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Revista Práxis Educacional

versión On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.19 no.50 Vitória da Conquista  2023  Epub 17-Mayo-2024

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v19i50.11958 

Artigos

MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO: REFLEXÕES SOBRE O MÉTODO

HISTORICAL-DIALECTIC MATERIALISM: REFLECTIONS ON THE METHOD

MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉCTICO: REFLEXIONES SOBRE EL MÉTODO

Ilda Gonçalves Batista1 
http://orcid.org/0000-0002-5745-6207

Maria Sueli Corrêa dos Prazeres2 
http://orcid.org/0000-0001-8119-6313

1Universidade Estadual de Ponta Grossa - Ponta Grossa, Paraná, Brasil; ildagoncalves92@yahoo.com.br

2 Universidade Federal do Pará - Cametá, Pará, Brasil; suelicorrea@ufpa.br


RESUMO:

Este texto apresenta reflexões que fundamentam o debate sobre o método materialismo histórico-dialético. O objetivo do trabalho é compreender a produção do conhecimento em Marx e suas contribuições para o campo epistemológico. Para isso, adota-se a pesquisa bibliográfica como metodologia buscando identificar, a partir das obras de Marx (Marx, 2013; 2011; 2008; 2004) e de outros autores (Tonet, 2013; Chasin, 2009; Netto, 2009; Duarte 2008; Marx; Engels, 2007; Kosik, 2002), as dificuldades de abordar a resolução metodológica na produção marxiana e apresentar os pressupostos basilares que permitem compreender que há um tipo de produção teórico-epistemológica nas obras marxianas e marxistas. Discorre-se sobre a questão ontológica do Ser, sobre o método e sobre a produção do conhecimento em Marx. Conclui-se que não há um caminho explicativo sobre o método, mas indicações teórico-metodológicas que expõem um quadro consistente e articulado em torno do entendimento da realidade e do Ser. Esse quadro analítico esclarece não só a ontologia do Ser e sua relação com a realidade, como, também, transforma a forma de pensar e fazer ciência na modernidade. Assim, entende-se que a teoria marxiana representa um grande salto qualitativo para a produção do conhecimento científico, visto que avança em pontos importantes para o progresso da crítica à especulação, bem como para o entendimento de categorias centrais que explicam a problemática do conhecimento e sua relação com a prática social.

Palavras-chave: fundamentos teórico-epistemológicos; Marx; materialismo histórico-dialético

ABSTRACT:

This text presents reflections that underpin the debate on the historical-dialectical materialism method. The objective of the work is to understand the production of knowledge in Marx and his contributions to the epistemological field. For this, bibliographical research is adopted as a methodology seeking to identify, from the works of Marx (Marx, 2013; 2011; 2008; 2004) and other authors (Tonet, 2013; Chasin, 2009; Netto, 2009; Duarte 2008; Marx; Engels, 2007; Kosik, 2002), the difficulties of addressing the methodological resolution in Marxian production and present the basic assumptions that allow us to understand that there is a type of theoretical-epistemological production in Marxian and Marxist works. It discusses the ontological question of Being, the method and the production of knowledge in Marx. It is concluded that there is no explanatory path on the method, but theoretical-methodological indications that expose a consistent and articulated framework around the understanding of reality and Being. This analytical framework clarifies not only the ontology of Being and its relationship with reality, but also transforms the way of thinking and doing science in modernity. Thus, it is understood that Marxian theory represents a great qualitative leap for the production of scientific knowledge, since it advances in important points for the progress of criticism of speculation, as well as for the understanding of central categories that explain the problematic of knowledge and its relationship with social practice.

Keywords: foundations theoretical-epistemological; Marx; historical-dialectical materialism

RESUMEN:

Este texto presenta reflexiones que fundamentan el debate sobre el método del materialismo histórico-dialéctico. El objetivo del trabajo es comprender la producción de conocimiento en Marx y sus contribuciones al campo epistemológico. Para ello, se adopta la investigación bibliográfica como metodología buscando identificar, a partir de las obras de Marx (Marx, 2013; 2011; 2008; 2004) y de otros autores (Tonet, 2013; Chasin, 2009; Netto, 2009; Duarte 2008; Marx; Engels, 2007; Kosik, 2002), las dificultades para abordar la resolución metodológica en la producción marxiana y presentar los supuestos básicos que permiten entender que existe un tipo de producción teórico-epistemológica en las obras marxianas y marxistas. Se discute la cuestión ontológica del Ser, el método y la producción de conocimiento en Marx. Se concluye que no existe una vía explicativa sobre el método, sino indicaciones teórico-metodológicas que exponen un marco consistente y articulado en torno a la comprensión de la realidad y del Ser. Este marco analítico aclara no sólo la ontología del Ser y su relación con la realidad, sino que también transforma la forma de pensar y hacer ciencia en la modernidad. Así, se entiende que la teoría marxiana representa un gran salto cualitativo para la producción de conocimiento científico, ya que avanza en puntos importantes para el progreso de la crítica de la especulación, así como para la comprensión de categorías centrales que explican la problemática del conocimiento y su relación con la práctica social.

Palabras clave: fundamentos teórico-epistemológicos; Marx; materialismo histórico-dialéctico

Introdução

A rigor, não há uma questão de método no pensamento marxiano. Essa espécie de arrumação operativa, a priori, da subjetividade, como chama Chasin (2009), não é encontrada na obra marxiana como um conjunto de regras, normas ou caminho metodológico a ser percorrido pelo pesquisador na produção do conhecimento científico. Isso ocorre, segundo o autor, porque Marx em nenhum momento de sua obra se preocupou em estudar questões gnosiológicas. Por isso, não temos um único texto de Marx reservado e detalhado sobre a exposição do método. O que há, em algumas de suas obras, são vestígios que indicam sua opção metodológica.

