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Revista Práxis Educacional

versión On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.19 no.50 Vitória da Conquista  2023  Epub 17-Mayo-2024

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v19i50.13018 

Artigos

TRAJETÓRIAS DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA: IDENTIFICANDO A GOVERNAMENTALIDADE NEOLIBERAL COMO UM DISCURSO

TRAYECTORIAS DE LA INSTITUCIONALIZACIÓN DE LAS POLÍTICAS ASISTENCIALES: IDENTIFICANDO LA GUBERNAMENTALIDAD NEOLIBERAL COMO DISCURSO

TRAJECTORIES OF THE INSTITUTIONALIZATION OF ASSISTANCE POLITICS: IDENTIFYING NEOLIBERAL GOVERNMENTALITY AS A DISCOURSE

1Universidade Federal de Campina Grande/Cajazeiras, Paraíba, Brasil. limamariajanete@gmail.com


RESUMO:

O presente texto aborda trajetórias das políticas de assistência em educação e os discursos enunciados pelas técnicas de uma Universidade Pública, sobre: A Residência Universitária e o Programa de Auxílio ao Ensino de Graduação do Centro de Formação de Professores/UFCG. Tem como objetivo: Compreender os discursos das técnicas sobre os programas em tela. A fundamentação teórica tem foco nos conceitos de governamentalidade neoliberal, biopolítica e biopoder numa articulação no contexto das políticas sociais de assistência estudantil. A entrevista foi utilizada para a coleta de dados, na perspectiva de pesquisa qualitativa, e a análise do discurso de Foucault foi desenvolvida para tratar os dados. Sobre os mecanismos de acesso e permanência dos estudantes aos programas, podemos inferir que existe uma legislação que a Instituição executa através da PRAC, nas políticas de assistência podemos observar o predomínio da governamentalidade neoliberal brasileira que a cada dia se refaz, se reestrutura por meio de discursos e ações, assim se faz a retórica do controle que constrói a realidade social brasileira.

Palavras-chave: discurso; governamentalidade; políticas de assistência

RESUMEN:

El presente texto aborda las trayectorias de las políticas asistenciales en educación y los discursos pronunciados por las técnicas de una Universidad Pública, sobre: La Residencia Universitaria y el Programa de Asistencia a la Enseñanza de Graduación del Centro de Formación de Profesores/UFCG. Tiene como objetivo: Comprender los discursos de las técnicas sobre los programas en pantalla. La fundamentación teórica se centra en los conceptos de gubernamentalidad neoliberal, biopolítica y biopoder en una articulación en el contexto de las políticas sociales de atención estudiantil. Para la recolección de datos se utilizó la entrevista, desde la perspectiva de la investigación cualitativa, y para el tratamiento de los datos se desarrolló el análisis del discurso de Foucault. En cuanto a los mecanismos de acceso y permanencia de los estudiantes a los programas, podemos inferir que existe legislación que la Institución ejecuta a través del PRAC, en las políticas asistenciales podemos observar el predominio de la gubernamentalidad neoliberal brasileña que se rehace todos los días, reestructurada a través de discursos y acciones, así es como la retórica del control construye la realidad social brasileña.

Palabras clave: discurso; gubernamentalidad; políticas asistenciales

ABSTRACT:

The present text approaches trajectories of educational assistance politics and the discourses of technicians of a Public University, about the University Residence and the Program of Assistance to Undergraduate Teaching of the Centro de Formação de Professores/UFCG. It aims to understand the discourses of those professionals about the programs in focus. The theoretical foundation focuses on the concepts of neoliberal governmentality, biopolitics and biopower in an articulation in the context of social policies for student assistance. The interview was used for data collection, from the perspective of qualitative research, and Foucault's discourse analysis was developed to analyze the data. Regarding the mechanisms of access and permanence of students to the programs, we might infer that there is legislation which the Institution executes through the PRAC, in the assistance policies we might observe the predominance of the Brazilian neoliberal governmentality which is remade every day and restructured through discourses and actions, which contribute to the rhetoric of control which builds the Brazilian social reality.

Keywords: discourse; governmentality; assistance politics

Introdução

O presente texto1 aborda trajetórias das políticas educacionais e os discursos enunciados pelas técnicas de uma Universidade Pública. Como campo empírico de estudo, trata de dois programas de Assistência que tem por base o Decreto nº 7.234/2010, o Programa Nacional de Assistência Estudantil-PNAES (Brasil, 2010); sendo estes: A Residência Universitária e o Programa de Auxílio ao Ensino de Graduação (PAEG), ambos do Centro de Formação de Professores (CFP)2, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)3. O texto tem como objetivos: Compreender os discursos das técnicas sobre os programas Residência Universitária e PAEG no CFP; contextualizando o exercício do biopoder.

Contextualizando as relações entre governamentalidade, educação e ensino universitário

Considerando o processo histórico brasileiro de colonização, seguido pela dominação do império Português, que superou um regime ditatorial que se estruturou dos anos de 1937 a 1945, e outro de 1964 a 1985, o Brasil é hoje identificado entre os países em desenvolvimento com assento em diversos organismos internacionais de promoção humanitária. É um país que, segundo Saviani (2010), desde a sua origem até os anos de 1980 tem um ensino superior acompanhado de perto pelo Estado. A organização e regulação pelo Estado reverbera nas políticas públicas sociais que englobam um conjunto de instituições para a efetivação das ações de governo; desse modo, desenvolvo análises para compreender as práticas do governo brasileiro relacionando a governamentalidade neoliberal, estruturada como conceito por Foucault, e a política de assistência estudantil do PNAES.

O pensamento de Foucault sobre o Estado e as técnicas impressas nele, revela um Estado governamentalizado que se guia por técnicas de racionalização, sendo a primeira o controle racional entre igualdade e liberdade controladas, e a segunda os dispositivos de segurança; um duplo vínculo no qual o estado invisibiliza sua ação e controla a população.

O biopoder, neste sentido, ancora-se no corpo coletivo, na população, no corpo múltiplo para se constituir como tal. O fenômeno pelo qual ele se institui é através da massa ou população. O mecanismo de configuração é a previsão de estatísticas globais através de instituições que são contratadas para a produção destes dados. A finalidade essencial do biopoder é manter o equilíbrio, regulação e a homeostase políticas e econômicas, deixando a população em equilíbrio para a construção das políticas públicas (Foucault, 2005, 30-34).

O biopoder pode ser lido na esteira de uma antropologia do poder soberano e disciplinar, na medida em que a etnologia (em termos gerais e comparativos) e a etnografia (em termos específicos e singulares) nos ensinam sobre a pluralidade acerca dos métodos destinados a produzir e reproduzir mediações ou mediadores entre as relações e/ou os usos corporais comunitários. No terceiro momento com o biopoder, a política é identificada como a arte de governar, mediante símbolos e práticas, as relações corporais e ideológicas no interior da pólis. O cerne da política enquanto técnica se encontra em sua capacidade de produzir regras de ação, de reação e de recepção dos corpos. Por conseguinte, compreendo que um estudo que pretende desvelar as regras politicas imperialistas, necessita conhecer as regras governamentais das relações entre os corpos no interior da cidade ou da comunidade modernas e/ou tradicionais.

O corpo-espécie, identificado por Foucault, define o biopoder no controle das taxas de natalidade, de postos de trabalho, de produção de renda, de definição de espaços urbanos e de sistemas ecológicos. Desse modo, o biopoder equilibra características estimulando e reprimindo as populações, influenciando na demografia da população e endemias da natureza. Ao efetivar o movimento das técnicas e tecnologias de poder-saber, agora centradas na população, o conceito de governamentalidade se figura como uma estrutura de ações, por parte de um corpo coletivo, diferente da sociedade, chamado Estado. Trata-se de uma forma de poder complexa e específica encontrada em diferentes regiões do Planeta, que objetiva governar e se aparelhar para se manter dominante.

