Introdução
As discussões propostas, neste texto, situam-se no âmbito temático das políticas para educação, ocorridas nas primeiras décadas da República, tendo foco na análise dos sujeitos que produziram as reformas da instrução pública em Minas Gerais (MG). Trabalhamos com a ideia de uma cultura política que foi ganhando forma nos anos de 1891 a 1910, tendo nas reformas o lócus de percepção de um modus operandi para a criação de um sistema representativo de normas e valores republicanos, nos quais a República, ao fazer a escola e ao escolarizar o trabalhador, fazia a si mesma. Para alcançar tal intento, fizemos uso das proposições e formas de fazer História presentes nos campos da História das Políticas Educacionais, da História Social e da História Política. Um estudo que recai diretamente sobre as políticas e ações sociais, em que os mundos do trabalho e da escola estão inseridos e entrelaçados.
A partir do que concebe René Rémond sobre o conceito de político, pode-se afirmar que as suas definições, no geral, podem ser consideradas abstratas1. Por esse motivo, segundo ele, a referência mais constante é a de relacionar o político ao poder, pois a política “é uma atividade que se relaciona com a conquista”, ao “exercício e a prática do poder” (RÉMOND, 2003, p. 444). O político é ponto de condensação, existe por si só e não é ileso às determinações externas, além de possuir variantes e um modo de operação diversificado. Sobre essa noção, corrobora Pierre Rosanvallon (1995, p. 12) que define o político como “o lugar onde se articulam o social e sua representação, a matriz simbólica onde a experiência coletiva se enraíza e se reflete ao mesmo tempo”. Nesse lugar de articulação, há ações de interferência, de arbítrio. É o que René Rémond (2003, p. 447) afirma sobre o poder de arbitragem conferido aos políticos: “em sociedades tão complexas e diferenciadas como as nossas, os interesses são tão diversos e mesmo contraditórios, que seu entrecruzamento e suas divergências conferem aos políticos um poder de arbitragem”, que impede uma “liberdade de manobra” do político dentro da estrutura (RÉMOND, 2003, p. 447). Essa liberdade seria possibilitada por aquilo que Serge Berstein chama de “clima cultural”, constituído por uma “difusão de temas, de modelos, de normas, de modos de raciocínio que, com a repetição, acabam por ser interiorizados e que se tornam sensíveis à recepção de ideias ou à adoção de comportamentos convenientes” (1998, p. 356). É a ideia de um clima cultural que possibilita pensar em um sistema de vetores, pelos quais passa a integração de uma cultura política. Entre eles, temos:
[...] a família, onde a criança recebe mais ou menos diretamente um conjunto de normas, de valores, de reflexões que constituem a sua primeira bagagem política, que conservará durante toda a vida ou rejeitará quando adulto”; depois, “a escola, o liceu, a universidade, que transmitem, muitas vezes de maneira indireta, as referências admitidas pelo corpo social na sua maioria e que apoiam ou contradizem a contribuição da família (BERSTEIN, 1998, p. 355).
A noção de cultura política pode ser entendida, então, como um conjunto coerente de crenças e valores que conformam as ações, “permitindo definir uma forma de identidade do indivíduo que dela se reclama” (IDEM, 1998, p.349). Utilizando dos preceitos de Jean-François Sirinelli (1992), Berstein define a cultura política de forma globalizante:
[...] pode-se admitir (...) que se trata de uma espécie de código e de um conjunto de referências, formalizados no seio de um partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma família ou uma tradição política. Desta definição, reteremos dois fatos fundamentais: por um lado, a importância do papel das representações na definição de uma cultura política, que faz dela outra que não uma ideologia ou um conjunto de tradições; e por outro lado, o caráter plural das culturas políticas num dado momento da história e num dado país (BERSTEIN, 1998, p. 350).
A partir de tais referências, o nosso tema amplia a produção do conhecimento sobre o processo de institucionalização da escola pública em Minas, tendo o enfoque na relação entre políticos, educação/instrução, trabalhador e Estado. Assim, articular a escola, desnaturalizada, no processo de escolarização possibilitou-nos pensar a relação dessa com outras instituições responsáveis pela socialização da infância e da juventude, tais como a família, a Igreja e as atividades de trabalho, tanto no passado como no presente.
Interessa-nos os processos de produção e de institucionalização da escola, sobretudo, a partir do lugar daqueles que detinham o poder de reformar e/ou controlar tal processo; ou seja, os sujeitos envolvidos na formulação das retóricas políticas, aqui denominados reformadores, que ocuparam cargos na condição de presidente, vice-presidente, deputado e senador do Estado de Minas Gerais. Acrescentamos, ainda, os secretários do Interior, das Finanças e da Agricultura, pela estreita relação de trabalho e política estabelecida com os primeiros2.
São reformadores porque produziram as reformas3 que constituíram as políticas públicas educacionais, as quais, para André Paulilo, representaram mais do que um movimento administrativo, pois tornaram-se “condição da ação, modificando, assim, não só os métodos de ensino, as relações de ensino, as relações de trabalho e as finalidades da instrução, mas as legislações que os regulamentava, os espaços em que se realizavam”(2001, p. 09). Esta análise é direcionada, portanto, para as reformas, aqui consideradas como condição da ação política estatal sobre a educação, em especial da educação profissional, e não para o triunfo ou insucesso das reformas.
Reformar o ensino não tinha o mesmo sentido para todos os sujeitos, pois poderia, de acordo com Gonçalves (2006, p. 35), “para uns, entre eles os presidentes, ser sinônimo de melhoria da educação e do ensino” e para outros, uma intenção de intervenção na vida escolar e social. Na reformulação do sistema de educação pública, que atendesse os reclames republicanos, vislumbrava-se um meio de cumprir um amplo programa de reforma social. Entrementes, o ato de reformar compunha o interesse de políticos como afirmação e legitimação do ato de governar.
Assim, ao reformar a instrução pública, os políticos estariam legitimando o seu próprio governo e, de certa forma, o Estado republicano. Nesse contexto, o estudo prosopográfico4 sobre os reformadores tem a sua importância, pois permite-nos observar quem foram os construtores das ações políticas da instrução pública e o modo como esses sujeitos constituíram-se como um grupo político que atuou na construção do Estado republicano.
Organizamos este artigo em três seções: na primeira buscamos apresentar quem foram os reformadores da instrução pública por meio dos dados obtidos para a construção de tal categoria. Na segunda trabalhamos a origem deles, desenvolvendo as questões que envolviam os laços de parentesco, a origem regional e os dados geracionais. Por fim, abordaremos as indagações em torno da formação dos reformadores, nas quais vimos a existência de certos locais de instrução e campos do conhecimento dominantes.
Os reformadores da instrução pública mineira
Reafirmamos que o nosso universo de reformadores incluiu deputados, senadores, presidentes, vice-presidentes do Estado e secretários. Abaixo, na Tabela 1, listamos os dados gerais dos sujeitos que estiveram, de uma maneira ou de outra, envolvidos nas reformas.
Cargo público | Quantidade de sujeitos |
---|---|
Deputados estaduais | 146 |
Senadores estaduais | 48 |
Presidentes de Estado | 105 |
Vice-Presidentes de Estado | 76 |
Secretários de Interior e Negócios | 9 |
Secretários de Agricultura | 4 |
Secretários de Finanças | 7 |
Total | 231 |
Fonte: Monteiro (1994); Rezende (1982); Anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais nas legislaturas7de 1891-1910.