Nas obras visitadas encontramos algumas breves exposições sobre o método em a introdução do livro Grundisse (Marx, 2011), bem como nos anexos do livro Contribuição à crítica da economia política (Marx, 2008), que apresentam trechos muito conhecidos sobre o pensamento de Marx e sua crítica ao método da economia política. Talvez, por isso, são considerados clássicos da dialética materialista. Nessas obras, Marx põe em xeque o pensamento estabelecido e oferece uma forma de pensar fundamentada no raciocínio formal. Explicita sua concepção de concreto, o qual nasce para expor as propriedades do real pelo olhar do cientista. Mas, sem delinear todo o processo que o apresenta como a síntese de determinações, pois esse processo, para o autor, não é construído pelo observador. Ele define que todo esse processo não é uma determinação lógica porque depende de um conjunto de relações, que consiste em colocar em questão as formas mais desenvolvidas da sociedade. No entanto, essa condição histórica não explica a lógica de tudo.

Todavia, o fato de não escrever nos moldes acadêmicos seus passos analíticos não quer dizer que seus estudos deixem de seguir uma metodologia. Na verdade, conforme indica Tonet (2013), essa ação se desenvolve não por falta de tempo ou de interesse de Marx pela questão, mas porque seu pensamento não se instaura como uma gnosiologia e, sim, como uma ontologia. Ele compreende que as questões relativas ao conhecimento devem ser resolvidas junto à elaboração de uma teoria geral do ser social, vale dizer, de uma ontologia do ser social. Portanto, não é casual que Marx nunca tenha publicado um texto dedicado ao método como algo dissociado da sua teoria ou da própria investigação, haja vista que seu interesse era de natureza ontológica e não epistemológica. Logo, ele não focou no método, mas em conhecer a história da gênese do ser social, do ato que funda a sociabilidade. É na análise desse ato que se descobrirá a origem, a natureza e a função social, isto é, toda a história da sociedade, essencial para produzir conhecimento científico.

Por isso, na ausência de um texto com maior aprofundamento sobre o método foi muito importante buscar autores marxistas que discutem a questão e explicam a gnosiologia iniciada por Marx. Ao passo que suas análises sugerem que é depois dessa resolução filosófica que Marx indica sua forma de produzir conhecimento, contudo, sem seguir um manual de regras nem estabelecer normas ou procedimentos para alcance do conhecimento dito científico. Essa perspectiva normativa que apreende o objeto separadamente da razão é padrão moderno da realização do conhecimento, que compreende a resolução de questões relativas ao conhecimento como uma análise da razão, que “[...] se examina e decide, inteiramente isolada do conjunto da sociabilidade, o que ela pode ou não pode fazer e como deve proceder para efetivar o conhecimento científico [...]” (Tonet, 2013, p. 72).

Desse modo, enquadrar o pensamento marxiano sobre a produção do conhecimento científico com a tradição das abordagens teórico-epistemológicas das disciplinas filosóficas tradicionais é uma tarefa impossível, pois a crítica de Marx “[...] rompeu com o método lógico-especulativo, nem se situou, pela mediação do pressuposto ineliminável da atividade sensível do homem [...]” (Chasin, 2009, p. 90), foi um para além da questão metodológica, já que se preocupou em construir uma nova forma de interpretar a realidade e compreender os problemas reais e concretos dos homens, evidenciando os limites das concepções teórico-epistemológicas predominantes até sua época.

Nesse sentido, a crítica de Marx não trata de se posicionar frente ao conhecimento existente para recusá-lo ou distinguir nele o “bom” do “mau”, mas consiste, de acordo com Netto (2009), em trazer ao exame racional, tornando-os conscientes, os seus fundamentos, os seus condicionamentos e os seus limites - ao mesmo tempo em que se faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos processos históricos reais. Sendo assim, para o autor a questão do método na teoria social de Marx se apresenta como um nó de problemas, problemas que não se devem apenas a razões de natureza teórica e/ou filosófica. Devem-se igualmente a razões ideopolíticas na medida em que se vincula a um projeto revolucionário.

Dessa forma, este breve ensaio, nos limites de sua exigência em páginas, a partir de pesquisa bibliográfica nas obras de Marx (Marx, 2013; 2011; 2008; 2004) e de outros autores (Tonet, 2013; Chasin, 2009; Netto, 2009; Duarte 2008; Marx; Engels, 2007; Kosik, 2002, busca compreender a produção do conhecimento em Marx e suas contribuições para o campo epistemológico por meio de uma análise que apresenta as dificuldades de abordar a resolução metodológica na produção marxiana e os pressupostos basilares que permitem concluir que há um tipo de produção teórico-epistemológica nas obras marxianas e marxistas necessária e útil para compreender criticamente o mundo social e pensar sua transformação.

A questão ontológica do Ser e o método em Marx

Marx, ao buscar evidenciar o limite da atividade do pensamento humano sobre a realidade concreta vivenciada na Alemanha no século XIX, inaugura uma forma peculiar de fazer ciência na qual defende a realidade enquanto resultado da práxis humana, isto é, produto da atividade do homem. Sendo a práxis a síntese entre subjetividade e objetividade, pressupõe que conhecer é “[...] transformar os resultados dessa síntese - os fenômenos sociais - em objeto de conhecimento. Isto mostra, claramente, a prioridade ontológica da objetividade (do objeto) sobre a subjetividade (sujeito) no processo de conhecimento” (Tonet, 2013, p. 101). Contudo, num primeiro momento, Marx não se preocupa com a natureza conceitual das categorias sujeito e objeto. Essa abordagem emerge em suas obras mais tarde, após compreender a ontologia do ser social, haja vista que o foco inicial do pensamento marxiano está na análise do homem e de sua vida material. A questão central é entender o que é o ser social.

Marx o define, em sua multiplicidade, como:

O homem é imediatamente ser natural. Como ser natural, e como ser natural vivo, está, por um lado, munido de forças naturais, de forças vitais, é um ser natural ativo; estas forças existem nele como possibilidades e capacidades, como pulsões; por outro lado, enquanto ser natural, corpóreo, sensível, objetivo, ele é um ser que sofre, dependente e limitado, assim como o animal e a planta, isto é, os objetos de suas pulsões existem fora dele, como objetos independentes dele. Mas esses objetos são objetos de seu carecimento, objetos essenciais, indispensáveis para a atuação e confirmação de suas forças essenciais (Marx, 2004, p. 127).