No biopoder o discurso se faz por meio de um sujeito fundador, pela expressão de interioridade, de pensamentos, recordações e sentimentos. No biopoder existe uma mediação universal que promove o intercâmbio de discursos, diálogos, discursões, réplicas no sentido de conduzir a uma razão ou conhecimento. Para Foucault, os discursos são vistos como práticas históricas cambiantes que não estão definidos. No biopoder os discursos são expressão do sentido das coisas. Para Foucault, o discurso é uma violência sobre as coisas, se não partir do sujeito. A crítica sobre a exterioridade do discurso por si mesmo, como o discurso de grupos religiosos, sistemas pedagógicos, tem uma produção histórica e coercitiva, pois são construídos fora da dimensão pessoal mediante sua instrumentalização. Esse discurso tem forte influência nas pesquisas, de modo que na sociedade moderna a investigação ainda continua usando os métodos de origem positivista, cuja objetividade depende da construção de perspectivas ou de observadores externos às subjetividades humanas, então assumidas por máquinas e aparelhos lógicos ou tecnológicos em que os corpos humanos são componentes.

Castro (2015), ao estudar os temas de governamentalidade e biopoder como práticas sociais disciplinares e biopolíticas do governo dos homens, destaca o encadeamento entre Estado, mercado, empresa, liberalismo e neoliberalismo.

Os estudos de biopoder e governamentalidade estão localizados nos textos A vontade de saber (1988), livro da coleção história da sexualidade; e nos cursos denominados: Em defesa da sociedade (2005), ministrado em 17 de março de 1976, e Segurança, território e população (2008). Assim, os conceitos de biopoder passam a fazer parte da terceira fase de Foucault, ao nomear como o poder exercido sobre o corpo político denominado população, assim como ações empreendidas sobre a vida da coletividade. O conceito de Foucault (1988) de governamentalidade revela uma tendência no Ocidente, quando o governo se aparelha da própria máquina pública para continuar dominando o público, através de um processo em que o estado de justiça, depois estado administrativo, tornou-se governamentalizado.

O governo é visto como um conjunto de forças que movem a economia e a população, gerando uma super dominação do estado sobre as forças produtivas, num movimento de realização deste estado como defensor racional da população. Assim, o tema da governamentalidade visa discutir a estatização dessa sociedade, no que tange à visão de «homem econômico» feito de relações de poder, configurações e práticas. Castro, identifica as análises de saber, poder e sujeito como:

O saber, o poder ou o sujeito para Foucault existem no plural e não tem identidade que supere suas múltiplas formas históricas. Por essa razão, para exprimir a multiplicidade histórica de cada um deles, no último curso no Collège de France, Foucault não fala de saber, mas substitui por modos de veridição, não fala de poder, mas se refere a técnicas de governamentalidade e não fala de sujeito, e sim de práticas de si (Foucault, 2011, p.10 apudCastro, 2015, p. 57).

Compreendo que as técnicas de governamentalidade são pautas do governo vigente na contemporaneidade brasileira que age sobre a massa da população e se constitui pelo conhecimento econômico e controle da segurança. As técnicas de governamentalidade se estruturam ainda, por meio da subjetivação instituída culturalmente, pela organização da prática de si ou cuidado de si.

Numa retrospectiva conceitual de sujeito e poder, os estudos de Gallo (2017), com base em Foucault, apresentam os modos de objetivação do sujeito para além da arqueologia do saber e da genealogia do poder. Ao identificar a ciência, as práticas divisoras e auto posição do sujeito, como formas de objetivação do sujeito, ser humano que é identificado como objeto de um saber cientifico, sujeito dócil a um poder (Foucault, 2002, p. 79). Foucault, por meio dos estudos da governamentalidade e da biopolítica, identifica uma dupla inflexão do sujeito como governo de si e governo dos outros, sendo assim objeto sujeitado e agente. Os processos de subjetivação como constituição do sujeito e objetivação, posto que submisso ao poder, são uma transição para um sujeito ético. Nessa problemática da subjetividade “[...] somos assujeitados a cidadãos subjetivados a obedecer aos princípios básicos da sociedade democrática [...]” (Foucault, 2002, p. 89), esse sujeito ético surgido dessa compulsoriedade produz o sujeito de direitos, o cidadão de direitos.

Para além da dominação e exploração, o sujeito está exposto à submissão e para compreender esses processos, o autor identifica três tipos de luta:

aquelas que o sujeito trava contra os processos de dominação, como as lutas étnicas, sociais e religiosas; aquelas que o sujeito enfrenta contra os processos de exploração, como as lutas dos trabalhadores pelo fim da expropriação do resultado de seu trabalho; e aquelas contraria a submissão, isto é, que se revela contra os modos pelos quais o sujeito é subjetivado (Foucault, 2002, p. 123-124).

A resistência à biopolítica passa pela resistência à submissão da subjetividade, no tocante às políticas no Estado governamentalizado. Conforme Gallo (2017, p. 1502):

“[...] somos constituídos cidadãos para termos acessos a tais políticas e benefícios sociais; as ações de governabilidade promovida pelo Estado neoliberal atingirá a toda a população, desse modo é preciso constituir a todos cidadãos, para que possam ser governados. Fora da cidadania não há governo democrático possível [...]”.

Ao tratar das aproximações entre a governamentalidade neoliberal e a educação, Veiga-Neto (2013, p. 21) destaca a década de 1970 no Brasil como início dos estudos sobre essa relação entre os termos, principalmente sobre a performatividade, o controle, o empresariado de si, a precariedade do trabalho docente, a competição e o consumo exagerado. Assim, a governamentalidade atua entre os dois eixos ortogonais: o eixo da individuação e o eixo da população encontram as técnicas de controle já identificadas por Foucault, que são dominação exercida sobre os outros e as técnicas de si. Por meio da educação escolarizada a governamentalidade neoliberal se efetiva junto à população, primeiro na escola básica e depois na universidade.

Ainda no intuito de aproximação com o tema, destaco a citação de Veiga-Neto sobre as formas de subjetivação exercidas primeiro pela empresa, adotando a gestão, a informação e as decisões, a cargo dos trabalhadores, fomentando o empresariado de si mesmo como reorganização do trabalho, formas de controle e produtividade do trabalhador. De semelhante modo, a escola e a educação são permeadas por relações de poder, forjadas pela objetivação e posterior subjetivação dos sujeitos, se constitui no contexto da governamentalidade neoliberal em instrumento para a formação de sujeitos adormecidos para os aspectos da ordem social, econômica, cultural e política.

Ao desenvolver articulações sobre a governamentalidade e sua relação com a educação, pode-se pensar sobre os ambientes escolares e de formação nas universidades. O acesso à tecnologia e à produção de subjetividades nesses espaços geram um repertório de comportamentos e valores que são muitas vezes incompatíveis com a escola e a universidade. Outro destaque diz respeito à articulação entre o trabalho imaterial desenvolvido na contemporaneidade que valoriza a cooperação e a produção de inovações com a educação escolarizada. Veiga-Neto (2013, p. 37) destaca as novas configurações sobre o trabalho docente e as percepções sobre a função da educação escolar na contemporaneidade. Sobre o trabalho do educador em níveis da incessante flexibilização, falta de profissionalização, iniciativas de desqualificação, quadro de marginalização pela sociedade, falta de valorização salarial, ausência de discussões políticas, desgaste das associações e sindicatos (Veiga-Neto, 2013, p. 37), o que se visualiza é um docente em permanente estado de alerta sobre sua profissão e sua prática pedagógica à mercê de metodologias e teorias do Estado neoliberal.

