INTRODUÇÃO
A formação e desenvolvimento profissional de treinadores esportivos são reconhecidos como processos de socialização (RODRIGUES; PAES; SOUZA NETO, 2016) que se desenvolvem ao longo da vida (TRUDEL; CULVER; RICHARD, 2016), envolvendo diferentes contextos e situações de aprendizagem (NELSON; CUSHION; POTRAC, 2006; WERTHNER; TRUDEL, 2006). Nesta perspectiva, a aprendizagem profissional de treinadores acontece em diferentes locais, inclusive o local de trabalho, cujo potencial formativo é pouco explorado na literatura (GALATTI et al., 2016).
Do ponto de vista dos treinadores, as experiências no local de trabalho abarcando a intervenção profissional e as interações sociais no ambiente esportivo são determinantes para o desenvolvimento profissional e melhoria da prática de treinamento (JONES; ARMOUR; POTRAC, 2003; RYNNE; MALLETT, 2012; TOZETTO et al., 2019). A socialização no contexto de trabalho é apontada como uma situação propícia à aprendizagem profissional, na medida em que a atuação profissional pressupõe a inserção do trabalhador no âmbito da cultura institucional, que envolve a realização de um conjunto de atividades e interações profissionais e, consequentemente, a aprendizagem de saberes laborais (BILLETT, 2004). A aprendizagem no local de trabalho é, portanto, o produto da participação e engajamento do indivíduo em tarefas profissionais reguladas por normas e práticas inerentes ao contexto social, político e econômico, o que implica um processo de negociação entre o indivíduo (agência) e a instituição (estrutura) (BILLETT, 2004; WATKINS, 1991).
Rynne, Mallett e Tinning (2010), sobre a influência do local de trabalho na aprendizagem de treinadores, ressaltam a interdependência de aspectos institucionais e individuais na configuração do ambiente formativo. No aspecto institucional são determinantes a estrutura física e material disponível (equipamentos esportivos, acesso a celular, internet), a duração do contrato de trabalho, o acesso a equipes multiprofissionais e os tipos de tarefas profissionais realizadas. Além disso, aspectos individuais como a paixão pelo esporte, o desejo de ser o melhor e o compromisso com o desenvolvimento dos atletas são motores do engajamento formativo dos treinadores no local de trabalho. Os autores concluem que a aprendizagem no local de trabalho é, ainda, pouco investigada e tem o potencial de trazer novas perspectivas sobre a aprendizagem de treinadores esportivos.
No contexto brasileiro, o entendimento de que o local de trabalho pode promover ou limitar o desenvolvimento profissional de treinadores esportivos é, também, uma reflexão recente e pouco explorada em termos de investigação científica (GALATTI et al., 2016). No basquetebol brasileiro, Moletta et al. (2019) investigaram 19 treinadores(as) no estado de Santa Catarina e identificaram fontes de aprendizagem comumente associadas ao local de trabalho, como troca de conhecimento com outros treinadores, troca de fontes de informação, além da aprendizagem com profissionais de outras áreas. Ainda, no universo do basquetebol, Rodrigues, Paes e Souza Neto (2016) identificaram que os desafios profissionais enfrentados por treinadores no cotidiano da prática profissional conformam o tipo de conhecimento valorizado pelos treinadores, demonstrando a relevância do local de trabalho como um lugar de formação.
Ao reconhecer uma lacuna de conhecimento e investigação científica sobre o local de trabalho como lugar (espaço e tempo) de formação e aprendizagem profissional de treinadores, esta pesquisa se propôs a investigar uma realidade específica e tradicional no basquetebol brasileiro, nomeadamente três instituições promotoras do treinamento do basquetebol em uma cidade no interior paulista. Registra-se que a cidade é reconhecida como a “Capital Nacional do Basquetebol”, reputação confirmada no estudo de Cunha et al. (2017), no qual a mesma foi identificada como a principal cidade formadora de atletas que chegaram ao NBB (Novo Basquete Brasil, a principal liga masculina da modalidade no país). Em suma, um contexto social com instituições esportivas consolidadas, nas quais existe um intercâmbio permanente de treinadores, gestores esportivos e atletas, o que representa um lócus privilegiado para a pesquisa sobre o local de trabalho na aprendizagem profissional de treinadores.