Assim, ao tecer a crítica da dialética e da filosofia hegeliana nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx traz a reflexão de que o homem é um ser uno, porém, com sentido múltiplo, diverso, já que agrega dupla característica: de um lado, é um ser natural vivo e, do outro, é um ser que carece de objetos essenciais e indispensáveis para o seu agir e para sua vida. O destaque do autor reverbera na necessidade natural do ser, mas não como um ser que se satisfaz de modo autônomo, mas como um ser que necessita de objetos externos para satisfazer suas necessidades, pois é incapaz de sobreviver sem seus objetos de carecimento.

Essa incompletude do homem em sua naturalidade advém da ideia de que “um ser não-objetivo é um não-ser” (Marx, 2004, p. 127), ou seja, um ser que não tenha sua natureza fora de si não é nenhum ser natural, não toma parte na essência da natureza, uma vez que o homem é um ser que necessita de uma terceira natureza para satisfazer-se. Isso significa que, para Marx (2004, p. 127), “Um ser que não tenha nenhum objeto fora de si não é um ser objetivo. Um ser que não seja ele mesmo objeto para um terceiro ser não tem nenhum ser para seu objeto, isto é, não se comporta objetivamente, seu ser não é nenhum [ser] objetivo”.

A argumentação assegura que um ser não objetivo, portanto, não existe. O homem em sua plenitude é objeto seja para ele mesmo seja para um outro ser. Ele não existe isolado e solitariamente, pois, ao existir objeto fora dele, tão logo ele não está só. Assim, ao existir objeto fora de si, ele torna-se objeto de seu objeto. É uma relação recíproca em que tão logo eu tenha um objeto, esse objeto tem a mim como objeto. Desse modo, o destaque ressoa para o ser enquanto ser objetivo que, em sua relação de objetividade, agrega outros objetos essenciais a sua vida.

Marx continua afirmando que:

Mas o homem não é apenas ser natural, mas ser natural humano, isto é, ser existente para si mesmo, por isso, ser genérico, que, enquanto tal, tem de atuar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em seu saber. Consequentemente, nem os objetos humanos são os objetos naturais assim como estes se oferecem imediatamente, nem o sentido humano, tal como é imediatamente disponível ao ser humano de modo adequado (Marx, 2004, p. 128,).

Observa-se, assim, que o destaque do autor não ecoa apenas no homem enquanto ser natural, mas um ser natural humano, que é genérico e, por ser genérico, abrange múltiplas coisas, inclusive produzir o seu ser e o seu saber. Logo, para Marx, a realidade não é dada naturalmente, assim como o sentido humano não é dado imediatamente, são objetos em que o homem deve atuar para produzir sua existência e sua consciência.

Chasin (2009, p. 92) acrescenta que a ênfase dessa argumentação deve recair sobre “[...] a determinação de que objetividade e subjetividade humanas são produtos da autoconstutividade do homem, a partir e pela superação de sua naturalidade. O homem e o seu mundo são produções de seu gênero [...]”. Partindo do mesmo raciocínio, Tonet (2013) acentua que essa relação não é uma relação de mão única. Trata-se de dois momentos de um mesmo processo unitário, uma determinação recíproca de “Subjetivar as forças da natureza e, ao mesmo tempo, objetivar-se como ser humano [...]” (Tonet, 2013, p. 87), ou seja, é um processo no qual o homem age sobre a natureza transformando-a e formando a si mesmo.

Essa lógica parece bastante clara quando Marx (2004, p. 157) dispõe que:

Se as sensações, paixões etc. do homem não são apenas determinações antropológicas em sentido próprio, mas sim verdadeiramente afirmações ontológicas do ser (natureza) - e se elas só se afirmam efetivamente pelo fato de o seu objeto ser para elas sensivelmente, então é evidente: 1) que o modo da sua afirmação não é inteiramente um e o mesmo, mas, ao contrário, que o modo distinto da afirmação forma a peculiaridade da sua existência, de sua vida; o modo como o objeto é para elas, é o modo peculiar de sua fruição; 2) aí, onde a afirmação sensível é o supra-sumir imediato do objeto na sua forma independente (comer, beber, elaborar o objeto etc.), isto é a afirmação do objeto; 3) na medida em que o homem é humano, portanto também sua sensação etc., é humana, a afirmação do objeto por um outro é, igualmente, sua própria fruição; 4) só mediante a indústria desenvolvida, ou seja, pela mediação da propriedade privada, vem a ser a essência ontológica da paixão humana, tanto na sua totalidade como na sua humanidade; a ciência do homem é, portanto, propriamente, um produto da auto-atividade prática do homem; 5) o sentido da propriedade privada - livre de seu estranhamento - é a existência dos objetos essenciais para o homem, tanto como objeto da fruição, como da atividade.

Logo, para o autor, o modo como o homem se objetiva é específico da sua espécie, nenhum outro ser faz igual. Sua forma independente reside na afirmação do objeto enquanto objeto sensível, um objeto que existe fora dele, mas que é integrado a ele por uma necessidade. Esse ato peculiar do homem é sua afirmação enquanto homem e como tal são formas de efetivar sua objetividade e sua subjetividade, isto é, são formas de produzir a realidade e a si mesmo. Por isso, na obra “A ideologia alemã”, Marx e Engels (2007, p. 86-87) afirmam que são “[...] os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas como as produzidas por sua própria ação [...]”, os pressupostos que explicam a realidade.

É por essa ótica que podemos supor que a ênfase marxiana está na objetividade do ser. Esse destaque aparece muito bem descrito na tese I “Ad Feuerbach”, onde Marx e Engels afirmam que:

O principal defeito de todo materialismo até agora (o de Feuerbach incluído) é que o objeto, a realidade, o sensível, só é apreendido sob a forma de objeto ou da contemplação, mas não como atividade humana sensível, como prática; não subjetivamente. Daí o lado ativo, em oposição ao materialismo, [ter sido] abstratamente desenvolvido pelo idealismo - que, naturalmente, não conhece a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis efetivamente diferenciados dos objetos do pensamento: mas ele não apreende a própria atividade humana como atividade objetiva. Razão pela qual ele enxerga, n’A Essência do Cristianismo, apenas o comportamento teórico como autenticamente humano, enquanto a prática é apreendida e fixada em sua forma de manifestação judaica suja. Ele não entende, por isso, o significado da atividade ‘revolucionária’, ‘prático-crítica’ (Marx; Engels, 2007, p. 533).