Sobre o papel da educação escolar e da universidade, em especial os cursos de licenciatura, Veiga-Neto (2013) destaca que a estratégia pedagógica do Estado neoliberal fortalece a formação de sujeitos em constante processos de aprendizagem, em permanente reafirmação de si, num infinito aprender a aprender como gestor de si e do seu fazer docente.

Ao tratar da governamentalidade neoliberal identifico o PNAES como um programa de assistência estudantil por meio de objetivos que se relacionam entre si, no combate à evasão e permanência dos estudantes na universidade e, de semelhante modo, assume para si a efetivação das ações e programas e se configurando no mantenedor da educação universitária.

As observações e críticas ao Decreto do PNAES podem ser consideradas por se tratar de um programa que requer o equilíbrio da participação social na universidade, de modo que o binômio acesso-permanência é gerido por iniciativas governamentais centradas no acesso, por vezes, porém, sem ou com reduzidas ações de permanência. Para além dos recursos financeiros, porém, o governo não desenvolveu ações de investimento proporcionais à ampliação do acesso, fato que gerou um descompasso que continua representado na atualidade das políticas de assistência estudantil. No bojo das políticas públicas geradoras de políticas sociais, ao criar e ampliar universidades sem fazer concurso público para áreas de ensino e de gestão envolvidas, gera sobrecarga aos educadores, aos técnicos e contribui com a terceirização de técnicos administrativos numa situação de descaso com a universidade e com os estudantes nos serviços prestados. Não podemos perder de vista que os contratos de serviços entre público e privado mediante terceirizações vêm sofrendo abalos com os frequentes cortes e reduções de financiamentos da universidade pública por parte dos governos neoliberais.

No tocante à garantia dos direitos à educação e em especial aos programas de assistência estudantil, trago um destaque da reflexão sobre a diferença, nas políticas ao que o pensamento de Gallo (2017) se adequa ao apresentar os desafios e subjetividades que perpassam o tema. Para Gallo (2017) A diversidade remete ao direito universal, agregado a tudo que é diverso. Ela está imbrincada no todo daquilo que compõe o universal, pode-se dizer que há uma unidade que é resultante da diversidade ou, numa outra direção, a diversidade é nada mais do que o desmembramento de uma unidade.

Assim, as ações de assistência estudantil, pela própria razão de existência, não podem se furtar ao olhar da diferença como categoria de estudo que a compreende como superação dos modelos que uniformizam os estudantes, seus modos de ser e de viver. Essa ideia pode estar refletida na hipótese de que após o aumento quantitativo e qualitativo das políticas de assistência estudantil, a comunidade universitária se tornou mais diversa segundo diferentes aspectos, mas especialmente aqueles ligados à economia e à cultura; sem perder de vista a diversidade de gênero e de sexualidade que também demonstra ter se evidenciado.

Quanto ao gênero e sexualidade, corre também uma hipótese de que os estudantes anteriores apresentavam um padrão heteronormativo e patriarcal; unido a isso, poucos estudantes necessitavam de programas de assistência na forma de bolsas, moradia e alimentação, pois, eram dependentes financeiramente de suas famílias.

Nos aspectos que trata da diferença, Deleuze (apudParaiso, 2012, p 31) estabelece que não é diferença entre dois indivíduos; não é diferença entre coisas ou entes; mas sim, diferença em si, diferença interna à própria coisa, o diferenciar-se em si da coisa. A diferença tem como critério o acontecimento, trabalha pela variação de sentidos, pela multiplicação das forças, pela disseminação daquilo que aumenta a potência de existir. O diferente, aquilo que torna cada um singular na multiplicidade, o corpo disciplinado é o campo para o estabelecimento de poder sobre esse corpo.

Os conhecimentos da filosofia da diferença nos trazem a pensar sobre nossas ações, as forças que se atravessam nelas, nossos processos de subjetivações, pensar o que nos tornamos. Com os processos de formações de professores não é diferente, o que nos tornamos são os modos através dos quais vivemos (Feldens; Santana, 2011, p. 10).

Ao destacar as ações da assistência estudantil pelas universidades, é necessário considerar que elas atendem a diferentes grupos de estudantes que têm diferentes necessidades para além dos critérios de acesso aos programas; especificidades que vão do espaço regional às características socioeconômicas. Neste caso, entra em destaque a autonomia das instituições universitárias para o gerenciamento dos recursos do PNAES. De modo que a redução do número de evadidos e retidos nos cursos de licenciatura, uma cobertura proporcional de programas e estudantes favorecidos, quando devidamente avaliado o número de pedidos nos editais, tudo isso possibilita aos dirigentes das universidades, seja Reitores e Pró-Reitores na obtenção e gerenciamento dos recursos financeiros.

Nestes termos, compreender as políticas de permanência dos estudantes no ensino universitário passa por pensar o desempenho acadêmico destes estudantes, as dificuldades acadêmicas que os programas podem amenizar, as dificuldades financeiras que os valores podem custear e a cidadania que o apoio educacional se constitui para a comunidade acadêmica beneficiada pelos programas. Considerando que essas políticas buscam enquadrar o diferente no normal, governar seus corpos, vigiar, disciplinar, como consequência, o estudante contemplado com o benefício deve seguir procedimentos, cumprir rituais, preencher fichas e formulários, assumir compromissos e deveres de não transgredir, de não transpor a normalidade. Desse modo, com algumas ressalvas, as políticas de assistência estudantil podem amenizar as dificuldades e desigualdades provenientes das políticas na governamentalidade neoliberal, (considerando que esse mesmo estado neoliberal também constrói políticas que promovem igualdade e equalização para favorecer o domínio neoliberal) essas políticas precisam ser acompanhadas e apropriadas pelos estudantes, que pelo seu viés de subjetividade, podem se constituir em mecanismo de controle político, ideológico e financeiro: Contudo, sou de acordo que essas políticas podem ser instrumento de luta política no caso brasileiro.

A governamentalidade aparece como uma hipótese de Foucault sobre as relações de poder: a governamentalidade permite um deslocamento estratégico no interior da analítica do poder. Para Candiotto (2012, p. 104), a governamentalidade é o conceito operatório mais genuíno e profícuo da analítica do poder foucaultiana ao estabelecer o vínculo entre técnicas de si com as tecnologias de dominação, a constituição do sujeito para a formação do Estado, no sentido de diferenciar os dois fenômenos. Isso reitera os desdobramentos construídos pela investigação, tendo por base analisar as formas de subjetivação das relações de poder.

Metodologia

Para o tratamento dos dados utilizamos a análise do discurso proposta por Foucault, definida como ato de falar, manter, transmitir, articular ideias, comunicar em qualquer campo, seja ele simbólico ou material, então com representação oral, escrita, visual, sonora etc. O contexto discursivo contesta, aproximasse, olha como o discurso funciona, numa constelação de tantos outros discursos.

Na obra “Arqueologia do saber”, Foucault (2008) introduz o tema discurso como um conjunto de enunciados que se apoiam numa formação discursiva, que produzem poder e saber, em relação com outros enunciados. Como categorias analíticas constituem os sujeitos, os enunciados, o dispositivo, e o discurso para a investigação das práticas discursivas. Ao identificar o discurso como um conjunto organizado, coerente e definido de regras linguísticas através das quais nos pronunciamos sobre determinado objetivo. Desse modo, para se referir sobre um campo de conhecimento, devemos seguir normas estratégicas e padrões enunciativos que nos autorizam a comentar sobre aquela área; identificando que dessa forma, ninguém é livre para dizer o que quiser, no lugar que quiser, conforme o jeito que quiser. É preciso seguir ordens discursivas que autenticam nossas palavras e a avaliam segundo critérios de veracidade; práticas que dividem, que seccionam o certo e o errado (Foucault, 1999).