Sobre a Tabela 1 importa informar que alguns deputados estaduais em uma legislatura foram senadores estaduais, assim como, alguns deputados foram senadores. Além disso, alguns legisladores não concluíam seus mandatos, pois ora renunciavam, ora migravam para outras esferas do setor público, tais como as secretarias do executivo ou outros postos do legislativo federal e, até mesmo, assumiam a presidência do Estado ou a vice-presidência. Temos, desse modo, a existência de uma dinâmica de movimento de cargos entre os sujeitos reformadores que nos exige um outro rearranjo para chegarmos ao número exato daqueles que atuaram ao longo do nosso recorte temporal.
Para tal definição tivemos que excluir 15, dos 48 senadores que já haviam atuado na câmara mineira, ficando com 181 reformadores na casa legislativa. Dentro do executivo, constatamos que dos 17 que ocuparam os cargos de presidente e vice, somente quatro não atuaram na casa legislativa. Constatamos, também, que dentre os 20 secretários apenas seis não atuaram como deputado e senador. Dessa forma, o nosso universo de reformadores contou com 181 sujeitos que ocuparam cargos de legisladores e dez que atuaram no executivo, perfazendo, assim, um total de 191 sujeitos categorizados.
Foi a partir deste número que operamos o trabalho prosopográfico8, perseguindo alguns pontos chave, tais como: nascimento/morte/filiação, profissão, cargo político e informações gerais sobre a vida estudantil primaria, secundaria e superior. Não foi possível localizar dados completos dos 191 indivíduos em todas as categorias e não encontramos nenhuma informação sobre dois deles. Tal fator também implicou sobre o número real que trouxemos para análise e que foi objetivado sobre 189 reformadores da instrução pública. Esse número final e os dados encontrados mostraram-se satisfatórios para responder a problemática posta pelo objeto histórico, mesmo ainda sofrendo algumas variações como veremos.
Sobre a naturalidade dos reformadores, obtivemos dados de 170 deles, a partir dos quais identificamos que todos eram homens e brasileiros. Desses, 156 nasceram na província de Minas Gerais, 10 na província do Rio de Janeiro e os outros 04 nasceram nas províncias de São Paulo, Pará, Bahia, Sergipe, em respectivo. Debruçamo-nos sobre o grande e expressivo número dos mineiros, dos quais encontramos dados dos locais de nascimento de 1499.
Quanto à formação, do montante de 189 encontramos informações acerca de 39, o que indicou o número de 55 locais onde se escolarizaram. Alguns estudaram em suas próprias casas com professores particulares e outros em colégios de ensino secundário não identificados. Na mesma coleta, localizamos informações de que 79 reformadores foram educados em 117 locais de estudos de humanidades, colégios, liceus e preparatórios. Por mais que os dois dados não sejam numerosos em relação ao total real, a leitura indicou certos espaços dominantes de escolarização. Em relação a formação no ensino superior, detectado por meio das profissões - para além dos cargos eletivos públicos - encontramos os dados de 181 deles. Este levantamento auxiliou-nos no entendimento dos laços de solidariedade e de sociabilidades possíveis ao longo das trajetórias de vida. Na Tabela 2 informamos os dados coletados de cada variável:
Variáveis pesquisadas | Número real de reformadores | Número encontrado de informações sobre o número real de Reformadores |
---|---|---|
Naturalidade | 189 | 170 |
Origem regional (MG) | 156 | 149 |
Formação (primeiros estudos) | 189 | 39 |
Formação (preparatórios, liceus, colégios) | 189 | 79 |
Formação (superior) | 189 | 181 |
Fonte: Monteiro (1994); Rezende (1982); Anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais nas legislaturas de 1891-1910.
Na reconstrução das trajetórias e itinerários dos reformadores, mobilizamos alguns aportes conceituais da História dos Intelectuais. Isso foi possível pelo fato de, por meio dessa vertente, poder-se compreender, como adverte Carlos Vieira (2015), que a identidade social de intelectuais é inegavelmente associada ao gosto e à familiaridade com a cultura e, também, ao sentimento de missão ou de dever social, o que inclui àqueles imbuídos na missão de reformar a instrução e a sociedade. De igual forma, como sinalizado por Sirinelli (2003), a abordagem dos intelectuais lança luzes para tratar os reformadores na sua qualidade de humano. Assim, com os itinerários de vida, percebemos como cada um deles constituiu-se em cada momento e experiência. Talvez não tenha sido possível delimitar o motivo das escolhas de vida, mas certamente conseguimos captar a “mudança de ares” ou o próprio resultado da mudança, ou seja, o rumo tomado pelas escolhas definido pelo horizonte de possibilidades da própria vida.
Ademais, com o conceito de sociabilidade, que estabelece que os produtores e mediadores culturais agem como forças de atração que orientam a organização coletiva e movem as ações dos grupos, observamos práticas comuns, em que por meio de um universo micro de relações deixaram a ver as coletividades. De igual modo, permitiu determinar os lugares onde eles atuaram e os itinerários sociais percorridos. Ainda, com a noção de rede de sociabilidades localizamos o engajamento de interesses na realização de um determinado projeto político cultural.
Com a mesma vertente, tomamos o conceito de geração para o conhecimento dos investigados. O uso desse conceito possibilitou-nos situar o intelectual em seu tempo e grupo social, nos quais teria vivenciado um campo de possibilidades de pensar e sentir determinadas representações de uma época, produzindo a sensação de coesão geracional.
Dos dados coletados e analisados, constatamos que a questão familiar e a perpetuação dos poderes por meio dos casamentos eram uma tônica em Minas e estaria intimamente ligada aos locais de origens dos sujeitos. Os locais de instrução eram, em sua grande maioria, de humanidades, ou preparatórios para os cursos superiores, nas cidades de Ouro Preto (Engenharia de Minas e Farmácia), do Rio de Janeiro (Medicina e Engenharia) e São Paulo (Direito). Ser bacharel era recorrente entre os reformadores, pois era nessa formação que estaria as condições de entrada para o universo da elite brasileira e nos postos da burocracia do Estado.
2. A origem dos reformadores
Um importante fator para a compreensão da origem dos reformadores é o conhecimento do seu berço familiar. Cid Rebelo Horta (1986) discorre sobre a ideia de que a política de Minas vinha sendo comandada, desde o século XVIII, por um grupo reduzido de famílias, que se revezavam no poder. Algumas se perpetuam na vida pública, na proeminência econômica e financeira e até nas artes. A liderança era transmitida por meio da descendência direta, compreendendo ainda os elos de afinidade pelo casamento, que entrelaçavam as principais e mais antigas famílias com outras, constituindo uma teia de laços que nem sempre é aparente, pois os nomes misturavam-se, embora a linha de parentesco permanecesse.
Tais famílias poderosas, famílias governamentais mineiras, seriam as controladoras do poder local. De fato, as essas uniões faziam parte deste fenômeno sociocultural, na defesa de sua permanência enquanto elite. Os casamentos funcionavam mais como um contrato que se fechava, “menos entre os noivos, do que entre famílias já aparentadas ou identificadas por interesses comuns e o mesmo status quo social. O casamento era um laço a perpetuar a estrutura.” (HORTA, 1986, p. 116). Esses acordos davam-se entre as famílias próximas, bem como entre as distantes nas zonas mineiras. Serviam também de possibilidade de ascensão para aqueles que não provinham de linhagens poderosas. Ao longo dos séculos os clãs mineiros estariam interligados por casamentos e parentescos. Para Horta (1986) a “feição clânica dessa organização familiar é a mesma encontrada em toda a parte” e é a que deu início ao
[...] povoamento dos atuais municípios de Leopoldina, pelos Monteiro de Barros e Almeida, de Cataguases pelos Vieira-Rezende, de Rio Casca pelos Vieira de Souza, de Guanhães pelos Coelho, de São Gonçalo do Sapucaí pelos Lemos, de Rio Preto, Mar de Espanha e adjacências pelos Leite Ribeiro, Teixeira Leite, Ferreira Leite, de Nova Era pelos Martins da Costa, de Entre Rios de Minas pelo Ribeiro-Oliveira-Pena (HORTA, 1986, p. 116).
