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Revista Práxis Educacional

versión On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.19 no.50 Vitória da Conquista  2023  Epub 16-Mayo-2024

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v19i50.11534 

Artigos

A CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO CONTEXTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE

CURRICULARIZATION OF UNIVERSITY EXTENSION IN THE CONTEXT OF THE SOCIAL FUNCTION OF THE UNIVERSITY

CURRICULARIZACIÓN DE LA EXTENSIÓN UNIVERSITARIA EN EL CONTEXTO DE LA FUNCIÓN SOCIAL DE LA UNIVERSIDAD

1Universidade Estadual Paulista - Marília, São Paulo, Brasil; jocarmi@terra.com.br


RESUMO:

O presente artigo se propõe à discussão sobre o papel da Curricularização da extensão universitária enquanto processo voltado à busca de transformação das formas de compreender e projetar ações no âmbito do fazer acadêmico-científico, incrementando a reflexão sobre a construção e socialização do conhecimento científico e tecnológico, tendo em vista suas implicações no contexto das relações sociais. Para delineamento metodológico do estudo recorre-se a amplo levantamento bibliográfico e à análise documental sobre a temática, discutindo o conceito de curricularização e suas implicações para a consolidação da universidade para além de sua visão operacional. Isso exige o reconhecimento efetivo do princípio constitucional de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão universitária, atividades mediadas pela gestão e, principalmente, para a transformação de paradigmas curriculares ainda fortemente marcados pela perspectiva de instrumentalização para o mercado de trabalho, não se desconsiderando o apelo social e político dessa tendência. Os resultados transitam pela compreensão de que uma instituição social como a universidade, além da construção e socialização de conhecimentos, interfere no sistema de relações sociais, contribuindo para a transformação das formas de ver, compreender e produzir visões de mundo, projetando novas formas de atuação política. No bojo desse constructo de natureza sociocultural, a universidade precisa desenvolver práticas voltadas ao reconhecimento público de sua legitimidade e atribuições, elementos de justificativa do processo de curricularização da extensão universitária.

Palavras-chave: curricularização; ensino superior; extensão universitária.

ABSTRACT:

This article proposes to discuss the role of the curricularization of University Extension as a process aimed at the search for transformation of the ways of understanding and designing actions in the scope of academic-scientific doing, increasing the reflection on the construction and socialization of scientific knowledge and technological, in view of its implications in the context of social relations. For the methodological design of the study, an extensive bibliographic survey and document analysis on the subject are used, discussing the concept of curricularization and its implications for the consolidation of the university beyond its operational vision. This requires the effective recognition of the constitutional principle of inseparability between teaching, research and university extension, activities mediated by management and, mainly, for the transformation of curricular paradigms still strongly marked by the perspective of instrumentalization for the labor market, not disregarding the appeal social and political aspect of this trend. The results reflect the understanding that a social institution such as the university, in addition to the construction and socialization of knowledge, interferes in the system of social relations, contributing to the transformation of ways of seeing, understanding and producing visions of the world, projecting new ways of acting policy. In the midst of this sociocultural construct, the university needs to develop practices aimed at public recognition of its legitimacy and attributions, elements that justify the process of curricularization of university extension.

Keywords: curricularization; university education; university extension.

RESUMEN:

Este artículo se propone discutir el papel de la curricularización en la extensión universitaria como un proceso dirigido a la búsqueda de transformar las formas de comprender y diseñar acciones en el ámbito del trabajo académico-científico, aumentando la reflexión sobre la construcción y socialización del conocimiento científico y tecnológico. , en vista de sus implicaciones en el contexto de las relaciones sociales. Para el diseño metodológico del estudio se utiliza un extenso levantamiento bibliográfico y análisis documental sobre el tema, discutiendo el concepto de curricularización y sus implicaciones para la consolidación de la universidad más allá de su visión operativa. Esto exige el reconocimiento efectivo del principio constitucional de inseparabilidad entre la docencia, la investigación y la extensión universitaria, actividades mediadas por la gestión y, principalmente, para la transformación de paradigmas curriculares aún fuertemente marcados por la perspectiva de instrumentalización para el mercado de trabajo, sin desatender el llamado aspecto social y político de esta tendencia. Los resultados reflejan la comprensión de que una institución social como la universidad, además de la construcción y socialización del conocimiento, interfiere en el sistema de relaciones sociales, contribuyendo a la transformación de modos de ver, comprender y producir visiones del mundo, proyectando nuevas formas de actuar política. En medio de esta construcción sociocultural, la universidad necesita desarrollar prácticas dirigidas al reconocimiento público de su legitimidad y atribuciones, elementos de justificación del proceso de curricularización de la extensión universitaria.

Palabras clave: curricularización; enseñanza superior; extensión universitaria

Introdução

A defesa de maior integração da universidade com os demais setores da sociedade brasileira, apesar de se fazer presente no debate sobre a função historicamente atribuída a essa instituição, ganhou maior destaque com a edição dos Planos Nacionais de Educação mais recentes e, em especial, com a promulgação da Lei 13.005 de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014), a qual, ao aprovar o Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência decenal, reforçou o alcance social e político de sua missão precípua de construção e socialização de conhecimento científico.

Posteriormente, no dia 15 de setembro de 2015 os 193 países membros da Organização das Nações Unidas subscreveram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, uma política global, com a finalidade de elevar o nível de desenvolvimento mundial, melhorando a condição de vida de todas as pessoas. Foram estabelecidos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas cujo alcance se vislumbra pela ação conjunta dos diferentes núcleos de governo, organizações sociais, empresas e sociedade em geral. Entre os ODS, destaque-se o de número 1, Erradicação da Pobreza; o de número 2, Fome Zero e Agricultura Sustentável; o de número 4, Educação de Qualidade; e, o de número 10, Redução das Desigualdades, sem desconsiderar a relevância social e política de todos os outros.

Reconhecendo as implicações da Agenda 2030 para a educação superior, destaque-se, de início, diretrizes relevantes enunciadas em outros Planos Nacionais de Educação e reafirmadas no PNE 2014-2024, tais como a busca da superação das desigualdades educacionais, a promoção da cidadania como elemento fundante para a consolidação de uma sociedade democrática, bem como a concepção da educação como perspectiva para superação de todas as formas de discriminação.

Em decorrência desses pressupostos, o referido instituto legal concebe a educação como instrumento para a promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do país, estabelecendo para as diversas instâncias do sistema educacional atribuições, competências e metas a serem observadas no lapso temporal delineado.

No caso da educação superior, o PNE 2014, em sua meta 12, além de defender a ampliação do acesso e da participação proporcional de grupos historicamente desfavorecidos, reafirma a exigência do cumprimento de no mínimo 10% dos créditos curriculares exigidos para a titulação na graduação em atividades extensionistas, já prevista no PNE anterior, orientando a ação para áreas de grande pertinência social e para o desenvolvimento sustentável e solidário.

O cumprimento da determinação legal de curricularização da extensão universitária tem encaminhamentos díspares nas universidades brasileiras, dada a complexidade da temática. Em algumas delas, o processo já está consolidado; em outras, em desenvolvimento recente; havendo, ainda, casos de solicitação de protelação de prazo para efetivação da creditação a partir de 2024.