Como recorte empírico, para o estudo das políticas de assistência estudantil representadas pela Residência Universitária e a Bolsa PAEG, destacamos as entrevistas das técnicas do CAE /UFCG, usando as ferramentas da categorias Foucaultiana identificando os discursos, os dispositivos de poder como uma microfísica do poder.

Discussão dos dados: análise das entrevistas

Sobre a permanência desses estudantes e como ela tem se tornado uma permanência efetiva, como está sendo o acompanhamento dos estudantes que recebem o PAEG no CFP.

A entrevistada faz uma retomada dos programas destacando as ações e estrutura da Pró-reitoria e das coordenações nos campi. Sobre o PAEG a professora explica que é o programa mais procurado pelos estudantes devido a sua flexibilidade de prestação de contas, entre outros aspectos. Reconhece as fragilidades do programa e sobre as formas de acompanhamento baseadas na frequência e cumprimento das disciplinas. Então professora, o PAEG é um programa que ele dá uma certa flexibilidade da forma como o recurso é utilizado, essa bolsificação que acontece com os estudantes, ela faz com que o estudante não fique preso a uma determinada finalidade como por exemplo o auxílio moradia que é para pagar a moradia ou o restaurante universitário que ele tem aquela refeição, então é um programa que é muito procurado, o nosso programa mais procurado não só no CFP, mas na universidade inteira. É um recurso que a gente sabe que é extremamente insuficiente para garantir a permanência do estudante na universidade, especialmente quando a gente ver o valor de tudo aumentando bastante...mas a gente não fornece um auxilio suficiente, apesar disso a gente tem o dever legal por causa do PNAES de fazer um acompanhamento, esse acompanhamento na UFCG pela Pró-reitoria de assuntos comunitários ele é feito em relação às reprovações que o estudante tem, em relação ao número de disciplinas que ele está matriculado para garantir que ele cumpra os mínimos requisitos do programa que são as cinco disciplinas ou créditos se ele for do turno diurno ou quatro disciplinas e dezesseis créditos se ele for do curso noturno, então isso nos garante de uma certa forma que o aluno mantenha suas atividades na universidade e não necessariamente garante que ele vai cumprir o tempo regulamentar do curso. É um núcleo que ainda é insipiente para o papel importante que ele tem, mas que ele está sendo fortalecido e a intenção desse grupo é fazer essa detecção das dificuldades do estudante e com uma equipe multiprofissional a gente tentar auxiliar nessas dificuldades. Se for financeira por exemplo ou um problema de saúde, a gente fazer o encaminhamento para o serviço social para que seja feita o acompanhamento por esses profissionais do estudante, se for de ordem psicológica a gente faz o encaminhamento para o núcleo de psicologia onde nós temos médicos a gente pode fazer o encaminhamento para um serviço de atendimento médico, então esse acompanhamento vai além do critério punitivo e vai além ainda do que estabelece o PNAES que é a fiscalização para ver se o aluno cumpre no tempo regulamentar. Então a gente tem essa preocupação, mas também temos a preocupação de motivar esse estudante e orientar para ele que ele consiga fazer nesse tempo regulamentar; com nosso apoio com a equipe multiprofissional que a Pró-reitoria tem. (Entrevistada A, 2022)

Aqui se estabelece a objetivação do sujeito, as notas, os créditos, o tempo de conclusão etc. formam o termômetro da assistência. Caso algum alerta seja acionado, então os técnicos devem verificar e oferecer uma solução: médica, alimentar, habitacional, psicológica, psiquiátrica, social etc. A solução é ofertada ao estudante, não obstante, existe uma estatística de estudantes que por razões muito difusas não conseguem se adequar às expectativas da instituição sendo considerados os problemáticos, os anormais, os que não conseguem cuidar de si e por isso se evadem.

Ao analisar o discurso interessante pensar sobre os mecanismos de governamentalidade na assistência por um sistema de exclusão no eixo de saber-poder. Em continuidade a entrevistada

esclarece sobre as formas de acompanhamento e autonomia que o programa dá aos estudantes. Existe um cuidado maternal da PRAC mas existe um limite para essa responsabilidade; eu não posso dizer aos meus meninos, eu chamo meus meninos mesmo, meus alunos, eu não posso dizer aos meu alunos como eles devem usar o recurso do PAEG aquele recurso está livre ali, então esta maternalidade tem um certo limite no que a gente pode fazer a gente pode orientar, olha você precisa estudar, você precisa cumprir seus créditos é importante você ter um sucesso acadêmico, ter saúde mental praticar exercícios, participar do campeonato que a gente coloca, a gente convida, mas eu não tenho o direito de interferir na forma que ele vive a vida dele como ele utiliza um determinado recurso (Entrevistada A4).

Observando o discurso se estabelece uma fala de poder-saber como verdade a ser implementada, a autonomia dos estudantes e os mecanismos ativos de controle e acesso nos editais e sistemas de fiscalização como citado anteriormente para o cumprimento das atividades dos alunos e manutenção das bolsas. Sobre a flexibilidade do recurso a dinâmica neoliberal relativa ao dinheiro favorece esse modelo de acordo com o mercado, pois as dinâmicas econômicas são mais rápidas e memos conservadoras. Faz sentido os estudantes preferirem o PAEG pois identificam essa flexibilidade de circulação de capital. Algumas estudantes citaram que gostariam de dar um retorno ao PAEG, que o programa é importante para a permanência na universidade, porém que faltam mecanismos para uma participação efetiva, desde a interação entre os bolsistas até formas de comunicação institucional.

Neste sentido podemos pensar as trocas simbólicas; da formação societária, o convívio político com as diferenças, a construção de laços sociais durante a formação. Por outro lado, podemos crer que não existe sistema perfeito e os enunciados podem ser contraditórios.

Desde um ponto de vista foucaultiano a verdade dos discursos não está em uma das versões de uma história, mas sim no fato de que, seja qual for a versão, observamos um esforço para afirmar que se estado lado certo, correto ou normal da história. Para tanto, todos os discursos são tecidos de um modo que suas contradições sejam disfarçadas ou atribuídas ao outro.

Ao analisar e identificar o discurso lembro de Foucault e as condições de funcionamento do discurso em que identifica a sociedade do discurso como uma fala oficial que tem acesso aos grupos. Neste caso, os estudantes/beneficiados. De modo especial somos de pensamento positivo que os estudantes consigam estabelecer relações de compreensão sobre que ações são mais efetivas para sua permanência na universidade.

Pergunto sobre a residência universitária, onde eu puder trabalhar mais a questão da permanência, como esses estudantes se sentem na sua permanência simbólica e não só material, procurando identificar a permanência e as formas de acompanhamento da residência tentando contextualizar o CFP e o CAE.

A entrevistada relata o seu entendimento sobre permanência simbólica, identificando como meta o desenvolvimento de atividades coletivas aos estudantes. A Pró-reitoria tem esse acompanhamento também simbólico como a senhora coloca, como acompanhamento material, com a presencialidade vou até ser redundante isso voltou a ser mais presente, voltou a ser mais efetivo do que no período remoto, mas temos sim atividades de esportes, cultura, lazer para os nossos estudantes e além da assistência estudantil também. E destaca que orienta aos estudantes sobre você ter um sucesso acadêmico, ter saúde mental praticar exercícios, participar do campeonato que a gente coloca, a gente convida, mas eu não tenho o direito de interferir na forma que ele vive a vida dele como ele utiliza um determinado recurso (Entrevistada A).