Diante disso, partindo do pressuposto de que a socialização no local de trabalho pode promover a aprendizagem profissional, o objetivo da pesquisa foi investigar as possíveis interferências do contexto institucional na aprendizagem de treinadores de basquetebol, com atenção especial para os dispositivos formativos do local de trabalho.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Tipo de pesquisa e o método
Este estudo foi desenvolvido a partir dos pressupostos da pesquisa qualitativa, com ênfase para a descrição e interpretação do fenômeno investigado (ANDRÉ, 1995). Do ponto de vista do método, adotamos o estudo de casos múltiplos (YIN, 2011), o qual viabiliza a comparação das particularidades de casos similares. Tal método se mostra pertinente pois “se colocam questões do tipo ‘como’ e ‘por que’, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.” (YIN, 2005, p.19).
Contexto da pesquisa e sujeitos participantes
A pesquisa foi realizada em uma cidade do interior do estado de São Paulo, com participação significativa em campeonatos estaduais, nacionais e internacionais do basquetebol masculino, inclusive com conquistas de títulos importantes, também, em âmbito nacional e internacional. O basquetebol é uma dimensão fundamental da cultura da cidade, um artefato sociocultural presente na educação das novas gerações e conteúdo histórico-cultural do lazer da população adulta. Outro ponto importante é que a cidade é uma das principais responsáveis pela formação de jovens atletas de basquetebol no país (CUNHA et al., 2017). Na referida cidade, selecionamos três instituições que promovem a modalidade por meio do treinamento sistemático e participação em competições (regionais, estaduais e nacionais), em distintas categorias. As três instituições, apesar de serem independentes, atuam de maneira colaborativa, uma vez que muitos atletas transitam entre elas.
A instituição IA é mantida pela contribuição das empresas ligadas à indústria e oferece atividades esportivas, recreativas e culturais em diferentes projetos. O projeto analisado vincula-se à formação de atletas e conta com as categorias sub 15, sub 16 e sub 17. A instituição IB é uma associação sem fins lucrativos e conta com quatro projetos esportivos com diferentes finalidades. Um desses projetos, foco de nossa análise, envolve a formação de atletas e conta com as categorias sub 12, sub 13, sub 14, sub 15 e sub 16. Por fim, a instituição IC é um clube esportivo, sustentado por meio por meio de patrocínios, tendo como finalidade a revelação e desenvolvimento de jovens atletas e disputas em de campeonatos estadual e nacional; sob a responsabilidade dessa instituição estão as categorias sub 18, sub 22 e adulto. As instituições trabalhavam de forma conjunta, delimitando metodologias e realizando reuniões coletivas entre os treinadores destas instituições. O estudo de diferentes instituições é relevante, visto que o clube - espaço tradicional na revelação de atletas na modalidade no Brasil - cada vez mais divide o protagonismo com outras instituições, como projetos sociais, escolas e prefeituras (CUNHA et al., 2017; GALATTI, 2017).
Vinculados a essas instituições, sete profissionais aceitaram participar da pesquisa, sendo cinco treinadores e dois gestores, conforme quadro 1. Não houve participação de nenhum treinador do IC, pois na época se encontravam em disputa do campeonato nacional, já o gestor do IB não respondeu aos e-mails sobre a participação na pesquisa. Os sujeitos entrevistados são todos homens, formados em Educação Física, incluindo os gestores. Todos os treinadores foram atletas da modalidade. O treinador mais experiente tem 23 anos de carreira e o menos experiente, 2 anos.
Procedimentos para a coleta de dados
Para coleta dos dados, optamos pela técnica de entrevista semiestruturada, a qual configura-se como diálogo flexível tanto para o pesquisador quanto para o entrevistado, podendo ambos expressar suas ideias, opiniões, significados e crenças (MARCONI; LAKATOS, 2011), garantinda a objetividade científica.
A fim de testar o roteiro prévio de questões, foi realizada uma entrevista piloto com um treinador de basquetebol de categorias de base de outra cidade do interior paulista. A partir disso foram efetuadas adequações no roteiro de entrevista visando atender aos objetivos da pesquisa. O roteiro foi composto por 20 questões aos treinadores e 12 questões aos gestores. Com os treinadores foram abordados os seguintes temas: a) formação inicial; b) desafios encontrados na profissão; e c) suporte da instituição. Por sua vez, com os gestores foram abordados os seguintes temas: a) organização da modalidade na instituição; b) plano para a formação dos treinadores; c) meta para cada equipe.