Nesse texto, Marx trata sobre como o materialismo, aos moldes Feuerbachiano, visualiza a realidade como algo abstrato, uma realidade que se apresenta como exterior ao sujeito e independente de sua subjetividade. Contudo, Marx não concorda com tal suposição, pois acredita que esta não foi capaz de identificar o princípio que confere unidade entre os objetos, isto é, não foi capaz de reconhecer a realidade como produto da atividade humana sensível como prática. Por esse viés, é o exame objetivo da prática que possibilita o conhecimento da realidade. Não é mais indagando se o homem é capaz de conhecer ou não conhecer a realidade que se afirma o conhecimento, mas na atividade humana sensível como prática.

A diferença fundamental da teoria marxiana é partir da categoria objetividade, o que Feuerbach foi incapaz de ultrapassar. Para Chasin (2009, p. 95), esse é o grande mérito e salto marxiano, pois permite “[...] a precisa identificação ontológica da objetividade social - posta e integrada pelo complexo categorial que reúne sujeito e objeto sobre o denominador comum da atividade sensível”, bem como avança em pontos importantes para o progresso da crítica a especulação e a reorientação ontológica aos dois polos do ser social. Portanto, a crítica tem um papel decisivo para a compreensão da realidade e avanço do conhecimento, pois lida com uma grave lacuna ontológica, a objetividade social. Rompe com a ideia de mundo sensível separado do mundo inteligível e reconhece a atividade humana sensível, prática, como forma subjetiva da ação do homem.

Chasin (2009) acrescenta, ainda, que é compreensível afirmar que a atividade sensível como sujeito e objeto, ou complexo sujeito-objeto como atividade sensível, seja a espinha dorsal e núcleo articulador da identificação marxiana do caráter do mundo humano ou da totalidade da objetividade social, em vista de que nela se identifica a essência ativa do homem enquanto produtor tanto da sua realidade objetiva quanto da sua representação subjetiva, isto é, da sua consciência. Essa união instiga um novo passo analítico:

[...] para que possa haver dação sensível de forma, o efetivador tem que primeiro dispor dela em si mesmo, o que só pode ocorrer sobre configuração ideal, evidenciando momentos distintos de um ato unitário, no qual, pela mediação da prática, objetividade e subjetividade são resgatas de suas mútuas exterioridades, ou seja, uma transpassa a outra ou transmigra para a esfera da outra, de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade objetiva são enlaçadas e fundidas, plasmado o universo da realidade humano-societária - decantação de subjetividade objetivada ou, o que é o mesmo, objetividade subjetivada. É, por conseguinte, a plena afirmação conjunta, enriquecida pela especificação do atributo dinâmico de cada uma delas, da subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real, enquanto momentos típicos e necessários do ser social, cuja potência se expressa pela síntese delas, enquanto construtor de si e de seu mundo (Chasin, 2009, p. 98).

O destaque desse texto está em apontar e ressaltar que para haver atividade humana sensível é necessário ocorrer a síntese entre objetividade e subjetividade, uma vez que a efetivação desta só pode ocorrer por um ato de incorporação ideal. Esse ato, portanto, ocorre por meio de uma união entre objeto sensível e sujeito inteligível, contudo, não exclui suas contradições, já que ambos possuem características diferentes, mas possibilitam, por uma mediação prática, um percorrer no universo do outro. Essa fusão permite entender que não há realidade social sem esse ato de união, pois é através desse fenômeno que o ser social consegue pensar e agir para realizar sua autoconstutividade.

Toda essa argumentação desemboca no que Chasin (2009) designa de quadro da plena realização da transitividade, que, na verdade, é o momento em que objetividade e subjetividade perdem sua unilateralidade de mundo bipartido no qual o sujeito que pensa é desligado da sua realidade material. Aqui nasce a possibilidade de compreender a realidade social a partir do intercâmbio entre mundo material e mundo ideal onde:

[...] a subjetividade é reconhecida em sua possibilidade de ser coisa no mundo, e a objetividade como dynameis - campo dos possíveis. O sujeito se confirma pela exteriorização sensível, na qual plasma sua subjetividade, e o objeto pulsa na diversificação tolerando formas subjetivas ao limite de sua plasticidade, isto é, de sua maleabilidade para ser outro (Chasin, 2009, p. 99).

Deste modo, através dessa síntese o erro Feuerbachiano está superado e a realidade é captada como objetivação da subjetividade. Marx realiza a síntese superadora entre objetividade (realidade) e subjetividade (razão) e dá origem à unidade entre esses dois elementos.

Tonet (2013) explica que duas constatações podem ser lançadas a respeito do conhecimento a partir dessa ontologia. A primeira constatação é que o tratamento autônomo da problemática do conhecimento é um enorme equívoco, visto que significaria atribuir prioridade ontológica ao conhecer e não ao Ser e admitir a compreensão de uma particularidade separada da sua totalidade. A segunda constatação expõe que há uma relação íntima entre conhecimento e prática social, dado que conhecer não é mera contemplação, mas um ato de reflexão sobre a realidade como possibilidade de conhecer para transformá-la.

Essas constatações são essenciais para compreender a resolução marxiana sobre a questão do conhecimento, uma vez que centra como critério de verdade a possibilidade ontoprática (Chasin, 2009), evidenciando que o conhecimento não pode ser compreendido como algo desligado do ser. Pelo contrário, deve ser considerado como um momento de uma totalidade maior que é o ser social e só pode ser apreendido como parte desta. Logo, toda a questão do conhecimento é reconfigurada, pois coloca em evidência a existência de uma realidade objetiva ao mesmo tempo em que destaca a importância da forma subjetiva enquanto momento ideal da atividade sensível, isto é, o conhecer.

A esse respeito, Marx e Engels (2007, p. 533) discorre que: “A questão de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade não é uma questão da teoria, mais uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar a verdade, isto é, a realidade [...]”. Analisando essa leitura da realidade, Chasin (2009, p. 100, grifo do autor) afirma que o homem só pode conhecer a realidade porque “[...] se faz ou é um ser prático, então é capaz de conhecer ao menos, o que permite fazer, confirmar sua natureza prática. A partir disso, por conseguinte, o conhecimento também está confirmado [...]”.