Sobre as formas do ingresso segue as informações da entrevistada B, são transparentes, pautadas no edital, bem específico, também pautada nas questões do PNAES, que entra a questão de avaliações de critério voltadas para a questão da renda e a própria realidade socioeconômica mesmo, e vamos dizer desses estudantes. Então é publicado um edital a nível da UFCG, os estudantes tomam ciência dessa informação. É de maneira pública, bem como aqui internamente, a gente faz divulgação em cartazes, nos espaços, mais públicos nesse sentido. Assim, os interessados passam a se inscrever aqui enquanto o setor a gente tem atendimento ao público. Então, também, enquanto unidade, ficamos à disposição para dúvidas, esclarecimentos de quem tem interesse. De maneira geral, aos poucos agora, recentemente a equipe vem se ampliando. Até então éramos apenas a parte específica, eu enquanto psicóloga e a assistente social, eu já entro dentro dessa parte mais especifica e do meu cargo, enquanto psicóloga para esse atendimento multidisciplinar. Nesse caso, a gente faz o acompanhamento dos estudantes dentro dessas especificidades (Entrevistada B5).

Ao tratar das articulações do discurso, Foucault identifica o discurso de verdade como uma vontade de saber que constrói conceitos e símbolos com efeitos de poder. Podemos relacionar que o edital representa as linhas ou os parâmetros das verdades requisitadas, estabelecendo formas de ligação entre os sujeitos que se produzirão na esteira desse discurso; respondendo o mesmo de maneira adequada. Recordando que historicamente na filosofia o problema da verdade sempre esteve associado ao problema da adequação entre intelecto e materialidade, os editais institucionais consistem em construções intelectuais lógicas, cujos enunciados não podem apresentar contradições, ao passo que os concorrentes devem responder aos enunciados sempre dizendo a verdade. Os editais são, assim, também construídos de modo a evitar falsidades e enganos, principalmente porque contem em si os procedimentos para a verificação da veracidade dos discursos dos concorrentes. Tratam-se, portanto, de dispositivos por onde os sujeitos passam e, se aprovados, saem do “outro lado” com uma nova identidade, a de discentes assistidos pela instituição. Os editais institucionais são, portanto, dispositivos protocolares, espécies de máquinas lógicas nominais e numéricas, responsáveis pela produção de sujeitos em termos qualitativos e quantitativos. Em outras palavras, essa produção ocorre na medida em que os critérios e as escalas de pontuação desenham ou figuram uma identidade àqueles que são pelos editais processados, bem como estabelecem uma hierarquia ou uma ordem na relação entre todos os sujeitos, que, por sua vez, passam a constituir uma comunidade. Em sendo, portanto, os editais dispositivos, os mesmos permitem o acesso ou a passagem a outros dispositivos, que então estão organizados conforme outras regras. Não obstante, os editais também produzem sujeitos do lado do controle da instituição; isto é, os técnicos avaliadores assumem posições e identidades específicas na condição de avaliadores ou examinadores nas comissões ou bancas; além de suas posições profissionais: psicóloga ou assistente social. Desse modo, também estão submetidas ao regime de verdade do edital, pois devem adequar suas materialidades aos enunciados lógicos do edital.

De um ponto de vista foucaultiano acerca da “Ordem do discurso”, esse tipo de construção dispositiva tem sua arquitetura platônica, pois há uma relação de adequação entre o Ideal (os editais) e o Empírico (os sujeitos). Platonicamente, portanto, o empírico se esforça para se adequar ao Ideal, que é o mundo Real por excelência. Nas palavras de Foucault (2005, p. 17):

Tudo se passa como se, a partir da grande divisão platônica, a vontade de verdade tivesse sua própria história […]: história dos planos de objetos a conhecer, história das funções e posições do sujeito cognoscente, história dos investimentos materiais, técnicos, instrumentais do conhecimento.

Assim, é nessa relação entre sujeito, discurso e grupo que chancela o discurso que as políticas de assistência se estabelecem nas instituições. Neste caso, a educação vai viabilizar o contato do sujeito com o discurso, seguindo uma ordem hierárquica, de modo que a educação é uma maneira política de manutenção de alguns discursos, de um tipo de discurso que interessa as instituições.

Pergunto sobre a formação que a equipe tem para proceder ao acompanhamento dos estudantes. Pronto, por vezes a Pró-reitoria de assuntos comunitários, ela faz reuniões conosco, mas no sentido de recentemente teve um, acho que foi seminário o nome, foi seminário da assistência estudantil e vieram até outras especialistas de outras universidades para conversar como elas fazem um trabalho lá, enfim, algum vezes.

No acompanhamento aos estudantes ela destaca: Com os estudantes, no caso, a gente veio realizando alguns encontros no sentido que acolhida para os residentes novatos. Então a gente faz para os veteranos e promoveu, por exemplo, uma corrida, só fortalecendo esse senso do cuidado com a saúde. Esses são poucos programas e projetos que enquanto unidade elaboramos mais voltado para os estudantes da residência universitária. Para os estudantes como um todo temos aqui o projeto que é o Cine Debate; era apresentado o filme depois os estudantes refletiam sobre aquele filme no momento coletivo, então essas são algumas atividades que estavam agora na retomada a gente pretende resgatar para a continuidade e apoio, aos estudantes (Entrevistada B).

A entrevistada apresenta ações e as coloca como em processo de implementação, a mesma reconhece que são poucas e direcionadas aos estudantes residentes no início do período letivo. Nesse momento a técnica introduz um elemento novo que são os demais estudantes da instituição, imagino que a coordenação de apoio estudantil deve se organizar em função de ações para todos os estudantes do campus, no entanto, pela pesquisa realizada vejo que o CAE tem suas ações voltadas quase que exclusivamente para os residentes e os bolsistas do PAEG, as coordenações de cursos por sua vez, se constituem em realizar ações aos estudantes independente de programas de auxilio e programas acadêmicos.

Questiono sobre a política de assistência e permanência: como é que você vê a contribuição desses programas para a formação dos estudantes? São programas importantíssimos quando a gente percebe a realidade local, que estamos onde temos ainda muitas microrregiões, vulneráveis, socioeconomicamente. A técnica destaca a importância do programa pelo acesso que promove aos estudantes, destaca que nem sempre existiram essas políticas, declara que nunca pensou ou avaliou se estas políticas estavam sendo bem recebidas e efetivadas, destaca que o valor da bolsa poderia ser revisto desde que em função das necessidades dos estudantes.

Fazendo uma análise sobre o discurso da técnica do CAE, me remete as teorizações de Foucault, de modo que o autor identifica que as estratégias discursivas operacionalizadas com discursos “de verdade”, que moldam a forma dos sujeitos olharem e constituírem o mundo que os cerca. Tais estratégias se fazem a todo o momento quando somos colocados em relação aos nossos modos de ver e entender a universidade.

A leitura de Foucault nos mostra que somos persuadidos, colocados num jogo em tensão com as verdades ditas e repetidas constantemente e as tomamos como as verdadeiras. O discurso não é uma teoria, e sim uma prática social que se estrutura por meio de transmissões de relações de poder-saber. Assim, considerando a teorização de Foucault na microfísica dos dispositivos de poder, o modo de organização do discurso da entrevistada tem um discurso lógico, uma estrutura seguindo uma ritualística interna como forma de atingir um objetivo, que aqui se apresenta como a defesa do dispositivo universidade. Ao mesmo tempo, faz parte desse discurso lógico comunicar que ele possui aberturas para revisões desde a escuta dos/das estudantes. Faz parte do sistema universitário de verdade, ao menos modernamente falando das repúblicas e das democracias, no eixo do saber e do poder, delegar saber e poder aos outros inferiores da hierarquia, de modo que o saber-poder institucional estabeleça identidades com seu público. Esses deve ter a percepção real ou ilusória de que possui saber e poder, ao passo que deve crer que a instituição os deseja ou os necessita. Está em jogo a construção das condições de validade e de relevância de um discurso. A demanda institucional pela fala estudantil colocada mediante regras que permitem essa entrada na “ordem do discurso”, depende de que haja satisfação de “[…] certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo”. Torna-se, assim, curioso como opera o saber-poder universitário das repúblicas democráticas, na medida em que a instituição forma e educa o estudante para exercer a crítica sobre a própria instituição; já que, do contrário, seria uma instituição militar.