Neste artigo, a proposição não é de avaliação do andamento desses processos, mas de discussão do conceito de curricularização no contexto de anseios relativos à contribuição da universidade para a transformação da realidade brasileira, cumprindo a sua função social. Enquanto uma instituição social, uma universidade, além da construção e socialização de conhecimentos, interfere no sistema de relações sociais, contribuindo para a transformação das formas de ver, compreender e produzir visões de mundo, projetando novas formas de atuação política. No bojo desse constructo de natureza sociocultural, a universidade precisa desenvolver práticas voltadas ao reconhecimento público de sua legitimidade e atribuições, elementos de justificativa do processo de curricularização.

Dessa forma, da natureza do trabalho acadêmico-científico decorrem alguns questionamentos absolutamente necessários. Investir na formação de mão-de-obra especializada? Desenvolver pesquisas para atender ou orientar demandas de natureza mercadológica ou do Estado politicamente organizado? Promover a construção de conhecimento científico e a socialização de saberes tidos como sistematicamente organizados e/ou saberes populares? Produzir e socializar saberes científicos, pautando-se pelas demandas da sociedade e consolidando-se como instância fundamental da cultura? Qual seria a função social da universidade?

Todas as questões elencadas podem envolver elementos teóricos e práticos situados no contexto da compreensão do papel social e político da universidade. No entanto, é fato que na realidade brasileira as perspectivas de pesquisa e ensino têm sido valorizadas em patamar diferenciado comparativamente à dimensão da extensão universitária, ao menos no que se refere à avaliação docente.

Por vezes, são divulgados relatos de ameaças de rebaixamento de regime de trabalho docente na universidade por produtividade considerada insuficiente na área da pesquisa, geralmente tomada como sinônimo de produção bibliográfica. Ou de não credenciamento ou mesmo de descredenciamento de pesquisadores na pós-graduação. Raramente se divulgam situações desta natureza sustentadas por atuação nas áreas do ensino e da extensão universitária.

O debate sobre o papel social da universidade é sempre atual e relevante, ao ponto de se consagrar no Art. 207 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na concepção de currículo consubstanciada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96, nos Planos Nacionais de Educação (2001-2010, 2011-2020 e 2014-2024) e em toda a legislação correlata.

Situado no contexto destas formulações, o presente estudo se ocupa da discussão sobre o papel da Curricularização da extensão universitária enquanto processo voltado à busca de transformação das formas de compreender e projetar ações no âmbito do fazer acadêmico-científico, incrementando a reflexão sobre a construção e socialização do conhecimento científico e tecnológico, tendo em vista suas implicações no contexto das relações sociais.

Para delineamento metodológico do estudo recorri a amplo levantamento bibliográfico e de análise documental sobre a temática, discutindo o conceito de Curricularização e suas implicações para a consolidação da universidade para além de sua visão operacional. Isso exige o reconhecimento efetivo do princípio constitucional de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão universitária, atividades mediadas pela gestão e para a transformação de paradigmas curriculares ainda marcados pela perspectiva de instrumentalização para o mercado de trabalho, não se desconsiderando o apelo social e político dessa tendência.

Desse modo, destaco o fato de, usualmente, se tratar os conceitos de Creditação e Curricularização praticamente como sinônimos, mas aponto, de início, para uma distinção necessária: o primeiro se refere ao ato de destinar à carga horária dos cursos de graduação um percentual referente às ações e atividades de extensão, enquanto o segundo sugere trazer em seu bojo, além de consequências para a organização técnico-burocrática dos programas de ensino superior, implicações profundas relativas ao conceito de universidade, à transformação de paradigmas de organização curricular e à própria forma de construção e, principalmente, de socialização ou disseminação do conhecimento científico. Por isso, assumimos no estudo a noção de construção social de conhecimento conforme Thiollent (2002), processo no qual pesquisa e extensão universitária ao serem intrinsecamente articulados poderão melhor servir aos propósitos de transformação social.

Certo da atualidade e da relevância desse debate no contexto da sociedade brasileira de capitalismo periférico e dependente, com brutal desigualdade social, procedi ao levantamento de fontes bibliográficas e documentais adotando basicamente dois procedimentos de busca.

Primeiramente, uma consulta na base SciELO, Scientific Electronic Library Online, usando inicialmente um descritor amplo configurado no título deste artigo: “Curricularização da Extensão Universitária no Contexto da Função Social da Universidade”. Esse critério de busca não apontou resultados para a pesquisa.

Utilizando como descritor a expressão “Função Social da Universidade” foram indicadas 65 obras, a ampla maioria versando sobre profissionalização em áreas específicas de interesse, atuação da universidade para a ressignificação de práticas na Educação do Campo, a questão das contribuições da universidade para o desenvolvimento profissional em geral, acompanhamento de egressos, políticas de ações afirmativas, atividades de pesquisas a incrementar as relações entre as universidades, as indústrias e o governo, ações para legitimação de políticas científicas voltadas para a internacionalização, investigações sobre concepções e saberes docentes, impactos da globalização na atuação universitária e a inclusão escolar como instrumento para amenizar a desigualdade social.

Por certo, todas essas ações são relevantes para a transformação social e tem relações com a temática central da curricularização, mas a maioria absoluta delas não tratava expressamente do problema de pesquisa de nosso interesse: “Quais seriam os fundamentos e princípios da Curricularização da Extensão Universitária face à função social da universidade?”

Restringindo os filtros de pesquisa, o descritor “Curricularização” relacionou quatro artigos científicos; dentre eles, dois tratavam de tentativas de reorganização curricular. Ao ampliar o mecanismo de busca com a expressão “Curricularização da Extensão Universitária” restaram dois artigos com propósitos próximos aos definidos anteriormente neste estudo. Ambos tratavam de descrição e sistemática de avaliação de processos de curricularização da extensão universitária em cursos da área médica.

Confirmou-se, então, a nossa desconfiança de que, embora bastante presente no debate acadêmico, haviam poucos estudos tratando especificamente do princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão universitária, considerado como elemento fundante para a transformação da sociedade, prerrogativa central da imposição legal de destinação de 10% do total da carga horária curricular dos cursos de graduação para o desenvolvimento de atividades de extensão universitária.

Em segundo lugar, buscamos documentos oficiais sobre o instituto da curricularização da extensão universitária em repositórios do governo federal e de oito universidades brasileiras, sendo três federais, três estaduais e duas particulares.

Optamos por abordagem de natureza qualitativa e pelo critério de seleção de obras analisando, de forma geral, os conceitos de curricularização, de extensão universitária e de função social da universidade, ainda que não necessariamente articulados na construção das ideias contidas, mas que pudessem favorecer a análise por nós pretendida, o que resultou no embasamento teórico a partir dos documentos ao final referenciados.

Ao longo do estudo, guiamo-nos pela convicção de que o papel de uma universidade é produzir saberes visando ao desenvolvimento científico, tecnológico e social de modo a contribuir para a construção de uma sociedade democrática, justa, inclusiva, sustentável e solidária. Essa missão institucional deve significar que a produção de conhecimento, sua função precípua, a socialização do conhecimento produzido pela ação de ensinar e de dialogar com a sociedade que a subsidia, bem como a sua difusão como instância da cultura, possibilitam a constituição de uma dada visão de mundo, a qual se materializa no processo de desenvolvimento da sociedade civil organizada.