Essas gerações constituíam-se do entrelaçamento de três ou mais “famílias nucleares”, as “famílias extensas” mineiras que formavam círculos endogâmicos (IDEM, 1986, p. 123). Cada círculo era a área social de uma vasta parentela contígua num largo domínio de terra, que por mais fechado que fosse,
[...] sempre apareceria um membro mais ousado que ia ligar-se, por laços de casamento, com outro círculo socialmente vizinho. Formou-se, dessa forma, no tempo, uma verdadeira cadeia de círculos familiares, ou parentelas, cujos membros ora se sucedem nas tarefas da chefia política local e regional, ora se alternam na constelação governamental de Minas Gerais (HORTA, 1986, p. 123).
Poderíamos, então, dizer que a história política de Minas é, pois, num largo sentido, a história de suas grandes famílias que fazem o jogo da cena política desde a Colônia. Apesar de parecer reducionismo, pois Horta realizou este estudo tendo como base a “história dos grandes homens”, do poder mineiro, não podemos retirar a força e importância desse tipo de arranjo social que se dava em Minas Gerais. Como nosso objeto recai sobre esses sujeitos históricos que dominavam os campos da atuação política, os arranjos familiares mostraram-se exemplificáveis nessas teias de perpetuação e transmissão de poder entre seus membros.
- Os laços de família dos reformadores mineiros
Família Ottoni. O deputado Octávio Esteves Ottoni, presidente da Câmara dos Deputados, na fase inicial de seus trabalhos em 1891, era sobrinho de Teófilo Ottoni, conselheiro no tempo do Império. Henrique Augusto de Oliveira Diniz, que fora deputado constituinte mineiro (1891), deputado estadual (1891-1894), secretário do Interior e Justiça de Minas Gerais (1894-1898) e senador estadual (1903-1904), era sobrinho de Afonso Augusto de Moreira Pena, que fora presidente do Estado de Minas e da República brasileira, e primo de Afonso Augusto Moreira Pena Júnior, deputado estadual (1903-1910). Este último, além de seu pai e primo, teve outros parentes na política como seu tio Feliciano Augusto de Oliveira Pena e seus primos Manoel José Moreira dos Santos, Amarílio Moreira Pena, Domingos Moreira dos Santos Pena, João Moreira Mota e Edmundo Pena, que foram políticos em Santa Bárbara-MG, além de Hélvio Moreira dos Santos e Élio Moreira dos Santos, ex-prefeito da mesma cidade (MONTEIRO, 1994).
Família Melo Franco. Afrânio de Melo Franco, filho do político e Senador em Minas Gerais Virgílio Martins de Melo Franco, no período ininterrupto de 1891 a 1922, que era casado com Sílvia Cesário Alvim, filha de José Cesário de Faria Alvim, primeiro presidente do Estado de Minas Gerais. Os dois membros da família Melo Franco atuaram no Congresso Legislativo Mineiro ao mesmo tempo: o primeiro na Câmara dos Deputados entre os anos de 1903 e 1907, o segundo no Senado Estadual no mesmo período.
Família Cunha Pereira. Edgardo da Cunha Pereira Sobrinho, deputado estadual entre os anos de 1907 e 1910, filho de Simão da Cunha Pereira, que fora deputado constituinte (1891), deputado estadual (1891-1895) e Senador Estadual (1899-1906). Neto de Simão da Cunha Pereira, que foi deputado provincial, e primo de Lincoln da Cunha Pereira, ex-deputado no Estado do Paraná. Todos foram importante membros da elite política e social mineira. (MONTEIRO, 1994).
Família Penido. Raul Nogueira Penido foi deputado estadual entre os anos de 1891 e 1895. Além de seu pai, o político e médico João Nogueira Penido, atuaram na política seu irmão João Nogueira Penido Filho; seu tio Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (filho), senador estadual entre os anos de 1907 e 1910 e presidente do Estado de Minas Gerais de 1926 a 1930, membro do tronco dos Andrada de Minas Gerais, situados na dominância política na região de Barbacena e Zona da Mata, e seus primos Feliciano de Lima Duarte e Osvaldo Maia Penido10.
Esses parentescos e filiações apresentam as recorrências de sobrenomes e ligações entre famílias importantes que dominaram a política mineira e ajudam a confirmar a hipótese de que elas estavam no centro em que gravitavam as potências de dominação governamental do Estado. Para Horta (1986, p. 123) há, efetivamente, muitos traços de organização clânica nessas unidades familiares, “a convivência em comum ou contígua num extenso domínio, a solidariedade baseada no parentesco, o orgulho da linhagem, o sentimento de interesse de família sobreposta a todos os outros interesses, principalmente na esfera política”. Essa potência de conservar e transmitir o poder pode ter tido, como sugeriu Horta, uma reverberação ao longo do tempo, sobretudo com a dinâmica migracional entre e inter famílias. Ao mesmo tempo, tal solidariedade familiar é “tanto maior quanto mais concentrada se encontra a ‘família grande’. Quando esta se dispersa, o prestígio político se dilui, com o afrouxamento dos laços” (HORTA, 1986, p. 124). Esse movimento de entrecruzamento familiar era facilitador de contatos fáceis em cada eleição, mormente para efeito do proselitismo eleitoral. Além disso, pode-se incluir “também amigos da infância, antigos colegas de trabalho, vizinhos, parentes e amigos desses vizinhos e amigos [que ocupavam] cargos de responsabilidade ou de confiança em torno do novo potentado” (HORTA, 1986, p. 125).
- Origem regional
Para compreendermos a ocupação da província mineira, caracterizaremos Minas Gerais pelo olhar da dinâmica demográfico-econômica, como um mosaico composto por sub-regiões11 muito diferentes entre si. Para isso, vamos considerar a distribuição populacional nessas zonas e problematizar a dispersão das “famílias mineiras”, utilizando uma Tabela de John Wirth (1982, p. 59) sobre o crescimento populacional:
Zona | 1872 | Taxa de crescimento | 1890 | Taxa de crescimento | 1900 | Taxa de crescimento | 1920 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Norte | 354 | 1.9% | 501 | 1.4% | 575 | 2.1% | 864 |
Leste | *** | *** | 138 | 1.4% | 158 | 7.4% | 654 |
Centro | 548 | 2.3% | 808 | 1.0% | 889 | 0.2% | 933 |
Triângulo | 146 | 1.6% | 193 | 1.1% | 215 | 2.9% | 380 |
Oeste | 260 | 2,1% | 379 | 0.9% | 413 | 2.6% | 692 |
Sul | 395 | 2.5% | 617 | 1.6% | 724 | 2.7% | 1.242 |
Mata | 348 | 2.6% | 548 | 1.6% | 641 | 2.6% | 1.075 |
Fonte: Wirth (1982, p. 59).
Nota: As taxas de crescimento entre os censos são a média anual cumulativa, usando Tabelas de interesses compostas. As cifras zonais baseiam-se em dados publicados por municípios no padrão do material do censo e retrabalhados no formato zonal. O traço indica uma taxa de crescimento de menos de 0,1%.