Podemos observar, por conseguinte, que mecanismos de participação estudantil, os eventos, os encontros etc. promovidos pela instituição, bem como pelo estudante, implicam uma espécie de seletividade, considerando que a adesão numérica é parcial ou ínfima. Participam das tensões estabelecidas pelo saber-poder aqueles que de certo modo operam segundo a fisiologia institucional; a exemplo da estudante da residência universitária que recebe e introdução as “novatas” no dispositivo da “casa” e dos “quartos”.

Nesse momento, vemos que ela foi selecionada para representar o saber-poder, bem como exercer ou gozar desse saber-poder. Para Foucault (2005, p. 36), a instituição determina as condições de funcionamento do discurso ao “[…] impor aos indivíduos que os pronunciam certo número de regras e assim de não permitir que todo mundo tenha acesso a eles”. Não obstante, a depender do nível de qualificação de um sujeito no eixo saber-poder se torna comum a assimilação do mesmo pela instituição. Não é à toa, por exemplo, que a universidade assimilou muitos intelectuais que inicialmente foram seus críticos, e que continuam sendo, mesmo em seu interior. Isso faz com que o exercício do saber-poder passe por dinâmicas de transformação, de diferenciação que permitem a sobrevivência de um sistema ou de um regime. Alerta Foucault (2005, p. 23-24) que nesses casos os discursos antigos são reproduzidos e repetidos de uma tal maneira que aparecem como novidades ou acontecimento. Nesse sentido, tornou-se bem comum tomar certos estudantes críticos como acontecimentos ou fenômenos admiráveis diante do domínio desses, do discurso institucional, mesmo ou, principalmente, quando exercem a crítica.

Pergunto: Considerando ações do CAE como é que você define aqui as formas de acesso dos estudantes, tanto da residência como do PAEG? Nessa fala, a seguir, observo uma historicidade do modo de atuação e desenvolvimento das atividades realizadas pela referida coordenação, de modo objetivo, destacando os pontos que considera positivos e negativos.

Em primeiro lugar, ela é democrática né, porque ela segue um edital que foi publicado e todos os estudantes têm acesso ao edital né podem se inscrever. Então nesse ponto acho que já é um ponto bem positivo né e atualmente a gente trabalha com é uma espécie de cadastramento e separado da seleção né a gente tem o cadastramento socioeconômico que o estudante ao chegar na universidade ele já é orientado a fazer né dele para entregar todo uma documentação preencher formulário através de um processo eletrônico. É democrático no sentido de que todos têm acesso à informação, todos têm também para fazer seu cadastramento socioeconômico e tudo, mais do ponto de vista da inserção em si né, a gente ainda não consegue assegurar essa participação de todos que desejam ingressar nos programas (Entrevistada C6).

Um aspecto interessante da fala que merece destaque, por mais democrático que seja o processo, quanto às informações e exigências, considerando o número de bolsas e vagas, sempre será uma concorrência entre os que precisam e os que conseguir os benefícios; ou seja, sempre haverá seletividade, o que revela que haverá excluídos, pois a instituição não tem programas que alcancem a todos os estudantes matriculados. Necessário lembrar sobre este ponto o alerta que Foucault (2005, p. 19) nos deu acerca de nossa sociedade, moderna, diferente da clássica, está estruturada, segundo três grandes regimes ou sistemas de exclusão, que aqui chamaremos de: interdição, segregação e veracidade. Desse modo, verificamos que os estudantes assistidos, de acordo com alguns discursos já coletados, sentem-se como que em regime de segregação. Sendo que, para viver no interior desse regime, ou mesmo para adentrá-lo por meio dos editais, será necessário um compromisso com a verdade; bem como com a interdição dos discursos, na medida em que se criam espaços específicos para se dizer a verdade; mesmo que essa última denuncie a proibição e a segregação. Neste tópico a entrevistada fala da equipe e de como a mesma foi se constituindo, aspectos que são importantes para a efetivação das ações do CAE. A equipe ela foi-se constituindo né com o tempo que quando chegou quando eu cheguei era só eu de profissional de coordenadora, assistente social né e aí em 2018 já no finalzinho chegou a psicóloga, né só agora chegou o técnico assuntos educacionais né e isso tem melhorado um pouco nosso trabalho né (Entrevistada C). Sobre as formas de acompanhamento aos estudantes destaca. Pronto acho que em relação ao serviço social né, a gente consegue essa aproximação da realidade do estudante inicialmente através da documentação dele é o que ele coloca onde a gente consegue perceber muita coisa, qual é o nosso público né entender quais são as vulnerabilidades quais são as necessidades dos nossos estudantes (Entrevistada C).

Penso que no nível do discurso está claro que existem ações de acolhimento; mesmo por que todo o processo é um acolhimento de uma demanda até então excluída do escopo universitário; por outro lado uma forma de conhecimento socioeconômica dos estudantes e as possíveis formas de adequá-los às políticas já existentes. De modo geral a entrevistada faz uma historicização de como são as políticas de assistência e do trabalho no CAE, aponta aspectos significativos para a efetivação das ações para com os estudantes, e descontinuidades existentes, de modo que retrata um pouco os discursos dos estudantes, as falas de descontentamento com as políticas e sobre as formas de acompanhamento, assim se revela um pouco da estrutura administrativa em seus aspectos para continuar existindo e produzindo formas de manter as políticas em todos os seus aspectos desde a oferta ao controle dos beneficiários. Interessante a afirmativa da entrevistada no sentido de não ter como controlar a maneira do discente gastar ou investir o dinheiro do PAEG. Ou seja, que no máximo ela pode trabalhar com informações, mas a decisão deliberada cabe ao estudante no momento de gastar o dinheiro com isso ou aquilo. Isso é exemplar para a descoberta foucaultiana acerca do saber-poder não ter um centro, mas sim estar distribuído e que todos os sujeitos são efeitos do poder que sofrem e do poder que exercem. Não obstante, é possível compreender que as dinâmicas de distribuição de poder-saber implicam responsabilidades, isto é, o preço pelo exercício do saber-poder na esteira dos limites da liberdade em relação às suas consequências e inconsequências.

Sobre a estrutura administrativa a entrevistada reitera: É mais assim todos nós que trabalhamos aqui a gente sente que essa parte administrativa do trabalho acaba sobrecarregando, a gente fica, às vezes, muito imerso nessas questões de resposta de processo e tudo e algumas ações que a gente deseja fazer como ações socioeducativas né algumas coisas às vezes a gente não consegue dar conta e outras vezes, quando a gente consegue organizar a gente não consegue a participação dos estudantes e é aconteceu foi pouco antes da pandemia. Eu me lembro mais do ano de 2019 que a gente desenvolveu alguns projetos aqui especialmente para a residência universitária né que eram ao longo do ano realizar seis eventos né e aí cada evento a gente até sondou com eles quais os temas que eles gostariam de trabalhar e tudo e quando a gente organizava esses momentos eles não participavam né (Entrevistada C).