Esse compromisso social da universidade tem sustentação histórica, seja na comunidade de pesquisadores, seja nos processos reivindicatórios dos movimentos docente e estudantil em contexto nacional, bem como em deliberações de importantes fóruns de educação e de gestão universitária. É no contexto dessas formulações iniciais que o presente estudo se justifica.

Por que curricularizar a extensão universitária?

Pensar a extensão universitária como componente específico da estrutura curricular dos cursos de graduação tem como fundamento legal o Art. 207 da Constituição Federal de 1988, combinado com o Art. 43 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9394/1996, destacando-se determinantes no sentido de formação integral dos acadêmicos, interação dialógica com a comunidade e compromisso com a resolução de problemas que afligem a sociedade. No entanto, é no contexto da regulamentação do conteúdo do Art. 214 da Constituição Federal de 1988, ao se promulgar a Lei Federal 13005/2014, que a Curricularização da atividade extensionista torna-se obrigatória e, na legislação complementar, apontam-se para implicações legais relativas ao reconhecimento dos cursos de graduação.

Trata-se, portanto, mais do que cumprir o dispositivo constitucional, de assegurar a consolidação do princípio, já consagrado no debate acadêmico-científico, de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão universitária, ações mediadas pela gestão acadêmica.

Nas oito instituições universitárias pesquisadas, escolhidas aleatoriamente, observamos algum movimento concreto no sentido da curricularização da extensão universitária. Entre elas, uma implantou o processo em 2015, duas em 2016, duas em 2018, duas em 2019 e uma havia solicitado prorrogação de prazo para adequação da legislação dos cursos de graduação, com implementação prática a partir do ano letivo de 2023. Destaque-se que a curricularização já era recomendada nos institutos e nas universidades federais a partir de 2015, sendo progressivamente incorporada nas instituições estaduais, municipais e privadas, a despeito de fatores de conjuntura local a explicar o relativo descompasso entre as datas de implantação.

A amostra levantada permitiu uma projeção interessante no sentido de maior valorização da atividade extensionista, reclamação sempre presente nos movimentos reivindicatórios docente e discente, apontando para a relevância do cumprimento da determinação legal de curricularização da extensão universitária a fim de melhoria da formação nos cursos de graduação, com impactos no desenvolvimento profissional, na formação continuada e, principalmente, na reorganização curricular e renovação dos programas de ensino.

Em todos os guias ou documentos de curricularização consultados notamos o compromisso tácito com uma formação profissional, científica, técnica, acadêmica, mas sobretudo humanística. Sobressaltam propostas de envolvimento dos estudantes com os diversos setores da sociedade, incentivando a participação efetiva e consciente na relação dialógica a ser estabelecida, nos debates contemporâneos e na busca de encaminhamento de demandas sociais a partir dos princípios e diretrizes da extensão universitária, articuladamente às ações de ensino e pesquisa.

Em decorrência do conjunto de princípios de ordenamento jurídico apontado e da sua própria constituição histórico-social , o compromisso ético e efetivo da universidade deve ser, portanto, com a dignidade da condição humana, elaborando e disseminando saberes e valores, em uma construção complexa que envolve conhecimentos científicos e artefatos culturais relacionados a crenças, arte, moral, costumes, leis, hábitos e capacidades adquiridos pela pessoa humana em seu processo de formação profissional, verdadeiramente compromissado com o bem-estar comum e com a busca de resolução dos problemas postos no contexto da sociedade.

Compreende-se que somente uma universidade sintonizada com as peculiaridades de seu entorno, de sua comunidade, vivenciando as suas circunstâncias, sensível aos seus problemas, poderá conduzir os estudantes a uma nova postura frente aos problemas da realidade de modo a contribuir para sua transformação. Assim é que ao discutir sobre os conceitos envolvidos na temática da interculturalidade, Santos (2019, p. 60-61) considera que a interculturalidade didática:

Ocorre em processos que combinam, por um lado, o individual e o coletivo e, por outro, o oral e o escrito. Diz respeito a situações em que líderes de movimentos ou organizações se distinguem pelo trabalho de tradução que levam a cabo para fortalecer as lutas sociais em que estão envolvidos. A sua individualidade não é, nesse caso, individualista, pois o seu trabalho não só expressa uma vontade coletiva como está orientado para fortalecer a luta contra a dominação econômica, social, cultural e política. Por outro lado, a oralidade, que domina na prática da organização e da luta política, é complementada pela reflexão escrita e publicada.

Compreender os processos de produção e socialização do conhecimento nesses termos, impõe reconhecer, para além de uma mera questão técnico-burocrática, que a Curricularização da extensão universitária envolve concepções de educação, de universidade e de sociedade, vinculadas umbilicalmente às questões epistemológicas e atreladas, portanto, à busca de compreensão sobre a forma como o conhecimento se constitui, ou seja, como os seres humanos, ou a própria ciência, adquirem e justificam os seus saberes. Nesse modo de pensar, a relação da universidade com a sociedade não pode ser de mão única, como um apêndice ou algo eventual, mas como um constructo a se estabelecer organicamente, vinculado àquilo que a academia faz, isto é, ensinar e pesquisar.

Além disso, a universidade como instituição do sistema educacional, cumpre um duplo papel contraditório: por um lado, é um local de produção e socialização de conhecimento, a exigir postura crítica e de liberdade na reflexão; por outro lado, também pode servir de reprodução das relações sociais, o que pode envolver postura de conformidade. Também por isso, o estabelecimento de relação dialógica com a sociedade reveste-se de maior importância posto que esse conflito não é meramente conjuntural, mas situado no próprio âmago da instituição universitária.

Em obra na qual analisa a trajetória histórica da extensão universitária no contexto brasileiro, Sousa (2000) indica que ela tem sido caracterizada, de modo marcante, por uma construção progressiva e permanente, isto é, sucessivamente, as ações, fatos e práticas sociais apontam novas necessidades, novos rumos e avanços teóricos para sua melhor definição no contexto acadêmico e, principalmente, no âmbito das relações com a sociedade. Nessa trajetória, segundo a autora, os estudantes tiveram papel importante pela luta em prol da democratização do acesso à educação e de melhoria do ensino, em todos os níveis e âmbitos de formação, ao que se somam iniciativas ligadas aos movimentos sociais e populares, além de diretrizes extensionistas advindas do Ministério da Educação, das instituições de ensino superior, públicas ou privadas, de forma mais recente representadas pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão, o FORPROEX. Como exemplo, Sousa (2000, p. 52) estabelece que

A Extensão Universitária, vista sob a ótica do Movimento Estudantil Brasileiro, foi crescendo ao longo da História desse Movimento e, mesmo antes de sua existência como entidade organizada, suas concepções se acrescentavam e avançavam no sentido de construir a Extensão como instrumento de envolvimento político, social e cultural da Universidade com a Sociedade, sempre direcionada para o desenvolvimento das classes populares no sentido de promover sua liberação.