Pela Tabela 3 percebemos que o Centro retém a maioria da população até o ano de 1900. A partir disso, notamos um movimento de migração do percentual populacional para zonas menos povoadas. Como as zonas do Sul, Leste e Mata vão aumentado sua população ao longo dos anos, acreditamos que a maioria da migração foi interna, uma redistribuição dos habitantes pelas diferentes zonas, mesmo contando com os elementos internacionais que imigraram para estas regiões. Essa situação tem relação direta com a própria dinâmica do mercado econômico mineiro, sui generis até aquele momento desde o início do século XIX. Com um grande número de mão de obra local, acompanhadas dos potentados sócio-políticos mineiros já informados e as tentativas de desenvolver as sub-regiões do Estado, efetuadas principalmente a partir do Governo de Francisco Antônio de Sales (1903-1906); fortemente trabalhadas no Governo de João Pinheiro da Silva (1906-1908) e continuadas por Júlio Bueno Brandão (1908-1909) e Wenceslau Bráz Gomes (1909-1910).
Se seguíssemos a dinâmica populacional da Tabela 3, a maioria dos reformadores poderia ser oriunda da zona do Centro, tendo em vista que somente três deles nasceram depois de 1880. Verificando tal hipótese, a Tabela 4, a seguir, oferece a distribuição, por zona mineira de nascimento dos intelectuais estudados:
Zonas | Quantidade |
---|---|
Centro | 48 |
Mata | 23 |
Sul | 36 |
Triângulo | 03 |
Norte | 26 |
Leste | 04 |
Oeste | 09 |
Total | 149 |
Fonte: Monteiro (1994): Anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais nas legislaturas de 1891-1910.
Os dados da Tabela 4 acompanham os da Tabela 3. A distribuição dos representantes da política do Estado mineiro incide sob os nascidos na zona Central, que corresponde a quase um terço do total dos dados, seguida pelos nascidos na zona do Sul, Norte e Mata, em respectivo. Somadas as quatro sub-regiões, temos 133 reformadores dos 149 mineiros dos quais obtivemos os dados12. Ainda, tais zonas possuíam dez das 11 cidades mais importantes economicamente daquele período13. Nessas, a maior quantidade estaria no Centro, indicando certa urbanidade na região, maior que nas outras.
Se o Centro ocupava o número mais expressivo de políticos, em termos econômicos, a Zona da Mata destacou-se no fim do século XIX e início do XX. Na Tabela 5, em relação às municipalidades, temos essa constatação comprovada.
Municipalidades (1889) | Renda | Municipalidades (1910) | Renda |
---|---|---|---|
Juiz de Fora (Mata) | 88 | Belo Horizonte (Centro) | 945 |
Além Paraíba (Mata) | 46 | Juiz de Fora (Mata) | 630 |
Ouro Preto (Centro) | 38 | Uberaba (Triângulo) | 376 |
Leopoldina (Mata) | 37 | Barbacena (Centro) | 212 |
São João Del Rey (Centro) | 29 | Ponte Nova (Mata) | 168 |
Mar de Espanha (Mata) | 28 | Carangola (Mata) | 142 |
Uberaba (Triângulo) | 20 | Poços de Caldas (Sul) | 128 |
Barbacena (Centro) | 20 | Além Paraíba (Mata) | 128 |
Muriaé (Mata) | 20 | Itajubá (Sul) | 126 |
Diamantina (Norte) | 17 | São João Del Rey (Centro) | 120 |
Rio Pomba (Mata) | 15 | Cataguases (Mata) | 111 |
Ponte Nova (Mata) | 14 | Leopoldina (Mata) | 107 |
Fonte: Wirth (1982, p. 65); Monteiro (1994); Anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais nas legislaturas de 1891-1910.
Temos consciência de que podem ocorrer discordâncias temporais entre as Tabelas anteriores. Como também compreendemos que a dinâmica socioeconômica na segunda metade do século XIX só alterou-se nos anos iniciais do século XX, como já comentamos. Por isso é possível estabelecer tal comparação.
Na amostragem acima podemos perceber o funcionamento das atividades econômicas por zonas no fim do Império e início da república. As Tabelas 4 e 5 permitem verificar que os poderes políticos e econômicos nem sempre caminhavam lado a lado. A força econômica da Mata e do Centro eram distintas, da mesma forma que seu poderio político, pelo menos no cenário dos cargos estaduais. O centro, apesar de ser a segunda zona em termos econômicos, no plano político, figurava na primeira colocação. É interessante notar que, pelos nossos dados, o Norte teve mais participação do que a Mata entre os reformadores, mesmo não configurando uma zona economicamente expressiva até 1910. Assim, se a economia não era o pilar do poder político no Estado, o que poderia sustentar esse poder?
A Tabela 6 apresenta a distribuição dos 149 dos 156 reformadores mineiros14 pelas suas respectivas municipalidades de nascimento. Alguns distritos e demais núcleos populacionais foram englobados em municípios sede como é o caso de Olegário Dias Maciel, que nasceu na então paróquia de Bom Despacho, Município de Pitangui-MG e de João Luiz Alves que nasceu na fazenda do Cafezal, povoação de Matias Barbosa, Município de Juiz de Fora.
Municipalidades e Distritos | Quantidade | Municipalidades e Distritos | Quantidade |
---|---|---|---|
Teófilo Ottoni | 02 | Nova Lima | 02 |
Serro | 08 | Bonfim | 01 |
Vila Januária | 01 | São José Del Rey (Tiradentes) | 01 |
Barbacena | 04 | São João Del Rey | 03 |
São Gonçalo do Sapucaí | 02 | Pouso Alegre | 04 |
Juiz de Fora | 02 | Araçuaí | 02 |
Itabira | 03 | Mariana | 05 |
Cabo Verde | 01 | Campanha | 10 |
Bom Sucesso | 01 | Estrela do Sul | 01 |
Pitangui | 01 | Ouro Preto | 05 |
Montes Claros | 04 | Paraopeba | 02 |
Diamantina | 06 | Lavras | 03 |
Grão-Mogol | 03 | Itapecerica | 02 |
Monte Azul | 02 | Carandaí | 01 |
Palma | 02 | Passos | 02 |
Entre Rios de Minas | 01 | Pouso Alto | 01 |
Santos Dumont | 01 | Conselheiro Lafaiete | 03 |
Paracatu | 05 | Santa Bárbara | 04 |
Rio Pomba | 01 | Baependi | 02 |
Conceição do Mato Dentro | 02 | Brasópolis | 01 |
Caeté | 03 | Cristina | 02 |
Viçosa | 02 | Muriaé | 01 |
Leopoldina | 01 | Ubá | 02 |
Carangola | 01 | Rio Preto | 02 |
Santa Luzia | 01 | Ferros | 01 |
Ouro Fino | 01 | Sacramento | 01 |
Extrema | 01 | Rio Novo | 02 |
Santa Luzia | 02 | Itajubá | 02 |
Sabará | 01 | Uberaba | 02 |
Ponte Nova | 04 | Ouro Fino | 01 |
Mar de Espanha | 03 | Cataguases | 01 |
Peçanha | 01 | Tombos | 01 |
Caldas | 01 | Itaúna | 01 |
Curvelo | 01 | ||
TOTAIS PARCIAL | 75 | 74 | |
TOTAL GERAL | 149 |
Fonte: Monteiro (1994); Anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais nas legislaturas de 1891-1910.