Os destaques são enfáticos em evidenciar a importância da questão de o conhecimento ser considerado a partir da questão prática. Para os autores, a autonomia dada ao conhecimento não é mais possível de ser considerada, haja vista que o tratamento autônomo da problemática do conhecimento falseia a compreensão dele e da realidade. Portanto, admitir que o conhecimento é algo desligado da prática objetiva e, consequentemente, da objetivação do sujeito social é um erro inexorável que invalida toda e qualquer compreensão de sociedade.

Marx (2004) adverte que pensar o saber desligado da prática e do homem é pensar um saber absoluto, abstrato, vindo de um espírito absoluto que apreende a si mesmo e pensa o mundo como algo estranhado, que se concebe abstratamente. Isto ocorre porque apreendem a natureza como algo exterior, como a externalidade do pensar, tal como ela é para este pensar abstrato. A apropriação efetiva das forças essenciais humanas tornadas objetivas, por esta ótica, são apenas uma apropriação que se sucede na consciência, no puro pensar, isto é, na abstração. Assim,

[...] A vindicação (Vindicirung) do mundo objetivo para o homem - por exemplo, o conhecimento de que a consciência sensível não é uma consciência abstratamente sensível, mas uma consciência humanamente sensível; de que religião, a riqueza etc., são apenas a efetividade estranhada da objetivação humana, das forças essenciais humanas nascidas para a obra (Werk) e, por isso, apenas o caminho para a verdadeira efetividade humana - está na apropriação ou apreensão neste processo aparece para Hegel, por isso, de modo que sensibilidade, religião, poder do Estado etc., são seres espirituais -, pois apenas o espírito é a verdadeira essência do homem, e a verdadeira forma do espírito é o espírito pensante, o espírito lógico, especulativo [...] (Marx, 2004, p. 122).

Essa forma do conhecimento desligado do mundo prático é própria de uma visão racionalista, idealista de entender o mundo, o homem e o conhecimento. Nela, a humanidade, a natureza, a história e os produtos dos homens aparecem como produtos do espírito abstrato, isto é, como seres do pensamento. Nela, toda a apropriação objetiva aparece como uma incorporação da consciência pela consciência em si mesmo, isto é, toda questão objetiva é subjugada à consciência, logo, o objeto é suprassumido e a questão subjetiva é exaltada como o elemento efetivo do saber absoluto.

O pensamento marxiano tece a crítica a essa postura obscura e mistificadora da realidade, haja vista que causa estranhamento do homem sobre esta e seus objetos, leva-o a visualizar o objeto sempre como algo exterior a sua consciência, por isso, como algo abstrato. A grandeza de Marx está em examinar essa relação a partir da realidade social e do próprio homem em seu processo de objetivação não como algo alheio ao homem, mas, ao contrário, como parte da sua própria essência. Ele afirma:

Quando o homem efetivo, corpóreo, com os pés bem firmes sobre a terra, aspirando e expirando suas forças naturais, assenta suas forças essenciais objetivas e efetivas como objetos estranhos mediante sua exteriorização (Entäusserung), este [ato de] assentar não é o sujeito; é a subjetividade de forças essenciais objetivas, cuja ação, por isso, tem também que ser objetiva. O ser objetivo atua objetivamente e não atuaria objetivamente se o objetivo (Gegenständliche) não estivesse posto em sua determinação essencial. Ele cria, assenta apenas objetos, porque ele é assentado mediante esses objetos, porque é, desde a origem, natureza (weil es von Haus aus Natur ist). No ato de assentar não baixa, pois, de sua ‘pura atividade’ a um criar do objeto, mas sim seu produto objetivo apenas confirma sua atividade objetiva, sua atividade enquanto atividade de um ser natural objetivo (Marx, 2004, p. 126-127)

Sendo assim, vemos aqui que é no ato em que o homem objetiva suas forças naturais e essenciais em objetos externos que, inseparavelmente, avalia e produz conhecimento, pois ele neste ato não apenas cria objetos como também confirma seu saber e seu próprio ser. Desse modo, podemos afirmar que é próprio do ser social transformar a realidade a partir de uma relação íntima entre conhecimento e prática. Na qual, conhecer não é um ato puramente mecânico, “[...] conhecer é um momento do processo de transformação da realidade, seja ela natural ou social. O conhecimento é uma mediação para a intervenção da realidade. Ele é, além disso, uma mediação absolutamente indispensável para a autoconstrução do ser humano [...]” (Tonet, 2013, p. 102).

De modo geral, podemos inferir que a não compreensão do caráter histórico e social da atividade humana deforma o processo de construção do conhecimento e contamina o entendimento do homem sobre a realidade, pois, para Marx, “[...] a realidade é o resultado da síntese entre consciência (momento subjetivo) e realidade (momento objetivo), síntese esta realizada pela prática social [...]” (Tonet, 2013, p. 105). Essa defesa reconhece que as ideias não estão desligadas da vida social e “[...] as resgata da mera abstração para a vida, na exata medida em que ‘toda a vida social é essencialmente prática” (Chasin, 2009, p. 112).

Portanto, a ciência que isola o ato de conhecer da realidade social desconfigura a compreensão dessa realidade, bem como a produção do conhecimento, pois, para Marx e Engels (2007, p. 533), “[...] a disputa acerca da realidade ou não realidade do pensamento - que é isolado da prática - é uma questão puramente escolástica”, isto é, um ideal racionalista que separa o pensamento da atividade do sujeito e, por isso, desconfigura a possibilidade de conhecer a realidade como ela é. A superioridade marxiana está, desde logo, em não separar o pensamento como produto de um sujeito que se objetiva e, por isso, pensa.

Nesse sentido, a tradição marxista traz a problemática do conhecimento no complexo real onde ele se manifesta como produto do homem em seu ato de confirmação e a partir dessa ótica compreende que os pensamentos são expressões ideais da prática social. A esse respeito, encontra-se n’A ideologia alemã reflexões que tratam a questão:

[...] Os homens são os produtores de suas representações, de suas ideias e assim por diante, mas os homens reais, ativos, tal como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde, até chegar as suas formações mais desenvolvidas. A consciência [Bewusstsein] não pode jamais ser outra coisa do que o ser consciente [bewusste Sein], e o ser dos homens é o seu processo de vida real [...] (Marx; Engels, 2007, p. 94).