De fato, a rigor, se a principal função da academia é construir saberes, o seu duplo papel contraditório, anteriormente indicado, impõe a ela compromisso com a verdade, com a justiça social, com a busca da igualdade, com a beleza, com a arte, com a cultura, enfim, um compromisso tácito com a ruptura e com a inovação. A complexa rede de práticas, sistemas e significados a envolver o trabalho na universidade, ainda que se mova pela convicção segundo a qual o Estado, administrador do excedente econômico, deva ser o principal responsável pela formação com qualidade referenciada na sociedade, pode e tem o dever de contribuir para a construção de uma ordem social a abrigar a possibilidade de outro projeto educativo, a se consolidar como políticas de Estado e não de governos, considerando, também, por dever ético e compromisso político. Na opinião de Brandão (1986, p. 149)

[...] o processo popular de produção de um saber de classe que, conduzido necessária e essencialmente entre redes de trocas de símbolos de sujeitos populares, é intencionado pelo trabalho pedagógico assessor de grupos, agências ou movimentos de educação popular.

Não se trata, portanto, apenas de uma universidade que produz conhecimento e o socializa com a comunidade mediante atividades de extensão universitária, mas de um trabalho acadêmico baseado na relação dialógica com a sociedade a reconhecer novos problemas e buscar os seus encaminhamentos, em rico processo interativo de construção social do conhecimento, viável pelo diálogo intercultural voltado à intercompreensão crítica, conforme Thiollent (2002, p. 68, aspas do autor):

De um lado, com a interdisciplinaridade entre grupos universitários e, por outro, o diálogo intercultural com os membros externos, cria-se, durante a realização do projeto, um espaço de interlocução onde se produzem efeitos de compreensão, de ‘tradução’, de facilitação no plano da comunicação. De acordo com a visão crítica, todos os participantes aprendem em contato com os outros, aceitando relativizar seus pontos de vista.

Nesse modo de olhar, a característica fundamental do movimento acadêmico que se pretende instalado é a busca do inédito e do desconhecido, ou seja, a ele se impõe a criação de algumas das condições para a transformação, cuja efetivação depende, também, de condições estruturais da sociedade como um todo articulado. De acordo com Oliveira e Melo (2018, p. 2),

Em seu desenvolvimento histórico no Brasil, a extensão universitária manifestou-se como veículo de difusão da cultura dominante e instrumento da dominação social por meio de ações assistencialistas. No contexto da redemocratização brasileira, em coerência com as transformações societárias em nível global e com o modelo de universidade que o governo desejava implementar nesse período, a visão mercantilista da extensão nas universidades começa a ganhar evidência.

Essa conjuntura se consolida mediante busca de captação de recursos pela venda de serviços envolvendo parcerias entre a universidade e o empresariado, bem como pela prestação de serviços a setores do próprio governo. No entanto, a resistência a ambos os modelos promove a ressignificação da extensão pela própria comunidade universitária, configurando-se progressivamente como dimensão acadêmica de um modelo de universidade a buscar a qualidade socialmente referenciada, com base no princípio constitucional de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A transformação desse modelo de universidade é, para além de implicações legais e acadêmicas, dependente de decisões políticas, as quais, na atual realidade brasileira, resultam de composições por consenso e coalizão.

Apesar disso, para além das pautas de socialização de conhecimentos acadêmicos pela prestação de serviços via assistências, assessorias e consultorias ou pela disseminação de conhecimento produzido em programas e projetos de extensão, cursos, conferências, eventos ou seminários, paulatinamente observa-se na política pública definida no FORPROEX (2012, p. 17, aspas no original) que

A Extensão Universitária tornou-se o instrumento por excelência de inter-relação da Universidade com a sociedade, de oxigenação da própria Universidade, de democratização do conhecimento acadêmico, assim como de (re)produção desse conhecimento por troca de saberes com as comunidades. Uma via de mão dupla ou, como se definiu nos anos seguintes, uma forma de ‘interação dialógica’ que traz múltiplas possibilidades de transformação da sociedade e da própria Universidade Pública.

Fazer valer o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, tomado como elemento fundante para a consolidação da universidade democrática, implica estabelecer entre a academia e a sociedade uma interdependência profícua, sustentada por ensino de qualidade, pesquisas relevantes e extensão com impacto social, articulados em processo dinâmico de intercomunicação dos diferentes programas, projetos e redes temáticas de socialização de conhecimento, integrando a universidade e os movimentos sociais e populares.

Pensar essa articulação implica, também, em vislumbrar determinações dos movimentos que nascem e se desenvolvem no meio social, haja vista a possibilidade de a universidade rever e reconstruir sua postura e sua prática, posto que nela estarão presentes movimentos, organismos e instituições sociais.

Thiollent (2002) estabelece que ao se considerar uma visão de construção social do conhecimento, as ações de extensão universitária poderão vislumbrar perspectivas de adequação aos pressupostos de transformação social. Para o pesquisador, é inerente aos projetos de extensão universitária um processo de construção do conhecimento que se define:

  1. nos diagnósticos e pesquisas efetuadas em comunidades ou instituições;

  2. nas ações formativas para membros dessas comunidades ou instituições;

  3. nas ações formativas para alunos, professores e técnico-administrativos da universidade;

  4. nas ações informativas ou mobilizadoras em públicos mais amplos (THIOLLENT, 2002, p. 66).

Dialogando com a formulação teórica de Thiollent é possível considerar que a legislação sobre a Curricularização da extensão universitária em cursos de graduação, em sintonia com a Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018, da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, é abrangente e flexível, contemplando praticamente todas as dimensões do trabalho acadêmico e vislumbrando interlocução com uma diversidade considerável de comunidades parceiras de modo a partilhar o conhecimento produzido, identificar novos problemas, informar, capacitar e propor soluções. Como já dito, essa discussão se estabelece de maneira mais profícua a partir do Plano Nacional de Educação de 2014, arrefecida, no entanto, pela turbulência política do período subsequente.

Definir esse perfil de atuação da universidade pressupõe o compromisso social e político no sentido de que as decisões relativas às ações a serem implementadas devem ser de interesse público, amplamente debatidas e com profundo respeito pelas decisões coletivas; fundamentadas, portanto, em relações dialógicas com vistas ao consenso e à paz social. Assim, na atual realidade brasileira, a universidade deve firmar sua missão histórica de culto à liberdade, de reconhecimento de sua relevância no debate sobre as políticas de desenvolvimento científico, de sustentabilidade e de inovação, em função de sua capacidade para encaminhamento de questões sociais, econômicas, tecnológicas e ambientais.

Igualmente, em um contexto de internacionalização dos mercados econômicos, na prática transformando-os em mercado único, e de transnacionalização das culturas, de mudanças sociais e de processos produtivos, a universidade pública necessita ampliar as suas redes de pesquisa e cooperação, com vistas à implementação de ações voltadas ao fortalecimento, enriquecimento, diversificação e complementação da formação acadêmica na perspectiva do compromisso social que lhe é inerente, em contexto micro e macrossocial.

Destaque-se, então, a amplitude desse compromisso, com implicações, inclusive, para a avaliação dos programas de pós-graduação relativamente ao seu impacto social. Por isso, embora a legislação sobre a Curricularização se refira expressamente aos cursos de graduação, ao se referir à proporcionalidade de um terço do indicador para o impacto social, a sistemática de avaliação da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, reforça, ainda que de forma indireta, a articulação entre teoria e prática e o princípio constitucional de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão universitária.