As cidades com maior número de naturalidade dos reformadores foram Campanha (com 10) e Pouso Alegre (com 04), no Sul; Serro (com 08), Diamantina (com 06) e Montes Claros (com 04), no Norte; Paracatu (com 05) no Leste e Mariana (com 05), Ouro Preto (com 05), Santa Bárbara (com 04) e Barbacena (com 04), no Centro. Municipalidades que, na lista anterior, não aparecem entre as mais economicamente expressivas para aquele cenário, excetuando as históricas - Ouro Preto e Diamantina - que, aos poucos, perderam espaço no cenário econômico e, Barbacena, que se manteve entre as cidades de médio porte econômico.
Por outro lado, percebemos a presença de nascidos em 67 cidades diferentes para 149 reformadores. Um número que chega a 2,2 por cidade citada. Isso inquietou-nos a pensar que a dinâmica representativa poderia ser equilibrada e conferir poder de atuação política aos sujeitos, aos grupos que representavam e as suas regiões. Contudo, esses dados são de naturalidade e não incidem necessariamente sobre os locais que cada um representava eleitoralmente. Até porque alguns eram externos a Minas Gerais15. Porém, se pensarmos pelo viés das uniões familiares; pelo fator formador dos sujeitos, que veremos a seguir, e pela própria dinâmica que se estabelece na quantidade de políticos nascidos em Minas Gerais, esta questão pode ser, ao longo do tempo, ratificadora da distribuição política. Ademais, os dados reiteram a hipótese de que o fator econômico era importante no que se refere à política mineira, mas não era o fator que definia a escolha, eleição e manutenção dos potentados políticos mineiros para os centros de poder estaduais. Na Tabela 7, procuramos confirmar essas informações:
Zonas | Câmara (1891-1895) | Senado (1891-1895) | Câmara (1895-1898) | Senado (1895-1898) | Câmara (1903-1906) | Senado (1903-1906) | Câmara (1907-1910) | Senado (1907-1910) | Congresso Legislativo (Câmara e Senado estadual) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Centro | 14 | 07 | 08 | 05 | 10 | 09 | 07 | 10 | 70 |
Mata | 05 | 03 | 07 | 02 | 09 | 02 | 10 | 01 | 39 |
Sul | 08 | 05 | 07 | 05 | 07 | 05 | 07 | 00 | 44 |
Triângulo | 01 | 00 | 01 | 00 | 01 | 01 | 00 | 02 | 06 |
Norte | 09 | 04 | 07 | 02 | 07 | 03 | 05 | 02 | 39 |
Oeste | 02 | 01 | 03 | 00 | 01 | 00 | 01 | 00 | 08 |
Leste | 01 | 00 | 03 | 02 | 02 | 01 | 01 | 03 | 13 |
Total | 40 | 19 | 36 | 16 | 37 | 21 | 31 | 18 | 21917 |
Fonte: Anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais nas legislaturas de 1891-1910. Imprensa Oficial.
Nota-se amplo domínio no Congresso Legislativo mineiro dos reformadores que nasceram na região central do Estado. Eles mantêm uma grande margem de diferença para a segunda colocada, a zona do Sul, e quase o dobro para a terceira e quarta colocadas, a Zona da Mata e do Norte, que têm o mesmo número de reformadores nativos. São essas quatro Zonas, que irão dominar a política mineira nos primeiros anos republicanos, salvo exceções de famílias tradicionais mineiras como os Mello Franco, que comandavam a política no Oeste de Minas, em Paracatu; Cornélio Vaz de Mello, membro de uma tradicional família de Uberaba, no triângulo, e João Quintino Teixeira (Filho), fazendeiro e Comandante Superior da Guarda Nacional na circunscrição de Uberaba.
A partir de 1907, a Mata conseguiu mais espaço que o Norte, que foi diminuindo sua bancada ao longo dos anos. Fato esse que acompanha o crescimento populacional daquela região, bem como o seu enriquecimento. O Sul manteve quase que a mesma bancada nas duas casas nas diferentes legislaturas e o Centro conservou sua hegemonia, em especial no Senado, órgão regulador dos poderes dos municípios e onde estavam os sujeitos mais velhos do congresso mineiro18. Esse domínio dos políticos mineiros, nascidos no centro, poderia conferir maior poder de barganha frente à política municipal e junto aos chefes políticos dos distritos e municípios mineiros. Referimo-nos a atuação diretamente nas relações interpessoais, nos laços de amizade, nos casamentos e outros, definindo o status e o campo de possibilidade dos sujeitos imersos nessa lógica de poder. Leste e Oeste foram perdendo espaço na segunda década republicana e o Triângulo manteve pelo menos um reformador por Legislatura.
A título de comparação e estabelecimento de referência para a Tabela 7, na Tabela 8 continuamos utilizando os dados obtidos dos congressistas de origem mineira para verificar a existência de uma lógica geracional entre os reformadores.
Década de nascimento dos reformadores (século XIX) | Câmara (1891-1895) | Senado (1891-1895) | Câmara (1895-1898) | Senado (1895-1898) | Câmara (1903-1906) | Senado (1903-1906) | Câmara (1907-1910) | Senado (1907-1910) | Congresso Legislativo (Câmara e Senado estadual) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Década de 20 | 00 | 02 | 01 | 02 | 00 | 00 | 00 | 00 | 05 |
Década de 30 | 01 | 04 | 02 | 04 | 01 | 01 | 00 | 02 | 15 |
Década de 40 | 03 | 09 | 08 | 08 | 02 | 07 | 01 | 06 | 44 |
Década de 50 | 13 | 06 | 17 | 05 | 02 | 07 | 03 | 06 | 59 |
Década de 60 | 19 | 00 | 03 | 00 | 16 | 04 | 11 | 05 | 58 |
Década de 70 | 01 | 00 | 00 | 00 | 17 | 00 | 16 | 01 | 35 |
Década de 80 | 00 | 00 | 00 | 00 | 00 | 00 | 03 | 00 | 03 |
Total | 37 | 21 | 31 | 19 | 38 | 19 | 34 | 20 | 21919 |
Fonte: Monteiro (1994).
Na legislatura de 1891 a 1898, a Câmara de deputados foi dominada pelos nascidos na década de 50 e 60; já na de 1903-1910, pelos nascidos na década de 60 e 70. O Senado, composto pelos reformadores mais velhos, quase que em sua maioria, era constituído pelo provenientes das décadas de 30 e principalmente 40 e 50, nos primeiros anos republicanos e, posteriormente, pelos nascidos na década de 50 e 60. Importante informar que 1/4 dos reformadores, dentre os deputados, não tinham 25 anos em 1900, o que mostrou elevado índice de políticos jovens sendo recrutados à vida pública no início do século XX. Logo, pode concluir-se que ocorreu uma mudança etária na dominância da política estadual mineira, de um tempo para o outro20. Tais transformações no Congresso Legislativo poderiam ter impacto direto nos projetos de sociedade e de instrução pública no Estado e, assim, modificarem a estrutura estatal de atuação e a própria lógica de produção de projetos de sociedade e da República.
Os dados da Tabela 8 também permitem tecer a ideia de que os reformadores, por serem em sua maioria nascidos na década de 40, 50, 60 e 70, poderiam ter contato direto com aqueles que assinaram o Manifesto republicano de 1870, um dos marcos da campanha republicana no Brasil. Na leitura do Manifesto21 não encontramos nenhum reformador enquanto signatário. O que não impede, no entanto, que eles tenham convivido diretamente com os ideais presentes naquele manuscrito, nem impossibilita a existência de redes de sociabilidades entre os reformadores mineiros e os signatários do manifesto.