O excerto extraído da obra marxiana indica o caráter social da consciência e sua representação como derivada do processo de vida real dos homens. A consciência não como algo autônomo, mas como fruto da própria ação do homem junto à realidade objetiva. Por isso, este afirma ser os homens os próprios produtores de suas representações “[...] não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência [...]” (Marx; Engels, 2007, p. 94), isto é, ele considera a consciência como a consciência dos próprios indivíduos.

Contudo, vale ressaltar, segundo Tonet (2013, p. 85), que “[...] a consciência não é mera derivação mecânica da realidade objetiva, também não é um mero efeito secundário desta realidade [...]. Ela é tão ser como a realidade objetiva”. Isto significa que a consciência não é simplesmente reflexo da realidade, mas um processo em que consciência e realidade vão se determinando mutuamente. O autor discorre que consciência e realidade objetiva são dois momentos de igual importância e integram o ser como ele é na sua efetividade. Fala-se de uma consciência que não vem de fora do ser, mas que se cria, sobre uma base natural, no mesmo momento em que se cria a realidade social objetiva.

A consciência vista por este ângulo não permite entender o pensamento como algo autônomo à realidade objetiva, uma vez que encontra o seu campo de escolha delimitado pelas possibilidades postas por essa realidade. Na perspectiva de Chasin (2009), a sociabilidade aparece aqui como condição de possibilidade do pensamento, o que remete à determinação social do pensamento. A formulação do autor supõe que “[...] atividade ideal é atividade social. O pensamento tem caráter social porque sua atualização é atualização de um predicado do homem, cujo ser é, igualmente, atividade social” (Chasin, 2009, p. 106).

A consciência ligada à sociabilidade humana pressupõe que as formas de pensamento são produtos sociais. Se, todavia, o homem “[...] em suas representações põem a sua realidade de cabeça para baixo, isto é consequência de seu modo limitado de atividade material e das suas relações sociais limitadas que daí derivam” (Marx; Engels, 2007, p. 93). Portanto, o entendimento falso dessa realidade emana do obscurecimento que se dá nessa própria realidade, pois é no seu processo histórico de vida que os homens invertem suas relações e o modo como visualizam o mundo. Logo, se “[...] são uma expressão consciente - real ou ilusória - de suas verdadeiras relações e atividades [...]”, é a realidade que vai determiná-los (Marx; Engels, 2007, p. 93).

Marx assegura, portanto, que todo o caráter fantasmagórico da teoria encontra solução racional na prática humana e na compreensão dessa prática. É na medida em que Marx captura a natureza desse objeto (o ser social) que ele rompe com as tradições filosóficas anteriores e constrói sua concepção filosófica e científica. Uma concepção que parte não de pressupostos desligados da realidade, mas de “[...] pressupostos reais, de que só se pode abstrair na imaginação. [...] Esses pressupostos são, portanto, constatáveis por via puramente empírica” (Marx; Engels, 2007, p. 86-87), isto é, são verificáveis na realidade concreta dos homens, nas relações que estabelecem entre si e nas condições reais de sua existência. Isto porque:

O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende de tudo, da própria constituição dos meios de vida já encontrados e que eles têm de produzir. Esse modo de produção não deve ser considerado meramente sob o aspecto de ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma determinada de sua atividade, uma forma determinada de exteriorizar sua vida, um determinado modo de vida. Tal como os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, pois, com sua produção, tanto com o que produzem como também com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção (Marx; Engels, 2007, p. 87).

Pode-se inferir, a partir da assertiva, que o modo como ocorre a produção da vida humana depende das condições materiais encontradas em determinado momento histórico, mas, não só isso, pois o modo como os homens produzem seus meios de vida não tem influência somente na produção material da vida. Vai além, porque determina também o interior humano e a forma como exterioriza a vida. Os indivíduos agem e pensam de determinada forma porque contraem entre si determinadas relações sociais. Desse modo, a vida social é condição sine qua non na produção do conhecimento, uma vez que o pensar aparece aqui como produto das condições históricas e materiais dos indivíduos.

Esse reconhecimento integra a prática teórica marxiana e historiciza suas ideias à medida que elas avançam no tempo, pois em nenhuma outra época a ciência havia tido um pensamento tão revelador e adequado à realidade prática. Marx conseguiu decifrar problemas que haviam sido instaurados há séculos, mas que por limites históricos e práticos da sociedade não haviam sido resolvidos. Isso só foi possível porque a teoria marxiana trata, ao mesmo tempo, “[...] dos condicionamentos do pensamento e do objeto, ou seja, da determinação social da atividade teórica e do complexo formativo ou presença histórica do objeto investigado [...]” (Chasin, 2009, p. 112, grifo do autor).

Para Chasin (2009), o que permitiu Marx chegar a essa dissolução foi o solo e o tempo de uma objetividade científica, isto é, o grau de desenvolvimento de determinado objeto e as condições subjetivas a ele correspondente. Este argumenta que, em Marx, “[...] a objetividade científica é uma complexa resultante de produtivos influxos sócio-históricos, e não, meramente a virtude de uma forma de um discurso pré-moldada” (Chasin, 2009, p. 117). É por meio dessa defesa, portanto, que a teoria marxiana rompe com a ciência especulativa e começa a “[...] ciência real, positiva, a exposição da atividade prática, do processo prático de desenvolvimento dos homens. As fraseologias sobre a consciência acabam e o saber real tem de tomar seu lugar [...]” (Marx; Engels, 2007, p. 95).

Nesse ponto, Marx foi genial ao desmascarar a misticidade da ciência especulativa e dá início a uma ciência preocupada com a materialidade social e com os homens reais. Por isso, a partir dele, a problemática do conhecimento científico dá um salto qualitativo extraordinário, sendo reconfigurada para atender aos pressupostos reais da vida humana. Diz ele, agora, “[...] todos os mistérios que conduzem a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão dessa prática” (Marx; Engels, 2007, p. 534).

