que normalmente fico quando tiro férias. Estamos em “Isolamento Social” e temos que nos manter em casa. Mas passando de seis a oito semanas sem treinar ficarei apreensivo porque vai afetar minha forma física”
“Briguei ativamente pela mudança nas datas porque os Jogos no período original seriam os Jogos da injustiça”
Recebo o Bolsa Atleta e tenho patrocinadores e até o momento ainda não ocorreu nenhum corte. Não acredito no corte da bolsa (...) já com os patrocinadores da iniciativa privada dá um pouco de apreensão”
NF1 fala do impacto no treinamento e suspensão de contratos:
“É ruim porque quem estava preparada para fazer o índice, o que é o meu caso, é um pouco frustrante, pois estava treinando desde novembro, me sentindo pronta para nadar abaixo da marca”
“No meu clube tivemos uma suspensão de contratos até que a situação se normalize. Recebi o Bolsa Atleta. Também sou atleta militar e estou recebendo normalmente das Forças Armadas para meus gastos pessoais”
A redução no salário torna-se um problema grande pois NM2 teve redução salarial e aponta este problema com um aumento das tensões, enquanto NM3 está tranquilo sobre o aspecto financeiro, esperando apenas o momento de voltar a treinar. NM4 fala do impacto do treino e que está tranquilo quanto aos seus rendimentos:
“O impacto da mudança foi eminente. Estávamos treinando e quase entrando no polimento para a seletiva quando os trabalhos foram encerrados no meio da temporada”
“Não tive nenhuma redução ou cancelamento e creio que no meu caso não haverá”
NM5 está preocupado com a perda muscular e fala sobre possível cancelamento dos jogos:
“Sinto que estou perdendo força muscular, o que não é bom para minha prova que é os 50m livre”
“Senão der (os jogos) para o ano que vem deveria cancelar, porque iria ficar muito perto do próximo ciclo olímpico e se fosse no inverno prejudicaria atletas de várias modalidades”
P1 fala da questão do treinamento e sobre a Bolsa-Atleta:
“Teve um impacto muito grande porque acabamos a temporada em dezembro e continuamos treinando com a seleção brasileira. Em março fizemos partidas amistosas na Espanha visando o pré-olímpico que seria no final de março na Holanda. Tivemos que voltar as pressas da Espanha quando o vírus chegou lá. O Bolsa atleta continua nos ajudando e meu clube continua pagando normal”
Pa 1 fala do treinamento e dos patrocínios:
“Estávamos treinando muito, desde o ano passado, para a seletiva paralímpica que seria no fim de março. Ficamos sem chão. Acho que se não mudasse a data para o ano que vem esta seria a Paraolimpíada mais injusta da história porque há quem consiga treinar e outros não porque não há piscinas abertas pelo menos aqui no Brasil.”
“Graças a Deus meus patrocínios estão todos firmados até os Jogos de 2021 e até agora não tive nenhum problema. Estou tranquila enquanto a isso”
Frases que representam os coletivos dos atletas e treinadores
A ideia deste item é trazer ao leitor frases que concebem uma totalidade das representações sociais, a partir das questões e objetivos que moveram a pesquisa, o contexto geral das falas foi discutido anteriormente, por isso, as frases estão em consonância com o contexto apresentado.
(i) Sobre não poder treinar: teve impacto principalmente no emocional; o maior impacto é no psicológico; atletas estão ativos com ou sem piscina, mas muitos ainda de forma precária; não está existindo treinamento; medo de afetar minha forma física; precisamos ter contato com a água; frustrada; inseguro; treinamento remoto; faço atividades físicas adaptadas a minha deficiência; estávamos treinando e quase entrando no polimento para a seletiva quando os trabalhos foram encerrados; estávamos treinando muito; ficamos sem chão; abraçamos a ideia da “Isolamento Social” mesmo tendo acesso a piscina; tenho uma academia e poderia fechar a piscina para treinar lá, mas seria algo de extrema irresponsabilidade.