A consolidação das relações entre sociedade, educação, cultura e democracia pressupõe uma abordagem transdisciplinar na qual o estudante não tem lugar, nem momento certo, para aprender algo, ou seja, ele aprende no decorrer de toda a vida; se reconhece o papel da interação no processo de conhecimento, sem desconsiderar uma relação direta e pessoal com a aquisição do conhecimento; se assume o conhecimento como uma totalidade, na qual o todo é maior que a soma das partes; e, por fim, se coloca como possibilidade um processo de formação de cidadãos preparados para a participação ativa nos procedimentos de tomada de decisão. Isso exige a formação de profissionais na perspectiva de desenvolvimento omnilateral, de formação integral, a colocar progressivamente novas exigências para o trabalho na universidade, face às demandas da sociedade em transformação.

Tais assertivas sobre a Curricularização trazem consequências para a organização dos programas de ensino. Considerando que o conhecimento teórico se constitui como o próprio conteúdo da Atividade de Estudo, além de ser, simultaneamente a sua própria necessidade, de forma tal que “a atividade humana se correlaciona com certa necessidade, enquanto as ações são relacionadas aos motivos”, Davidov (2019, p. 220), é enfático:

Os motivos das ações de estudo incentivam os alunos a assimilar os modos de reprodução dos conhecimentos teóricos. Ao realizar ações de estudo, os alunos dominam, em primeiro lugar, os modos de reprodução dos conceitos, imagens, valores e normas e, por meio desses modos, assimilam também o conteúdo dos conhecimentos teóricos. Assim a necessidade da Atividade de Estudo induz os alunos a assimilar o conhecimento teórico. Os motivos, por sua vez, servem para assimilar os modos de sua reprodução por meio de ações de estudo voltadas para a resolução da tarefa de estudo (lembramos que a tarefa de estudo é a unidade do objetivo da ação e das condições para a sua realização).

A ação extensionista pode e deve se constituir como um elemento fundamental na vinculação entre os motivos e as necessidades de aprendizagem. Nas formulações davidovianas, é a aprendizagem que impulsiona o desenvolvimento intelectual dos sujeitos. Por certo, ainda predomina na escola uma concepção de aprendizagem pautada pelo pensamento empírico, de modo que a generalização teórica somente é observada com efetividade nos alunos capazes de formular, com apoio do professor ou de forma autônoma, a tarefa de estudo, dando o encaminhamento necessário para resolvê-la mediante processo ativo de análise.

A consolidação das relações entre ensino superior, cultura e democracia pressupõe a formação de cidadãos preparados para a participação ativa nos procedimentos de tomada de decisão e de controle do exercício de poder. Pensar desta forma traz consequências para a organização das instâncias de formação, seja a da universidade ou da educação básica, seja a vinculada a movimentos de organização comunitária: implica em compreender a amplitude real do processo de apropriação de conhecimento, isto é, que não se aprende apenas e tão somente na universidade, mas que a universidade pode contribuir para o incremento das ações comunitárias; ampliar o espectro da tomada de decisão; acreditar que a apropriação de conhecimento é algo prazeroso e que extrapola os seus muros; e, que todo conhecimento, de caráter científico ou comunitário, deve ser valorizado, o que implica na criação de ambientes colaborativos de ensino, pesquisa e extensão universitária, uma dimensão ampliada da cultura, com vistas à ampliação dos tempos e dos espaços de aprendizagem, negociação de significados e constituição de lideranças.

Ao discutir os pressupostos da pesquisa-ação, Picheth, Cassandre e Thiollent (2016, p. s8) defendem que o foco na ação coletiva em busca da resolução de um problema implica na premissa da existência de inter-relações entre a metodologia da pesquisa e princípios de intervenção na realidade:

O conhecimento teórico gerado dentro de uma perspectiva epistemológica intervencionista resulta de engajamento nos esforços de mudança dialógicos e práticos. Combinado com o desenho e implementação de intervenções, o modelo estrutural da atividade não exclui a subjetividade, a experiência sensorial, a emoção, tampouco as questões ético-morais. Mas, em vez disso, essas dimensões da atividade estão imersas em esforços de mudança coletiva, em que os modelos e as vozes dos sujeitos atuam como mediadores.

Ainda que seja válida, e muito presente na extensão universitária, a perspectiva de a universidade fazer propostas de encaminhamento para problemas detectados nos demais setores da sociedade, parece-nos que dimensionar o objeto de abordagem como uma pesquisa-ação, compreendendo a busca e encaminhamento coletivo da solução para o(s) problema(s) existente(s) via artefatos científico-culturais contribui para o enriquecimento curricular e para o fortalecimento das relações entre os atores sociais envolvidos, de modo a se concretizar em uma ação planejada para a constituição do objeto de análise, deliberação e avaliação das ações desenvolvidas.

Desse modo, concordamos com Moreira e Tadeu (2013, p. 42-43) quando enfatizam que

As profundas relações entre currículo e produção de identidades sociais e individuais, tantas vezes destacadas na teorização crítica, têm levado os educadores e educadoras engajados nessa tradição, a formular projetos educacionais e curriculares que se contraponham às características que fazem com que o currículo e a escola reforcem as desigualdades da presente estrutura social. Nesse contexto, tem havido uma certa tendência a vincular currículo e construção da cidadania e do cidadão. Embora esse movimento tenha raízes genuinamente democráticas, ele pode também ser regressivo na medida em que não esteja atento para flagrar, no seu próprio desejo de formação de um tipo de identidade, sutis mecanismos de controle e poder.

De modo coerente, as diretrizes para a extensão universitária estabelecidas no âmbito da Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018, da Câmara de Educação Superior, instância do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2018), sugerem um processo formativo na graduação pautado na valorização da pessoa humana em suas relações com o outro e com o mundo, no respeito como valor universal, nas diferenças individuais, sociais e culturais e na persecução de conhecimentos plurais, com base em:

  1. 1. Impacto na formação discente em dimensão humanista;

  2. 2 Impacto na sociedade, com base na inclusão e na contribuição para construção de processos de emancipação e empoderamento;

  3. 3. Interação dialógica, visando a ressignificação de saberes mediante reconhecimento, ou não, de vínculos entre conhecimento científico e conhecimento do cotidiano;

  4. 4. Interdisciplinaridade, ao promover a interação entre modelos científicos, conceitos e metodologias das diversas disciplinas e áreas do conhecimento, estabelecendo interfaces entre elas, seja na perspectiva pedagógica ou epistemológica, para a construção do conhecimento novo;

  5. 5. Interprofissionalidade, ao reconhecer o ato de aprender a trabalhar em equipe, valorizando a reflexão sobre os papéis profissionais, a perspectiva da resolução de problemas e a negociação nos processos de tomada de decisão, respeitando as singularidades e as diferenças na abordagem de saberes e práticas profissionais;

  6. 6. Universalidade, firmando um modelo de universidade pública, laica, de qualidade referenciada na sociedade, voltada à efetividade da articulação entre ensino, pesquisa e extensão universitária.

  7. 7. Avaliação contínua: pensar a extensão universitária como espaço para ampliação do debate acadêmico, consolidando-se como vasto campo de reflexões teóricas, de produção e socialização de conhecimento.