As entrevistas foram conduzidas pela pesquisadora principal. O contato inicial foi realizado com o gestor da IA, o qual é reconhecido como uma liderança, pela história construída no basquetebol brasileiro e pela posição ocupada no basquetebol da cidade investigada. Nesse contato inicial, os procedimentos e objetivos da pesquisa foram explicitados e os convites foram formalizados. Na sequência, as entrevistas foram agendadas de acordo com a disponibilidade dos participantes. A realização de cada entrevista se deu na sala de reuniões do ginásio das instituições, levando em consideração a disponibilidade e conveniência entre os depoentes e a pesquisadora.
Todas as entrevistas foram registradas por meio de um gravador de áudio, tendo tempo médio de 31 minutos cada. Após as gravações, as entrevistas foram transcritas por meio do software Express Scribe Transcription produzido pela NCH Suite.
Procedimentos para análise dos dados
Para a análise dos dados, optamos pela técnica da análise de conteúdo (BARDIN, 2010). Seguindo as recomendações de Bardin (2010), a análise foi desenvolvida em três fases: (i) a organização das informações por meio da transcrição das entrevistas, (ii) a exploração do material e identificação das unidades de significado e (iii) análise e agrupamento das unidades de significado e definição das categorias.
Para conferir validade aos dados, realizamos as transcrições das entrevistas na íntegra, as quais foram enviadas por e-mail aos depoentes para que confirmassem e validassem as declarações (NEGRINE, 2004). Com as transcrições em mãos, cada entrevista foi analisada de maneira indutiva, o que permitiu identificar as unidades de significado. O conjunto das unidades encontradas nas entrevistas foram colocadas em perspectiva, o que possibilitou chegar a três categorias de análise, conforme descrito e discutido nos resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O objetivo da pesquisa foi investigar as possíveis interferências do contexto institucional na aprendizagem de treinadores de basquetebol, com atenção especial para os dispositivos formativos do local de trabalho. A análise dos dados permitiu identificar três dispositivos formativos intrínsecamente vinculados à socialização no contexto de trabalho, quais sejam: o planejamento conjunto entre as instituições, o convívio diário entre os treinadores e o desenvolvimento de clínicas no local de trabalho. Cada um deles foi apresentado e discutido separadamente.
Planejamento conjunto entre as instituições
O primeiro aspecto evidenciado é que as instituições realizam reuniões conjuntas de planejamento com periodicidade quinzenal. Esses encontros eram propostos em comum acordo entre os treinadores, gestores e coordenadores das instituições. Havia participação predominante das comissões técnicas do IA e do IB, com abertura para o clube IC, bem como outras instituições esportivas da cidade.
A gente tá fazendo um trabalho conjunto com a C2 a gente tá fazendo muitas reuniões pra estipular esse processo de aprendizagem, eles também acreditam nisso, então (...) a gente tá fazendo aquele trabalho a longo prazo (...) perguntam muito também o que que eles, o que a gente quer que os atletas cheguem realizando aqui então a gente reúne bastante temos bastante liberdade. Então a gente consegue reunir, trocar bastante ideia (T1).
Essas reuniões (...) é colocado como que tá indo o andamento, o planejamento que já é feito, nós temos que passar a programação. Nós vamos todos no mesmo caminho, do (sub) 12 até tanto é que se eu for pegar um time (sub) 14 as mesmas coisas que ele tá vendo só que com evoluções diferentes (...) mas a base o esqueleto eu sei né (T2).
Sim, é tem reunião de 15 em 15 dias com os técnicos e a diretoria (...) a gente fez uma reunião falando o que a gente iria fazer na nossa transição de contra-ataque o que a gente ia fazer contra zona (...) ataque livre, fazia 4 abertos, 5 abertos. Reunião dos técnicos pra conversar o que precisa melhorar o que precisa marcar pra gente ter uma filosofia praticamente até certa idade (...) somos privilegiados porque tem muitas equipes, muitos treinadores e a gente sempre faz reuniões entre os técnicos de (...) sempre tem um líder, a gente troca muita informações entre os técnicos (T3).
As declarações dos treinadores permitem constatar que o planejamento conjunto é um espaço propício à troca de informações e conhecimentos sobre os atletas e sobre o processo de formação esportiva. Mas é, sobretudo, uma oportunidade de reflexão e construção de um projeto conjunto de formação esportiva em longo prazo, na medida em que os treinadores compartilham informações sobre princípios pedagógicos e conteúdos de treino que devem perpassar o treinamento dos atletas de diferentes categorias, tendo um sentido de progressão e desenvolvimento.