(ii) Outras frases: medo de maior redução salarial para atletas e funcionários pelos clubes; Bolsa Atleta é uma garantia; medo de suspender meu contrato; tivemos que voltar às pressas da Espanha quando o vírus chegou lá; não é momento de pensar nos Jogos; a Bolsa continua nos ajudando; o mundo passa por uma pandemia; um problema sério.
DISCUSSÃO
Sujeito Coletivo Atleta
O coletivo atleta tem cerca de 25 anos, dentro do campo esportivos são referências nas suas provas, pois todos têm títulos de impacto na carreira, portanto, estes atletas carregam nas suas ações o habitus, no sentido bourdiano do termo, do Ser atleta no Brasil. Todos recebem salários ou bolsas para treinar, isto é, são pagos para exercer sua profissão e dependem deste rendimento para saldar suas despesas. Tem como sonho ganhar uma medalha olímpica e ser referência mundial na sua prova. Estão já formados ou em formação universitária.
O grande impacto relatado pelos atletas tem relação com sua carreira, percebem a gravidade da pandemia, porém seus relatos de medo, insegurança, tristeza têm haver o quanto a pandemia pode afetar sua forma física e pode frustrar sua possibilidade de ir aos jogos, quando falam de tristeza está relacionado com o isolamento social e a impossibilidade de treinar. Quando conversamos com este sujeito coletivo sobre o treinamento na pandemia ele nos fala que é inexistente, fraco, uma adaptação fora da água sem os estímulos necessários, sentem falta da água, algo muito importante foi tirado do seu cotidiano.
Sobre o adiamento dos jogos o consenso prevalece e todos se manifestaram por meio dos seus perfis de mídias sociais como favorável, e este dado, nós pesquisadores, ficamos sabendo nas entrevistas, os atletas se posicionaram fortemente, inclusive com críticas ao Comitê Olímpico Internacional por demorarem em anunciar o adiamento, está demora gerou nos atletas uma mistura de angústia (por não estar treinando) e raiva (por falta de clareza do comitê), este atleta compreendeu a demora como desrespeito aos atletas e a população mundial, afirmando que não é o momento em pensar nos Jogos.
Questionado sobre os motivos de serem favoráveis ao adiamento este atleta coletivo que representa o campo social do Ser atleta no Brasil, descreve a desigualdade como principal fator (pessoas terem piscina versus não terem para treinar), sendo que para eles treinar na piscina do clube seria um ato desrespeitoso.
Na questão financeira temos o seguinte diagnóstico: a Bolsa Atleta é a única garantia de rendimento destes atletas, pois houve redução de salário e suspensão de contratos de patrocinadores.
Uma questão digna de nota é que a percepção, o discurso, das falas dos atletas olímpicos e paraolímpicos não destoam, portanto, mesmo com uma condição corporal diferente, o sentimento atleta é o que os une e a diferença ter ou não deficiência dentro da pesquisa fica completamente secundário, pois o que os unem é serem atletas de alto-rendimento e referência na sua prova.
Sujeito Coletivo Treinador
O coletivo treinador tem cerca de 38 anos, dentro do campo esportivos são referências nos seus clubes, pois todos treinam atletas da seleção brasileira, portanto, estes treinadores, assim como os atletas, carregam nas suas ações o habitus do treinador de alto-rendimento no Brasil. Todos são profissionais e tem como sonho deixar sua marca no seu tipo de treino para tornarem referência mundial, para isso trabalham buscando o máximo de performance do atleta para que ele conquiste uma medalha olímpica, deste modo marcar na história seu legado. Todos são formados e com especializações em diversas áreas do treinamento esportivo.