A rigor, todo conhecimento é resposta a um questionamento, ou seja, a construção e a democratização do acesso ao conhecimento científico com vistas ao desenvolvimento do pensar crítico e rigoroso não podem, como bem ensinou Freire (1983, p. 36, grifos e aspas do autor), negligenciar o ambiente de relações causais e de reflexão problematizadora:

O diálogo e a problematização não adormecem a ninguém. Conscientizam. Na dialogicidade, na problematização, educador-educando e educando-educador vão ambos desenvolvendo uma postura crítica da qual resulta a percepção de que este conjunto de saber se encontra em interação. Saber que reflete o mundo e os homens, no mundo e com ele, explicando o mundo, mas sobretudo, tendo de justificar-se na sua transformação. A problematização, dialógica, supera o velho magister dixit, em que pretendem esconder-se os que se julgam ‘proprietários’, ‘administradores’ ou ‘portadores’ do saber.

Enfrentar o desafio da Curricularização da Extensão Universitária impõe compreender a relação dialógica na qual se exige a capacidade de interpretação acurada dos problemas, a busca de apropriação da causalidade dos fenômenos, aprofundando a investigação, questionando a mera aprendizagem por associação de modelos, nem sempre adequada para a exata compreensão da realidade. Exige a elaboração conceitual com base na produção de sentidos de aprendizagem e de construção de significados da ciência, reconhecendo as interações, as possibilidades e os desafios da interdisciplinaridade.

Esse ambiente formativo é necessário para sustentação dos anseios de construção de uma sociedade democrática, livre e plural, dotada do atributo da tolerância e do respeito pelo outro e pelas diferenças, o que no caso da universidade pressupõe compromisso com princípios de organização do trabalho acadêmico pautados pela consideração do preceito constitucional de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, concebendo a gestão autônoma e participativa como atividade-meio fundamental para a sua consolidação.

É, portanto, na perspectiva de oxigenação dos processos de construção e socialização do conhecimento, desenvolvendo políticas efetivas de formação profissional inicial ou continuada, de enriquecimento curricular, de formação complementar e de maior integração da universidade com a comunidade que os anseios pela Curricularização das ações de extensão se justificam.

A extensão universitária no contexto da transformação dos modos de produção

É pela articulação do conhecimento científico produzido no âmbito do ensino e da pesquisa com as demandas e necessidades da comunidade onde se insere, interagindo e contribuindo para a transformação da realidade que a função social da universidade se revela.

Uma universidade pública que busca cumprir a sua função social deve ter por objetivo a promoção do desenvolvimento científico, social e cultural fomentando programas e projetos de extensão universitária voltados à difusão da produção científica, ao provimento de condições adequadas para trabalho e estudo e à resolução de demandas da comunidade, consolidando-se os benefícios que resultam da criação científica, cultural, tecnológica e de inovação.

Nesse sentido, uma universidade comprometida com a transformação, pública, laica e referenciada na sociedade desenvolve a sua proposta de extensão universitária a partir de procedimentos políticos, técnicos, administrativos e metodológicos que se pautam por uma contínua vinculação entre educação, comunidade e conhecimento produzido.

O momento nacional exige liberdade, ousadia e compromisso na produção e socialização da ciência posto que conforme Gonçalves (2012, p. 17):

[...] não estamos somente diante de um paradigma que se dá no campo das ideias e que separa homens e natureza, separa ciências humanas das ciências da natureza, mas diante de uma separação prática e concreta de homens e mulheres da natureza e, ainda, de uma relação onde os que se tornam proprietários da natureza e de outros meios agem como se natureza fosse, simplesmente, uma fonte inesgotável de riqueza. Assim, institui-se uma teia complexa de relações sociais e de poder dos homens entre si, entre homens e mulheres e entre os homens e mulheres com a natureza, das diferentes culturas e povos entre si, que atravessa o conjunto da sociedade e que dão suporte a esse paradigma.

Inexoravelmente, os paradigmas são instituídos e constituem parte das relações sociais e de poder situados em determinado contexto histórico. Daí, a atuação da universidade deve ter como partida a prática social na qual docentes, servidores, discentes e comunidade se posicionam em relação dialógica, crítica e reflexiva porquanto são agentes sociais postos em contexto plural; a problematização como reflexão acerca de questões que precisam ser resolvidas e o conhecimento necessário para tanto; a apropriação de instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas postos pela prática social; a catarse como efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos da transformação social; e, por fim, a própria prática social, com a ascensão dos sujeitos ao nível sintético ampliado relativamente ao qual se encontrava o coletivo no ponto de partida, reduzindo-se também a precariedade da síntese de seus pressupostos, pela compreensão mais orgânica dos processos.

Por outro lado, o avanço tecnológico restringe os postos de trabalho e torna a disputa pelo emprego mais acirrada, exigindo níveis de formação mais elevados. A um numeroso contingente de pessoas impõe-se a necessidade de buscar formas alternativas de inserção na economia e no mundo do trabalho tais como autoemprego, organização de microempresas ou atuação na economia informal.

Um processo de Curricularização das Atividades de Extensão Universitária não pode se abster do compromisso com o enfrentamento dessa realidade; ainda que não possa, per se, equacionar todos os problemas, é dever ético da universidade a contribuição com a construção e socialização de conhecimento e sugestão de políticas públicas voltadas ao seu melhor encaminhamento. Concordamos com Gohn (2012, p. 20) ao enfatizar que,

O cidadão coletivo presente nos movimentos sociais reivindica baseado em interesses de coletividade de diversas naturezas. Assim, temos grupos de mulheres que lutam por creches, grupos de favelados que lutam pela posse da terra, grupos de moradores pobres que lutam pelo acesso a algum tipo de moradia, etc. Junto com as demandas populares - de forte conteúdo social por expressarem o lugar que ocupam no processo de divisão do trabalho, a exploração e espoliação a que são submetidos e a ausência de direitos sociais elementares -, encontramos demandas advindas de grupos não tão explorados no plano de produção ou dos direitos humanos, vida, saúde, educação e moradia, mas igualmente expropriados no plano de seus direitos civis de liberdade, igualdade, justiça e legislação.

Pensar o ensino superior no contexto de processos que se constituem articulados fora dos tradicionais canais institucionais acadêmicos significa adotar, como pressuposto básico, uma concepção de educação que não se resume à aprendizagem de conteúdos específicos mediante técnicas e instrumentos fundamentados apenas nas peculiaridades do procedimento acadêmico, mas uma nova dimensão acadêmico-científica para a qual se exige uma interlocução sistemática com a realidade abordada, retroalimentando-se de forma permanente.

Compreender a extensão universitária como elemento para a transformação social, um espaço de disputa no almejado processo de transformação da prática acadêmica, tem inspirado um conjunto de educadores e de gestores públicos, galgando progressivamente avanços significativos na relação das instituições acadêmicas com a sociedade. A destacar, a ampliação da políticas de inserção de egressos da educação pública básica, o desenvolvimento de políticas afirmativas como as cotas para negros e indígenas, as ações de integração entre os povos tais como a criação da Universidade Federal de Integração Luso-Afro-Brasileira - UNILAB, a Universidade Federal da Integração Latino-americana - UNILA, a Universidade Federal do Recôncavo Baiano - UFRB, a Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS e o grande número de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, espalhados por todo o país. No caso dos institutos federais é admirável a aproximação com a sociedade em geral, mas principalmente a contribuição para a democratização do ensino, integrando educação básica e ensino superior, o apoio ao incremento dos processos produtivos em todo o país e a perspectiva aberta para consolidação do processo de interiorização do ensino superior.