Os resultados revelaram o esforço conjunto das três instituições parceiras, as quais se preocupam em construir espaços compartilhados de planejamento, ou seja, uma ação organizada que busca atingir o resultado previsto (LUCKESI, 2005) com vistas a melhoria da qualidade da intervenção profissional. As reuniões sistemáticas são reconhecidas como ações favoráveis ao aprendizado de treinadores (GILBERT; TRUDEL, 2001, 2005; ILLERIS, 2011), as quais oportunizam o engajamento na resolução de problemas (GALATTI et al., 2016b; TOZETTO et al., 2019) e criam um ambiente favorável de reflexão partilhada entre os colegas, construindo uma cultura de cooperação (MILISTETD et al., 2015).
A prática de planejamento em conjunto, descrita pelos treinadores investigados, consttui-se um dispositivo formativo de suma importância ao estar contextualizada nas demandas reais e imediatas do trabalho dos treinadores, no caso em questão o trabalho no âmbito do treinamento esportivo da modalidade basquetebol. É, portanto, diferente das oportunidades de aprendizagem do planejamento oferecidas comumente em cursos superiores de Educação Física, onde prevalece uma formação generalista, voltada ao esporte de participação, e menor aprofundamento em modalidades especializadas e na formação esportiva para o alto rendimento (MILISTETD, 2015; GALATTI; SANTOS; KORSAKAS, 2019). Logo, a ação cotidiana no trabalho é moldada pelas práticas profissionais que os indivíduos participam, a qual vai oferecendo bases para atuação no contexto específico do treinador.
Apesar das reuniões poderem constituir uma forma de planificação do trabalho a realizar e não terem sido organizadas com o objetivo explícito de formação profissional dos treinadores, todavia a experiência de conviver com outros treinadores, compartilhar os desafios da atuação profissional, negociar significados sobre o processo de treinamento e elaborar propostas de intervenção, teve como resultado a aprendizagem de determinados valores e conhecimentos.
Convívio diário entre os treinadores
Outro dispositivo formativo identificado foi o convívio diário com os colegas de profissão, o que viabiliza uma abertura para o diálogo sobre questões ligadas ao trabalho, um convívio que traz interação favorável entre os pares e possibilita o compartilhamento de materiais didáticos.
Então você reúne dois, três profissionais que já trabalham você já começa a trocar informação, o que fazer, como fazer, ou ‘eu tô com dificuldade’ então é muito natural aqui (T1).
O que eu sei é de convívio, conversa com o pessoal, e material que eu procuro né, vídeos, apostilas argentinas, espanholas, ai que eu me oriento (...) Tem algumas apostilas que a gente acha até na internet, tem umas que eu peguei até com o (...), de xerox assim, de ensino de basquete, dentro delas mesmo tem as partes psicológicas para a idade (...) discute entre nós mesmos, (...), às vezes o (...) que eu converso, cada um tem uma fonte ali de conhecimento, então você vai pegando, bebendo um pouco de cada. Mas tenho muita orientação do (...), dos outros, procuro muita coisa, muito material (T4).
Então semana passada a gente fez uns treinos aqui, o (...) e o (...) que são os assistentes vieram, aí o dia que eu fui lá assistir o treino, ele falou oh, fica aqui no treino, dá palpite. Então quer dizer, não tem segredo e é muito aberto. (...) outras cidades que estão vindo até aqui (...) como se aqui fosse uma referência (T5).
Os relatos revelam o apreço dos treinadores pelas interações sociais geradas no convívio diário, na medida em que o acesso informal aos seus pares se materializa em oportunidade de aprendizagem. Ainda, sobre o convívio diário entre os treinadores, duas características contextuais parecem potencializar esse dispositivo formativo na realidade investigada. A primeira é a confiança entre os treinadores, o que contribui para a construção de relação colaborativa entre eles. A segunda característica é o fácil acesso a treinadores renomados, tendo em vista a tradição da cidade na formação de treinadores, alguns deles inclusive aposentados, mas dispostos a continuar compartilhando informações.
Mas aqui no nosso caso nós temos muitos técnicos conceituados que a gente tem liberdade de conversar, procurar, hoje você vai no treino do adulto você fica lá na quadra você participa tem toda a liberdade de dar até opinião pro cara, antigamente não era assim então são pontos facilitadores para o nosso aqui (T1).
Entre nós aqui é excelente, excelente, eles se dão muito bem, pessoalmente e taticamente também, muito interesse as coisas funcionam muito bem, aliás acho que uma boa parcela do sucesso é exatamente essa interação (G1).