A diferença entre o sujeito coletivo atleta e treinador é a perspectiva do olhar, quando falamos do impacto do adiamento dos jogos, o atleta projeta seu eu, falando muito mais da sua subjetividade e angústias, enquanto os treinadores buscam a alteridade, isto é, colocar-se no lugar dos atletas e projetarem os seus sentimentos, por isso, quando se fala de impacto os treinadores pensam no impacto psicológico e emocional dos seus atletas, abrindo um espaço para o treinador paraolímpico, esta perspectiva de preocupação amplia consideravelmente, pois, além das questões relatadas anteriormente, o treinador preocupa-se com o cuidado com a deficiência de seus atletas, apesar do controle remoto das atividades, há um receio que alguns atendimentos básicos podem parar de ocorrer, lembrando que as entrevistas ocorreram na primeira semana de abril. Percebe-se neste sujeito coletivo treinador uma relação de cuidado fraternal transbordando daquilo que se pode pensar de uma relação profissional treinador e atleta.
Quanto aos treinos eles mantêm o contato remoto, mas os treinadores veem este treinamento como precário. Todos colocam como imprescindível o respeito da “Isolamento Social” e não projetam a volta aos treinos. Sobre a questão financeira todos foram afetados no seu rendimento, com cortes de salário dos clubes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como objetivo compreender os impactos psicossociais/econômicos/políticos dos 15 atletas e treinadores olímpicos e paraolímpicos de modalidades aquáticas durante o período de confinamento social nos meses de março e abril de 2020 devido ao COVID-19.
Buscamos com este texto contribuir de maneira embrionária às futuras reflexões sobre como os protagonistas do esporte de alto rendimento estão enfrentando a pandemia, buscando apresentar seus anseios, perspectivas e receios.
Buscamos também um posicionamento político, pois os atletas estão preocupados com o COVID-19, não estão alheios a pandemia e sofrem de diversas formas, levantamos aqui aspectos psicossociais e financeiros.
Os atletas se posicionam no seu agir social de forma diferente da fala do Presidente da República e daqueles que associam uma vida de atleta igual a imunidade ao vírus, não há nenhum indício nas falas dos sujeitos pesquisados.
Acreditamos que os pesquisadores e pesquisadoras da área sociocultural da educação física tem plena consciência que um atleta deste nível (olímpico ou paraolímpico) não se exporia ao COVID-19 para demonstrar sua força física ou qualquer outro tipo de ação que infere o Presidente Jair Bolsonaro, pois seu objetivo como atleta neste momento da carreira é ganhar uma medalha olímpica.
Qualquer alusão contrária desrespeita o Ser Atleta e ao associar a palavra atleta ao grupo imune, claramente, este sujeito presidente, coloca outros grupos sociais como culpáveis pelo isolamento físico construindo estereótipos que contribuem para o aumento da preconceito, extremismo e intolerância.
As pesquisas futuras vão apresentar a mudança de discurso do presidente, bem como, a dos próprios atletas. Afirmamos isso porquê fizemos uma segunda rodada de entrevistas com os mesmos sujeitos na semana que foram abertas as piscinas para treino. Futuramente poder-se-á analisar os mesmos sujeitos e discutir as transformações dos discursos, demonstrando a singularidade e complexidade das pesquisas em humanidades. Apresentar os limites do fazer ciência qualitativa, no entanto, a sua força de marcar o discurso no tempo, sujeitos seres do seu tempo.
As pesquisas futuras poderiam relacionar modalidades individuais e coletivas. Neste artigo não exploramos a diferença entre o polo-aquático e as provas individuais, mas poderia ser uma possibilidade.
Este tema tem grande potencial na área sociocultural da Educação Física e Esporte, em diferentes áreas. Momento histórico singular que o medo da morte invisível nos faz repensar a vida, nossos valores e perspectivas. Por outro lado, visualizamos discursos de intolerância, eugenia aos pobres e negros, às pessoas com DCNT por meio do modelo da culpabilização do indivíduo e um aumento significativo do ageísmo.
Acreditamos que este trabalho possui falhas e poderia ser mais aprofundado, mas preferimos marcar este posicionamento político e histórico, como forma de fazer uma ciência envolvida com os problemas socais mais pungentes, como o direito à vida e a dignidade humana, pois não ter leitos no SUS para atender a população é uma necropolítica.