É o caso de Crispim Jacques Bias Fortes que se tornou bacharel em direito, em 1870, pela Faculdade de Direito de São Paulo (FDSP) na turma de Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Affonso Augusto Moreira Penna e Rodrigues Alves. Assim como Affonso Penna, Bias Fortes pertenceu ao partido Liberal e depois ao Partido Republicano Mineiro. Atores políticos que lutaram por diferentes ideais sociais e políticos, em um mesmo cenário histórico, e que estariam perfilados na construção do Estado republicano (MONTEIRO, 1994).
Como signatários do Manifesto de 1870, encontramos alguns atores mineiros que circularam pela província e, também, pelo cenário nacional, mas que não fizeram parte dos reformadores da instrução pública focalizados em nosso recorte. É o caso de Flávio Farnese, que nasceu no Serro, formado em 1856 em Ciências Jurídicas e Sociais pela FDSP e editor, no fim da vida, do Jornal A República. Fora ainda um propagandista nas páginas da Actualidade, jornal do Rio de Janeiro, entre os anos de 1853 e 1864, ao lado de Lafayette Rodrigues Pereira (Conselheiro Lafayette) e Pedro Luís.
Podemos também citar o Conselheiro Lafayette, nascido em 1834, no distrito de Nossa Senhora da Conceição em Queluz (hoje Conselheiro Lafaiete, MG) que também foi signatário do Manifesto e formou-se como Bacharel em Direito pela FDSP, em 1857. Jurisconsulto, Ministro de Estado no Império e Presidente da Província do Ceará entre os anos de 1864-65, além de Senador era jornalista. Foi colaborador emA Opinião Liberale noDiário do Povo, do Rio de Janeiro. Redigiu também, de 1870 a 1874, A República. Com o Conselheiro conviveu Virgílio Martins de Mello Franco, um dos reformadores. Outra convivência foi com José Bonifácio Andrada e Silva, filho de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que se tornara seu genro. José Bonifácio foi o fundador do ramo mineiro dos Andradas.
Esse percurso fora posto para mostrar que as relações entre os sujeitos que vivenciaram aquela temporalidade, em Minas Gerais e no Brasil, perpassaram outras ações para além do coronelismo ou dos sistemas de alianças políticas e/ou econômicas e suas relações de produção e dominação. Entretanto, implica afirmar que as relações familiares, de uniões em torno de casamentos, como nos velhos moldes patriarcais em torno da defesa do status quo familiar, podem ser um dos pontos a serem levados em conta para a própria ocupação do território mineiro e da sua dinâmica de representações políticas no tempo republicano.
3 - A formação dos reformadores: das primeiras letras ao ensino superior
Entender a trajetória formativa e profissional dos reformadores da instrução permite-nos definir o campo de possibilidades de atuação dos sujeitos e conhecer as redes de sociabilidades e trajetórias que incidiram na formação de um repertório transformador na política mineira. Assim, pretendemos ressaltar os lugares nos quais esses sujeitos formaram, começando pelo ensino secundário.
Abaixo, apresentamos na Tabela 9 os locais onde ocorreram os primeiros anos da formação. Sobre esse período, por meio das informações coletadas, aglutinamos o que chamamos de “secundário” e “primeiros estudos”22.
Locais de escolarização | Quantidade | |
---|---|---|
SECUNDÁRIO | Mariana (sem identificação do local) (MG) | 01 |
Ginásio Mineiro de Belo Horizonte (MG) | 02 | |
Ginásio Baependiano em Baependi (MG) | 01 | |
Ateneu Mineiro de Ouro Preto (MG) | 01 | |
Colégio Mendonça em Pouso Alegre (MG) | 01 | |
Colégio Providência em Barbacena (MG) | 04 | |
Colégio Dale em Campanha do Rio Verde, atual São Gonçalo do Sapucaí (MG) | 01 | |
Colégio Brasileiro em Campanha do Rio Verde, atual São Gonçalo do Sapucaí (MG) | 01 | |
Colégio Calógeras em Petrópolis (RJ) | 01 | |
Colégio de Campo Belo, Distrito de Prata, hoje Uberaba (MG) | 01 | |
Rio de Janeiro (sem identificação do local) | 01 | |
Colégio Abílio em Barbacena (MG) | 03 | |
Colégio Aquino do Rio de Janeiro (RJ) | 02 | |
Colégio Biolkini em Petrópolis - Rio de Janeiro | 01 | |
Colégio Dom Pedro II (RJ) | 01 | |
São Paulo (sem identificação do local) | 03 | |
Ginásio Mineiro de Ouro Preto (MG) | 06 | |
Colégio da Conceição em São João Del Rey (MG) | 03 | |
Colégio do Cônego Roussin, em Mariana -MG | 01 | |
Ateneu São Vicente de Paulo em Diamantina (MG) | 02 | |
Chester, Inglaterra | 01 | |
PRIMEIROS ESTUDOS | Primeiros estudos em Juiz de Fora (MG) | 01 |
Primeiros estudos no Colégio Lobato em Campanha (MG) | 02 | |
Primeiros estudos e secundário na terra natal em Minas Gerais (sem identificação do local) | 07 | |
Externato Aquino no Rio de Janeiro | 01 | |
Estudos particulares (com professores particulares) MG | 02 | |
Autodidata | 03 | |
Primário e Secundário em Portugal | 01 | |
TOTAL | 55 |
Fonte: Monteiro (1994); Anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais nas legislaturas de 1891-1910; Mensagens presidenciais (1892-1910).
Dos números acima constatamos a presença de sete que estudaram no Rio de Janeiro em seis instituições, públicas e privadas. Em São Paulo, foram três em uma ou mais instituições que não encontramos os seus nomes. Interessante a presença de dois reformadores que estudaram em dois locais estrangeiros: Portugal e Inglaterra. Outro dado interessante é que os números apresentados indicam em grande parte a formação secundária nos seminários, colégio e ateneus. Quanto a formação na instrução primária, não nos foi possível precisarmos os locais.
Mesmo trabalhando com dados de somente 39 indivíduos, percebemos uma concentração de estudos nas cidades que têm o maior número de políticos nascidos: no Centro, Sul, Mata e Triângulo. Não conseguimos acesso aos dados do Norte, mas as informações coletadas mostraram-nos que as localidades de formação acompanhavam os locais de nascimento, assim como a localização de predomínio do mando político mineiro, nas cidades de: Ouro Preto, Mariana, São João Del Rey, Barbacena, Pouso Alegre e Diamantina. Assim, os dados das origens e dos locais de estudos convergem. A política mineira constituía-se de um grande mosaico, em que as diferentes regiões tinham participação importante na oferta dos sujeitos que produziram a política mineira. No que tocam as instituições formadoras, notamos a importante presença dos seminários - como o de Mariana - e colégios na formação escolar dos reformadores. Dentre os demais, o Colégio Lobato em Campanha, o Colégio Providência em Barbacena e o Ginásio Mineiro em Ouro Preto apareceram como locais escolhidos para formação. A capital, Ouro Preto, sede das instituições políticas imperiais e republicanas até 1897, era também um importante centro formador das primeiras letras em Minas.
Consideramos que as escolhas das instituições escolares faziam parte das estratégias familiares, caracterizando-as como espaços estruturados e estruturantes da sociedade já estabelecida e, por isso, marca de suas desigualdades. O circular por esses lugares e o relacionamento interpessoal, que se desdobrava deles, atuariam no reforço da partilha de seus membros de certa visão de mundo, de sociedade e, também, de política. Tal lógica era reproduzida nos locais de formação escolar nos liceus e colégios, como retratado na Tabela 10.