Observamos uma reflexão sobre a organização do trabalho nesse constante acompanhamento de editais revelado pela técnica e, por outro lado, na tentativa de atender e realizar ações com os estudantes da residência universitária. Ao identificar modos de compreensão e afirmações verdadeiras sobre os discursos pensamos sobre Foucault e as formas de interdição e separação dos sujeitos por meio dos discursos; neste estudo podemos nos aproximar de formas discursivas de grupos específicos como os estudantes e os gestores de uma instituição o que revela os discursos e seus alvos. Pergunto sobre os espaços de formação e qualificação para os profissionais do CAE, como é que que isso ocorre? Ao que a entrevista faz um panorama das ações de formação e destaca que o núcleo de assistência social tem autonomia em fazer formações de acordo com suas necessidades. Declara: Isso é muito limitado acho que é quase escasso, esse ano a gente teve um seminário da assistência estudantil que foi virtual teve atividade um dia inteiro. A minha equipe enquanto assistentes sociais a gente se organiza e a gente constrói nossas próprias formações, então a gente já realizou dois momentos quando a gente entrou depois a gente realizou outro que são momentos assim mais demorado tipo três dias, uma semana de capacitação que a gente mesmo que organiza (Entrevistada C).

Na busca por uma maior compreensão da fala da entrevistada questiono. Só para eu entender, nós estamos aqui falando que existe uma equipe multidisciplinar, mas aí você vem com esse fato que é muito interessante, acaba que os processos formativos eles não são interdisciplinares? Não, único que eu te digo assim que eu já participei né que teve esse caráter mais interdisciplinar teve esse seminário que a gente teve recentemente o FONAPRACE. [ ] a gente enquanto assistentes sociais está sempre buscando enquanto coletivo e da UFCG que a gente já realizou duas, dois ciclos de oficinas de capacitação recentemente a gente parou para trabalhar os nossos instrumentais, para estudar categorias, então a gente consegue fazer isso em algum momento; a gente tá sempre trabalhando bastante, esse ano a gente conseguiu no mês de fevereiro, conseguiu dar conta de nossos formulários, refazer, estudar categorias e melhorar a avaliação socioeconômica, e fazer nosso plano de trabalho que está em construção, estudar para esse plano de trabalho e tudo, e a gente às vezes convida alguém de fora para o momento com a gente, com algum assunto que a gente tem dúvida, mas eu digo para você é uma iniciativa das assistentes sociais não é algo que a gestão vem e coloca para a gente, enquanto aqui CAE a gente ainda precisa se organizar nesse ponto também como equipe, também precisava estar nesses momentos de estudo criar uma rotina dentro do setor também, estar se apropriando disso (Entrevistada C).

A fala é reveladora de muitos aspectos sobre a formação da equipe multidisciplinar, das formas de organização e trabalho na assistência, existe uma dispersão entre os profissionais e um excesso de ocupação, ou seja, muitas demandas para o setor e isso acaba por limitar as atividades destes profissionais com os estudantes. É latente a necessidade da técnica em qualificação, estudo e formação para desenvolver plenamente suas atividades, assim como é perceptível que existam essas formas de expropriação das profissionais em si, de modo que a responsabilidade recai sobre sua competência técnica com base em sua formação e dar conta das atividades laborais. Entretanto, os limites entre as competências (responsabilidades) e as habilidades que as tornam competentes são muito tênues, especialmente quando uma das características do neoliberalismo está em produzir acúmulos de funções, tanto na esfera pública quanto na privada. O estado gera assimetria na distribuição desigual de poder, assim fragmenta a população, assim os micro dispositivos que movem a governamentalidade são responsáveis por essa realidade nas instituições, de modo que a organização de quem tem a verdade do discurso vai ser determinante elo entre sujeito e discurso e consequente relações de poder-saber. A governamentalidade se manifesta de um modo em que os sujeitos produzidos pelo saber-poder acabam por participarem do próprio governo, já que são subjetivados para o exercício do próprio saber-poder que os limitam. Não se trata, portanto, a governamentalidade, de uma estratégia de opressão ou de sujeição vertical. Os integrantes das instituições incorporam, são levados ao exercício do saber-poder de modo que experimentam algum tipo de benefício, apesar das queixas e das tensões. Sobre as formas de acompanhamento a técnica destaca: Em relação ao PAEG a gente consegue pouco contato no programa a gente tem um contato inicial que é o momento de informação e onde eles conhecem o setor. Tem contato com a gente presencialmente aqui ou através de meio eletrônico, o suporte do CFP trazendo a as demandas deles, existe o acompanhamento acadêmico que no caso é o técnico em assuntos educacionais que tá fazendo essa parte no momento (Entrevistada C).

As instituições tem autonomia para gerir os recursos da assistência, atendendo as características de cada grupo social envolvido, existe ainda as formas de replanejamento para os gestores, os eventos do FONAPRACE (2012) em suas edições por regional são uma oportunidade destes gestores repensarem e divulgarem forma de sucesso na assistência. Neste sentido considerando Foucault cada discurso necessita ser considerado dentro do contexto que foi gerado, assim a sua produção, seu alvo e objetivo se explicam, considerando os atravessamentos e as descontinuidades propostas pelo autor, diante de uma entrevista podem aparecer discursos inesperados para justificar uma realidade. Ao falar sobre a residência universitária a entrevistada traça um panorama institucional sobre o atendimento e de como vê esse programa, das contribuições deste para a formação dos estudantes.

Segue entrevistada segue pontuando: Começar pela residência, para mim, esse programa na residência ele é um programa de excelência que a gente tem. É o melhor programa só que mais dá trabalho (risos) mas é o melhor por que eu percebo dos estudantes que chegam aqui muito com muita vulnerabilidade eu vejo as histórias de vida deles e tudo e eu vejo quanto esses estudantes eles conseguem crescer na sua trajetória acadêmica uma boa parte uma boa parte, a gente vê que eles são estudantes que vivenciam aqui a universidade de uma forma muito mais plena acho que por tá aqui dentro eles conseguem se inserir nos projetos acadêmicos a gente ver eles vivendo aqui eu vejo muito isso, então é um outro que tá no projeto que tá numa monitoria que tá dentro do restaurante, na biblioteca, então eles conseguem essa inserção de forma bem mais alta, estão nas residências, estão movimento estudantil, uma boa parte a gente consegue acompanhar assim eles ao longo do curso conseguem manter essa exclusividade ao estudo, que é muito raro a gente saber que a pessoa começou a trabalhar, muito raro eu escuto muito pouco. Então eu os vejo fazendo PIBID vejo eles estagiando, em vários projetos para mim isso já é positivo porque eu sei como eles vivenciam bem isso e muitos saindo aqui vão para mestrados né então já consegue concursos, então a gente vê que são estudantes que conseguem crescer muito. Os históricos, passei muito tempo olhando os históricos acadêmicos e a maioria são estudantes que geralmente passa em todas as disciplinas, poucos reclamam eu não posso te dizer que é um número exato que não tem esse número de cabeça, mas me chama muita atenção isso quando eu ia fazer acompanhamento acadêmico dos residentes era tudo, olha se matricula em todas as disciplinas aprova todas as disciplinas. Então se tivesse alguns casos né como sempre tem em casos de estudantes com dificuldade são exceções então a gente percebe que eles são estudantes em sua maioria que conseguem cumprir as disciplinas que conseguem colar grau a tempo (Entrevistada C).

É um consenso que o programa Residência Universitária tem muitos aspectos positivos, entre eles estão espaço para estudar, oportunidade de participar de projetos acadêmicos, seja, ensino, pesquisa ou extensão; de modo que os estudantes aproveitam de todas as formas essa oportunidade quando residente, e assim o mérito pode ser atribuído ao programa ou ao estudante. Entre os aspectos negativos cabe uma análise sobre quais as condições de permanência existem na residência e os aspectos que não são falados, como os aspectos simbólicos e subjetivos que os estudantes têm que superar e a adaptação ao ingresso na universidade. (Entrevistada C).