Em todos os casos percebe-se influências da tendência de valorização da extensão universitária, como forma de avançar do modelo de universidade centrado majoritariamente na pesquisa e no ensino, trazendo para a universidade brasileira novas concepções e novos sentidos.

Desse modo, uma universidade sintonizada com as necessidades do desenvolvimento humano, social, científico, cultural e sustentável consolida a sua função social pela elaboração e articulação de políticas públicas nas quais a extensão universitária fomenta maior integração entre a universidade e a comunidade que a subsidia com base nas seguintes linhas de ação:

  1. 1) Formação geral, em dimensão humanista, e formação profissional comprometida com a consolidação de uma sociedade democrática e inclusiva pautada nos princípios de equidade, igualdade, alteridade e justiça social.

  2. 2) Fortalecimento de ações que considerem a diversidade cultural, o respeito às diferenças, a interculturalidade e as prerrogativas e garantias relativas aos direitos humanos.

  3. 3) Melhoria da infraestrutura de extensão universitária e de vivência acadêmica com vistas ao incremento dos espaços de formação profissional, construção e socialização de conhecimento de forma a contemplar as demandas dos demais setores da sociedade.

  4. 4) Consolidação das políticas de permanência estudantil, fomentando ações para desenvolvimento pessoal e profissional na perspectiva de inclusão social.

  5. 5) Planejamento de ações com vistas à gestão ambiental que atenda às exigências da sustentabilidade e do desenvolvimento que respeita a natureza.

Compreendendo que a educação em geral e o ensino, em particular, se constituem como processos intersubjetivos, universais e necessários ao desenvolvimento psicossocial, ligados precipuamente com fatores socioculturais, Libâneo (2004, p. 6-7, aspas no original) ensina que:

O que está em questão é como o ensino pode impulsionar o desenvolvimento das competências cognitivas mediante a formação de conceitos e desenvolvimento do pensamento teórico, e por quais meios os alunos podem melhorar e potencializar sua aprendizagem. Em outras palavras, trata-se de saber o que e como fazer para estimular as capacidades investigadoras dos alunos, ajudando-os a desenvolver competências e habilidades mentais. Em razão disso, uma didática a serviço de uma pedagogia voltada para a formação de sujeitos pensantes e críticos deverá salientar em suas investigações as estratégias pelas quais os alunos aprendem a internalizar conceitos, competências e habilidades do pensar, modos de ação que se constituem em ‘instrumentalidades’ para lidar praticamente com a realidade: resolver problemas, enfrentar dilemas, tomar decisões, formular estratégias de ação.

Compreende-se, também, que as necessidades educativas da sociedade contemporânea são crescentes e situam-se nas interfaces das diversas dimensões da vida humana: a vida familiar e em comunidade, o trabalho, a participação social e política, as oportunidades de lazer e desenvolvimento cultural. Vivemos uma revolução tecnológica que altera profundamente, e de modo progressivo, as formas de trabalho. As novas tecnologias e as novas formas de organizar a produção elevam consideravelmente a produtividade, delas dependendo a inserção competitiva da produção econômica nacional em uma economia cada vez mais internacionalizada. Isso implica na busca de consolidação de uma visão externalista dos processos de reorganização curricular e de renovação dos programas de ensino.

A inserção de novas tecnologias no processo produtivo e nos sistemas organizacionais exigem trabalhadores versáteis, em condições de compreender o processo de trabalho como um todo, dotados de autonomia e iniciativa para resolver problemas em equipe. Impõe-se, então, como necessária, a capacidade de se comunicar, de se atualizar continuamente, de levantar e relacionar informações diversas. Mais do que nunca, colocar o coletivo à frente do individual; a capacidade dialógica em oposição ao monólogo autoritário; o respeito pelo outro e por sua forma e condição de estar no mundo. A universidade tem muito a contribuir para esse processo, socializando o conhecimento produzido e viabilizando outras investigações com vistas ao desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e das comunidades parceiras.

Assim, por um lado, a análise das políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social e ao enfrentamento das desigualdades revela, segundo Garcia e Hillesheim (2017, p. 135), que:

À medida que a educação é vislumbrada como meio para a superação das condições de pobreza, sua articulação com outras políticas sociais, como saúde, assistência social, moradia, trabalho e emprego, etc., é reforçada. Essa tentativa de integração de ações envolvendo todos os entes da federação e a sociedade civil organizada não é algo novo quando se pensa nos desenhos e no conteúdo das políticas públicas, o que indica que as estratégias adotadas, com base na intersetorialidade, não têm alcançado resultados suficientes para alterar a fragmentação e, por vezes, a duplicidade de ações, cujo produto final é a manutenção da realidade que se tenta alterar. Essa articulação também consta no PNE 2014-2024 como uma importante estratégia para o enfrentamento da pobreza.

Por outro lado, a consolidação das relações entre educação e sociedade, ao menos para o pensamento voltado para uma realidade brasileira carente de transformação social, impõe a construção de um modelo de universidade no qual se coloca como imprescindível uma contribuição mais significativa dessa instituição para o enfrentamento da brutal diferença nas formas de acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade. Existe muita informação, indubitavelmente, mas a sua difusão não é democrática.

É pela extensão universitária, estruturada e tratada como prioridade, que se estabelecem as perspectivas de revitalização do processo de ensino e de pesquisa com alcance social e se garante o diálogo com a sociedade. Não se trata de falar para a comunidade, mas de dialogar com ela, aprendendo, também, diagnosticando os problemas e pensando propostas de encaminhamento de soluções pela atitude investigativa que caracteriza o trabalho acadêmico. Nesse sentido, a universidade possui grande potencial para ajudar a comunidade a solucionar problemas, em processos formativos respaldados no conhecimento em construção ou historicamente produzido.

Por seu turno, os assuntos comunitários, parte integrante da extensão, devem ser tratados como prioridade para efetivamente promover a melhoria das relações tanto com a comunidade externa quanto com a comunidade interna, de modo a favorecer a produção acadêmica ou melhorar as relações no ambiente de trabalho. A extensão universitária e os assuntos comunitários não podem continuar como instâncias secundárias do debate acadêmico, aquilo que se implementa na universidade quando sobram recursos.

Conclusões

Historicamente, o papel de uma universidade pública é produzir saberes com vistas a contribuir para a construção de uma sociedade democrática, justa, inclusiva e solidária. Essa missão institucional deve significar que a construção de conhecimento, sua função precípua, a socialização do conhecimento produzido pela ação de ensinar, bem como a sua disseminação como instância da cultura possibilitam a constituição de uma dada visão de mundo, a qual se materializa no processo de desenvolvimento da sociedade civil organizada.