Tipo | Locais de escolarização | Quantidade | |
---|---|---|---|
HUMANIDADE | Colégio do Caraça (MG) | 24 | |
Seminário de Mariana (MG) | 11 | ||
Colégio Pedro II (RJ) | 01 | ||
Ouro Preto (sem identificação do local) (MG) | 03 | ||
Colégio São Luíz em Itu (SP) | 02 | ||
Colégio de Congonhas (MG) | 01 | ||
Seminário Lazarista de Diamantina (MG) | 04 | ||
Seminário Lazarista de Petrópolis (RJ) | 01 | ||
Seminário Episcopal de São Paulo (SP) | 04 | ||
Seminário Episcopal de Diamantina (MG) | 01 | ||
Valença (RJ) | 01 | ||
Rio de Janeiro (sem identificação do local) | 01 | ||
Colégio Moretzohn em São Paulo | 01 | ||
Colégio Aquino no Rio de Janeiro | 01 | ||
Montes Claros (MG) | 01 | ||
Barbacena (MG) | 01 | ||
Seminário do Carmo em Belém - (PA) | 01 | ||
Escola Normal Oficial de Diamantina (MG) | 01 | ||
Mosteiro de São Bento (RJ) | 01 | ||
PREPARATÓRIOS | Liceu Mineiro de Juiz de Fora (MG) | 01 | |
Colégio Joaquim Carlos em São Paulo | 01 | ||
Escola de Minas de Ouro Preto - EMOP (MG) | 01 | ||
Ginásio Mineiro de Barbacena (MG) | 02 | ||
Colégio Ivaí em São Paulo | 01 | ||
Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária do Munícipio da Corte - Rio de Janeiro | 01 | ||
Itabira do Mato Dentro (hoje Itabira) | 01 | ||
Rio de Janeiro (sem identificação do local) | 07 | ||
Colégio Paixão em Petrópolis-RJ | 01 | ||
Colégio de Sabará (MG) | 01 | ||
Colégio Kopke, em Petrópolis -RJ | 01 | ||
São Paulo (sem identificação do local) | 07 | ||
Curso anexo da Faculdade de Direito de São Paulo | 01 | ||
Colégio Pedro II (RJ) | 03 | ||
Liceu Mineiro em Ouro Preto (MG) | 24 | ||
Colégio São Bento (RJ) | 01 | ||
Liceu Paraense (PA) | 01 | ||
Instituto de Ciências e Letras de São Paulo | 01 | ||
TOTAL | 117 |
Fonte: Monteiro (1994); Anais do Congresso Legislativo, 1891-1910. Mensagens presidenciais, 1892-1910.
Os locais de escolarização acima foram encontrados nos dados de 78 reformadores. Pode-se perceber a dominância de dois deles escolhidos para formação, mais uma vez, acompanhando os locais de nascimento. Nota-se, ainda, a zona do Centro oferecendo grande número de instituições com destaque, como os 24 que formaram em Humanidades no Colégio do Caraça e 24 que realizaram os preparatórios no Liceu Mineiro em Ouro Preto. Com números, também, expressivos, temos a Zona da Mata e do Sul. Os dados, entretanto, impendem afirmar que tais locais constituíram-se em Zonas formadoras de estudantes mineiros.
Esses espaços criavam associabilidades iniciais, os primeiros contatos com ideias além do seio familiar. Definiam campos de possibilidades de atuação intelectual e serviam de pontos de definição de amizades e inimizades. A vivência nesses ambientes, muitas vezes longe dos irmãos e pais, criava potenciais condições para a atuação na vida adulta. Indicavam parcerias intelectuais e profissionais e definiam os horizontes de expectativa de cada um. As experiências familiares, bem como as escolares criavam as condições para o sujeito tornar-se adulto. Vimos, assim, que eles formavam-se em Minas Gerais, em sua maioria, e estavam preocupados com uma formação completa, em grande número no ensino superior.
Segundo Carlos Souza (2015), em seu estudo sobre o ensino secundário no século XIX, esse segmento era considerado como formador do aluno para a cidadania ativa, uma vez que ele era membro e futuro reprodutor da boa sociedade imperial e republicana. Argumentava que os colégios não eram meras reuniões de aulas avulsas, pelo contrário:
[...] buscava-se ali, via uma nova estrutura curricular, apresentar o menino ao “mundo oficial”, encaminhando-o para a cidadaniaativa. Assim, gestava-se naquele espaço algo distinto daquilo que os preparatórios propunham: ali havia um repertório pedagógico promovido pela monarquia e que buscava dar organicidade ao ensino secundário no país. Ao fazê-lo, a monarquia punha em cena a centralidade da educação como esfera de atuação política. (SOUZA, 2015, p.55).
Carlos Souza indica o Colégio Caraça23 como um desses elementos que se postularam como local de formação elitizado em Minas Gerais. Na Tabela anterior, vimos que foi o que mais recebeu os reformadores. Segundo Mariza Andrade (2000), a oferta de estudos regulares naquele estabelecimento, desde seus primórdios, mantinha-se numa base humanística como guia orientador da educação moral e religiosa das crianças, em regime de internato. Além disso, os religiosos que lá atuavam eram, para as famílias mineira, geradores de prestígio, cujos valores conquistavam as elites na hora de enviar seus filhos aos estudos externos a casa. No internato, que era pago - em torno de 25$00024 mensais -, vislumbrava-se um tipo de educação voltada para um grupo bastante específico que poderia dispor de tal quantia. Nessa perspectiva, o Colégio atuava como reforçador de um tipo de formação que, ao valorizar as humanidades, considerava a posse de uma cultura geral, não utilitária. Representava tanto uma marca de distinção, quanto a formação de um repertório comum de temas considerados centrais para aqueles que atuariam em posições de destaque naquela sociedade, seja nas letras e artes, seja na política e burocracia do Estado (ANDRADE, 2000: 82-84).
Importa afirmar que era a família quem escolhia os locais e as formas de instrução de seus filhos, levando-se em conta que muitos lugares escolhidos partilhavam da sua tradição. Ademais, tal escolha era pautada em estratégias de manutenção do poder, tendo em vista as possibilidades de continuidade no processo de formação nacional e na reprodução de sua camada superior. Assumimos aqui a posição de que os colégios e liceus eram instituições que atuavam na criação de um projeto de nação e manutenção de suas elites.
O campo de atuação profissional poderia nos indicar se os trajetos anteriores obtiveram êxito na formação intelectual com a detecção, por meio da profissão, da formação superior. Encontramos informações sobre as atividades profissionais de 181 reformadores25.
Profissão | Quantidade |
Professor de curso superior (Acadêmico26) | 23 |
Agrimensor | 01 |
Advogado, promotor e Magistrado (Bacharéis em Direito) e Advogado Provisionado27 | 97 |
Comerciante | 07 |
Capitão, Coronel, Major, Oficial e/ou Tenente da Guarda Nacional | 18 |
Diplomata | 03 |
Diretor/Reitor de escola primária, secundária, profissional, normal, externato e/ou internato | 15 |
Empresário/Banqueiro | 06 |
Engenheiro | 12 |
Economista | 01 |
Escritor/poeta/Membro da AML e/ou do IHGB | 15 |
Farmacêutico | 05 |
Fazendeiro e/ou agricultor | 25 |
Historiador/Diretor do Arquivo Público Mineiro | 02 |
Industrial | 16 |
Inspetor de Instrução | 07 |
Jornalista | 26 |
Médico | 34 |
Professor de ensino primário, secundário, normal, externato e/ou internato | 26 |
Professor de outros (Escola de Legislação de Terras; Escola de Farmácia e Escola de Minas de Ouro Preto, Academia de Comércio de Juiz de Fora etc.) | 09 |
Professor particular | 03 |
Sacerdote | 03 |
TOTAL | 354 |
Fonte: Monteiro (1994); Anais do Congresso Legislativo de Minas Gerais nas legislaturas - 1897-1910; Mensagens presidenciais (1892-1910).