Ainda sobre o tema pergunto: Enquanto política vigente e efetiva no CFP, a residência universitária e o PAEG que nota você daria para esses programas hoje? A resposta vem com uma análise de pontos importantes sobre cada programa e suas limitações. Acho que para residência poderia dar é tão difícil (risos) um 8 pelo resultado que a gente vê os estudantes conseguindo bons resultados e a gente não fecha essa nota porque há muitas fragilidades no sentido acompanhamento mesmo, de como a gente conseguir dar conta mais das necessidades dos estudantes enquanto equipe que seriam essas necessidade, mais as necessidades imateriais, por exemplo, de convivência essas outras questões de relacionamento subjetivos, as materiais eu acho que a gente consegue dar maior suporte a essa questão da estrutura e alimentação. Então isso a gente consegue melhor, mas enquanto equipe assim limitada que a gente é, a gente não consegue dar essas respostas mais subjetivas assim tem algumas, mas ainda é bem frágil. Em relação ao PAEG a gente até precisaria ter mais números, a gente não tem feito esse acompanhamento a cada período. Fazer um relatório dizer há quantos realmente cumpriram quanto não cumpriram, qual é efetivação. Mas eu fiz esse acompanhamento por um bom tempo, então eu percebia que uma quantidade considerável talvez oitenta por cento conseguiam atingir os objetivos em relação à disciplina e tudo percebo esse público como um público que não vivencia a universidade. Não tá aqui, então assim qual é um perfil do PAEG é o perfil daquele estudante que vem para a universidade assistir aula, eles conseguem geralmente cumprir as disciplinas e tudo. Tem uma parte que às vezes não consegue, tem alguns que ao longo do próprio programa eles precisam também começar a trabalhar já vão dar conta de outras realidades, porque a bolsa também não dá conta das necessidades deles. Então eu acho que o PAEG ele favorece a permanência do ponto de vista do auxílio financeiro, mas essa permanência não é tão de qualidade, eles não vivenciam muito a universidade e algumas vezes sim boa parte consegue colar grau, mas a gente já percebe que há retenção. Quando a gente faz a seleção é o programa que dá mais inscrições então na mente dos estudantes a bolsa ela é como se fosse a melhor forma de assistência (Entrevistada C).

Muito reveladora a fala da técnica do CAE ao avaliar os programas identificando aspectos dos estudantes e da universidade. Para ela, os estudantes que moram na residência universitária têm um melhor desempenho acadêmico, vivenciam a universidade e, quando terminam sua formação, alguns dão continuidade por meio da pós-graduação. Ao reconhecer a cobertura material que a política promove, tal fala se encontra com os enunciados dos estudantes, assim resta pensar que contribuições o CAE pode dar a futuras ações do PNAES no CFP por meio de relatórios e de seminários a serem elaborados, pois podem ser estabelecidas tentativas de reestruturação do modelo da residência universitária no CFP. Quanto ao PAEG, a entrevistada reconhece um programa que tem uma imensa procura pelos estudantes, porém não identifica como este pode contribuir para a formação destes, posto que, precisam se inserir no mercado de trabalho, muitas vezes fora de sua área de formação e na maioria das vezes em trabalhos precarizados pela política econômica neoliberal. A entrevistada reconhece a fragilidade da permanência em seus aspectos simbólicos como ações sobre educação ético cultural, desenvolvimento de relações interpessoais e psicológica, porém não sugere alternativas a serem implementadas.

Considerações Finais

Estudar as políticas do PNAES, entrar nesse universo de sentidos e fazeres sobre acesso e permanência estudantil me colocou num movimento intenso de acontecimentos, de legislação, de teorias, de efetivação dessa política e de todos o resto que subjaz a produção de subjetividades que perpassam a efetivação da assistência no ensino universitário. Sobre os mecanismos de acesso e permanência dos estudantes nos programas Residência Universitária e PAEG no CFP, podemos inferir que existe uma legislação que a Instituição UFCG, através da PRAC.

No tocante aos dois programas, consideramos que, por caminhos diferentes, apresentam sua importância enquanto programas de auxilio e permanência na vida dos estudantes; de modo que a política expressa no Decreto do PNAES vem atingindo seus objetivos, ou seja, está chegando aos estudantes com renda inferior a um salário e meio, provenientes das escolas públicas, declarados pretos, pardos e indígenas; alguns dos entrevistados declaram que não teriam seguido estudando sem os benefícios dos programas em tela. Por parte das entrevistadas observo uma visão própria da assistência, cada uma com sua formação e pautadas em compreensão que refletem as formas da sociedade e de governos neoliberais, os quais se expressam numa governamentalidade. Assim, as instituições modernas não possuem a mesma fisiologia de uma comunidade, de uma família e estão bem distantes de uma relação entre mim e tu; mas entre o sujeito e esse Outro que é uma instituição. O modelo de relações se estabelece entre sujeitos e máquina, no atendimento das demandas, sejam elas das mais humanas as mais materiais.

Por parte da gestão das políticas me convenço de que é um modelo que acompanha o restante das instituições brasileiras, que é regido por uma estrutura na qual a universidade não tem autonomia para modificar. Sobre a efetivação do Decreto n. 7.234/2010 do PNAES o predomínio da governamentalidade neoliberal brasileira se constitui uma retórica do controle que constrói a realidade social brasileira. Por outro lado, é preciso considerar as resistências, seja dos estudantes, seja dos órgãos de classe como o FONAPRACE, ANDIFES e de gestores comprometidos com a Assistência Estudantil. Portanto, faz-se necessário contextualizar os micro dispositivos e micro poderes da governamentalidade na genealogia da ética foucaultiana, que ao escrever sobre uma analítica crítica do tempo presente, apresenta os discursos e sua produção como possibilidades de transformação dos sujeitos, mediante a distribuição de pequenas parcelas de saber-poder como um modo de governamentalidade.

Nesse caso, a universidade e as leis que as rege são dispositivos que têm como função responder a uma certa urgência de um imperativo histórico acerca dos sistemas de exclusão. Então, sustentados pelas interdições, segregações e verdades/falsidades. A universidade consiste em uma instituição que, por excelência, demonstra sua ambiguidade, na medida em que funciona no eixo do saber-poder, ao mesmo tempo, oprimindo e distribuindo poder. Nesses termos, pudemos notar que o exercício da governamentalidade neoliberal está justamente nas dinâmicas em que adquirir e exercer saber-poder tem como consequência se ver oprimido pelo compromisso e pela responsabilidade com o saber-poder recebido ou conquistado. Não obstante, essa elaboração nos faz lembrar de um certo enunciado que diz: todo (saber) poder tem um preço

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SOBRE O/AS AUTOR/AS

1Recorte da Tese de Doutorado defendida pela autora na UFS/PPGED em 5 de dezembro 2022. Análise das políticas de assistência estudantil: pensando as formas de permanência de estudantes universitários no contexto da governamentalidade neoliberal (Lima, 2022)..

2Centro de Formação de Professores criado pela Resolução nº 62/79 do Conselho Universitário da UFPB inaugurado no dia 03 de fevereiro de 1980.

3A Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) é uma instituição pública federal de Educação Superior, com sua sede na cidade de Campina Grande, no estado da Paraíba. Foi criada a partir da Lei nº 10.419, de 9 de abril de 2002, a partir do desmembramento da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

4Entrevista de pesquisa, realizada em 2022.

5Entrevista de pesquisa, realizada em 2022.

6Entrevista de pesquisa, realizada em 2022.

SOBRE O/AS AUTOR/AS

8LIMA, Maria Janete de. Trajetórias da institucionalização das políticas de assistência: identificando a governamentalidade neoliberal como um discurso. Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 19, n. 50, e13018, 2023. DOI: 10.22481/praxisedu.v19i50.13018

Recebido: 12 de Julho de 2023; Aceito: 23 de Julho de 2023

LIMA, Maria Janete de. Doutora em Educação pela UFS/PPGED. Professora Adjunta da UFCG/CFP. Membro do GPECS/PPEGEd/UFS -Educação, Cultura e subjetividades. Contribuição de autoria: autora.

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