É, então, baseado na experiência e por meio da capacidade de abstração que o sujeito deve proceder em uma investigação científica para “[...] se apropriar da matéria em seus detalhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu nexo interno. Somente depois de consumado tal trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real [...]” (Marx, 2013, p. 90). Logo, fazer ciência perpassa pela atividade mental do sujeito em captar da realidade objetos de investigação e realizar sua abstração, todavia, não esquecendo das suas relações com o mundo e do seu processo de objetivação. Desse modo, conhecer significa, num primeiro momento, abstrair de uma realidade, que é um todo articulado, sua imediaticidade em detalhes (Kosik, 2002).

Essas primeiras abstrações, diz Chasin (2009), são representações gerais extraídas do mundo real como determinações ou categorias simples e, enquanto tais, estão dadas tanto na realidade como no cérebro, evidenciando formas de ser e determinações de existência. Isto é, são conceitos simples que se expressam de modo isolado e fragmentado do aspecto real a que se refere. O mérito de uma abstração, segundo Chasin (2009) e Tonet (2013), está em extrair as diferenças, mas também o que há de comum entre determinado objeto e o modo como elas se articulam. Ela é importante também porque permite separar cada elemento, permite apreender a sua natureza, a sua importância e a sua articulação com os demais componentes.

Contudo, não oferece solução real e concreta para a questão do conhecimento, apenas aponta questões prévias à intuição e representações ao pensamento. Logo, essa ação não é suficiente para pensar a prática humana e sua compreensão: “[...] a questão é outra e de caráter diverso, resumida a saber como é alcançado, mentalmente, o indubitável antecedente efetivo do real e concreto, onde cessa a especulação e um saber racional pode ter lugar” (Chasin, 2009, p. 126).

Aqui, é importante abrir um parêntese para explicar que a realidade não é uma coisa isolada, mas uma articulação entre singularidade, particularidade e universalidade. Isso significa que para chegar à concretude do conhecimento de um objeto há, de um lado, propriedades que são próprias do objeto e, por isso, únicas dele e, de outro, tem algo que o torna diferente e, portanto, são extrínsecas a ele. Isto é, tem qualidades que são semelhantes, mas, ao tempo, diferentes. Por serem elementos contraditórios de um mesmo objeto, há entre eles conexões que revelam um todo articulado entre as diversas unidades que o compõe.

Dito isto, podemos afirmar que o caminho que nos leva ao conhecimento não é linear, mas um movimento coordenado e processual entre os diversos momentos que articulam universalidade, particularidade e singularidade. Nesse movimento, é necessário estabelecer as determinações essenciais de cada objeto e suas estruturas fundamentais, bem como expor as diferenças entre ele e os outros objetos.

Desse modo, a demanda específica do método marxiano é saber como traduzir em conceitos teóricos uma realidade que é um todo complexo. A busca nada mais é do que demonstrar, por meio da razão, o que acontece na realidade prática. Tonet aponta que não se trata de simplesmente pedir ao sujeito que organize os elementos levantados, mas que se capture a lógica que já existe na própria realidade. Neste capturar, “[...] temos que fazer um percurso que nos leve do imediato, através do mediato, até o resultado final que é uma síntese de vários elementos e uma articulação entre essência e aparência” (Tonet, 2013, p. 119).

Neste primeiro instante, parte-se de um meio “todo caótico”, isto é, de uma visão imediata da realidade que não permite apreender os vários elementos que compõem o objeto, as suas articulações e conexões e a dinâmica de todo o processo (Marx, 2008; Duarte, 2008; Chasin, 2010; 2009; Tonet, 2013). Apreende-se apenas um conjunto de elementos sem a concretude e a conexão que os articulam, sem a totalidade a qual pertencem. São dados capturados de modo desorganizado e só podem ser compreendidos na medida em que suas conexões vão sendo desvendadas, demonstrando a totalidade ao qual pertencem.

Como presumiu Marx (2008), a realidade é repleta de contradições e conhecer sua concretude pressupõe se “elevar do particular ao geral num processo de síntese”, pois em cada elemento social residem contradições e por detrás delas habita uma “autêntica realidade” (Kosik, 2002). Mas, chegado a este ponto, a pergunta que surge é: Como saber o momento em que se pode suspender a fase das abstrações e se elevar ao concreto? A resposta é que, por meio de um amontoamento de abstrações, esse momento vai nascendo na medida em que se identifica e se nega o que há de diverso entre um objeto e outro e se revela um número de abstrações que são determinantes e, por isso, indicam a identidade do objeto e sua natureza específica.

“[...] O processo de concreção, por sua vez, é o movimento pelo qual o pensamento vai capturando um número cada vez maior de determinações do objeto fazendo emergir, assim, um concreto pensado cada vez mais rico [...]” (Tonet, 2013, p. 122). Como diz Marx (2008) as determinações abstratas conduzem a reprodução do concreto. Marx (2011) faz a defesa de que o método correto é aquele capaz de ascender do abstrato ao concreto pelo pensamento de modo que o pensamento se apropria do concreto e o reproduz como um concreto mental.

Neste ato é que reside a importância do método. O método científico nada mais é do que a maneira de proceder do pensamento, um produto do pensar, do conceituar, “[...] da cabeça pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível [...]” (Marx, 2011, p. 55). Maneira pela qual “[...] o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida [...], [pois] [...] o concreto é concreto, porque é a síntese de muitas determinações[...]” (Marx, 2008, p. 258-259). O que significa afirmar que o concreto é apontado por Marx (2011; 2008) como um produto do cérebro a ser alcançado.

Por essa razão, Marx (2011) situa essa ação ao sujeito real, que tem de estar continuamente presente como pressuposto da representação, ele “[...] continua a existir em sua autonomia fora da cabeça; isso, claro, enquanto a cabeça se comportar apenas de forma especulativa, apenas teoricamente [...]” (Marx, 2011, p. 55). Isso porque as categorias simples “[...] são expressões de relações nas quais o concreto ainda não desenvolvido pode ter se realizado sem ainda ter posto a conexão ou a relação mais multilateral que é mentalmente expressa nas categorias mais concretas [...]” (Marx, 2011, p. 56). A realidade, portanto, não é compreendida mediante a contemplação ou mera reflexão, mas por meio de uma determinada atividade que leva em consideração os vários aspectos ou modos de apropriação do mundo pelos homens.