Essa característica contextual, de confiança e facilidade de acesso a outros treinadores, é diferente dos resultados encontrados em estudos no campo esportivo. Mesquita e colaboradores (2014), por exemplo, apontaram que os treinadores das modalidades de voleibol, basquetebol, ginástica, natação e handebol denominam o campo de trabalho como espaço de “concorrência em vez de colaboração”, considerando os seus pares como oponentes e não parceiros.
O ato de compartilhar situações do campo esportivo e conhecimentos com outros treinadores têm papel fundamental no desenvolvimento dos profissionais, visto que o trabalho colaborativo encoraja essa troca de experiências e aprendizados, permitindo um engajamento criativo e inovador na prática como já observaram Cushion et al. (2010), Mesquita et al. (2014), Galatti et al. (2016b) e Tozetto et al. (2019).
No que diz respeito à relevância do convívio diário com os colegas de profissão, diversos estudos têm demonstrado as implicações do aprendizado compartilhado com demais treinadores para o desenvolvimento profissional, e não só exclusivamente com a troca com um treinador mais experiente (CULVER; TRUDEL, 2008; ERICKSON; CÔTE; FRASER-THOMAS, 2007; MESQUITA et al., 2014; NASH; SPROULE, 2012; RYNNE; MALLETT; DICKENS, 2013; TOZETTO et al. 2017; 2019). Esse acesso de aprendizagem entre pares configura a perspectiva de que o envolvimento com orientação de colegas em atividades de trabalho gerará os tipos de aprendizagem que dificilmente serão garantidos em contextos nos quais o treinador trabalha isolado, na aprendizagem sozinho, sem a participação de outros treinadores ou apenas pela descoberta (BILLET, 2004).
O local de trabalho é, portanto, um espaço propício à vivência de experiências significativas de formação, imersas na complexidade do campo esportivo (MESQUITA et al., 2013). Sobre isso, Galatti et al. (2014) e Talamoni, Oliveira e Hunger (2013) acrescentam que o compartilhamento de problemas reais e o trabalho conjunto entre treinadores, tornam o local de trabalho um ambiente legítimo de aprendizagem.
A interação cordial e respeitosa entre os pares é, também, decorrente da percepção de um ambiente seguro de trabalho propiciado nas instituições. Ou seja, estabelecer uma relação de colaboração deve ser orientada para um delineamento claro entre comissão técnica e gestores do objetivo em cada categoria, tendo premissas como a de que não deve haver pressão por conquistas nas competições nas categorias iniciais (GALATTI et al., 2016b, 2016c), além da necessidade de continuidade e tempo para a intervenção em segurança (REVERDITO et al., 2020). Gilbert e Trudel (2005) afirmam que os treinadores se sentem mais seguros trabalhando dessa forma, assim como Nunomura et al. (2012), ao afirmar que os treinadores devem se sentir confiantes para poderem experimentar e refletir sobre suas ações, sendo que a avaliação do seu trabalho não seja medida por quantidades de vitórias e derrotas.
Um ponto importante a se considerar é que a relação entre os treinadores vai além dos limites físicos das instituições de trabalho, a relação de confiança construída por esse ambiente harmônico do local de trabalho se estende para outros ambientes da vida cotidiana, o que demonstra um vínculo afetivo que extrapola as fronteiras do trabalho e adentra outras dimensões da vida dos treinadores.
O desenvolvimento de clínicas no local de trabalho
O terceiro dispositivo formativo identificado foi o desenvolvimento de clínicas no local de trabalho, por meio de palestras e oficinas com treinadores convidados. Importante registrar que esse dispositivo formativo emerge em resposta às limitações financeiras das instituições, o que as impede de custear a participação dos treinadores em cursos que exigem o pagamento de taxas de inscrição, transporte e hospedagem.
Dois treinadores afirmaram não ter participado de cursos oferecidos pela Federação Paulista de Basquete (FPB) e pela Escola Nacional de Treinadores (ENTB) em decorrência de limitações financeiras. De acordo com os treinadores e gestores: “O negócio tá feio, não tem verba não, nunca teve.” (T2). “Não, infelizmente não oferece condições.” (G1).
Às vezes por ser uma associação a gente depende de patrocínios de arrecadações de promoções que a gente faz (...). Sempre correndo atrás de rifas, esse tipo de coisa sabe. E aí às vezes essa parte de cursos, campeonatos que a gente poderia tá participando mais (...) a gente vem buscando isso, mas assim, ainda é pouco, a gente poderia estar participando de campeonatos internacionais, interestaduais e aí a gente acaba ficando assim, mais aqui em e região (T3).