Podemos observar que o número é maior que 181, pois vários atuaram em diferentes profissões ao longo de suas trajetórias de vida e a grande maioria exercia várias atividades ao mesmo tempo. O ofício do direito era dominante entre os reformadores, sendo 97 advogados, juristas, promotores e advogados provisionados. Independente de sua formação em bacharel (Faculdade de Direito de São Paulo, Faculdade de Direito de Olinda e Recife, ou Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais), ou enquanto provisionado, esses sujeitos eram trabalhadores da lei. Em seguida, têm-se 34 médicos e 26 que seguiam a carreira jornalística. Posteriormente, professores de ensino primário, secundário, normal, internato e/ou externato também, com 26; fazendeiros/agricultores eram 25 e acadêmicos (professores de ensino superior) com 23, muitos desses sob a ótica da formação em Humanidades.
Entendendo que ser jornalista naquele tempo não era exatamente uma profissão e que todos os localizados nessa coleta de dados exerciam outras ocupações em primeiro plano, os professores de ensino primário, secundário, normal, internato e/ou externato passariam para o terceiro lugar. Ainda, se juntarmos todas as profissões que envolvem o universo da instrução, teríamos 83 reformadores nesses ramos. Se somarmos a essas as profissões do universo das letras e da intelectualidade, como as de historiador, poeta e jornalista, teríamos um total de 125 profissionais. Tal número deve ser pensando em congruência às outras profissões, tendo em vista que engenheiros, advogados, médicos, professores, fazendeiros e coronéis atuavam em diversas áreas, como as do ensino.
Lilia Schwarcz (2007) definiu os bacharéis como um grupo social e político importante entre os homens livres. Seriam “os advogados sem clientes, os médicos sem clínicas, os escritores sem leitores, os magistrados sem juizados, que fazem do diploma uma distinção, uma forma de sobrevivência estável e facilitada” (SCHWARCZ, 2007, p. 119). Acreditamos que o diploma de ensino superior acompanhava uma formação que definia o lugar social, que começava na infância, e estava diretamente ligado a família e as projeções de poder dentro dos grupos sociais aos quais faziam parte. Constatamos que ser bacharel tinha uma proposta de vincular-se ao universo educacional que oferecia aos sujeitos as condições de construção de suas visões de mundo e que possibilitavam aos mesmos reproduzir ou criticar a ordem vigente.
Ser formado em direito e ter atuado como professor, acadêmico, instrutor público e/ou diretor parece dar-nos a tônica do que teria sido uma prática comum profissional naquele cenário. À visto disso, formar-se em Ciências Jurídicas e Sociais pelas faculdades de Direito de São Paulo, de Pernambuco e, mais tarde, de Minas Gerais, ou assumir o oficio de advogado provisionado; graduar-se em Medicina no Rio de Janeiro; ou, em um sentido mais regionalizado do saber e em uma escala de menor amplitude, completar os estudos nos diferentes colégios, liceus e seminários de Minas Gerais habilitava intelectualmente o indivíduo daquele tempo a assumir um posto político no Estado.
Apresentamos a Tabela 12 com os locais de formação dos bacharéis em direito e dos formados em medicina, por meio dos dados que utilizamos na Tabela anterior.
Local/Área de Formação | Quantidade |
---|---|
FDSP - Faculdade de Direito de São Paulo | 56 |
FMRJ - Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro | 24 |
FDOL e FDRE - Faculdade de Direito de Olinda e do Recife | 04 |
EMBA - Escola de Medicina da Bahia | 04 |
FDRJ - Faculdade de Direito do Rio de Janeiro | 02 |
FLDMG - Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais | 18 |
TOTAL | 108 |
Fonte: Monteiro (1994); Anais do Congresso Legislativo (1891-1910); Mensagens presidenciais (1892-1910).
A partir dos números apresentados28 é possível afirmar que os reformadores bacharéis em direito, sobretudo os oriundos da FDSP, incluindo os advogados provisionados, assumiram postos na política mineira. Assim, não é sem sentido a constatação de que os espaços das faculdades de direito, além da aprendizagem do conhecimento da legislação e do ato de legislar, serviram como locais de formação de uma sociabilidade política. Neles, encontravam-se as oportunidades de contato de diferentes membros da elite mineira e de outros estados, como grupos sociais novos e outros que há muito cresciam na margem ou nos interstícios da sociedade e, também, membros de famílias tradicionais. Logo, não representavam exclusivamente nem setores médios ascendentes, nem grupos decadentes, mas uma gama social que ajudou a construir redes de contatos.
Considerações finais
O que vimos, ao longo do texto, foi a eclosão da formação de uma comunidade política mineira republicana. Constituída por sujeitos denominados por nós de reformadores que, a partir do processo da formação ao longo das trajetórias históricas, viria a utilizar-se de ferramentas retóricas específicas para a construção de argumentos em prol das medidas e dos projetos de reforma da sociedade. As diferenças de zonas serviriam para uma atuação localista e a de geração, para uma cumplicidade de experiência de tempo. A construção do repertório de atuação política é o que uniria esse engodo de diversidade, tendo na FDSP um dos lócus principais de encontro e de consubstanciação das maneiras de se pensar e fazer a sociedade e a política brasileira. O que os unia era o seu tempo, suas vivências e as possibilidades de utilização do repertório que construíram, na prática social e política, ao longo de suas atuações no cenário nos fins do século XIX. Homens mineiros, de diferentes zonas, que se aproximavam pela coesão geracional e, em sua maioria, pela escolha do curso Direito como condição da formação intelectual e profissional. Será a partir desses lugares que irão pensar a sociedade, produzindo imaginários sociais e discursivos sobre aquilo que acreditavam ser necessário para a construção do mundo que viam como melhor. A escola era um desses locais por onde a reforma da sociedade deveriam passar.
Eram as instituições de ensino que, do final do século XIX até as primeiras décadas do XX, carregavam a crença de tornar possível a produção e reprodução das formas sociais de vida requeridas para a inclusão da criança na sociedade. Tal percepção era possibilitada pelo entrelaçamento entre projetos de sociedade e de educação em que a escola pode ser encarada como uma espécie de vetor social, tornando-se responsável pela integração de múltiplos referenciais culturais e pelo estabelecimento das normas e valores determinantes da representação que a sociedade irá fazer de si mesma. Assim, há uma relação estreita entre a educação/instrução e a forma de governo.
Os projetos de educação e instrução propostos pelos reformadores, portanto, foram resultados de uma política republicana, que tinham como pano de fundo romper com aquilo que ainda perdurava do regime político-social imperial. Em meio a eles estava a preocupação com o trabalhador brasileiro - assalariado e moderno - em detrimento da antiga força de trabalho escrava. Aos poucos, tais planos, preocupados com a formação profissional, educacional e cidadã do trabalhador, vão se fundindo e postando-se em comunhão, a fim de solucionar vários dos problemas sociais, culturais, econômicos e políticos nos primeiros anos da República em Minas Gerais.
Tais projetos de educação e de instruções, junto ao projeto político republicano, foram pensados, articulados, implementados e postos a circular por homens que se colocaram no lugar de quem queria reformar a sociedade. Foram eles que, na condição de quem tinha na mão o poder do agir, poder político estatal, interviram, sob o império da lei, na sociedade mineira.