Seu compromisso ético e efetivo é com a dignidade da condição humana, disseminando conhecimentos e valores, em uma construção complexa que envolve conhecimentos científicos, artefatos culturais, crenças, arte, moral, costumes, leis e outros hábitos e capacidades adquiridos pela pessoa humana em seu processo de formação profissional verdadeiramente compromissada com a coisa pública e a busca de resolução dos problemas postos no contexto da sociedade. Infelizmente, não são raras as críticas ao caráter supostamente elitista da universidade no contexto nacional. Isso se deve, em grande monta, aos limites de acesso ao ensino superior historicamente impostos a contingente absolutamente majoritário da população, além de suposto distanciamento das demandas da sociedade. No entanto, não devem ser apenas estes os invariantes a justificar a inserção de significativo percentual de carga horária destinada ao desenvolvimento de atividades de extensão universitária nos cursos de graduação.

Efetivamente, pensar a curricularização da extensão universitária tem como pressuposto um marco conceitual que opõe ao modelo funcional de universidade, tipicamente uma universidade de ensino, voltada à mera instrumentalização para o mercado de trabalho, um modelo de universidade no qual se articulem o ensino de graduação, com ações integradas ao ensino de pós-graduação, à pesquisa e à própria atividade extensionista. Sem embargo, na desconsideração de qualquer das instâncias desse tripé acadêmico, pode-se afirmar que há ensino superior, mas não se consolida, na acepção da palavra, uma universidade.

Por isso, é imperativo pensar a formação profissional no contexto de uma ação extensionista indissociável do ensino e da pesquisa. No entanto, há que se superar certa tendência ao assistencialismo e à mera prestação de serviços, de modo a garantir, a partir de ações articuladas de extensão, a melhoria da formação inicial e contínua na universidade. Para tanto, a concepção dessas ações articuladas de extensão universitária pode se transformar em importante instrumento para sugestão e encaminhamento de políticas públicas nas diversas áreas do conhecimento, incrementando os processos formativos e uma efetiva proposta de intervenção na realidade social.

Há que se perseguir, em todas as áreas do conhecimento, a formação humana e generalista de modo que a articulação entre as diversas instâncias da atuação acadêmica encaminhe um processo de valorização do ser humano como um todo, além de efetiva democratização do saber, coerente com a concepção de universidade pública, laica, gratuita e de qualidade referenciada na sociedade, capaz de garantir com parcimônia os seus objetivos de construção e socialização dos benefícios da ciência, da cultura e da tecnologia, relevantes para a efetiva construção da cidadania.

Espera-se que no processo de avaliação e, eventualmente, aperfeiçoamento, das linhas de ação da curricularização da extensão universitária, em desenvolvimento na ampla maioria das instituições, elas possam, mais do que cumprir formalidades legais necessárias, ampliar o alcance da tradição extensionista nas universidades brasileiras, revigorando os processos formativos e discutindo perspectivas de complementaridade entre as áreas de conhecimento, aprofundando o debate sobre os parâmetros epistemológicos da divisão dos campos teóricos, na atualidade sob questionamento, remetendo-se ao âmbito da constituição de novos paradigmas de estruturação do processo de busca do conhecimento, fatores imprescindíveis ao progresso científico.

Com a destinação de, no mínimo, 10 % da carga horária dos cursos de graduação para tal finalidade, espera-se que, para além do incremento da desejável articulação entre teoria e prática, também prevista na legislação que rege o estágio curricular obrigatório, o processo de curricularização da extensão possa contribuir para consolidação do almejado processo de formação integral dos graduandos, em dimensão omnilateral e humanista, independentemente da área de conhecimento a qual se vinculam, tendo em vista a perspectiva de transformação da realidade social.

Aqui, parece-nos oportuno registrar que a carga horária de estágio curricular desenvolvida, para além da estipulada como obrigatória na legislação vigente, poderá ser computada para fins de atendimento dos 10% destinados ao cumprimento do instituto legal da curricularização, impondo-se a observação de que o não cumprimento desses preceitos pode acarretar implicações para a autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos, bem como para credenciamento e recredenciamento de instituições no Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES) conforme o Art. 12 da Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018, do Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. No entanto, há que se observar os vínculos dialógicos com outros setores da sociedade, ainda que a carga horária seja desenvolvida intramuros da universidade, como boa parte dos estágios na área médica, por exemplo, a exigir, no atendimento da população, equipamentos e tecnologias, em geral, locados no interior dos câmpus.

Resulta que, para cumprir tais objetivos, as atividades de extensão universitária devem orientar a sua atuação, preferencialmente, para áreas de grande pertinência social, formulando ou desenvolvendo políticas, por exemplo, no contexto de movimentos sociais, desenvolvimento comunitário, processos de geração de renda, enfrentamento da fome e da miséria absoluta, apoio à agricultura familiar, saúde pública, ocupação dos espaços rural e urbano, combate ao analfabetismo, formação continuada, desenvolvimento da cultura, dentre tantos outros, a compor a dinâmica de atuação de docentes, discentes e servidores vinculados à universidade.

Definir esse perfil de universidade pressupõe o compromisso inarredável no sentido de que as decisões relativas a ações a serem implantadas devem ser de conhecimento da coletividade, amplamente debatidas e com profundo respeito pelas decisões colegiadas, fundamentadas, portanto, em relações dialógicas com vistas ao consenso. Na atual realidade brasileira, a universidade deve firmar sua missão histórica de culto à liberdade, de reconhecimento de sua relevância no debate sobre as políticas de desenvolvimento tecnológico, de sustentabilidade e de inovação, em função de sua capacidade para encaminhamento de questões sociais, econômicas, tecnológicas e ambientais.

Considerar tais prerrogativas no contexto da dinâmica de atuação da universidade impõe a valorização das condições de trabalho de docentes e pessoal técnico-administrativo bem como a implementação de ações voltadas ao fortalecimento, diversificação e complemento da formação acadêmica na perspectiva do compromisso social que lhe é inerente. Implica também em desenvolvimento efetivo de políticas de permanência estudantil para criação de condições reais de participação dos estudantes nas atividades de extensão universitária.

Além disso, face ao exposto, vale reforçar que em um contexto de internacionalização dos mercados econômicos, na prática transformando-os em mercado único, e de transnacionalização das culturas, de mudanças sociais e de processos produtivos, a universidade pode vislumbrar com a Curricularização da Extensão Universitária a ampliação e dinamização das suas redes de pesquisa e cooperação.

Esse movimento dialógico e participativo entre universidade e sociedade pode contribuir para fomentar e reforçar os anseios de construção de uma sociedade esclarecida, democrática, livre e plural, dotada do atributo da tolerância e do respeito pelo outro e pelas diferenças, o que no caso da universidade pressupõe compromisso com princípios democráticos de gestão e organização do trabalho, atenção aos assuntos comunitários e maior integração com a comunidade que a subsidia.

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SOBRE O AUTOR

2MIGUEL, José Carlos. A Curricularização da extensão universitária no contexto da função social da universidade. Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 19 n. 50, 2023. DOI: 10.22481/praxisedu.v19i50.11534

Recebido: 28 de Outubro de 2022; Aceito: 24 de Janeiro de 2023

José Carlos Miguel. Livre-Docente em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista, UNESP, Câmpus de Marília. Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista, UNESP, Câmpus de Marília. Professor Associado III vinculado ao Departamento de Didática e ao Programa de Pós-Graduação em Educação, UNESP, Câmpus de Marília. Líder do Grupo de Pesquisa Sobre Formação do Educador - GP FORME. Contribuição de autoria: autoria única / principal- http://lattes.cnpq.br/ 9493055898353294

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