Para fazer frente a essa limitação, a alternativa encontrada foi a vinda de outros treinadores para a cidade, os quais ministraram cursos e clínicas voltadas às demandas das instituições. De acordo com os treinadores: “Aí veio um espanhol aqui e aí todo mundo foi né (...) mas saí pra fazer curso, não. Sempre os caras trazendo alguém ou eles mesmo passavam.” (T2). “A gente aqui sempre que tem as clínicas uns dois anos atrás teve uma clínica aqui com um americano.” (T3).
As instituições, ao reconhecerem a limitação financeira para promover a formação dos treinadores, puderam então compartilhar e viabilizar soluções para trazer treinadores capacitados para ministrar cursos em sua própria cidade, oferecendo oportunidades direcionadas de aprendizagem, desempenhando um ambiente propício à aprendizagem alinhada às necessidades institucionais.
A gestão de espaços alternativos para o aprendizado dos treinadores, bem como o desenvolvimento de clínicas no local de trabalho é identificado por meio de palestras e treinadores convidados, com o objetivo de fornecer aos seus profissionais uma formação dentro das instituições para compartilhar informações e conhecimentos de forma produtiva (TOZETTO et al., 2019). Outros estudos reforçam o apreço de aprender com treinadores por parte da comunidade do esporte (GALATTI et al., 2016; RODRIGUES; PAES; NETO, 2016; TOZETTO et al., 2017).
Da mesma forma, como os locais de trabalho mediam o acesso a essas atividades e também aos tipos de orientação desenvolvidos, influenciam o acesso dos treinadores ao conhecimento relacionado ao trabalho incorporado ao interesse das instituições (BILLET, 2004; RYNNE; MALLETT; TINNING, 2006) ou seja, como esses indivíduos se envolvem na prática de trabalho irá determinar como e o que eles aprendem dessa cultura esportiva, orientando-os a compreender melhor o seu papel na instituição e as competências necessárias para se desenvolver em seu contexto. Portanto, o local de trabalho assume a responsabilidade de oferecer condições adequadas para que os treinadores continuem aprendendo ao longo da sua carreira (TOZETTO et al., 2019). Logo, um possível cenário favorável para o desenvolvimento dos treinadores depende de ações que permitam uma interação, envolvimento e condições seguras para realização do trabalho, enxergando no convívio diário com os parceiros uma oportunidade de aprendizagem.
Pelos resultados, foi possível evidenciar que, se houver uma proposta desenhada pela comunidade esportiva com objetivos claros e ambiente seguro de trocas, o ambiente de trabalho se torna um espaço potencial de aprendizagem para treinadores e cria oportunidade em debater com colegas problemas cotidianos que emergem da prática (GILBERT; TRUDEL, 2001).
CONCLUSÃO
Com os resultados da pesquisa concluímos que os ambientes de trabalho das três instituições podem ser considerados lugares privilegiados da aprendizagem e da formação dos treinadores investigados, assim como as conexões entre os treinadores. E, que algumas ações potencializam esse espaço de aprendizagem, tais como a disposição para o desenvolvimento de planejamento conjunto, cursos e oficinas no local de trabalho e a criação de um ambiente seguro para o trabalho colaborativo entre os treinadores de diferentes instituições.
Considerando que os locais de trabalho fornecem muitas vezes apenas estrutura de quadra e materiais, essa pesquisa apresenta um contexto diferente, evidenciando o local de trabalho como uma organização de aprendizagem de treinadores em exercício, ou seja, pode ser considerado como um ambiente potencializador da aprendizagem profissional, no qual haja condições favoráveis para que o conhecimento seja apreendido, produzido, partilhado, criticado e transformado.
As evidências revelaram trajetórias de grupos sociais interdependentes que, em diferentes e diversificados espaços de ensino e aprendizagem, comprovam em parte o cumprimento da formação universitária científica no que diz respeito à formação inicial e continuada de gestores e treinadores esportivos. E, assim, a ressignificação de políticas públicas, currículos, docência, cursos, clínicas e pesquisas desenvolvidas na perspectiva interdisciplinar de ciência do esporte.
Destacamos que os resultados encontrados estão circunscritos a uma realidade específica, particular, o que significa que essas constatações não podem ser generalizadas, recomenda-se a continuidade e aprofundamento em outros contextos institucionais, no sentido de construir entendimento mais detalhado e ampliado do local de trabalho como lugar de formação.