Há que se destacar que nesse estágio o caótico ainda não está plenamente ultrapassado, apenas se reconheceu o ponto de partida - abstrações simples - e o ponto de chegada - o concreto, de reproduzi-lo como um concreto mental - pois, de forma alguma, essas abstrações podem explicar o processo de gênese do concreto, apenas supõe o concreto já dado. Na verdade, esses dois processos não se repelem e nem são incompatíveis, ao contrário, “[...] no andamento da síntese operam mediações aglutinadoras que os aproximam e fundem, para o sucesso das quais são imprescindíveis a universalidade das abstrações [...]” (Chasin, 2009, p. 129).

Nisto reside à importância do método, uma vez que ultrapassar o que é caótico e obscuro no objeto para conhecer e compreender a realidade tornando-a clara e explicativa é um processo confuso e desafiador. É nesse itinerário de síntese que se realiza o método, um “[...] concreto pensado [que] é a apropriação dialética do concreto real por meio da mediação da análise, da mediação do abstrato [...]” (Duarte, 2008, p. 59). Portanto, o método é “[...] o curso do pensamento abstrato, que se eleva do mais simples ao combinado, corresponderia ao processo histórico efetivo” (Marx, 2011, p. 56).

Por isso, Chasin (2010, p. 7, grifo nosso) afirma:

Há dois instantes reais de conhecimento [...]. Um, que é o instante da imediaticidade, onde a gente se move a nível dos fenômenos, dos fenômenos mistificados. Esta mistificação, esta empiricidade, esta imediaticidade, no entanto, nós formamos algumas ideias a respeito disso e nos movemos. O plano do conceito, o plano da interioridade efetiva, ontológica, do objeto, já é outro campo. É o campo da ciência. Entre um e outro pode, às vezes, haver mesmo um abismo. Mas há, realmente, no sentido mais essencial, uma continuidade superadora.

O que significa que trafegar da imediaticidade ao concreto é um percurso caótico e cheio de obscuridades, que requer atenção racional do sujeito pensante para explorar as profundezas das verdades regidas pelo objeto. Para esse autor, a essencialidade do método está justamente em possibilitar o caminhar mental da visão difusa e confusa, caótica, da completude da empiricidade, para a concretude, passando pela abstração. Assim, o método científico não é mais do que a maneira de proceder do pensamento. Busca-se o conhecimento científico por via do movimento do plano real e da consciência, sendo que ambos são importantes para subsidiar a identificação e elucidação de todas as condições que cercam o objeto. Em suma, o método é um navegar dialético entre os pontos de abstrações simples e complexas, entre o comum e o diverso, entre o singular e o universal.

É, nesse sentido, que Kosik (2002) dispõe que a dialética é justamente a atividade do “[...] pensamento que destrói a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade e ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real”. O autor explica essa atividade como um percurso “claro e escuro de verdade e engano”, repleto de contradições, que precisam ser eliminadas e ultrapassadas para serem clarificadas. Dessa forma, o método pressupõe um constante movimento de ir e vir sobre o objeto para pensar e construir novas análises sobre o mesmo e, assim, remover todas as abstrações que o circunda para construir a crítica autêntica, tão necessária à sua compreensão dentro da totalidade que o rodeia.

Conclusões

Ao finalizar este texto podemos concluir que é extremamente difícil identificar e entender o método a partir das obras de Marx. Ele não escreve um texto específico explicando como proceder no processo da construção do conhecimento. O que há, em algumas de suas obras, são vestígios que indicam sua opção metodológica. Por isso, foi muito importante buscar autores marxistas que discutem a questão e explicam a gnosiologia iniciada por Marx.

Entendemos, por meio deles e de Marx, que não há um caminho amarrado sobre o método, mas indicações teórico-metodológicas que explicam um quadro consistente e articulado em torno do entendimento da realidade e do ser. Esse quadro analítico esclarece não só a ontologia do ser e sua relação com a realidade, mas também transforma a forma de pensar e fazer ciência. Por esse motivo, entendemos que a teoria marxiana representa um grande salto qualitativo para a produção do conhecimento científico, visto que avança em pontos importantes para o progresso da crítica à especulação, bem como para o entendimento de categorias centrais que explicam a problemática do conhecimento e sua relação com a prática social.

A superioridade de Marx está justamente em examinar analiticamente essa relação com base na concretude da realidade e na sua afinidade com a atividade objetiva do homem, enquanto atos recíprocos e, por isso, inseparáveis. Esses explicam como o homem se produz no mesmo instante em que produz o mundo social e utiliza do conhecimento produzido nessa relação para transformar a si e sua realidade

Referências

CHASIN, José. Método dialético. Aulas ministradas durante o curso de Pós-Graduação em Filosofia Política, promovido pelo Departamento de Filosofia e História da Universidade Federal de Alagoas, de 25/01 a 06/02/1988. [s. l.], 2010. Disponível em: Disponível em: https://orientacaomarxista.blogspot.com/2010/10/metodo-dialetico-jose-chasin.html?m=1 . Acesso em: 23 mar. 2023. [ Links ]

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TONET, Ivo. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013 [ Links ]

SOBRE O/AS AUTOR/AS

3BATISTA, Ilda Gonçalves; PRAZERES, Maria Sueli Correa. Materialismo histórico-dialético: reflexões sobre o método. Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. X n. X, 202x. DOI: 10.22481/praxisedu.vXXiXX.XXXX

Recebido: 23 de Março de 2023; Aceito: 27 de Julho de 2023

Ilda Gonçalves Batista. Doutoranda em Educação pela UEPG. Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Avaliação (GEPPEA) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Tecnologias Digitais no contexto Educacional Amazônico (CONECTA). Bolsista Capes. Contribuição de autoria: autora - https://lattes.cnpq.br/5408547583754911.

Maria Sueli Correa dos Prazeres. Doutora em Educação pela UEPG. Docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Pará/Campus Universitário do Tocantins - Cametá. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura da UFPA (PPGEDUC). Coordenadora da Linha de Políticas e Sociedades do PPGEDUC/UFPA. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Tecnologias Digitais no contexto educacional amazônico (CONECTA Amazônia). Contribuição de autoria: coautora - https://lattes.cnpq.br/7320780651650730.

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